Boletim mensal analise conjuntura 10 prova online

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BOLETIM DE

BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2016

ANO 01 - Nº 10 - DEZEMBRO 2016

ANÁLISE DA CONJUNTURA

GOLPE CONTRA O ESTADO INTERNACIONAL POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA SOCIAL

2016 RETROSPECTIVA

ECONOMIA TERRITORIAL COMUNICAÇÃO

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APRESENTAÇÃO O ano 2016: uma retrospectiva A décima edição do Boletim de Análise de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo traz uma retrospectiva dos principais acontecimentos e temas deste ano que se encerra, a partir dos informes mensais publicados anteriormente. Como registram estas páginas, houve acontecimentos de vulto em níveis nacional, regional e internacional. Mas, sobretudo, no caso do Brasil, podemos identificar em 2016 um ponto de inflexão histórico. Tudo indica que os governos do PT (2003-2016) ultrapassaram o que parece ser o limite que as forças conservadoras estão dispostas a aceitar, a aplicação das possibilidades democráticas, de inclusão social e de soberania nacional, da Constituição Federal de 1988. O golpe de Estado vitorioso contra a presidenta Dilma Rousseff que encerrou o ciclo dos mandatos federais petistas e instalou um governo ilegítimo tem como objetivo imediato desmanchar pela via legislativa, judicial e ações do governo o legado de direitos sociais e cidadãos inscritos na Carta Maior e potencializados pelas políticas públicas petistas. Por meio de mudanças constitucionais, tentam fazer que o retrocesso seja irreversível. Este boletim foi elaborado no intuito de sistematizar os acontecimentos do ano. Partimos da seção Golpe contra o Estado, mostrando as ações do governo golpista que têm concorrido para promover o enfraquecimento das bases de construção de um projeto de desenvolvimento tecnológico e industrial com soberania nacional, através, uma vez mais, do sequestro patrimonial do poder público pela iniciativa privada. Na parte Internacional, apontamos que este foi um ano de incertezas: do golpe no Brasil e do avanço conservador na América Latina, passando pela desagregação do projeto de integração europeu à eleição de Trump nos Estados Unidos (EUA). Assistimos não apenas a mais elementos de retração nos mecanismos liberais de governança do pós-guerra fria, mas também sinais de retrocesso nas articulações de alternativas que se esboçaram ao longo dos anos 2000. Serão apontados alguns fatos que marcaram o ano, como o avanço de forças políticas conservadoras na América Latina, na Europa e nos EUA e o sucesso eleitoral de discursos antiglobalização. Na seção de Política e Opinião Pública, mostramos que o ano foi marcado por delações comprometedoras, intervenções das instituições jurídicas na política, protestos, medidas polêmicas e uma nova agenda econômica a fim de implantar uma política neoliberal de concessões e privatizações, recusada nas urnas e imposta à sociedade por meio de um golpe parlamentar, que reconfigurou as forças políticas e sociais. Há seis meses, o governo golpista de Michel Temer se esforça para manter a governabilidade e concluir o mandato, sob risco de eleições indiretas em 2017. Seguidamente publicamos na análise Social que o ano tem sido de duros golpes para essa área, o que era previsível, já que o governo golpista tem se pautado pelos parâmetros dos documentos “Ponte para o futuro” e “Travessia social”, os quais desenharam o

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acordo programático dos golpistas. Acentua-se a crise do mercado de trabalho, agravada por medidas governamentais hostis aos trabalhadores. A PEC 55 (antiga 241) foi tema central do ano, pelo congelamento dos gastos primários federais por vinte anos. Avança também em 2016 o ajuste fiscal e, a partir do golpe, ampliam-se os tentáculos do setor privado dentro do Estado brasileiro para a provisão de direitos sociais como saúde e educação e abre-se espaço para pautas conservadoras do ponto de vista individual no Estado e na sociedade. Quanto à Economia, de forma concisa, os dados revelam ambiguidades entre as expectativas de retomada da economia ao longo de 2016 e o que de fato tem se concretizado, particularmente no que tange aos indicadores de investimento e emprego. Em outras palavras, antes do impeachment os indicadores de expectavas de investimentos se apresentavam deteriorados, fruto da forte crise econômica e política que perpassava a economia. Após esse período, a economia chegou a apresentar indicadores positivos quanto à retomada, que, no entanto, não parecem se sustentar após os primeiros meses do governo Temer. Fragilidade institucional, crise política e uma política econômica pró-cíclica mostram que o problema enfrentado pela economia brasileira é estrutural, de forma que uma mera mudança de governo não fomentou a retomada do crescimento. No campo estritamente econômico, ao longo do ano, o manejo da política econômica tem sido extremamente adverso à retomada da economia. Na seção Territorial desagregamos geograficamente relevantes destaques econômicos, educacionais e eleitorais. No aspecto econômico, foram analisadas a evolução do PIB municipal nos últimos anos e a relação do crescimento/redução deste com a desigualdade econômica. No aspecto educacional, a análise centra-se na evolução do Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb) nos últimos anos. Já na temática eleitoral, analisou-se a relação do desempenho do Partido dos Trabalhadores na eleição deste ano com o perfil socioeconômico dos locais onde o partido obteve sucesso eleitoral. Na última parte, discutimos temas referentes à Comunicação. O ano de 2016 foi marcado pela cobertura do processo de afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff, iniciado em dezembro de 2015, quando o pedido de impeachment foi aceito pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A notícia reverberou ao longo de vários meses e foi o centro do noticiário inclusive durante a realização dos Jogos Olímpicos e das campanhas eleitorais municipais. Na grande imprensa, houve manipulação de fotos, manchetes, leads e textos com o objetivo de favorecer o desfecho alcançado pelos defensores do golpe de Estado, consumado na aprovação do impeachment pelo Senado. Diante deste contexto, foi muito importante o contraponto realizado pela imprensa alternativa, constituída por coletivos, sites de notícias e blogueiros, cujo principal ambiente de difusão é o das redes sociais na internet. Já no cenário internacional, a imagem do Brasil certamente ficou abalada. Toda a classe política é suspeita de ser conivente com a corrupção, e a democracia tem hoje uma mancha na sua história.

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GOLPE CONTRA O ESTADO

Um conjunto de medidas do governo golpista tem concorrido para promover o enfraquecimento das bases de construção de um projeto de desenvolvimento tecnológico e industrial com soberania nacional. Ao fim e ao cabo, o que se observa é, uma vez mais, o sequestro patrimonial do poder público pela iniciativa privada, como veremos a seguir.

O desmonte temerário das estatais federais

No entanto, na contramão do projeto eleito pelas ur-

Uma das características mais marcantes dos governos Lula e Dilma foi a reconstrução e o reposicionamento do Sistema de Empresas Estatais Federais, tanto do setor produtivo quanto do setor financeiro. A atuação estatal foi fortalecida especialmente em setores estratégicos tais como energia e petróleo, infraestrutura, bancos públicos, entre outros. O êxito da mudança do papel das estatais pode ser evidenciado pela sua participação ativa na implementação de políticas econômicas anticíclicas e de políticas sociais distributivistas.

nas, neste semestre, aproveitando-se do momento de fragilidade na imagem das empresas estatais em função dos casos de corrupção investigados pela Polícia Federal, o governo Temer avançou na direção do desmonte desse patrimônio público. Merecem destaque, nessa conjuntura: (i) a aprovação da Lei de Responsabilidade das Estatais; (ii) a mudança no marco regulatório do pré-sal e a proposta de encolhimento da Petrobras; (iii) a circunscrição no espectro de atuação estatal no setor elétrico e a perspectiva de enxugamento patrimonial da Eletrobras. 5

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GOLPE CONTRA O ESTADO

Lei de Responsabilidade das Estatais O governo Temer tem apresentado como uma de suas grandes vitórias a aprovação da chamada Lei de Responsabilidade das Estatais. O projeto tem como ponto de partida uma crítica contra a criação de empresas estatais nos governos Lula e Dilma e como linha de chegada a proposta de retomada da desestatização. O que ele não revela, no entanto, é que tais empresas tiveram papel fundamental na busca de saídas para dois problemas estruturantes da economia brasileira: a ausência de núcleos endógenos de financiamento de longo prazo (daí a importância do fortalecimento das instituições financeiras estatais) e a falta de núcleos endógenos de inovações tecnológicas (daí a relevância da dinamização das empresas estatais não-financeiras). O liberal-conservadorismo brasileiro sempre buscou o encolhimento da ação do Estado por meio do enfraquecimento das empresas estatais. Ao longo de toda a chamada Era FHC, por exemplo, o país experimentou: (I) A privatização de setores estratégicos e empresas fundamentais para o desenvolvimento econômico e a soberania nacional, como no caso das áreas de telecomunicações, mineração, além do estímulo ao desmonte do complexo de bancos públicos estaduais. (II) A fragmentação e a distorção das atividades estatais, como no caso da Eletrobras, com a separação das funções de transmissão, geração e distribuição de energia; ou como no caso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que de banco público de investimentos foi reduzido a instituição financeira apoiadora da desestatização. (III) A descapitalização das empresas estatais articulada à estagnação dos investimentos, organizando aquela que foi a maior transferência de valores patrimoniais do Estado para a iniciativa privada; (IV) A falta de compromisso com os servidores públicos que permaneceram reféns de diversas operações de redução de pessoal e encolhimento salarial.

(V) Além, é claro, da própria terceirização de serviços públicos fundamentais, como decorrência de todo esse processo. Tal desmonte veio então acompanhado de um discurso pautado por uma suposta dinamização e eficiência de gestão. No entanto, o que se observou foi uma sequência de problemas marcados justamente pela ineficiência. Para comprovar tal concepção, basta mencionar alguns resultados apresentados pelo Sistema de Empresas Estatais Federais relativos a 2014/2015, conforme o relatório do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, ligado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão1. No que se refere às instituições financeiras federais: a) a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF) implementou o Fundo Garantidor de Infraestrutura (FGIE), que tem por finalidade oferecer, direta ou indiretamente, cobertura para risco de crédito, de performance, de descumprimento de obrigações contratuais ou de engenharia; b) o Banco do Brasil (BB) manteve a liderança nas operações de crédito do Sistema Financeiro Nacional, com participação de 21% desse mercado; c) o BNDES teve lucro de R$ 8,6 bilhões, resultado 5,4% superior ao ano anterior, em razão da expansão da carteira de crédito e do resultado das participações societárias; d) na Caixa, a carteira de crédito atingiu o saldo de R$ 597,1 bilhões, evolução de cerca de 23%, com destaque para o crédito imobiliário, que atingiu saldo de R$ 337,5 bilhões, expansão de cerca de 25%, e que representa mais de dois terços do mercado. No que se refere às empresas estatais não-financeiras: e) a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) concluiu sistemas de abastecimento para o atendimento de 23.412 pessoas, esgoto sanitário em onze municípios e a instalação de cerca de 75 mil cisternas; f) a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) procedeu à identificação, delimitação e vetorização de setores de risco a deslizamentos e enchentes, classificados como alto e muito alto

1. Os dados foram extraídos do documento: “O perfil das empresas estatais federais, 2015, ano-base 2014”. Disponível em: http://www.planejamento. gov.br/secretarias/upload/arquivo/dest-1/perfil-das-empresas-estatais-1/160801_2015_ano_base_2014.pdf

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em 307 municípios, nos quais foram identificados 2.880 setores, com 194.026 moradias e 849.873 pessoas; g) a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) realizou a cobertura da Copa do Mundo e das eleições e a transmissão digital a partir da nova Torre de TV do Distrito Federal. Ofereceu o acesso a conteúdos de comunicação pública para 163,4 milhões de pessoas (85,7% da população brasileira) em 3.583 municípios; h) a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) desenvolveu o Aplicativo de Vigilância em Saúde e Gestão de Riscos Assistenciais Hospitalares (Vigihosp), um software online para notificações em tempo real de incidentes em saúde, queixas técnicas, doenças e agravos de notificação compulsória; i) a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) inaugurou novo banco genético que triplicou a capacidade de armazenamento de amostras de sementes, tornando-se o maior banco genético da América Latina. A nova capacidade colocará o Brasil entre os três maiores repositórios mundiais do gênero; j) o Hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA) foi o primeiro centro universitário público a formar cirurgiões em cirurgia robótica. Além disso, renovou a conquista da Acreditação Internacional, conferida pela Joint Commission International, sendo o primeiro Centro Médico Acadêmico do Brasil e o terceiro da América Latina a possuir este selo de padrão internacional de qualidade e segurança; k) a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) iniciou a distribuição ao Sistema Único de Saúde (SUS) do primeiro produto com marca própria: o Hemo-8r, medicamento considerado mais moderno para o tratamento de hemofilia tipo A. Foram entregues mais de cem mil frascos do produto em 25 serviços de saúde de todas as regiões do país, para beneficiar cerca de nove mil portadores da doença.

que ocupam cargos públicos atuem nas empresas estatais é mais uma falácia moralizadora: vale lembrar que a maior parte dos envolvidos na Operação Lava Jato são empresários privados ou diretores de empresas estatais que se encaixam exatamente nesse perfil, nunca foram filiados a partidos ou militaram politicamente.

Desconsiderar esse conjunto de avanços e apresentar a Lei de Responsabilidade das Estatais como panaceia para os problemas da eficiência estatal, das contas públicas e da corrupção é apenas um subterfúgio para esconder as reais razões que movem o projeto liberal-conservador. A proibição ou restrição de que pessoas com atuação partidária e

No entanto, de forma oportunista, o atual governo golpista tem se valido dos desdobramentos da Operação Lava Jato para fazer a opinião pública crer que o combate à corrupção deve ser feito por meio, não do saneamento e do aperfeiçoamento dos instrumentos de governança da empresa estatal, mas sim do desmanche da Petrobras.

