Invisiveis

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REVISTA K Texto: Eduarda Spanevello e Jordana Marian Fotos: Renata Ramos Diagramação: Renata Ramos

Pobreza absoluta, vínculos familiares rompidos ou fragilizados e a falta de habitação convencional são algumas das características, por caráter temporário ou permanentemente, de uma pessoa em situação de rua. cional de Assistência Social, essa população é um grupo heterogêneo, composto por pessoas de diferentes realidades, que compartilham a rua como espaço de moradia. De acordo com uma pesquisa realizada em 2015 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o Brasil tem pouco mais de 100 mil pessoas em situação de rua, sendo que cerca de 500 pessoas nessa situação se encontram na Cidade de Novo Hamburgo.

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São inúmeros os motivos que levam uma pessoa a utilizar a rua como espaço de moradia e sustento. Entre os principais fatores, segundo uma pesquisa realizada em 2014 pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, estão: ausência de vínculos familiares, perda de algum ente querido, desemprego, violência, perda da autoestima, alcoolismo, uso de drogas e doença mental. A busca pelo reconhecimento das pessoas que se encontram em situação de rua

e a necessidade de torná-los visíveis foi o marco inicial para a realização do webdocumentário “Invisíveis”, produzido pela Agecom - Agência Experimental de Comunicação da Universidade Feevale. Nessa produção, a aproximação com a realidade das pessoas em situação de rua dições de vida, da própria violência e da violação dos direitos humanos. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), prevê no artigo 25º que

“todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle” A proposta para a produção audiovisual foi iniciada no 7º Colóquio das Agências Experimentais de Comunicação, realizado em maio deste ano no Câmpus de Por-

to Alegre da Unisinos. O Colóquio tem como objetivo integrar as agências e promover debates entre alunos rar o ambiente das agências experimentais. Com foco na “autenticidade”, o evento realizado este ano apresentou a seguinte questão: o que é autenticidade em um ambiente experimental? Como resultado dos debates, uma ação foi proposta para aumentar a visibilidade das agências experimentais de comunicação através de um viés social, chamado de projeto “Interagências”. Com foco na violência, o objetivo era que cada agência desenvolvesse uma peça para exposição em plataforma digital. Diante disso, a Agecom resolveu voltar seu projeto para a violência contra a população em situação de rua. Apesar do projeto Interagências apresentado no Colóquio não ter sido continuado, a Agecom uniu os microfones e as câmeras para a realização do primeiro webdocumentário do projeto Reticências. O projeto contou com o apoio do Centro Pop de Novo Hamburgo – Centro de referência especializado em assistência social para pessoas em situação de rua, onde os

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depoimentos dos usuários foram captados Roni Antônio Gomes, o coordenador responsável pelo Centro Pop de Novo Hamburgo, explica que o serviço atende exclusivamente pessoas em situação de rua acima dos 18 anos. Binô Zwetsch, educador social do Centro Pop enfatiza: “População em situação de rua” é um termo mais recente, antigamente se chamava ‘morador de rua’ ou até ‘mendigo’, mas são pessoas que usam a rua como espaço de sobrevivência ou de vivência. Um aspecto que pode estar relacionado a sair da situação de rua, é o fato de que, muitas vezes, ela não está economicamente ativa. Ou seja, se ela não trabalha, logo, não contribui para a lógica de consumo. Essa lógica faz com que essas pessoas sejam excluídas e se tornem invisíveis aos olhos da sociedade, do mercado e do estado. Entretanto, a rua não é apenas uma escolha, o educador social do Centro Pop tam-

“é uma condição de vida. Aquilo ali foi a última alternativa pra tu conseguir se virar, conseguir o teu sustento, é tá na rua”. Sobre os principais tipos de violência, o psicólogo Fábio Guilherme Flesch Möller, técnico social do Centro Pop, explica que a discriminação e o preconceito são problemas trazidos seguidamente.

