O Teatro Longe da Razão

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O Teatro Longe da Razão

M.G. Sousa

De

O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar.

O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar.

O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.”

- Carlos Drummond de Andrade

O teatro longe da razão | M.G. Sousa

1

Como gerbérias e girassóis, Como a luz ofuscante de mil sois, Como o magnífico céu estrelado, É assim que me deixas encantado.

Uma ânsia reconfortante,

Um aperto que é relaxante, Um toque, um beijo arrastado

É assim que me deixas apaixonado.

Os momentos que me sinto amado

Que sinto as borboletas esvoaçar

Sinto-me seguro, enfeitiçado

Especial e enamorado

Sem capacidade de me expressar

Como amo tanto poder-te amar…

2 O teatro longe da razão | M.G. Sousa I

Por mais que procure, não existem palavras para te descrever,

Por mais que tente, sem ti não consigo viver.

Pode soar ridículo ou infantil.

Porém, para mim, és todas as plantas do meu jardim.

Intensa como o vermelho das rosas,

Perigosa como os seus picos,

Firme como os seus ramos.

Delicada como o dente de leão.

Livre como o vento que o leva.

Graciosa como a tulipa.

Bela como a gerbera.

Possuis todas as cores da primavera.

Brilhas mais que qualquer estrela.

Em toda a atmosfera.

3 O teatro longe da razão | M.G. Sousa
II

Nem todas as plantas do meu jardim.

Nem todas estas cores que possa entrever. Chegam para te fazer ver.

Que só tu, és a minha cor, o meu jardim. O meu início e o meu fim.

Sem ti não há cor.

Tudo fica cinzento.

És a minha chama, o meu sentimento.

4 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

Pele com pele sinto a tua essência. O calor das tuas mãos geladas, Reforça a minha obediência, Às tuas linhas decotadas.

Sentindo a tua respiração,

Perdendo-me em cada beijo, Perde-se também o meu coração,

Nesta perfeição que entrevejo…

Cada momento mais e mais ardente, Absolvido no teu toque intenso,

Ficas tatuada na minha mente,

Dessa tinta tão permanente, Deixando-me indefeso,

De amar tão perdidamente.

5 O teatro longe da razão | M.G. Sousa
III

Eu escrevo para quem me quer ler E hoje escrevo para ti,

Porque de toda a bela gente És a mais bela que eu já vi.

Uma feliz infelicidade, Espontaneamente planeada.

Uma inerente cumplicidade,

Que a mim foi postulada.

Uma próxima distância, Um carinho indiferente,

Uma forte petulância, Que conforta a minha mente.

Um sonho cinzento, enevoado.

Aestrela mais reluzente, Em todo o céu estrelado.

6 O teatro longe da razão | M.G. Sousa
IV

Casa. Casa não são estas ruas

Das cidades às colheitas

Casa. Casa são tuas curvas

Perfeitamente imperfeitas

Observo linhas e entrelinhas

Nessas tuas curvas decotadas

Queria que as tuas fossem minhas

Noites encantadas

Curvas e contracurvas

Marcas e cicatrizes

Amores e lamúrias

Os meus e os que pude vislumbrar

Dos teus contornos delicados

Iluminados pelo luar

Acasa que habito são essas, Curvas onde me perco, onde moro

Esta casa por quem me enamoro

7 O teatro longe da razão | M.G. Sousa V

Lá vai ela

Tão bela

Com segredos por contar

Uma capa rasgada ao meio

E ninguém para a segurar

Seguro eu

Rasgo eu

Se ela me contar

Quem foi a cicatriz

Que a jurou amar

Passa o frio

Passa o vento

Sem nunca a abalar

Uma musa sem tento

Que me inspira a trovar

8 O teatro longe da razão | M.G. Sousa
VI

Uma trova de amor

Para podê-la encantar

Uma prova de clamor

Para sua capa poder rasgar

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teatro longe da razão | M.G. Sousa
O

“Vós, que sofreis, porque amais, amai ainda mais. Morrer de amor é viver dele”

-Victor Hugo

10 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

VII

E aqui me encontro enclausurado Com a cabeça a mil, acelerada…

O coração sem estar descansado E a alma mais que perturbada.

Achuva estronda à janela

As paredes mingam, apertam-me

Apenas me consigo lembrar dela

Enquanto as nossas memórias cercam-me.

Triste, confuso e assustado

O que é amar sem ser amado?