Além disso, utilizar a tecnocracia como forma de criminalização da política é uma forma de enfraquecer o Estado nas suas responsabilidades com a democracia e com os direitos sociais e trabalhistas, para que se possa fortalecer através do Estado a aliança com certos interesses do rentismo. Petrobras Nos últimos anos a Petrobras esteve no centro do projeto industrial social-desenvolvimentista implementado pelos governos Lula e Dilma. A petrolífera estatal brasileira teve papel decisivo no crescimento econômico do país e na recuperação da crise iniciada em 2008, seu plano de investimentos foi decisivo para os projetos do PAC, sua política de conteúdo tecnológico nacional foi fundamental para a reativação da indústria naval e de engenharia pesada, sua política de pesquisa e desenvolvimento foi essencial para a descoberta do pré-sal, e este, por seu turno, permitiu a criação de um fundo social para a educação e a saúde. Prova disso é que o investimento da Petrobras saltou de US$ 9 bilhões, em 2004, para quase US$ 55 bilhões, em 2013; os efeitos multiplicadores significaram a geração de cinquenta mil empregos na indústria naval e milhares de postos de trabalho na indústria metal-mecânica2. Em suma, os efeitos diretos e indiretos da Petrobras favoreceram tanto a criação de emprego e renda quanto a garantia de direitos.

2. Os dados referidos podem estão disponíveis em nota técnica do Dieese: http://www.dieese.org.br/notatecnica/2013/notaTec129LeilaoCampoLibra.pdf

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GOLPE CONTRA O ESTADO

Essa atual estratégia apresenta um olhar fortemente concentrado no curto prazo, quando os grandes desafios da empresa e do setor estão orientados para o longo prazo. No plano de negócios3 para os próximos cinco anos anunciado no último mês pelo presidente da Petrobras, merecem destaque as metas de (I) redução de 25% nos investimentos, que devem ser cortados de US$ 98,8 bilhões para US$ 74,1 bilhões; (II) redução dos ativos da empresa, que deve sair integralmente de setores como os de gás liquefeito (GLP), biocombustíveis, petroquímico e fertilizantes; (III) a venda, já realizada, da Liquigás para o grupo privado Ultragaz; (IV) venda dos 47% de capital votante que a petroleira mantém na Braskem; (V) implementação de uma nova política mantendo os preços de derivados do petróleo em paridade com o mercado internacional. A grande questão, no entanto, é que a Petrobras precisa encontrar alternativas para a geração de caixa no médio e longo prazos. Segundo o Relatório Financeiro da Petrobras4, cerca de 68% do endividamento da companhia está concentrado após 2019 e, deste percentual, por volta de dois terços após 2021. Além disso, de acordo com o mesmo Plano de Negócios, o preço do barril do petróleo tem perspectivas de uma consistente expansão até 2021, saindo dos atuais US$ 45 para US$ 71. Por fim, cabe ressaltar que, para o mesmo período, há uma forte perspectiva de redução do custo de extração da companhia (cerca de 30% em cinco anos) justamente por conta da maior participação relativa das áreas de exploração do pré-sal. Portanto, parece mais lógico que a Petrobras fortaleça sua capacidade de exploração e produção, principalmente do pré-sal, a fim de se aproveitar de um cenário mais vantajoso no médio e longo prazos, em termos de preço e custo. A permanência da Petrobras como operadora em todos os consórcios para a exploração do pré-sal contribui decisivamente para o sistema de controle

brasileiro do processo de exploração feito por estrangeiros. Por isso, a ausência da Petrobras não permitiria ao governo aferir eficientemente se a exploração realizada por transnacionais estrangeiras estaria em volumes corretos ou seria subnotificada ao governo brasileiro. Além do próprio equívoco estratégico da companhia, essas medidas trazem impactos deletérios para o atual padrão de desenvolvimento econômico brasileiro. Portanto, qual seria o interesse por trás de tais medidas da companhia, bem como do PL 4567/16 que flexibiliza a obrigatoriedade de exploração da Petrobras no pré-sal? O PL proposto pelo atual ministro das Relações Exteriores, José Serra, foi aprovado pelo Senado em fevereiro e pela Câmara dos Deputados agora em outubro e aguarda apenas a sanção do presidente postiço Michel Temer, com isso abre-se a permissão para que outras empresas, além da Petrobras, possam realizar a exploração da camada do pré-sal. Sabe-se que esse projeto tem um grande apoio de empresas multinacionais do setor, bem como de uma fração da classe política contrária ao papel de indutor no desenvolvimento nacional exercido pela Petrobras nos últimos anos. De acordo com a regra vigente até hoje todos os poços do pré-sal devem ser explorados obrigatoriamente sob a liderança da Petrobras, que deve atuar como operadora única. A estatal tem o direito de se consorciar a outras empresas, nacionais ou estrangeiras, desde que ela seja a líder da operação e tenha no mínimo 30% do consórcio. Com as mudanças em curso a Petrobras terá o direito de participar da exploração, mas não terá mais a exclusividade, pois os poços poderão ser explorados sob o comando de outras empresas, sejam elas nacionais ou estrangeiras. Além do atual governo, o projeto foi defendido pelo Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), que representa as empresas privadas interessadas em lucrar com o negócio e também em incorporar a

3. O Plano de Negócios e Gestão (2017-2021) pode ser encontrado em: <http://www.petrobras.com.br/pt/quem-somos/estrategia/plano-de-negocios-e-gestao> 4. As Demonstrações Financeiras e Contábeis podem ser consultadas em: <http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/divulgamos-nossas-demonstracoes-contabeis-auditadas.htm>

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tecnologia de exploração em águas profundas desenvolvida pela Petrobras, além de contar com o apoio dos governadores do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, ambos do PMDB, pois os dois estados são os grandes beneficiados pelos royalties e por isso desejam intensificar a atividade de empresas estrangeiras no setor a fim de estimular as economias locais. O que uma visada de olhos mais cuidadosa evidencia é mais um dos exemplos em que, com a cumplicidade do Estado, por meio do plano de negócios da empresa e da mudança regulatória, a iniciativa privada se apropria de tecnologias nas quais ela não investiu para intensificar seus ganhos de curto prazo. As entidades que reúnem os sindicatos da categoria, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), atuaram contra as mudanças iminentes nas regras de exploração do pré-sal e argumentam que a pressa para a realização de novos leilões no momento em que o preço do barril do petróleo está em baixa interessa principalmente aos Estados Unidos (EUA), pois sua produção tende a entrar em declínio no médio-prazo. Sendo assim, a aceleração da exploração nesse momento atende muito mais a interesses da economia norte-americana do que à soberania da economia brasileira. A entrada de novas empresas nesse setor deve significar uma ameaça contra a política de conteúdo tecnológico nacional, uma vez que tais empresas devem importar sondas, equipamentos e outros serviços. Dessa forma, em última instância, se diminui a geração de emprego e renda no país; além disso, segundo Ildo Sauer5 (ex-diretor de gás e energia da Petrobras) o governo brasileiro pode deixar de arrecadar cerca de R$ 331,3 bilhões em 35 anos com o leilão do pré-sal; por fim, o país deve sofrer a redução no volume de recursos destinados ao fundo social encolhendo o potencial de financiamento da educação e da saúde. Sob o pretexto de solucionar um problema de curto-prazo, o endividamento da Petrobras, a reação liberal-conservadora afronta as possibilidades de

construirmos, no médio e no longo prazo, um projeto baseado em um Estado soberano e em um desenvolvimento industrial e tecnológico nacional. Eletrobras A Eletrobras atravessa, também, mais uma forte tentativa de desmonte do governo federal, a exemplo do que ocorreu ao longo dos anos 1990 e, como se sabe, culminou na crise energética e no apagão de 2001. As reformas neoliberais do governo FHC afetaram também o setor elétrico por meio de mudanças estruturais que visaram promover uma ampla liberalização do setor. Primeiramente, buscou-se desverticalizar toda a cadeia de energia elétrica com dois grandes objetivos: aumentar a eficiência competitiva do setor e facilitar a entrada do setor privado por meio da transferência patrimonial das companhias estatais regionais. A fim de atender esse objetivo, o governo FHC inseriu o setor elétrico no Plano Nacional de Desestatização (PND), cuja ideia principal, nesse caso, era permitir uma forte atuação privada, subordinada a um modelo de regulação setorial. As crises financeiras das empresas do setor, principalmente das regionais – que eram sustentadas financeiramente pela Eletrobras – legitimou a adoção dessa estratégia. Ou seja, a privatização se iniciaria pelas empresas estaduais que apresentaram situações financeiras mais fragilizadas. Na realidade, a partir das privatizações das empresas estaduais o que se observou foi uma forte desorganização com uma regulação ineficiente e ausência de investimentos para garantir o suprimento de energia elétrica para a população. Houve um ‘desmonte’ de equipes e processos de planejamento nas empresas federais e, principalmente na Eletrobras, que perdeu suas funções organizadoras. O erro mais grave foi a interrupção do processo de inventários de novos empreendimentos, deixando à iniciativa privada a realização desses estudos. Anteriormente às reformas neoliberais, a forma de funcionamento integrada da Eletrobras foi crucial para a expansão dos investimentos e da operação

5. A declaração de Ildo Sauer está disponível em: <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/10/18/governo-perde-ate-r331-bi-com-leilaodo-pre-sal-diz-ex-chefe-da-petrobras.htm>

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GOLPE CONTRA O ESTADO

da malha energética. Além de financiar boa parte dos gastos necessários à modernização e desenvolvimento, a Eletrobras tinha um papel fundamental na operação, execução de programas e planejamento do setor elétrico. Ao fragmentar a empresa e desverticalizar o setor, houve uma forte desorganização setorial que, num cenário de ausência de chuvas, resultou na crise energética no início dos anos 2000. A partir de 2003, estruturou-se uma nova política para o setor fortalecendo o papel da Eletrobras nas parcerias público-privada, articulando a atuação de novos atores estatais para garantir os investimentos e a operação do setor, bem como melhorando a regulação e as condições de atuação privada. A regulação do setor foi fortalecida, pois esse novo modelo tinha como linhas gerais a competição pelo mercado na geração e a regulação nos segmentos de transmissão e distribuição. Foram delimitados de forma mais clara dois ambientes separados para a contratação de energia: o Ambiente de Contratação Livre (ACL) e o Ambiente de Contratação Regulado (ACR). Essa definição foi importante, pois no modelo anterior almejava-se a criação gradual de um mercado único totalmente liberalizado. Dadas as especificidades do mercado brasileiro em franca expansão, o novo modelo garantia o aumento via leilões no ACR, ao mesmo tempo que, para melhor atender as demandas de grandes consumidores, dava opções de negócio para geradores no ACL. Houve também, por conta disso, a promoção de outro segmento da cadeia, o da comercialização, que atuava apenas nas relações contratuais de compra e venda de energia no mercado liberalizado. Com a crise financeira de 2008, o governo federal fortaleceu ainda mais o papel da Eletrobras cujo objetivo era transformá-la numa grande corporação global de energia elétrica. Inovações financeiras, novas parcerias globais e modernização da gestão foram considerados aspectos fundamentais para o alcance deste objetivo. Além disso, a atuação da Eletrobras ficou concentrada na coordenação das demais empresas do grupo e na garantia de uma

expansão nacional e internacional da operação do sistema de energia. Evidentemente esse processo trouxe prejuízos e lacunas, principalmente pela forte terceirização e financeirização das empresas. A entrada do setor privado e a criação de novas formas de financiamento e gestão tornaram mais volátil o financiamento e precarizaram o mercado de trabalho. No entanto, a Eletrobras ganhou novo dinamismo até a crise atual, permitindo a expansão da malha energética e a redução de riscos para a atuação das empresas privadas em projetos que exigem financiamento de longo prazo e custos bastante elevados. A atual crise brasileira, aliada ao amplo endividamento da empresa – motivada em grande medida pelo pagamento de juros ao próprio governo federal – e a manutenção das tarifas a patamares relativamente baixos fragilizaram as condições da Eletrobras, cuja dívida líquida de R$ 18,3 bilhões supera em mais de oito vezes sua geração de caixa. No entanto, o que se observa até o momento é a repetição da estratégia fracassada do governo FHC, como fica claro no Plano Diretor de Negócios e Gestão (2017-2021)6 apresentado pela empresa recentemente. Novamente, o objetivo é fragmentar o sistema de energia e iniciar um amplo processo de privatização. A primeira medida tomada pelo novo presidente foi justamente acabar com as seis distribuidoras estaduais incluindo-as no Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) do governo federal, elas irão a leilão até o final de 2017. Nesse mesmo compasso, a empresa deve reduzir em 29% seus investimentos, caindo de R$ 50,3 bilhões para R$ 35,8 bilhões. Além disso, a empresa deve negociar as participações minoritárias da estatal, atualmente são 178 participações diretas e indiretas em companhias do setor, como em obras das usinas de Belo Monte, Jirau e Teles Pires. O objetivo com esses negócios é levantar algo em torno de R$ 20 bilhões, estimando que metade desse valor seja possível negociar no mercado com rapidez.

6. O Plano Diretor pode ser consultado em: http://www.eletrobras.com/elb/main.asp?View=%7BEB7EA1A1-360E-40FA-9360-742E53C8C220%7D&Team=&params=itemID=%7BB0EFA4BB-C708-4C8A-B8EA-3D9649B08D4B%7D;&UIPartUID=%7B9E178D3B-9E55-414B-A540-EB790C1DF788%7D

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A Eletrobras estabeleceu como prioridades estratégicas para o próximo período: a privatização, a reestruturação dos negócios e a governança corporativa. O objetivo é circunscrever as atividades da empresa apenas à geração e transmissão de energia. Como já se apontou: as distribuidoras foram colocadas à venda e a administração dos fundos setoriais, que movimentam aproximadamente R$ 30 bilhões, passou a ser feita, definitivamente, pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), com isso a estatal deixa de ter a função de financiadora setorial. Mais ainda, a empresa busca enxugar em 25% seu quadro de funcionários, diminuindo-o de 23,5 mil pessoas para cerca de 17,6 mil e, nesse momento, trabalha em um plano de incentivo à aposentadoria para reduzir, no médio-prazo, ainda mais o seu tamanho. Esse processo tem sido acompanhado também pela venda dos ativos imobiliários da empresa. No último mês, os acionistas da estatal aprovaram

a venda de participação (51%) da Celg Distribuição. Recentemente, o novo presidente da empresa chegou a afirmar que a Eletrobras não é eficiente em nenhuma das suas operações. Uma declaração tão forte obviamente não reflete as mudanças positivas da companhia nos últimos anos, mas apenas legitima a nova “velha” estratégia em curso. Conclusão No que se refere à gestão das empresas públicas não financeiras, o atual governo tem buscado combinar (I) privatizações, (II) desmobilização de ativos, (III) reestruturação societária, (IV) planos de incentivo à demissão e (V) planos de incentivo à aposentadoria. Por trás dos argumentos de combate à corrupção escondem-se interesses que atentam contra a soberania nacional e em favor de ganhos exorbitantes para o capital privado internacional e de ganhos de curto prazo para alguns setores do capital privado nacional.