“Histórias de vida muito fragmentadas, degradação do núcleo familiar(…) isso aí é muito presente neles também em função disso, desse rompimento do núcleo familiar é que eles acabaram vindo parar na rua. Essa falta é uma dificuldade nas relações interpessoais, às vezes de repente um manejo mais adequado poderia resolver o problema deles”, disse.

“HiStórIaS dE vIdA mUiTo fRaGmEnTaDaS” - Fábio Flesch möller, técnico social.

Leandro Coutinho Medeiros, de 58 anos, foi o primeiro usuário do Centro Pop de Novo Hamburgo a participar das entrevistas para o webdocumentário. Leandro se descreve como morador de rua que foi cenotécnico, motorista de ca 22

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minhão e que trabalhou em grandes eventos do Brasil, como Garota Verão, Bienal em São Paulo, Bienal no Rio e etc. “Quem é o Leandro? Eu te diria que é um profissional competente, um cara inteligente, mas que tem pouco lutado ultimamente pra conseguir os seus objetivos”, disse. Sobre as questões de violência, ele comenta: “É vexatório um cara com a minha idade, com a minha experiência, passar por situações que a gente passa. É constrangedor, é vexatório”.

“o cara vai pra um lado, vai pro outro, consegue fazer um dinheiro, se alimenta, não precisa mexer em nada de ninguém, só fica tranquilo né. Daí eu penso assim: se eu me trancar, eu não vou viver muita coisa. Eu vou ficar só olhando pras paredes, eu tenho que sair, eu tenho que viver”.

Felipe Januário de Oliveira, de 30 anos, é natural de Curitiba, no Paraná, Felipe Januário de Oliveira, de 30 anos, é natural de Curitiba, no Paraná, criado em Foz do “por que eu vou ficar ‘morando em um lugar só se eu tenho o mundo inteiro para explorar?”. Felipe conta em seu relato que experienciou a violência em sua maneira mais dura. Ele conta: “eu estava dormindo na rua, quando eu vi, eu não sei o porquê, eu acordei e era um monte de facão vindo pra tudo quanto lado. O cara conseguiu acertar só dois ‘facãozasso’ em mim, mas eu consegui me levantar e sair correndo” Felipe se descreve: “eu sou só mais uma pessoa que tá vivendo o cotidiano, que tá vivendo a vida. Porque a vida é pra ser vivida”. Insistente para participar das gravações do webdocumentário, Silvano Gonçalves é natural de Novo Hamburgo, tem 38 anos e atualmente vive com o irmão - mesmo que sua casa seja de difícil acesso para um cadeirante. O dinheiro que consegue arrecadar nas ruas é destinado aos remédios de sua mãe, rua é boa para aprender, e relata: 24

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REVISTA K Sobre a situação das mulheres nas ruas, Roni Antônio Gomes, coordenador do Centro Pop salienta:

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“A mulher quando chega na rua sofreu tudo que é tipo de violência. Até ela chegar a isso, ela já foi usada para a prostituição e várias outras violações”. Américo da Silva Rodrigues, de 46 anos, saiu de Minas Gerais para trabalhar no polo petroquímico de Rio Grande, e ao ver a quebra da empresa, viu-se em situação de rua. não sabem da sua condição atual.

“Agora eu deixo um recado pra vocês aí da Feevale, vocês que são jovens: a calçada tá propícia a todos. Tá todo mundo sujeito. Se não vigiarmos nossos filhos, mantê-los longe das drogas, que o primeiro caminho pra rua são as drogas... Vigia teus filhos, teus irmãos, teus familiares que aqui nós estamos indo pras gerações futuras não precisarem ir. O webdocumentário “Invisíveis” contou com a participação de sete pessoas em assunto, sete acadêmicos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas e teve a coordenação e orientação de quatro professores da Universidade Feevale, possuindo 10 minutos de duração e disponível nas plataformas da Agecom.

Assista o webdoc bIt.lY/wEbDoCiNvIsIvEiS 28

Caricatura feita por Robson de Souza.

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