Se não um sonho inacabado

Será que as borboletas a esvoaçar

Serão o suficiente para te continuar a amar?

11 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

Escapando à realidade, Em busca da felicidade,

Cada um tenta encher o seu vazio, Com todo tipo de falsidade.

Quer com adrenalina ou amor, Com mil e uma coisas ao seu dispor.

Abafando e afogando-se com,

Tudo que dê para esconder a sua dor.

Vivendo assim numa mentira

Numa realidade absolvida,

Feliz de passa em passa,

Contente de copo em copo,

Satisfeito de corpo em corpo,

Vivendo numa profunda desgraça.

12 O teatro longe da razão | M.G. Sousa
VIII

Contra o vidro precipitava

Ferozmente o tempo gritava

E, trovejando em minha mente

Ouvia subtilmente

Abrisa que murmurava

Amores e lamúrias

Mágoas e esperanças

As noites em que dançavas

Ao som da tempestade

Em que a cada trovejar

Meu coração começava a chamar

Pelo dilúvio final

Que o poderia completar

13 O teatro longe da razão | M.G. Sousa IX

Feliz pelo passado vivido, Seguro no presente que vivo.

Absorto num futuro dividido, Por este sentimento intrusivo.

Enganas e confundes meio mundo

Agente pura que cai na ilusão, De ofereceres algo tão profundo

Um compromisso, sem um “se não”.

Fazes-me rir, fazes-me chorar,

Fazes-me desacreditar em tudo,

Aquilo que te podia dar.

Enches e quebras o meu coração.

Fazes de mim a tua marioneta,

Neste teatro longe da razão.

14 O teatro longe da razão | M.G. Sousa X

Tanto preencheste o meu coração, Como o quebraste sem hesitar,

Tanto me inibiste da razão, Como ma fizeste procurar.

Vejo-te no reflexo do espelho

Ouço-te nas músicas que canto Encontro-te em todo brilho,

Em cada esquina, em cada canto.

Por ti chorei e questionei

Tudo aquilo que vivi

E tudo aquilo que sonhei.

Relembro cada frase, cada olhar

Sem algo para culpar

Além de me ter atrevido a te amar

15 O teatro longe da razão | M.G. Sousa
XI

“Amor é chama que arde sem se ver” Foi o que Camões me fez entender.

Que amar sem ser de volta amado, É a forma mais bela de morrer.

Como o cigarro que arde sozinho

Que lentamente queima e cai na desgraça. Passando de chama a fumaça, Fumado por qualquer vulgarzinho.

Uma chama que incendeia a mente Sufocando a nosso coração e Fazendo-nos amar perdidamente.

Deixando-nos por um fiozinho

Em busca de um especial alguém, Que não nos deixe arder sozinho.

16 O teatro longe da razão | M.G.
Sousa XII

Tal como as rosas, Simbolizas mil e uma prosas, Formosas, belas, mágicas, maravilhosas…

Tal como as rosas, Vestes-te de todas as cores, Mágoas, cansaço, alegrias e amores, Pois fora do teu jardim, nem tudo são flores.

Tal como as rosas, Rodeias-te de espinhos, nos espacinhos dos tempos vizinhos, Porém águas passadas não movem moinhos.

Tal como as rosas, Suave, mas severa

Amais bela das flores Que a primavera retivera

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XIII

Tal como as rosas, Fazes-me crer, Que uma vida sem ti não vale a pena viver.

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O

XIV

Como a suave brisa que sopra, Como a fumaça de um cigarro, Como o que me rodeia me mostra, O que flui, é o que me agarro.

Agarro-me à corrente, indo

Fluindo tal como ela, bela Passando pelas pedras, caindo

Neste sentimento que me cela.

Tão complexo, mas tão restrito.

Tão fluido, mas tão firme,

Um caminho liso, de atrito.

Este sentimento que restringe,

Que finge ser algo mais,

Que nos completa, mas que nos atinge,

Que nos ilude e faz sentir especiais.

19 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

XV

Amar quem não te ama

E esperar dar certo

É como esperar ferver um café

Sem acender o fogão

Um coração ardente

Uma chama efervescente Reduzida a cinzas

Deslocada de toda a gente

Impacientemente esperando Lutando, consigo própria

Em busca do amor

Em busca daquela faísca distante

Que nunca acenderá

Que nunca apagará a nossa dor

Que jamais, irá retribuir o nosso amor

20 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

“As palavras proferidas pelo coração não têm língua que as articule, retém-nas um nó na garganta e só nos olhos é que se podem ler.”