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INTERNACIONAL

No cenário internacional, 2016 foi um ano de incertezas: do golpe no Brasil e do avanço conservador na América Latina, passando pela desagregação do projeto de integração europeu à eleição de Trump nos Estados Unidos (EUA), vimos não apenas mais elementos de retração nos mecanismos liberais de governança do pós-guerra fria, mas também sinais de retrocesso nas articulações de alternativas que se esboçaram ao longo dos anos 2000. Neste texto, serão apontados alguns fatos que marcaram o ano, como o avanço de forças políticas conservadoras na América Latina, na Europa e nos EUA e o sucesso eleitoral de discursos antiglobalização.

Novos arranjos globais Já há alguns anos os arranjos internacionais criados e redesenhados no início da década de 1990 mostram sinais de retração. Ao longo dos anos 2000, particularmente a partir de sua segunda metade e com graus variados de sutileza, vimos a emergência de formas de contestação internacional da hegemonia neoliberal do pós-guerra fria, tais como a consolidação da China e suas estratégias de coo-

peração, comércio e investimentos; iniciativas mais autônomas de integração regional na América do Sul; e o fortalecimento de fóruns e articulações internacionais como o G20 e os Brics. Neste mesmo período, diante da crise do regime multilateral de liberalização comercial – agravada pela eclosão da crise econômica internacional em 2008 - e da impossibilidade de se avançar na harmonização normativa internacional em temas sensíveis (como propriedade intelectual, investimentos, serviços

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e compras governamentais, por exemplo), os Estados Unidos e a União Europeia focaram em negociações comerciais fora da Organização Mundial do Comércio (OMC), entre as quais destacam-se os chamados “mega-acordos” comerciais: a Parceria Transpacífica (TPP; negociações já concluídas, aguardando ratificação dos Parlamentos), a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos entre Estados Unidos (EUA) e União Europeia (TTIP; em negociação) e o Acordo sobre Comércio de Serviços (TiSA; em negociação). Contudo, dados os efeitos da crise econômica, não apenas a OMC, mas também esta agenda de liberalização comercial vêm enfrentando dificuldades, que ficaram mais evidentes em 2016, com o aumento da oposição dos europeus e, sobretudo, a promessa de Trump de se retirar do TPP e de outros acordos comerciais. Dentro desta contextualização geral, o ano de 2016 trouxe incertezas. Por um lado, o golpe no Brasil – acompanhado do primeiro ano do governo Macri na Argentina e do aprofundamento da crise na Venezuela – apontam o avanço conservador na região e o desmantelamento das iniciativas de integração da última década, entre elas o desmonte do Mercosul, em curso desde julho. Por outro lado, nos próprios países do centro capitalista, o avanço do projeto de globalização neoliberal foi posto em xeque por segmentos da população que viram na eleição de Donald Trump e na saída do Reino Unido da União Europeia a possibilidade de expressar seu descontentamento com a precarização do emprego e dos níveis de vida. Embora em ambos os casos seja pouco provável que os projetos vitoriosos pretendam e/ou possam de fato atender este descontentamento, Trump e o Brexit foram capazes de canalizar insatisfações diversas em torno de discursos extremamente conservadores anti-imigração. Ainda que os contextos específicos sejam muito diversos e que quaisquer tentativas de generalização tenham uma capacidade explicativa bastante limitada, 2016 trouxe sinais preocupantes de avanço conservador em diversos cenários: xenofobia e elementos de um nacionalismo étnico na Europa; aspectos religiosos contra políticas de gênero e, em geral, contra os direitos de segmentos mais vulneráveis da população (como no Brasil e na Colômbia); e uma mistura destes vários elementos

no caso dos EUA. O destaque e a discussão de alguns fatos que marcaram o ano de 2016 não têm a pretensão de serem exaustivos, mas tão somente lançar insumos para o debate. Nesta empreitada reconhecidamente incompleta, 2016 se destaca pelo avanço conservador na América Latina, mas também pelo progresso na normalização das relações entre Cuba e EUA e pela proximidade do fim definitivo do conflito na Colômbia, apesar da derrota dos acordos de paz no referendo; pela vitória de Trump nos EUA, mas também pelo desempenho inédito de um candidato de esquerda dentro do Partido Democrata; pela primeira manifestação concreta de desagregação do projeto de integração europeu com a vitória do Brexit e pelo desgaste de partidos tradicionais da social-democracia no continente, mas também pela articulação de novos protestos, do #nuitdebout – versão francesa dos indignados espanhóis, que surgiu em reação à reforma trabalhista de Hollande; e pelas mulheres polonesas, em protesto contra o governo conservador e um projeto de lei que retrocede nas políticas de aborto. América Latina Na Argentina, o primeiro ano de governo Macri trouxe inflação de quase 40% ao ano, ocasionada pelo fim do controle cambial e da desvalorização do peso frente ao dólar, bem como pelo aumento no preço de serviços subsidiados, como transporte e energia. O país registrou crescimento da pobreza e queda real de salários devido aos ajustes abaixo da inflação, às demissões em massa e ao aumento de preços de produtos agrícolas no mercado interno por conta do fim das retenções às exportações. Ao longo do ano, este cenário levou centenas de milhares de pessoas às ruas e estimulou greves e mobilizações sindicais por todo o país. Houve retrocessos também no tema da justiça e da reparação pelas violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar, com a diminuição de pessoal e recursos nas instituições responsáveis. Na política externa, Macri sinalizou a disposição de reorientar o alinhamento argentino, associando-se como observador à Aliança do Pacífico e estabelecendo uma agenda de cooperação com os EUA em diversos assuntos, dentre os quais o monitoramen13

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to da tríplice fronteira e a política de drogas, retomando uma perspectiva militarizada sobre o tema. No começo de 2016, os bolivianos foram às urnas para votar sobre a reforma de um artigo da Constituição que permitiria a candidatura do presidente da República a uma segunda reeleição consecutiva. Por uma estreita margem (2,6% dos votos) o eleitorado rejeitou a reforma constitucional, o que impede uma nova candidatura de Morales nas eleições em 2019. Os resultados regionais indicam a manutenção da tradicional base de apoio indígena e camponesa a Evo, mas uma perda de apoio entre eleitores das grandes cidades e das regiões opositoras da chamada meia lua, como o departamento de Santa Cruz. Embora não sejam fiéis ao MAS, o partido vinha conquistando votos nestes setores no último período. Após a polarização nos anos iniciais, a partir de 2010, os êxitos do governo, bem como uma estratégia pragmática com relação à oposição levaram a um crescimento na base política do partido, inclusive com a filiação ao MAS de políticos oriundos da oposição. Até o momento, a oposição não tem um projeto alternativo ou uma liderança que unifique os setores contrários ao governo. Apesar disso, o caráter plebiscitário de apoio ou não ao governo adquirido pela votação facilitou a aglutinação destas forças na campanha do Não. Alguns analistas comentam que, pela primeira vez, Morales não teve uma agenda clara para aprofundar as mudanças no país (a campanha pelo Sim centrou-se na manutenção da estabilidade e na defesa das conquistas). Na Venezuela, a vitória da oposição nas eleições parlamentares de dezembro do ano passado abriu caminho para uma crise institucional e para a intensificação das tentativas de destituição do presidente Nicolas Maduro (que já se arrastavam desde sua eleição, inclusive por meios de desestabilização escancarada em torno do uso da violência num cenário de conflito social). Ao longo de 2016, as disputas em torno das etapas para a convocação de um referendo revogatório do mandato paralisaram o país e contribuíram para o agravamento da crise econômica e social, oriunda da dependência quase total do Estado venezuelano das exportações de petróleo e da queda brutal dos preços do barril nos últimos anos, corroendo a base de apoio do chavismo.

Desde sua fundação, a presidência pró-tempore do Mercosul é exercida rotativamente pelos membros do bloco, em ordem alfabética. A reunião de presidentes, que ocorreria inicialmente em julho, foi seguidamente cancelada: por iniciativa do Brasil, do Paraguai e da Argentina, a transmissão da presidência à Venezuela foi suspensa, deixando um vácuo na condução do Mercosul que se mantêm até o momento. A iniciativa cumpriu um duplo papel, ao contribuir com a oposição venezuelana na deslegitimação do governo e ao fragilizar o Mercosul, abrindo caminho para seu futuro desmantelamento, como prega o ministro José Serra. Em âmbito hemisférico, a ofensiva contra a Venezuela não é nova, sobretudo por parte dos EUA. Contudo, tiveram pouca ressonância ao longo dos anos 2000, no bojo do fortalecimento de uma série de iniciativas regionais autônomas por parte dos governos de esquerda da região - como a Unasul e a Celac. Com a vitória da oposição nas eleições parlamentares na Venezuela e o aprofundamento da crise econômica, política e social no país, a reorientação da política externa para a integração a partir da vitória de Macri na Argentina e do golpe no Brasil, o cenário atual é muito mais delicado. O impasse no Mercosul se soma às iniciativa no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) e indica pressões crescentes para isolar o governo Maduro. Na Colômbia, o ano foi marcado pelas expectativas de conclusão do histórico acordo de paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), frustradas pela rejeição do texto final no referendo popular após quatro anos de negociação em Havana. O resultado foi uma clara vitória para o ex-presidente Álvaro Uribe, principal opositor das negociações. O acordo histórico poria fim à mais longa guerra civil no continente que, em 52 anos, deixou cerca de 220 mil mortos e aproximadamente seis milhões de refugiados e deslocados internos. Além disso, o fim do conflito abriria caminho para mudanças políticas em médio e longo prazos no país, já que ao longo deste período a guerra foi o componente estruturante da vida política colombiana, alimentando as posições mais conservadoras e militarizadas da direita, sendo a principal porta de entrada para a presença militar dos EUA na América do Sul, servindo de base para

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a perseguição de sindicalistas e lideranças sociais e constrangendo as alternativas da esquerda democrática. Ao adotar uma perspectiva de transição, o acordo buscava conciliar justiça e a consolidação da paz, estabelecendo o direito das vítimas à reparação e à verdade e reconhecendo as Farc como um ator político que deve ser integrado ao sistema político colombiano. Para este fim, o acordo estabelecia a criação de uma jurisdição especial para a paz, que deveria julgar os delitos e crimes da guerrilha e de agentes do Estado durante o conflito. Seguindo os princípios do Direito Internacional Humanitário e do Direito Penal Internacional, crimes de guerra e de lesa-humanidade não poderiam ser anistiados, mas poderiam ter pena reduzida caso houvesse reconhecimento por parte do acusado e compromisso com a verdade. Outros delitos, como rebelião, sedição e mortes durante combate (compatíveis com as convenções de Genebra) poderiam ser anistiados. Recentemente, um novo acordo foi assinado pelo governo e as Farc, na tentativa de se incluir os pontos da oposição, dentre os quais redução do financiamento para o futuro partido que deve ser formado a partir da desmobilização da guerrilha e a reformulação de pontos relativos ao reconhecimento das mulheres como principais vítimas do conflito, de forma a minimizar o que foi chamado pelos setores religiosos de “ideologia de gênero”. Até o momento não há acordo com a oposição sobre o novo texto e tampouco há clareza sobre os mecanismos de aprovação. Em março, o presidente dos EUA, Barack Obama viajou a Cuba. Ainda que temas difíceis, como o fim do bloqueio e a devolução da base de Guantánamo não fossem esperados para este encontro (pois dependem de aprovação do Congresso dos EUA), a viagem significou um marco importante nas relações bilaterais. Além da reunião com o presidente Raúl Castro, a agenda incluiu encontros com organizações da sociedade civil e com dissidentes cubanos, bem como uma cúpula empresarial, com a participação de diversos líderes empresariais das áreas do turismo, alimentos, mídia digital, vestuário, financeira, entre outras, que integraram a comitiva de Obama. A viagem em parte foi lida como uma tentativa de Obama de consolidar a aproximação obtida até o momento e dificultar eventuais retro-

cessos com a mudança de governo nos EUA a partir de 2017. Com a vitória de Trump e a maioria republicana nas duas casas legislativas, não há informações claras sobre o futuro desta aproximação. Embora os republicanos sejam bastante associados ao lobby dos exilados cubanos na Flórida, por exemplo, interesses de setores imobiliários e hoteleiros, dos quais o próprio Trump é um representante, podem contribuir para uma abordagem pragmática. Europa Há mais de uma década amplos setores da população de diversos países europeus emitem sinais de descontentamento frente à orientação neoliberal da União Europeia e suas instituições. O Tratado de Maastricht, de 1992, consolidou a integração europeia como um processo de criação de mercado (com eliminação de barreiras comerciais e aumento na competição), em detrimento de procedimentos reguladores. O modelo da União Europeia (UE) se baseia na competição entre os Estados por investimentos, locais de produção e empregos e na política fiscal nacionalmente determinada para gerar “vantagens comparativas” (baixos impostos, baixos salários, baixos custos de produção). A Alemanha tem perseguido uma política agressiva de compressão da inflação, dos salários e da demanda interna, por maior competitividade internacional. Tais políticas encontram expressão também nos países do Leste europeu, integrados em cadeias produtivas lideradas pela indústria alemã. Neste cenário de competição intrabloco, os déficits acumulados e as dívidas nos países do sul da Europa são o outro lado da moeda dos superávits produzidos em países como Alemanha, Holanda e Finlândia. Já no início dos anos 2000, esta insatisfação se manifestou na rejeição ao Tratado Constitucional da UE em referendos na França e na Holanda. Desde a explosão da crise econômica em 2008, a combinação entre o aumento das taxas de desemprego (sobretudo nos países do sul da Europa), a precarização do trabalho e os corte de gastos públicos com políticas mais duras de austeridade têm provocado o aumento da desigualdade em praticamente toda a região. Neste cenário, o Brexit, em 2016, foi o episódio 15

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mais recente e dramático de uma tendência em curso. Votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia 52% dos eleitores. Como foi amplamente divulgado pela imprensa, o voto pela saída foi majoritário entre os segmentos de menor renda e escolaridade, fora dos centros urbanos, ao passo que a permanência obteve apoio principalmente entre os mais escolarizados e com maiores rendimentos. Os critérios socioeconômicos, no entanto, não esgotam o mapa da votação. O apoio à permanência transcendeu as divisões de classe em casos nos quais há questionamentos da identidade britânica - como na Escócia e na Irlanda do Norte – e entre os mais jovens. Eleitoralmente, a principal vitória foi da direita, já que uma parcela do Partido Conservador e o Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP) foram os principais porta-vozes da campanha pela saída. Contudo, politicamente, a análise precisa ser qualificada. O projeto europeu de integração passou por modificações importantes entre o final dos anos 1980 e início dos 1990, assumindo claramente um viés neoliberal. Ainda naquele momento, a disputa pelo futuro da integração foi vencida pelos setores econômicos do capital mais transnacionalizados, com interesse num projeto de integração inserido e aberto à globalização. Paralelamente, teve início uma crescente convergência entre a democracia cristã e a social-democracia em torno deste modelo. Estas tendências se tornaram mais dramáticas após a crise de 2008, que intensificaram o desemprego, a precarização do trabalho, o empobrecimento relativo e o aumento nos níveis de desigualdade. No Reino Unido a convergência se refletiu na chamada terceira via, liderada por Tony Blair nos anos 1990 e seguida majoritariamente pelo partido até o ano passado, quando passou a ser disputada internamente com a eleição Jeremy Corbyn. Este quadro ajuda a explicar porque a parcela mais atingida pelas políticas neoliberais do Reino Unido e da UE tenha se inclinado a votar pela saída do bloco. Contudo, embora este voto possa ser qualificado

como um “voto de esquerda”, são os setores mais conservadores e portadores de discursos anti-imigração que têm conseguido canalizar de forma mais imediata este descontentamento. Até o momento as incertezas permeiam a saída efetiva do Reino Unido do bloco e os eventuais impactos na UE e em eleições nacionais no próximo ano (França e Alemanha). Com o desgaste da social democracia, em vários países há um crescimento expressivo da extrema direita, alimentado por discursos xenófobos contra refugiados e imigrantes. A Frente Nacional de Marine Le Pen é a expressão mais visível e comentada desta tendência, que também tem crescido na Alemanha, na Dinamarca, na Áustria, na Suécia, na Finlândia e em diversos países do Leste Europeu. Por outro lado, sobretudo nos países do sul da Europa, este cenário também tem levado ao surgimento de novos movimentos de esquerda e de frentes antiausteridade. Na Grécia, após o auge da crise em 2015, o governo do Syriza manteve as tentativas de reestruturação da dívida ao longo de 2016, por enquanto sem perspectiva de que a Alemanha ceda antes das eleições de 2017. Em Portugal, este foi o primeiro ano do governo encabeçado pelo Partido Socialista que, com apoio inédito do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português, conseguiu implementar algumas medidas como a reversão da jornada de trabalho para 35 horas semanais e um imposto patrimonial para propriedades de luxo. Na Espanha, 2016 foi marcado por um longo impasse para a formação de um novo governo, após duas eleições nas quais nenhum partido foi capaz de conseguir maioria legislativa, sinalizando o fim do bipartidarismo e a emergência do Podemos como terceira força política do país. O novo governo do conservador Partido Popular foi aprovado somente no final de outubro, com a abstenção do PSOE e dez meses após a primeira eleição em dezembro do ano passado.

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O ano de 2016 foi marcado por delações comprometedoras, intervenções das instituições jurídicas na política, protestos, medidas polêmicas e uma nova agenda econômica cujo objetivo é implantar uma política neoliberal de concessões e privatizações, recusada nas urnas e imposta à sociedade por meio de um golpe parlamentar que reconfigurou as forças políticas e sociais. Há seis meses, o governo golpista de Michel Temer se esforça para manter a governabilidade e concluir o mandato, sob risco de eleições indiretas em 2017.

Manifestações pró-impeachment Assim como 2015, 2016 iniciou com manifestações em diversos municípios contra e a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, na manifestação do dia 13 de março, na Av. Paulista,

nadas por manifestantes brancos (70%), de idade média de 45 anos, renda em torno de dez salários mínimos, escolaridade superior completa (75%), eleitores de Aécio Neves em 2014 (75%), sem preferência partidária (51%) ou simpatizantes do PSDB (27%).

em São Paulo, apurou que, embora numerosas, as

Segundo 58% dos manifestantes, a corrupção foi

manifestações pró-impeachment foram predomi-

a principal razão para irem às ruas, seguida pelo 17

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pedido de impeachment de Dilma (39%), que cresceu sete pontos percentuais em relação ao ano anterior; dois terços (66%) achavam que Dilma deveria sofrer o impeachment e seu vice convocar eleições ainda neste ano. A percepção de 85% dos manifestantes era de que, comparado a dez anos atrás, o país estava pior, muito embora, apenas metade (48%) considerasse que sua própria vida tivesse piorado no período. Quase a totalidade dos manifestantes (97%) avaliava negativamente o governo Dilma, com expectativa de que a inflação e o desemprego iriam aumentar (77% e 86%, respectivamente). À época, 48% dos manifestantes atribuíam a crise econômica a toda equipe de governo e 86% consideravam que o governo Dilma não poderia resolver os problemas econômicos do país. As redes sociais foram o meio mais utilizado para convocação das manifestações e a internet a principal fonte de informação sobre política, para 48% dos manifestantes, seguida pela TV (16%), com destaque para a Rede Globo. Quase metade dos manifestantes pró impeachment admitia defender ideias de direita (48%) ou centro (40%). Avaliação do governo Apesar dos altos índices de desaprovação do governo Dilma (61%, Datafolha de 8 de abril, e 65%, segundo pesquisa Vox Populi de 12 de abril) e da indução da mídia ao apoio ao impeachment, para a maioria da população (58%) o afastamento da presidenta não era solução para os problemas econômicos e políticos do país. Em abril, metade da população percebia que a oposição estava sendo oportunista, aproveitando-se do desgaste da presidenta Dilma para tirá-la do cargo e que o impeachment era uma vingança do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Para um terço da população (36%), estava claro

que havia um golpe em curso e a maioria da população (61%) não via em Temer a solução para a crise que o Brasil estava vivendo. As pesquisas de opinião pública apontavam que o voto seria a melhor saída e 78% apoiavam a realização de novas eleições, com Lula ou Marina Silva como favoritos, com 21% e 16% de intenções de voto. A primeira pesquisa de avaliação do novo governo, realizada entre os dias 2 e 5 de junho, pela MDA-CNT, indicaram que a avaliação positiva de Temer era tão baixa quanto do governo anterior (11%). Muito embora sua avaliação negativa de 28% fosse inferior à de Dilma (63%), 40% desaprovavam o desempenho pessoal de Temer. Há dois meses do novo governo, pouco mais da metade da população (55%) não havia notado nenhuma mudança no país, 20% perceberam mudanças positivas e 15% apontaram mudanças negativas. Quase metade da população (44%) atribuía à corrupção do governo federal ou à Lava Jato (37%) as causas para o afastamento da presidenta, somente 33% citaram as pedaladas fiscais. Quase dois meses depois, a pesquisa de junho da Ipsos, registrou apenas 6% de avaliação positiva de Temer, menor que os índices de avaliação positiva de Dilma em seus piores momentos. Esta oscilou de 11% para 13%, na pesquisa do Ibope de 24 e 27 de junho, e 14% na do Datafolha, em 14 e 15 de julho. Em setembro e outubro, Ibope e CNT registram 14 e 15% de avaliação positiva, e a Ipsos voltou a registrar 8% em setembro e 9% em outubro de avaliação positiva do governo. Na prática, o governo Temer não conseguiu reverter os índices de avaliação positiva que a presidenta Dilma Rousseff obtinha em seus últimos meses de mandato (entre 10% e 14%, de dezembro em diante, após a aceitação do impeachment). E manteve saldo negativo superior a vinte pontos percentuais.

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Manifestações pós impeachment O impeachment da presidenta Dilma trouxe forte repercussão desfavorável no Brasil e exterior. Os protestos que mais repercutiram logo após o golpe foram as ocupações da Funarte e prédios de órgãos ligados ao MinC, além de manifestações do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) contra a supressão do Programa Minha Casa Minha Vida, com a ocupação do escritório da presidência da República em São Paulo. Os atos sofreram fortes ações da polícia e fizeram que o governo recuasse dessas medidas. No evento de abertura das Olimpíadas, em agosto, Michel Temer foi sonoramente vaiado, levando o protesto a níveis internacionais. Além da vaia no Maracanã, o dia de abertura dos jogos foi marcado por diversos protestos contra o governo, o que levou o Comitê Olímpico Internacional (COI) a proibir e expulsar das arenas quem exibisse cartazes de protestos políticos, demonstrando o caráter autoritário do novo governo. No final de outubro, os movimentos sociais ganharam nova força com a ocupação das escolas, maior onda de protestos até então, liderado por estudantes e profissionais da área da educação, contra os cortes na área, impostos pela PEC 55, a MP 746, que reestrutura o ensino médio, e o Programa Escola Sem Partido. A Confederação Nacional dos Traba-

lhadores em Educação (CNTE), o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e estudantes e entidades ligadas a União Nacional dos Estudantes (UNE) repudiam a iniciativa do governo de promover uma reforma no ensino por medida provisória, sem debate com a sociedade. O movimento de “Ocupa Escola” ganhou uma dimensão maior do que se poderia prever, com mais de 1.200 escolas e institutos federais e 194 universidades ocupadas há mais de um mês. Hoje ele representa a mais expressiva reação e foco de resistência contra o governo e as forças que o apoiam. O processo de criminalização dos estudantes e do movimento de ocupação das escolas se intensificou com a posição de confronto adotada pelo governo, com ação truculenta da polícia, também demonstrada na invasão da sede da Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, em Guararema (SP). As operações colocam em risco a integridade física de trabalhadores e estudantes e deixa claro que ingressamos em um Estado de exceção, onde a escalada da repressão avança e o Estado democrático de direito está ameaçado. Judicialização da política e delações Como nos anos anteriores, 2016 foi marcado pelo processo de judicialização da política. Com isso, as ações do Judiciário foram espetacularizadas pela im19

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prensa e tomaram conta da conjuntura. O objetivo político da Operação Lava Jato foi demonstrado pelas prisões, vazamentos seletivos e denúncias, interferindo diretamente nos processos políticos. O ápice se deu em março, quando o ex-presidente Lula foi alvo de uma condução coercitiva, fato que mobilizou milhares de pessoas em sua defesa, e em outubro, com prisões às vésperas do processo eleitoral. Menos de dez dias depois da posse de Temer, em maio, foram divulgadas gravações entre líderes do PMDB e o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Nelas, Romero Jucá revela um “pacto” para deter a Lava Jato, no qual Temer faria parte de um “grande acordo nacional”, com participação do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo Jucá, enquanto Dilma estivesse no poder, a Lava Jato não seria interrompida. Machado também gravou conversas com o presidente do Senado, Renan Calheiros e José Sarney, onde também são citados Aécio Neves e José Serra, do PSDB e Pauderney Avelino, Mendonça Filho e José Agripino, do DEM. O papel do STF também teve destaque no processo de impeachment, limitando-se a determinar os aspectos formais, sem julgar o conteúdo controverso e questionável da acusação. Em setembro, o ministro Teori Zavascki afirmou que só em “hipótese extremada” o STF interviria sobre a decisão do julgamento no Senado. O Supremo também atuou com diferente rigor em situações semelhantes: em 2015, decretou a prisão de Delcídio Amaral por obstrução de justiça, pouco tempo depois da divulgação de conversas gravadas. No caso de Jucá, o pedido de prisão pela Procuradoria Geral da República (PGR) não surtiu efeito e o peemedebista saiu do ministério, mas continua atuando e recentemente foi eleito líder do governo Temer no Senado. A morosidade para analisar casos permitiu que Cunha fosse afastado somente após liderar o processo de impeachment. Embora as gravações de Sérgio Machado estivessem em poder da PGR desde antes da votação do impeachment na Câmara, nada foi feito naquele momento, o que poderia mudar os rumos do processo. Eduardo Cunha perdeu o mandato em setembro e teve sua prisão decretada por Sergio Moro em outubro. Em novembro, Cunha convocou Michel

Temer e o ex-presidente Lula como testemunhas de sua defesa no processo da Lava Jato. A homologação da delação premiada de Marcelo Odebrecht, que cita Temer e os ministros José Serra, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima e Gilberto Kassab, também causa receio. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tramita a ação movida pelo PSDB, que pede a cassação da chapa Dilma-Temer, reaberta por Gilmar Mendes, mesmo com a aprovação unânime das contas. Com a condenação da chapa, Temer perderá o mandato e um novo presidente será eleito indiretamente pelo Congresso a partir de 2017. Há uma tentativa de julgar a chapa separadamente, apoiada por Mendes e por Luiz Fux, o que livraria Temer da cassação. No entanto, a divulgação de um cheque de um milhão de reais, pago pela construtora Andrade Gutierrez diretamente a Temer na campanha de 2014, torna essa tentativa incerta. A tensão em Brasília foi aumentada após as críticas que Renan Calheiros fez ao Judiciário após Operação que prendeu policiais do Senado, acusados de atrapalharem investigações em benefício de senadores. Em resposta, a presidente do STF, Carmen Lúcia, exigiu respeito ao Judiciário. Temer tentou marcar uma reunião entre os representantes dos três poderes, mas teve o convite negado por Carmen Lúcia. Votações do impeachment O processo foi marcado por um forte movimento de traição, encabeçado pelo vice-presidente, Michel Temer, e os partidos que construíam a base de sustentação do governo Dilma, que durante todo o ano de 2015 votaram contra as propostas do Planalto. No dia 17 de abril, a Câmara dos deputados aprovou por 366 votos a continuidade do processo de impeachment, que seguiu para o Senado. A postura dos parlamentares transformou a votação em um momento lamentável, com justificativas em nome de deus, da família e da moralidade. Até mesmo os militares foram lembrados e homenageados durante a votação. Para garantir a quantidade de votos necessária para aprovar o impeachment, houve um realinhamento que gerou nova coalizão, liderada pelo PMDB,