-José Saramago

21 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

XVI

Observava a silhueta dos teus cabelos

Os contornos do teu rosto

O brilho suave das zonas iluminadas pelo luar

O mar negro estrelado, detalhado

Que te afoga nas suas águas

As águas que tu, marejas majestosamente

Hipnotizando-me, fazias-me abraçar-te e cortejar-te

Levar-me nessas tuas águas

Nesse teu brilho suave

Nesse olhar estrelado, Nessa leve silhueta

Que me abraçava, carinhosamente

Porém, ao abraçar a noite, nasceu o dia Ferverosamente mais intenso

Uma chama radiante, colorida, rodeada não de detalhes

Mas duma história completa

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Uma luz ofuscante, que me mostrava não um Mas todos os caminhos…

Uma luz que me cegava

Afogava, ardia, queimava Uma luz, que não apagava

Não… suavizava, não cedia, não… não anoitava Um radiante feixe de luz, que não cessava

Que me ardia a cada vez que me abraçava

Que me cegava a cada vez que me via

Perdi esperança nesta chama

Que me queima e não me ama Voltando então para o suave luar

Que nunca será capaz de me amar Mas sempre, de me enganar

De me levar a pensar que um dia O sol não me voltará a queimar

23 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

Solstício de verão

Hora de amor e compaixão

De um fado esperançoso

Duma tarde de verão

Da saudade insofrida

Dos fados de paixão

Dos acordes coloridos

Que me enchem o coração

Num fado delicado

Conversado a doce tom

Das donzelas que me encantam

Com a sua adoração

E os seus gestos amorosos!

Os beijos calorosos

O toque delicado

Arrastado suavizar

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O
XVII

Das mãos amorosas

Que me fazem apaixonar

Das conversas, de sedução

Das almas que houveram

E das pessoas que haverão

Mas não

Não tenho lugar eu meu coração

Para estas mãos sofridas

Que se esgotaram de paixão

Do toque fremente

Que me mente

Que me enche de falso amor

Um fado chorado

Não falado

Gritado, em plena dor

Enche-me de lágrimas

Para sarar este ardor

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Atarde vira noite

O sol vira lua

As sombras iluminam

Asua figura agora nua

Saudade

Carinhosa, cuidadosa

Frágil e dolorosa

Doces as memórias

Da donzela que me encantou

Da chama que acendeu

Do amor que floresceu

Da ternura que me cuidou

Da pessoa que me abrigou

Novo fado conversado

Numa madrugada estrelada

Esperava eu sua voz

Acada badalada

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Mãos sofridas, afagadas

Lágrimas, fisgadas!

Para longe de meu coração

Tão suave esta ternura

Tão doce nova paixão

Tão intenso este amor

Que jurou cuidar de mim

Com tamanha declaração

Sinos melancólicos

Ensurdeceram minha visão

Como pude ser tão cego

Em tal outra paixão?!

Mãos calejadas

Pela pedra do amor

Uma chama apagada

Pelo seu próprio ardor

27 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

Qual fado falado

Eu quero é gritar

Qual a maior ilusão

Se não a de amar?!

Ninfas enganadoras

Musas da desilusão

Saudade jamais

Roubaram meu coração

Nasce o sol

Um dia novo e percebo enfim

Se amar é viver

Um fado é falar

28 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

Nesta rua em que me encontro Na qual entro e remonto

Um começo para um fim Que fim? O meu encontro.

Um encontro traçado

Um Fado já ditado Uma dança harmoniosa pelas tiras do destino

Um amor pelos deuses invejado

Olho para estes pilares que me envolvem

Uns cinzentos, amargos e imponentes

Outros, cor-de-rosa, suaves e amorosos

Que me acolhem, que me arrastam para o chão

Este chão feito do barro que Prometeu usou

Para moldar a humanidade

O escárnio e a paixão

29 O teatro longe da razão | M.G. Sousa
XVIII

Nesta rua que não consigo escapar Por mais que ande não consigo encontrar

Cada ruela torna-se num beco Cada porta, numa parede

Parede a qual me abraça e cospe De volta para esta rua

Este começo que não tem fim Este encontro desencontrado

Entre o amor e as estrelas

Entre os deuses e o Fado

30 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

Oh vento!

Leva contigo as minhas cinzas

O meu último e ofegante suspiro

Oh vento, leva contigo o meu pensamento

Oh chuva!

Afoga os meus males

Distorce as minhas rimas

Oh chuva, leva contigo as minhas lágrimas

Oh grade tempestade que aí vem!

Guia-me pelo teu bem

Afoga-me, batiza-me

Deixa-me renascer nessas tuas águas

Atinge-me com o mais feroz dos teus raios

Para iluminar o meu caminho

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XIX

Oh vento!

Faz-me dançar intensamente

Como os ramos das árvores

Que o fazem tão graciosamente

Oh vento!

Dá-me a tua voz

Deixa-me, como tu, gritar ao mundo

Fazer tremer o chão, as árvores e os lares!

Deixa-me ser eu sem me julgares

Se me levares nesse teu sopro

Que consome o espírito e a alma

Oh tempo…

Leva-me este sentimento

Lamento, mas não consigo mais

Que o amor e a razão sejam tão desiguais

32 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

Minha musa não são belas damas

Ou estas paixões simples e banais

Não são as palavras que proclamas

As falas mansas e amores fatais

Minha musa é o céu estrelado

E aquela forma radiante

Que com o seu contorno pincelado

Torna-me o seu fiel amante

Vestindo-se das mais belas cores

Brilha em mim a sua inspiração

Sem promessas de falsos amores

Sem qualquer palavra ou oração

Preenche-me com suas belas flores

O vazio que há em meu coração

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XX

O amor é uma faca de dois gumes

É um mar repleto de abraços

Que enche o vazio que há em mim

E depois quebra-o em pedaços

O amor é uma ilusão

É a chama em meu coração

Que em cada belo despertar

Tira meu fôlego, tira meu ar

O amor é dor

Mas é a angústia que nos move

Este sofrimento que nos percorre

O sangue que de mim escorre

Que verte a felicidade em Minh’alma

Uma dor que me atormenta e não escolhi

Uma vida que sofre e eu não a vivi

Por ti, amor, por ti nada senti

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razão
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Mas não, senti, vivi, amei

E todo o sangue derramado É prova daquilo que dei

Do sentimento que jamais esquecerei

Dor, angústia, desilusão Não tomarão espaço em meu coração

Pois todo o homem sofre, mas pouco ama

Todo homem morre, mas pouco vive

Todo o poeta escreve, mas pouco declama

Aquilo que teve, aquilo que sente

Aquilo que o chama

Declamo então eu

O que tive, o que tenho

O que sinto e o que amo

Amor não é dor, ilusão, ou chama que arde sem se ver

Amor é amor, não é assim tão difícil de entender

35 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

O amor não são apenas sonhos e romances

Amigos, família ou amantes

O amor é um sentimento e energia tão pura

Que se sustenta a si e a tudo por si só

-M.G. Sousa

O teatro longe da razão | M.G. Sousa

36

O amor é uma pedra

Moldada pelo mar

Que se cobre por completo Mas deixa sempre um buraco

Para a água passar

O amor são os contornos da lua São os raios do sol

Aquelas doces curvas

Que te encantam como um anzol

O amor são as rosas de todas as cores

E seus espinhos prontos a matar

O sangue em tuas veias

E o ar capaz de te sufocar

O amor é uma nau quebrada

Perdida na neblina

37
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O

Num mar de sereias que te tentam encantar

Para saltares fora do barco

Que apenas queres navegar

Guiar, consertar

Pois sem terra à vista

Apenas te perdes no mar

Sem saber quando ou onde

O teu navio irá afundar

O amor é a luz do dia

Capaz de iluminar

Um porto seguro

Onde possas descansar

Onde possas desfrutar

De um mar estrelado

Um navio consertado

E um mundo por explorar

38 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

Um mundo de sol e neblina

De ternura e tempestades

De uma chuva refrescante

Em que poucos sítios possa trovejar

Nos quais coloques um para-raios

Abraçando o choque puro

Da mais pura realidade

Que para no teu jardim crescerem rosas

Tens de aceitar a tempestade

O amor é um poema

Sem princípio, meio e fim

Ou pontuação que o possa controlar

O amor é um livro sem capa

Um manual sem instruções

De por onde começar

Pois para haver amor

Basta querer amar

39 O teatro longe da razão | M.G. Sousa

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