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o qual desembarcou do governo e se aliou a nove partidos da oposição totalmente fiéis à proposta do afastamento (PSDB, DEM, PRB, SD, PSC, PPS, PV, PSL e PMB), além de outros seis com mais de 70% de adesão (PSB, PMDB, PHS, PP, PSD e PTB) e outros partidos que debandaram da base do governo Dilma e votaram majoritariamente contra ele: o PRB (100%), o PP (84,6%), o PSD (78,4%), o PTB (70%), o PROS (66,7%) , o PR (65%). Os partidos que votaram majoritariamente contra o impeachment foram, além do PT, PCdoB e Psol (100%), PDT (63,2%), REDE e PEN (50%, ambos). No dia 12/5, o Senado aprovou o processo de admissibilidade do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em sessão que durou mais de vinte horas. O resultado foi 55 votos a favor e 22 contra. Os partidos que votaram totalmente a favor do impeachment no Senado foram: DEM, PP, PPS, PR, PRB, PSC, PSDB, PTC e PV. Os que votaram totalmente contra foram: PT, PCdoB e Rede. Apesar da análise de peritos designados pela Comissão de Impeachment do Senado terem concluído a inexistência de crime de responsabilidade e a ausência de elementos que comprovassem ação da presidenta nas chamadas “pedaladas fiscais”, e que estas não configuravam operação de crédito, mas um contrato de prestação de serviços de bancos públicos, em favor do governo federal, em que houve eventuais atrasos de pagamento, Dilma se tornou ré no Senado, pelos votos de 59 senadores a favor de seu afastamento e 21 contrários. Entre os dias 25 e 31/8, o julgamento do processo de impeachment chegou ao final, em uma sessão que durou mais de dezessete horas e contou com 61 senadores a favor da cassação do mandato da presidenta e vinte votos contrários. Dilma foi afastada definitivamente de seu mandato e teve fim um ciclo de treze anos de governo comprometido com avanços sociais. Votaram a seu favor, além dos dez senadores do PT, um do PCdoB, dois do PTB, dois do PSB, um do PSD, um da Rede, um do PP e dois do PMDB (Kátia Abreu e Roberto Requião). Os motivos que justificaram seu impeachment, as chamadas “pedaladas fiscais”, já foram utilizados diversas vezes em outras gestões e, até então, nun-

ca haviam sido compreendidos pelo TCU como crime de responsabilidade. Ademais, tão logo mudou o entendimento, em 12/2015, o governo quitou essas pendências. Governo usurpador e eleição na Câmara dos Deputados Michel Temer assumiu interinamente o governo, no dia 12/5 e definitivamente em 31/8. Pela terceira vez o PMDB entrou na presidência sem ser eleito: a primeira foi de 1985 a 1990, quando o vice José Sarney assumiu o lugar do presidente eleito Tancredo Neves, que faleceu. Em 1992, durante o processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, Itamar Franco desligou-se do PRN e assumiu o governo, até 1994, pelo PMDB. E depois, quando Michel Temer destitui Dilma de seu mandato. O novo ministério foi composto por 23 ministros, nove a menos que na gestão de Dilma. Foram extintos ou perderam status de ministério as pastas da Aviação Civil, da Comunicação Social, da Controladoria Geral da União e dos Portos. O Ministério da Ciência e Tecnologia fundiu-se com o das Comunicações, o do Desenvolvimento Agrário com o de Desenvolvimento Social e de Combate à Fome, o da Justiça com o de Mulheres, Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Inicialmente, Temer fundiu o Ministério da Cultura ao da Educação, mas pressões fizeram com que o ministério fosse recriado. Entre os nomes escolhidos para os ministérios, chamou a atenção a ausência de negros e mulheres, o que não ocorria no Brasil desde o governo militar de Geisel. Além disso, diversos ministros nomeados são investigados na Lava Jato e em outros processos. Com menos de vinte dias no cargo, além de Romero Jucá, o ministro da Transparência, Fabiano Silveira, pediu demissão e Henrique Alves (Turismo) foi afastado. A nova base de apoio no Congresso Nacional é composta por onze partidos que detêm ministérios (PMDB - 7, PSDB - 3, PP - 2, PSD -2, PPS, PR, DEM, PTB, PRB, PSB e PV, 1 cada), além de outros apoiadores, como PROS, SD e PSC, o que garantiu a aprovação de projetos com margem similar à aprovação do impeachment. O exemplo mais claro foi a apro21

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POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA

vação da PEC 241 na Câmara, com 366 votos a favor. No dia 7/7, Eduardo Cunha, anunciou sua renúncia à presidência da Câmara. A eleição para nova presidência foi fortemente pulverizada, com treze candidaturas. Os mais votados no primeiro turno foram Rodrigo Maia (DEM, 120 votos), Rogério Rosso (PSD, 106 votos) e Marcelo Castro (PMDB, 70 votos). Embora Rogério Rosso (PSD-DF), nome forte do “centrão”, tenha sido considerado favorito, no segundo turno, no dia 13/7, Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi eleito com 285 votos e 170 para Rosso, uma diferença de mais de cem votos. Agenda Golpe A agenda neoliberal do golpe tem como base o documento “Uma Ponte para o Futuro”, da Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, que estabelece objetivos políticos, econômicos e sociais. A aprovação dessa agenda sofreu resistência de aliados, e votações foram adiadas para depois das eleições municipais, pois o caráter impopular prejudicaria candidaturas de partidos que apoiam Temer. Entre as principais medidas anunciadas está a PEC 55 (PEC 241 na Câmara dos Deputados), que prevê que gastos públicos não poderão crescer acima da inflação do ano anterior, comprometendo o orçamento mínimo previsto para áreas como Saúde e Educação. Na área de educação foi destaque também a Medida Provisória 746/16, que define a Reforma do Ensino Médio. O governo prevê também reformas na Previdência, que dificultam o acesso à aposentadoria, com idade mínima de 65 anos, além da redução do SUS em favor de planos de saúde populares. Além disso, uma Reforma Trabalhista promoverá o desmonte da CLT, com a possibilidade de alterar a jornada de trabalho e favorecer negociações entre patrões e empregados. O projeto que acaba com a exclusividade de exploração do pré-sal pela Petrobras foi aprovado e demonstra o interesse do governo em ampliar a participação do capital privado. Tais propostas são desenvolvidas por meio do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), cuja secretaria é liderada por Moreira Franco (PMDB-RJ). O Ministério Público encaminhou à Câmara um pacote de dez medidas anticorrupção que estudam

alterações em ao menos quatro pontos: punição não só para pessoas físicas, mas também para os partidos que adotam caixa dois; aumento da pena para crime de corrupção; possibilidade de provas ilícitas serem consideradas válidas; e prisão preventiva para a recuperação de recursos desviados. A proposta tramita sob intensa pressão, tanto do MP quanto de políticos atingidos pela criminalização do caixa dois. A aprovação de déficit público de R$ 170 bilhões pelo Congresso na votação do Orçamento de 2016 deu ao governo Temer um cheque em branco, com margem de recursos disponíveis muito maior se comparada à que tinha a presidenta eleita Dilma. Isso permitiu que, apesar do discurso de diminuição das contas públicas, o governo aprovasse projetos e aumentasse o gasto com o reajuste dos servidores públicos, com impacto de R$ 67 bilhões até 2018, além dos R$ 4,8 bilhões com reajuste do Bolsa Família até 2017; R$ 2,9 bilhões de ajuda ao Rio de Janeiro, R$ 1,7 bilhão de renúncia fiscal com a ampliação do Supersimples em um ano; e proposta de aumento de R$ 11 bilhões para a Defesa, entre outros. Ao mesmo tempo que retira recursos da saúde, da educação, da Previdência, da assistência social e põe em risco direitos trabalhistas, Temer libera recursos para aliados, em emendas parlamentares e nomeações, demonstrando que a agenda do golpe tem como prioridade conhecidas políticas de austeridade que intensificam a perda de direitos e repetem a história vista na década de 1990. Além disso, as incertezas e baixas reações econômicas até o momento, com continuidade do desemprego, lenta perspectiva de retomada de crescimento e arrecadação de tributos menor que a esperada, em meio ao cenário de recessão econômica, limitam a credibilidade do governo. Eleições municipais Paralelamente, as eleições municipais trouxeram expressivas vitórias ao PSDB e o pior resultado para o Partido dos Trabalhadores (PT), que conquistou 256 prefeituras, 4,6% dos municípios brasileiros, e disputou o segundo turno em apenas sete municípios, onde não venceu em nenhum. Com

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esse resultado, o PT retorna a patamares anteriores à sua chegada ao governo federal. Sua participação na disputa foi inferior à que o partido pratica desde 1996, com apenas 971 candidatos a prefeito, pouco mais de metade do número de cidades em que concorreu na eleição anterior de 2012 (1.759). Em termos de disputa, o PT retrocedeu vinte anos. Em termos de população governada, o PT governará pouco mais de seis milhões de brasileiros, algo em torno de 3% da população do país. Na eleição municipal anterior, governou 38 milhões de pessoas, 20% da população. Tal queda é impactada principalmente pela perda de grandes cidades, apenas duas com mais de duzentos mil habitantes e uma única capital.

de votos, 8% do total e governava 5% da população, 7,8 milhões de brasileiros. Além das prefeituras eleitas, o PT estará presente em mais 1589 prefeituras, seja na condição de vice (220) ou por estar na coligação que venceu a disputa municipal (1113 eleitas com apoio do PT). O principal partido que o apoiou em nível nacional foi o PCdoB, com quem esteve coligado em 95 candidaturas petistas eleitas. Enquanto o PMDB foi o partido mais apoiado pelo PT, em 250 prefeituras eleitas.

Com 6.822.967 votos, 4,7% do total, o PT obteve cerca de um terço da votação da eleição anterior – 17.970.643, também retornando a índices de votação inferiores a 1996, quando obtinha 7.908.639

Os partidos que mais cresceram foram o PRB (+48%), PSD (+32%) e PSDB (+25%). Os partidos de esquerda perderam votos, com maior queda do PT (-69%), além do PSOL (-12%) e o PCdoB (-6%). Entre os partidos mais votados, o PSDB lidera, com 12% do total dos votos, seguido pelo PMDB, com 10%, o PSB e PSD empatados, ambos com 6% e o PT fica como quinto, com 5%, pouco à frente do PDT e PP, ambos com 4%.

O mais preocupante é que o partido perdeu para as forças conservadoras. É uma derrota para o Partido dos Trabalhadores, em especial, mas também para as esquerdas que, sem a consolidação de um novo campo, não conseguiram capturar o voto desiludi-

do. Os resultados eleitorais indicam que é preciso repactuar com as esquerdas, para além dos partidos, com os movimentos sociais e sindicais, retomando o diálogo com a classe trabalhadora que está distante e aderiu ao discurso da direita. 23

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SOCIAL

O ano tem sido de duros golpes para a questão social, em especial com a ascensão do PMDB à presidência e a mudança radical do paradigma de desenvolvimento a partir da adoção dos parâmetros dos documentos “Ponte para o futuro” e “Travessia social”. Assim como em 2015, o mercado de trabalho segue em crise em 2016, mas, com um governo hostil aos trabalhadores, avança a agenda da flexibilização e perda de direitos. Também a PEC 55 (antiga 241) foi tema central do ano, pelo congelamento dos gastos primários federais por vinte anos. Avança também o ajuste fiscal e, a partir do golpe, ampliam-se os tentáculos do setor privado dentro do Estado brasileiro para a provisão de direitos sociais como saúde e educação e abre-se espaço para pautas conservadoras do ponto de vista individual no Estado e na sociedade.

Diretrizes para o desenvolvimento: Ponte para o futuro e Travessia social

necessário cortar “excessos”, reformar a Previdência e rever a valorização do salário mínimo.

O documento “Ponte para o Futuro”, lançado em outubro de 2015 pelo PMDB, pautou as ações do governo golpista em especial para a área social. O documento foi extensamente debatido entre especialistas que apontam que este coloca como prioridade um “ajuste fiscal permanente”, que condiz com a proposta da PEC 55 (ex-PEC 241). Para isso, seria

“Travessia social”, também lançado pelo PMDB, em abril de 2016, apresenta propostas “de mercado” para a questão social e trabalha com uma ideia inspirada na teoria do capital humano, segundo a qual os pobres seriam pobres por não se inserirem no mercado. Nesse documento, também fica marcada a ideia de “reduzir para ampliar”: apresenta-se uma

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proposta mais radical de focalização, com as modificações até mesmo no Programa Bolsa Família. O argumento do documento é de que a população contida entre os 5% e os 40% mais pobres do país está perfeitamente inserida no mercado e, portanto, teria condições de competir no mercado de trabalho e garantir sua renda. O documento trata também a educação como um instrumento para o aumento da produtividade pura e simplesmente, desconsiderando seu papel na formação crítica dos cidadãos. Ambos os documentos deram, em linhas gerais, o tom das críticas da oposição de direita ao governo Dilma, dialogando com críticas do senso comum na imprensa e nas redes sociais. Também se traduziram em tentativas de reformas ou desconstrução de políticas sociais quando Temer assumiu o governo com o golpe. Mercado de trabalho O mercado de trabalho inicia 2016 com sinais de continuidade em relação a 2015. Assim como no ano anterior, neste o mercado de trabalho bate recordes negativos, que consolidam os efeitos da crise política e econômica na vida cotidiana do país. Assim, ambos os anos marcam a reversão de um ciclo de contínuos recordes positivos, desde 2003, na redução da informalidade, da desigualdade de rendimentos do trabalho e do desemprego, com a piora dos indicadores do mercado de trabalho, essas conquistas ficam em risco. Dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), bem como avaliações do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam a deterioração do quadro no ano, tendo possíveis efeitos também na pobreza e desigualdade no país. Consideramos que exista uma assimetria entre trabalhadores e empregadores, de forma que, de um lado, os empregadores demandam trabalho e formulam as condições em que um posto de trabalho é ofertado e, de outro, os trabalhadores precisam vender sua força de trabalho para sobreviver. Nesse cenário, o direito do trabalho existe para atenuar essa assimetria no mercado de trabalho. Assim, medidas que flexibilizem leis trabalhistas ou que

retirem direitos são prejudiciais ao trabalhador em uma perspectiva individual (pela perda de direitos) e coletiva (pela desconstrução de uma repartição mais justa dos recursos da sociedade). O cenário de piora dos índices do mercado de trabalho abre espaço para iniciativas de flexibilização das leis trabalhistas, em diálogo com a antiga ideia de que “os trabalhadores têm muitos direitos” ou que “as leis trabalhistas engessam e encarecem o trabalho”. Mas o elevado desemprego e a recessão econômica aumentam risco de regressão na regulação trabalhista ao propiciar crescimento da ofensiva patronal e governamental (já que a ofensiva patronal ganhou um aliado forte – o governo – com o golpe) para flexibilizar direitos, como tem ocorrido, com forte apoio da mídia tradicional. Alguns exemplos de propostas que voltaram a ser discutidas em 2016 são: - Ampliação da jornada: foi anunciada pelo ministro do Trabalho de Temer, Ronaldo Nogueira, proposta de ampliação da jornada semanal para 48 horas e da jornada máxima diária para 12 horas. O ministro foi chamado pelo governo a se explicar à sociedade, mas ainda não está clara qual é a proposta do governo. Vale lembrar que, no início do governo Lula, em 2003, discutia-se a redução da jornada de trabalho para quarenta horas semanais e que, com a elevação da produtividade ao longo dos anos, é socialmente justo que a jornada seja reduzida, a fim de repartir entre a sociedade esses ganhos. - Terceirização irrestrita: Michel Temer anunciou que vai apoiar o PL 4330/2004, aprovado pela Câmara no início de 2015, que visa liberar a terceirização também em “atividades-fim” e não somente em “atividades-meio”. Se para as empresas o processo de terceirização significa ganhos e a possibilidade de concentrar seus investimentos nas atividades principais, os trabalhadores terceirizados estão sujeitos a redução de salários e precarização das condições de trabalho. Em 21/11, foi noticiado que a terceirização está sendo retomada na Câmara. - Negociado sobre legislado (até sobre a CLT): o ministro do Trabalho de Temer afirmou, em entrevistas, que o governo é favorável à flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e vai 25

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SOCIAL

“prestigiar” as convenções coletivas para decisões sobre jornada e de salário: “A CLT virou uma ‘colcha de retalhos’ que permite interpretações subjetivas”, segundo o ministro. Ainda, o Supremo Tribunal Federam (STF) tem dado subsídios para a mudança de interpretação de diversas leis trabalhistas, entre elas a prevalência do negociado sobre o legislado, o que retiraria a necessidade de alteração das leis em si. Diversas das propostas discutidas justificam-se pelo argumento de “proteger o trabalhador” em um contexto de informalidade ou vulnerabilidade, mas, em vez de atacar o problema e permitir condições dignas, as medidas caminham no sentido de tornar legais relações de trabalho com menos direitos: reduzir a informalidade ao transformar o que é informal em formal não resolve o problema da precariedade, mas o mascara. Assim, não se altera para melhor a situação concreta do trabalhador: pelo contrário, na maioria dos casos, a perspectiva é de piora. A tendência para a flexibilização abre espaço para a perda de direitos pura e simples ou para a possibilidade de negociação com o empregador, que também dá margem a pressão para aceitar piores condições e maior precarização. Assim, abrindo espaço para tais propostas, o governo joga a conta da crise para os trabalhadores, como já tem sido indicado pela redução do montante da massa salarial em 2016 (PNADC) e piora dos vínculos trabalhistas, com o aumento da informalidade e do desemprego. É possível ainda, como comentado anteriormente, que não seja necessário modificar as leis trabalhistas para que seja aprovado um processo de flexibilização e/ou perda de direitos no mercado de trabalho: caso o judiciário modifique sua interpretação do regramento jurídico já existente, como tem ocorrido, é possível que uma reforma ocorra, o que poderia minimizar o efeito da oposição a tal medida nas ruas e no Congresso. Reforma da Previdência O ano foi marcado pela discussão sobre a reforma da Previdência. Ainda no início de 2016, o então ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, já discutia

a necessidade de realizar uma reforma da Previdência1. Com o governo golpista, no entanto, a discussão foi encaminhada com mais decisão. Tal sinalização foi claramente dada pelo Ministério da Fazenda, ao qual se subordina a pasta da Previdência no governo golpista. Uma das propostas discutidas seria a da equalização da idade mínima para aposentadoria entre homens e mulheres, mas a pretensa equalização das idades esconde uma realidade de desigualdade no mercado de trabalho, sobrecarregando mais as mulheres em sua dupla jornada (trabalho remunerado e trabalho doméstico). A discussão por parte do governo golpista e da grande mídia também não levou em consideração, em 2016, que a Previdência Social tem um papel importantíssimo no combate à desigualdade no Brasil. Ainda, especialistas alertaram durante o ano que não existe déficit da Previdência, pois, ao se considerarem todas as receitas e despesas do Sistema de Seguridade Social (formado pela saúde, assistência e Previdência Social), no ano de 2014 o superávit atingiu mais de R$ 53 bilhões. Seria necessário, sim, reformar a Previdência, mas de forma a incluir os 37 milhões de trabalhadores que ainda não têm acesso ao sistema. No entanto, ao escolher reformar a Previdência sob o argumento de “justiça social” (mas que penalizará os trabalhadores e os mais pobres) e não propor alterar o sistema tributário ou reduzir os juros, o governo golpista mostra seu lado na luta distributiva. Limite ao crescimento do gasto primário Se no governo Dilma já se falava de uma proposta de novo regime fiscal, o governo ilegítimo de Temer apresenta uma proposta radical: a de um novo regime fiscal com os gastos primários sendo corrigidos somente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) durante vinte anos. Tal proposta, a PEC 55 (antes 241) tem sido aprovada em todas as instâncias, apesar de sua grande impopularidade e, inclusive, dos protestos de estudantes em todo o país, que se organizaram na ocupação de escolas e universidades.

1. Reforma Fiscal de Longo Prazo, Nelson Barbosa http://www.slideshare.net/MinisterioFazenda/reforma-fiscal-de-longo-prazo

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Em 2016, também foi aprovada na Câmara a ampliação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 20% para 30% e a desvinculação dos gastos constitucionais. Educação: entre o setor privado e as ocupações A reforma da educação no Brasil, com o governo ilegítimo, está passando pelo crivo de bilionários brasileiros2, representantes de fundações e de institutos de empresas privadas, o que é demonstrado tanto pelos convidados escolhidos para debates sobre o tema no Congresso quanto pela composição de quadros-chave do governo Temer na área da educação3. Tal fato tem o potencial de ampliar a privatização da educação e a reprodução da lógica da gestão privada dentro da educação pública (um risco, diga-se de passagem, não só para a educação, mas para a questão social como um todo no ano de 2016). Assim, em 2016 aumentou o acesso de alguns desses grupos de interesses privados aos recursos públicos, em detrimento dos gastos sociais que fizeram grande diferença na vida de milhões de brasileiros nos últimos anos: enquanto diversos personagens do governo Temer defendem a privatização de diversos aspectos da política social e econômica brasileira, muitos mantém laços com grupos que se beneficiariam dessas privatizações. Se, de um lado, o setor privado tem ganhado mais espaço no governo golpista, de outro a juventude marca presença ao lutar por direitos: em 2016, alunos secundaristas e universitários seguem firmes nos protestos em todo o Brasil contra a PEC 55 (antes PEC 241) e contra a Medida Provisória 746, que estabelece mudanças no ensino médio. Além de mais de mil escolas e institutos federais, há de-

zenas de universidades ocupadas. Ambas as medidas (PEC 55 e MP 746) foram propostas sem discussão social condizente, dado o peso que ambas representam para o futuro do gasto social (no caso da PEC 55) e para o futuro da educação (PEC 55 e MP 746). Considerando a educação, ambas podem afetar os objetivos consolidados no Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014 como uma espécie de rumo para os avanços na área: na prática, especialistas apontam que a PEC inviabiliza o cumprimento de itens do PNE4. Além disso, o teto para o gasto federal proposto pelo governo Michel Temer afeta diretamente a educação: será a área a sofrer a freada mais brusca na expansão de gastos se for corrigida somente pela inflação, como diversos estudos mostraram5. Especificamente quanto ao nível superior, de 2003 em diante, medidas como o Prouni e Reuni ampliaram o acesso ao ensino. A instituição das cotas também ajudou a democratizar o acesso às instituições e o perfil dos estudantes foi sendo modificado ao longo dos anos, tornando o ensino superior mais acessível a negros, estudantes provenientes de famílias de baixa renda etc6. No entanto, a ampliação do acesso tem desacelerado segundo dados do próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). No contexto do governo golpista, tal fato coloca em risco a inclusão no ensino superior, já que instituições de ensino superior públicas se veem afetadas por cortes, bem como os programas Prouni e Fies. Assim, as medidas adotadas pelo governo golpista de cortes na educação pública e nas políticas públicas de financiamento em 2016 podem não só agravar a desaceleração do acesso, mas também promover uma elitização do ensino superior.

2. Conheça os bilionários convidados para “reformar” a educação brasileira de acordo com sua ideologia https://theintercept.com/2016/11/04/conheca-os-bilionarios-convidados-para-reformar-a-educacao-brasileira-de-acordo-com-sua-ideologia/ 3. Lobby de ensino privado volta a demonstrar força junto a Mendonça Filho http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/237014/Lobby-de-ensino-privado-volta-a-demonstrar-for%C3%A7a-junto-a-Mendon%C3%A7a-Filho.htm 4. Brasil tem de investir R$ 225 bi a mais para cumprir Plano Nacional de Educação http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-11/brasil-tem-de-investir-r-225-bi-mais-para-cumprir-plano-nacional-de 5. Educação em risco sob a política econômica de Temer-Meirelles http://www.ihu.unisinos.br/noticias/556453-educacao-em-risco-sob-a-politica-economica-de-temer-meirelles 6. 2 em 3 alunos de universidades federais são das classes D e E http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,2-em-3-alunos-de-universidades-federais-sao-das-classes-d-e-e,10000070529

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Saúde Na saúde, o ano foi marcado pelo drama do Zika, que se espalhou pelo país junto ao Chikungunya e à Dengue, porém com o agravante de estar associado a má-formação em fetos. O Zika expôs as diversas desigualdades e precariedades que assolam as mulheres brasileiras no que diz respeito ao acesso a saúde, saneamento e direitos reprodutivos, ainda mais em um cenário de cortes de gastos sociais. Também, com o início do governo golpista vieram declarações absurdas do ministro da Saúde Ricardo Barros, como a proposta de rever o Sistema Único de Saúde (SUS), a fala de que pesquisadores que defendem um sistema universal de saúde “não são técnicos, nem especialistas, são ideólogos que tratam o assunto como se não existisse o limite orçamentário, como se fosse só o sonho”, entre outras. Frequentemente, o ministro atacou, em 2016, a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, de acordo com a Constituição. Por outro lado, o ministro vê com bons olhos a ampliação da privatização na saúde, ao propor que fossem adotados “planos populares” de saúde, a fim de desonerar o SUS. É importante ainda lembrar que o ministro teve a campanha eleitoral para deputado federal financiada em parte por um dos principais operadores de planos de saúde do país. Direitos individuais e questão racial A Medida Provisória nº 726, publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de maio de 2016 (já no governo golpista, com ministros homens, brancos e mais velhos), estabeleceu a reforma ministerial, extinguindo o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos criado pela MP 696/2015, em claro retrocesso para a pauta da igualdade. Com o golpe, abre-se grande espaço para a regressão no campo dos direitos individuais (como direitos das mulheres e LGBT), com o avanço do poder de grupos fundamentalistas. Uma questão que esteve no debate público, diante do caso de adolescente que sofreu estupro coletivo em 2016,

é o PL 5069/2013, de autoria de Eduardo Cunha, que exige exame de corpo de delito em mulheres para que comprovem um estupro, isto é, na prática dificulta o atendimento às vítimas e silencia ainda mais sua voz. Também, a secretária especial de Políticas para as Mulheres Fátima Pelaes apontou que não defenderia “bandeiras contrárias aos valores bíblicos”, como o aborto e a constituição livre de família. Tem-se, assim, uma dimensão do crescimento de setores fundamentalistas dentro do governo Temer. Horizonte para o social Ficou claro em 2016 que, por trás do golpe, há um projeto de retrocesso não apenas nas conquistas dos governos liderados pelo PT desde 2003 (e a continuidade de programas internacionalmente reconhecidos), mas nos direitos da Constituição de 1988 e até de conquistas da década de 1940 (como a CLT). Tal projeto conta com o apoio de grandes setores do empresariado e da mídia tradicional - que pressionavam o governo Dilma no início do ano pela adoção de sua agenda, como forma de sair da “paralisação” em que ainda se encontra o país -, que ganha um aliado com a ascensão de Temer. Nesse ano em que organizações internacionais apontam a necessidade de reforço das políticas sociais de forma a reduzir os impactos da crise para a população, o governo mostrou ir na tendência contrária, de questionamento e redução de programas sociais supostamente por uma preocupação fiscal. O governo Temer abriu espaço em 2016 não só à precarização do acesso aos direitos sociais, mas também aos interesses de poderosos grupos privados em diversos setores ao colocar seus representantes em cargos chaves: a questão fiscal é um problema quando se trata de gastos sociais ou direitos, mas não quando se discutem incentivos dados a grandes grupos empresariais ou à alta classe social. Assim, mesmo que a economia se recupere no curto prazo, isso ocorrerá em um patamar de mais desigualdade, menos direitos e menos instrumentos para o combate à pobreza.

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ECONOMIA

Este ano foi marcado por diversos solavancos na política econômica. Houve dois ministros da Fazenda e dois presidentes do Banco Central, que, cada um ao seu modo, pautaram as diretrizes da política econômica do período. Em uma retrospectiva, são analisadas questões referentes ao ‘nível de atividade’, ‘comércio exterior’, ‘política monetária e inflação’ e ‘indústria’. Tal como nos boletins anteriores, foram considerados os dados mais atualizados divulgados por instituições oficiais de acompanhamento da atividade econômica. Destacamos aqui dados oriundos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Banco Central do Brasil (BCB) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Um problema estrututal De forma concisa, os dados revelam ambiguidades entre as expectativas de retomada da economia ao longo de 2016 e o que de fato tem se concretizado, particularmente no que tange aos indicadores de investimento e emprego. Em outras palavras, antes do impeachment os indicadores de expectativas de investimentos se apresentavam deteriorados, fruto da forte crise econômica e política que perpassava

a economia. Após esse período, a economia chegou a apresentar indicadores positivos quanto à retomada, que, no entanto, não parecem se sustentar após os primeiros meses do governo Temer. Fragilidade institucional, crise política e uma política econômica pró-cíclica mostram que o problema enfrentado pela economia brasileira é estrutural, de forma que uma mera mudança de governo não fomentou a retomada do crescimento. 29

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ECONOMIA

Ao longo do ano, o manejo da política econômica tem sido extremamente adverso à retomada da economia. De uma forma geral, os dados revelam a dificuldade de se colocar a economia em uma rota de recuperação nítida. As taxas de juros foram mantidas em patamares extremamente elevados. A inflação oriunda de choques de oferta, advindos do reajuste dos preços administrados e na produção de alimentos, foi tratada como inflação de demanda. O remédio equivocado por parte dos formuladores da política econômica foi o alto patamar dos juros, que ajudou a aprofundar a crise econômica. A despeito do arrefecimento da inflação, o BCB segue muito conservador e equivocado no manejo da política monetária, sinalizando uma redução dos juros muito lenta frente à profundidade da recessão econômica. No que tange o setor externo, o saldo positivo da balança comercial tem se dado, particularmente, por uma forte contração das importações como resultado da crise econômica. O efeito câmbio mais favorável ao setor produtivo no início do ano tem se dissipado frente à forte volatilidade dos últimos meses. Nessa dinâmica, as exportações não se recuperaram, tampouco se mostraram como saída viável da crise. A alta capacidade ociosa da indústria não vem se revertendo, o desemprego tem paulatinamente aumentado e os investimentos são postergados. A indústria pa-

tina, e a economia brasileira exita em sinalizar uma recuperação contundente e sustentável. Nível de atividade Dados do Ministério da Fazenda mostram revisões para baixo sobre o crescimento da economia. O governo revê as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB), que vai cair mais do que esperado em 2016 e crescer menos em 2017. Em números, a expectativa é de que o PIB caia 3,5% em 2016, e não 3% como havia sido mensurado em agosto. Para 2017, a expectativa é de um crescimento de apenas 1% e não mais 1,6%, como se esperava em projeções anteriores. Um dado usualmente utilizado para se mensurar a atividade econômica é o chamado IBC-Br. Tal índice foi criado pelo Banco Central para ser um “antecedente” do PIB. O índice do BC incorpora estimativas para a agropecuária, a indústria e o setor de serviços, além dos impostos. Em 2016, tal índice tem mostrado a gravidade da crise econômica brasileira. Como ilustrado pelo gráfico abaixo, ao longo de todo o ano o IBC-Br tem sido negativo. A despeito do arrefecimento da contração no segundo trimestre de 2016, o índice voltou a apresentar forte retração no acumulado do terceiro trimestre do ano.

Gráfico 1 – IBC-BR trimestre

Fonte: BCB

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Desta forma, a recuperação econômica prevista para o terceiro trimestre do ano não se concretizou. O IBC-Br, indicador que serve como uma espécie de prévia do PIB calculado pelo BCB apresentou retração de 0,78% no acumulado do terceiro trimestre de 2016, apesar de esboçar um leve crescimento de 0,15% em setembro. Esse pequeno crescimento de setembro, no entanto, foi eclipsado pela revisão do dado de agosto, que passou de -0,91% para -1,01%. Com estes resultados, o IBC-Br já acumula queda de 4,83% no ano e 5,23% no acumulado de doze meses, indicando que a recuperação econômica apontada por alguns analistas de mercado ainda está longe de se tornar uma realidade.

var. Com esta conjuntura interna e externa desfavoráveis, a estabilização do nível de atividade deve ocorrer apenas em 2017, com um nível baixo de emprego e renda, além de grande capacidade ociosa nas empresas produtivas. A contenção dos gastos públicos, através da PEC 55 e outros mecanismos, retira do Estado a capacidade de atuar de maneira anticíclica, deixando o país totalmente dependente das decisões e estratégias de investimento do capital privado internacional, sem condições de elaborar uma estratégia autônoma de desenvolvimento e/ ou reversão da crise atual.

O ajuste fiscal promovido pelo então ministro Joaquim Levy em 2015 marcou a dificuldade de sair da recessão econômica atual. Nelson Barbosa, que substituiu Levy, ensejou uma flexibilização do ajuste fiscal em um entendimento de que o equilíbrio das contas públicas não seria possível sem a retomada da economia. No entanto, a ruptura institucional promovida pelo impeachment não permitiu mais detalhes de como seria a nova gestão da política econômica. Após esse período, o que se viu foram os desdobramentos da atual gestão do ministro Henrique Meirelles, na qual para o curto prazo definiu-se o “keynesianismo fisiológico” e para o longo prazo, a “austeridade permanente” pautada pela PEC 55 (antiga 241). O afrouxamento da meta fiscal para 2016 e 2017 mostrou, por um lado, o pragmatismo econômico e, por outro lado, a latente hipocrisia dos que pregavam a austeridade econômica durante a gestão de Dilma e que hoje figuram nos quadros do governo.

A análise da balança comercial brasileira no ano de 2016 tem se configurado como um dos dados mais contraditórios aqui apresentados. Isto porque, após fevereiro de 2015, esta passou a apresentar um saldo positivo, o que indicaria uma melhora nas relações comerciais do Brasil com o exterior. No entanto, uma análise mais cuidadosa da dinâmica em curso revela um processo perverso por trás do superávit comercial. A forte desvalorização do real em 2015 ajudou a ensejar um maior dinamismo das exportações e uma contenção das importações. No início de 2016 essa era perspectiva em voga. No entanto, tal quadro foi sofrendo uma piora estrutural, à medida que as importações passaram a se retrair fortemente dada a profundidade da crise. A forte volatilidade cambial e reapreciação do real entraram em curso. Nesta dinâmica, o saldo comercial passou a ser pautado por um baixo dinamismo das exportações compensado muito mais que proporcionalmente pelo recuo das importações. Importações destinadas tanto para processos produtivos quanto para consumo das famílias foram solapadas pelo esfacelamento da indústria nacional e pelo aumento do desemprego. Exportações de produtos manufaturados, particularmente de bens de capital que são mais sensíveis à instabilidade cambial, sofreram fortes contrações afetando uma importante fonte de dinamismo da economia. Conforme apontado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a partir do segundo semestre de 2016, as variações negativas tornaram-se majoritárias para as exportações, enquanto no primeiro semestre havia alguma alternância com resultados positivos.

Em uma crise econômica aguda, a ausência de ações anticíclicas contundentes, a retração do papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no fomento dos investimentos, a alta volatilidade cambial e os juros adversos ao setor produtivos sobrepujaram qualquer tentativa de recuperação econômica. Nos últimos meses, os indicadores de confiança da indústria e do comércio passaram a dar sinais de reversão de uma possível retomada. Ademais, o aumento de incertezas no front externo com a eleição de Donald Trump também pode colaborar para a maior lentidão na recuperação dos investimentos, uma vez que a aversão ao risco dos investidores internacionais deve se ele-

Comércio exterior

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ECONOMIA

Os dados mais recentes sobre a balança comercial se enquadram neste diagnóstico. Segundo o MDIC, outubro registrou um saldo comercial positivo de US$ 2,346 bilhões na balança comercial. Tal valor é resultante de exportações de US$ 13,72 bilhões, menos importações de US$ 11,37 bilhões. Cabe destacar que o saldo comercial de outubro é 17,5% maior que o registrado no mesmo mês de 2015. Em

outubro de 2015, o superávit foi de US$ 1,996 bilhão. No entanto, tal como destacado anteriormente, este é fruto de uma forte queda das importações e não de um dinamismo das exportações. Como exemplo, a média diária das exportações ficou em US$ 686,1 milhões, exibindo queda de 10,2% frente a outubro de 2015.

Gráfico 2 – Balança Comercial

Fonte: MDIC

Uma ótica setorial também ajuda a compreender a gravidade do processo em curso. Em 2016, de janeiro até outubro ocorreu aumento das exportações de produtos semimanufaturados (3,5%), no entanto houve expressiva queda nas vendas externas de produtos básicos (-10%), bem como de produtos manufaturados (-1,6%). Pelo lado das importações, a retração de bens de consumo foi 23,5%. Quedas significativas se deram também em bens intermediários, 18,7%, e de bens de capital, 21,9%. Assim, o que está por trás do saldo positivo na balança comercial é a crise na economia brasileira. A melhora não tem sido advinda de um processo de substituição de importações, tampouco de um dinamismo das exportações. As importações estão se deteriorando fruto do total colapso da indústria nacional. Além disso,

a forte crise, que vem provocando aumento do desemprego e queda na renda das famílias, solapou a demanda por produtos e serviços importados. Assim, a dificuldade das exportações em ganhar mercados e a queda nas importações foi a maior responsável pelo superávit da balança comercial brasileira. Política monetária e inflação Sustentando a tendência iniciada em janeiro de 2016, a inflação brasileira medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) vem exibindo um comportamento mais favorável ao longo do ano. Após encerrar 2015 com uma taxa de inflação de 10,7%, o IPCA retrocedeu significativamente no ano de 2016. Uma análise da inflação no ano de 2016 revela que a desaceleração dos preços medida pelo IPCA foi consequência, sobretudo, da forte queda

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nos preços administrados, cuja taxa de variação em doze meses recuou de 18,1% em dezembro para 7,9% em setembro. Isto se deu particularmente pelo fim do efeito do represamento dos preços feito em 2014. Outro fator preponderante que afetou a inflação no ano de 2016 foi o comportamento dos preços livres, contaminados pelo choque na oferta dos alimentos. Em outras palavras, a trajetória de alta dos preços livres havia sido impulsionada pela forte aceleração da inflação dos alimentos, cuja taxa de variação nos últimos doze meses, encerrados em setembro, ainda aponta variação expressiva de 16%. A Carta de Conjuntura do Ipea nº 32 sugere que, para 2017, o cenário para a inflação de alimentos é mais positivo. De acordo com o instituto, “segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a estimativa de plantio da safra

2016/17 de grãos do Brasil aponta para uma alta da produção esperada de 14,1% em relação à safra passada, considerando o intervalo entre os limites inferior e superior”. Neste sentido, nos próximos meses a expectativa é de uma melhora no cenário de inflação. Assim, em linha com o exposto, dados do IBGE revelam que a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para o mês de setembro apresentou uma aceleração de 0,08% para 0,26% em outubro. Tal resultado veio em linha com a expectativa dos economistas e foi a menor taxa para o mês desde 2000, quando apresentou alta de 0,14%. O índice acumula alta de 5,78% no ano, frente a 8,48% no mesmo período de 2015. No acumulado em doze meses, houve desaceleração de 8,48% para 7,87%.

Gráfico 3 – Inflação (IPCA)

Fonte: IBGE

A análise dos dados revela que o grupo que mais puxou a inflação foi o relativo a transportes. Em outubro houve um aumento de 0,75% neste grupo, perante um de 0,10% no mês anterior. Cabe ressaltar que, a despeito da redução no valor do combustível autorizada pela Petrobras, esta não foi repassada ao consumidor e, na realidade, resultou em um aumento na gasolina (de -0,40%

para +1,22%) e no etanol (de 0,83% para 6,09%). Ademais, no dia 8/11, a Petrobras anunciou o corte no preço do diesel nas refinarias em 10,4% e o da gasolina em 3,1%. Resta saber se ocorrerá o repasse ao consumidor desta vez. Caso ocorra, haveria um efeito expressivo na inflação do mês seguinte e representaria uma redução de 6,6% no preço do diesel na bomba (-R$ 0,20 por litro) e de 1,3% da 33

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gasolina (-R$ 0,05 por litro). Por último, mas não menos importante, outro fator preponderante no aumento da inflação no grupo de transporte foi o preço das passagens aéreas, que apresentou alta acima de 10%. O grupo de alimentos e bebidas continua em deflação, mas passou de -0,29% em setembro para -0,05% em outubro. O leite longa vida teve forte influência devido à sua expressiva queda de preços de 10,68%. Em uma tendência oposta, carnes tiveram um aumento dos preços de 2,64%. Ou-

tros grupos também tiveram uma desaceleração da inflação, a saber, os relativos especialmente a despesas pessoais (de 0,10% para 0,01%) e educação (de 0,18% para 0,02%). Em contrapartida, ocorreu aumento dos preços de vestuário (de 0,43% para 0,45%) e saúde e cuidados pessoais (de 0,33% para 0,43%). A alta nos preços administrados passou de 0,37% para 0,54%, o que é explicado pelo comportamento dos preços de combustíveis descritos anteriormente. No que se refere aos preços dos livres, estes passaram de estáveis para uma alta de 0,17%.

Tabela 1 - Resultados dos grupos de produtos e serviços pesquisados

Fonte: IBGE

Neste ambiente, com as causas da inflação de 2016 devidamente mapeadas, é que se destaca o caráter imprudente do Banco Central quanto ao manejo dos instrumentos de política monetária. Dentro de uma diretriz extremamente ortodoxa, o Comitê de Política Monetária (Copom) tem operado de forma equivocada ao longo de todo o presente ano. Apesar da recente queda da Selic de 14,25% para 14% - a primeira queda em quatro anos -, o Brasil continua praticando os juros reais (descontada a inflação) mais elevados do mundo. Com uma economia que se encontra em forte re-

cessão, um maior dinamismo advindo da redução dos juros teria de vir de um corte expressivo dos juros. No curto prazo, apenas isso poderia estimular a retomada da economia, o processo de recuperação da renda e do emprego. Indústria O ano de 2016 tem sido marcado pela falta de forças dinamizadoras que coloquem a economia em uma rota de recuperação. O ano tem sido pautado pela queda do consumo, exportações em declínio, alta capacidade ociosa, crédito tra-

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vado e ausência de investimentos. Tais variáveis têm condicionado a indústria a uma rota cadente, na qual, a despeito do “soluço” positivo de junho

e julho de 2016, os últimos dois meses mostram a condição crítica na qual se encontra o nível da produção industrial.

Gráfico 4 – Produção Industrial com ajuste sazonal

Fonte: IBGE | Nota: Média 2002=100

Neste sentido, dados divulgados pelo IBGE sobre a produção industrial mostram que a desaceleração econômica ainda é forte no Brasil. Embora tenha ocorrido uma alta de 0,5% da produção in-

dustrial em setembro, esta é muito tímida frente a uma queda expressiva de 3,5% em agosto. Ademais, a grande maioria dos setores industriais apresentou queda.

Gráfico 5 – Produção Industrial

Fonte: IBGE

Na comparação de setembro do presente ano

ca para o acumulado dos nove meses de 2016, a

com o mesmo mês no ano anterior, o total da

variação foi de -7,8%. Considerando os últimos

indústria mostrou queda de 4,8%. Em uma óti-

doze meses, o recuo até setembro chega a 8,8%. 35

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Tabela 2 - Indicadores da Produção Industrial por Grandes Categorias Econômicas

Fonte: IBGE

Os dados mostram que a expansão da produção se cristalizou em somente nove dos 28 setores pesquisados pelo IBGE. Destes, destacam-se as indústrias alimentícia (6,4%) e automobilística (4,8%), que compensaram apenas parcialmente a expressiva queda que tiveram no mês anterior. Entre os setores em queda, os desempenhos de maior relevância vieram de: máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-8,1%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-6,2%), produtos de minerais não-metálicos (-5,0%), e perfumaria, sabões, produtos de limpeza e de higiene pessoal (-2,7%). Em uma ótica dos macrossetores, houve alta apenas em dois dos quatro. Ou seja, 1,2% em bens intermediários e 1,9% em bens de consumo duráveis. Bens de capital caíram 5,1% e bens intermediários, 1,2%. Conclusão A presente retrospectiva procurou tratar os principais problemas enfrentados pela economia brasileira no ano de 2016. A preocupação com a retomada está se tornando latente entre os economistas, que estão revisando as projeções de crescimento para baixo, tanto para este ano quanto para o ano que vem. O relatório Focus divulgado pelo Banco Central do Brasil (BC) coaduna

com esta percepção. A dificuldade de recuperação da demanda tem solapado as expectativas de investimento e consequentemente sobrepujado a retomada do emprego e da renda. No cerne da crise, se configura a gestão equivocada do Banco Central sobre o câmbio e os juros. Sem uma taxa de câmbio competitiva e menos volátil, assim como uma taxa de juros condizente com a realidade econômica do país, a volta do crescimento econômico continuará sendo paulatinamente prejudicada. Neste cenário, a aprovação da PEC 55 apenas agrava as dificuldades de recuperação do crescimento, ao impedir a ampliação do investimento público por um período prolongado. Ou seja, retira do estado uma importante forma de operação anticíclica. Com câmbio pouco competitivo, juros estratosféricos, Estado contracionista e crise política/institucional, a esperança no crescimento econômico produzido pelo investidor internacional parece uma miragem no deserto. De forma concisa, os dados mostram que as profecias da retomada mágica têm se esfacelado diante da crise econômica que perdura e afeta indicadores de investimento, renda e emprego.

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TERRITORIAL

O eixo territorial deste boletim busca analisar os impactos de políticas, bem como resultados socioeconômicos relevantes, no território nacional. Consequência da história e política de ocupação do país, as diferentes realidades regionais sofrem de maneiras distintas cada decisão de políticas nacionais e de interesses do capital, o que faz que, por vezes, uma simples observação de características comuns do território exponha resultados surpreendentes, seja para o bem ou para o mal.

Análise política, econômica e eleitoral Neste sintético optou-se por analisar territorialmente relevantes destaques econômicos, educacionais e eleitorais. No aspecto econômico foram analisadas a evolução do PIB municipal nos últimos anos e a relação do crescimento/redução do mesmo com a desigualdade econômica. No aspecto educacional, foi enfocada a evolução do Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb) nos últimos anos. Já na temática eleitoral, escolhemos a relação do desempenho do Partido dos Trabalhadores (PT) na eleição deste ano

com o perfil socioeconômico dos locais onde o partido obteve sucesso eleitoral. Evolução da economia municipal mostra mudança no eixo do desenvolvimento econômico Este artigo busca analisar a evolução do PIB Municipal para o período de 2010 a 20131, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), observada de acordo com uma tipologia própria de crescimento do indicador, na qual os municípios com resultados semelhantes foram agrupados e regionalizados. O

1. O PIB municipal passou por uma recente mudança metodológica que alterou significativamente o resultado da economia de alguns municípios. Estes recálculos foram feitos para o período de 2010 a 2013, sendo deste último ano a informação mais recente.

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TERRITORIAL

aspecto de urbanização destes também se mostrou relevante para tal análise. Os dados mostram que o crescimento da economia se deu principalmente no interior do país, em regiões que anteriormente possuíam uma maior dependência dos grandes polos econômicos tradicionais. Se para 2015 o PIB brasileiro de R$ 5,9 trilhões posiciona o país como a nona maior economia mundial, um olhar de como os grandes setores econômicos se desenvolvem regionalmente permite identificar

peculiaridades até então não muito discutidas. No período analisado, 2010 a 2013, a economia global cresceu cerca de 2% ao ano, com países do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics) puxando esta média para cima, enquanto países desenvolvidos sofriam crises econômicas e sociais severas. Grande temor do mercado financeiro à época, a crise mundial acabou afetando muito suavemente a economia brasileira, como pode-se perceber na evolução do PIB dos municípios brasileiros.

Mapa 1 - Evolução média anual do PIB Municipal de 2010 a 2013

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PIB Municipal / IBGE

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Tipologia de crescimento do PIB regionalizada A evolução do PIB foi dividida em quatro faixas: a dos 724 municípios brasileiros que tiveram redução do valor real, a dos 1.080 municípios com crescimento de até 2,99%, os 1.858 que obtiveram o alto crescimento de 3 a 6,99% e os 1.908 que cresceram a excepcionais taxas superiores a 7%. Se compararmos tais resultados com o crescimento do PIB chinês, que em 2013 foi de 7,7%, podemos dizer que por três anos consecutivos tivemos cerca de 1.665 municípios que cresceram mais do que o país que mais cresce no mundo.

Algo interessante a observar no mapa acima é que o crescimento se concentrou em municípios e regiões onde historicamente há menor desenvolvimento econômico e social, o interior do país, algo importante sob vários aspectos, sejam eles a diversidade da economia, o impacto econômico positivo em regiões mais carentes e consequentes pré-condições para redução de desigualdades ou a consolidação de novos polos econômicos nacionais. Estados como Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, Paraná e Roraima contaram com mais de 80% de seus municípios nas duas faixas verde do mapa, ou seja, com os maiores crescimentos do PIB.

Tabela 1. Quantidade de municípios por faixa de crescimento médio anual do PIB no período de 2010 a 2013, por grande região do país

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PIB Municipal 2010 a 2013 / IBGE.

Nota-se o mesmo destaque para o interior do país quando, por exemplo, são somados os resultados das duas melhores faixas da tabela 1. Neste caso, destacam-se as regiões Centro-Oeste, Norte e Sul por possuírem mais de 70% de seus municípios neste perfil. Ao passo que a região Sudeste, com a economia historicamente mais consolidada, possui a menor proporção entre todas as regiões (59,9%) e ainda a maior proporção (19%) de municípios com redução do PIB real no período analisado. No entanto, é possível observar no mapa que duas das áreas mais carentes desta região, o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e o Vale do Ribeira, no sul de São Paulo, foram duas das áreas mais beneficiadas do Sudeste.

Mudança de protagonismo Ao atentar para a proporção de urbanização dos municípios brasileiros exposta no gráfico 1, é possível observar que os municípios com taxa média de urbanização, nos quais de 40% a 70% de seus domicílios são urbanos, foram os que mais cresceram no período exposto, com uma média anual de 6,8%. Mesmo os municípios com baixa taxa de urbanização apresentaram resultados pouco superiores em relação aos altamente urbanizados, com crescimento médio de 5,9% ante os 5,7% dos segundos.

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TERRITORIAL

Gráfico 1. Média de crescimento anual do PIB no período de 2010 a 2013 por grau de urbanização dos municípios

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PIB Municipal/IBGE e Censo Demográfico 2010/IBGE.

Geração de riquezas e desigualdade de renda O Produto Interno Bruto (PIB) consolida as riquezas produzidas por uma determinada sociedade, mas diz pouco com relação à distribuição dessas mesmas riquezas pelos seus habitantes. Comparando as unidades federativas brasileiras, constatam-se diferentes tipologias de geração de riquezas e distribuição de renda. O objetivo do presente estudo foi identificar o comportamento evolutivo do PIB per capita e do índice de Gini traçando tipologias de enquadramento dos estados brasileiros no período recente. Para se chegar a esse objetivo faremos uso da Pesquisa Produto Interno Bruto dos Municípios 20102013 e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009-2014, ambas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), A evolução do Produto Interno Bruto per capita O Produto Interno Bruto (PIB) é um dos principais in-

dicadores utilizados na economia e representa a soma de todos os bens e serviços finais produzidos em uma localidade. Nesse estudo optou-se em utilizar o PIB per capita, que são as medidas absolutas de riqueza ajustadas para o tamanho da população. Em 2013, segundo a Pesquisa Produto Interno Bruto dos Municípios do IBGE, o PIB nacional foi de R$ 5,3 trilhões e PIB per capita equivalente a R$ 26,5 mil. Ao distribuir os estados brasileiros segundo padrões de evolução do PIB per capita no período 2010-2013, observam-se as seguintes características: • alto crescimento do PIB per capita (acima de 3,5% de crescimento médio anual): Mato Grosso, Maranhão, Amapá, Paraná, Pará, Mato Grosso do Sul e Pernambuco; • médio crescimento do PIB per capita (entre 1 e 3,5% de crescimento médio anual): Piauí, Rio de Janeiro, Tocantins, Rio Grande do Norte, Paraíba, Goiás, Ceará,

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Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Alagoas e Acre; • baixo crescimento ou redução do PIB per capita (até

1% de evolução média anual): Roraima, Sergipe, Espírito Santo, Amazonas, São Paulo, Bahia, Rondônia e Distrito Federal.

Gráfico 2 - Variação média anual do PIB per capita. Unidades federativas brasileiras, 2010-2013

Fonte: IBGE. Produto Interno Bruto dos Municípios 2010-2013

A evolução do Índice de Gini Para medir a concentração de renda, optou-se em utilizar o índice de Gini. Esse indicador mede o grau de desigualdade na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0 quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor) a 1 quando a desigualdade é máxima (apenas um detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula). Entre 2009 e 2014, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) disponibilizada pelo IBGE, o índice de Gini brasileiro passou de 0,560 para 0,511, correspondendo a uma redução média anual de 1% no período.

Ao distribuir as unidades federativas brasileiras segundo padrões de evolução do índice de Gini no período 2009-2014, observa-se o seguinte comportamento: • alta redução da desigualdade (acima de 1,5% de redução média anual): Sergipe, Paraíba, Alagoas, Goiás, Acre, Rio Grande do Norte, Piauí, Amapá, Paraná, Mato Grosso, Pernambuco e Santa Catarina; • média redução da desigualdade (entre 1 e 1,5% de redução média anual): Rondônia, Espírito Santo, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul; • baixa redução ou aumento da desigualdade (até 1% de evolução média anual): Pará, Roraima, Rio de Janeiro, Maranhão, Tocantins, São Paulo e Amazonas.

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TERRITORIAL

Gráfico 3 - Variação média anual do índice de Gini. Unidades federativas brasileiras, 2009-2014

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009-2014

Tipologias analíticas das unidades federativas segundo PIB e desigualdade de renda

• alto crescimento do PIB per capita e média redução da desigualdade: Mato Grosso do Sul;

Embora o PIB per capita seja um indicador muito utilizado e bastante difundido na literatura sobre desenvolvimento econômico, seus resultados podem vir a ocultar disparidades na distribuição da renda. Por exemplo, uma unidade federativa pode ter aumentado sua renda per capita ao longo do tempo sem ter diminuído sua concentração de renda.

• alto crescimento do PIB per capita e baixa redução ou aumento da desigualdade: Maranhão e Pará;

Dessa maneira, buscou-se agrupar as unidades federativas segundo padrões de crescimento do PIB per capita e da desigualdade de renda – conforme apontado nas seções anteriores. Posteriormente, elaborou-se uma tipologia baseada em combinações de alto, médio e baixo grau de evolução do PIB per capita e do índice de Gini. Tais combinações possibilitaram a distribuição dos estados brasileiros mais Distrito Federal em nove categorias analíticas que caracterizam a evolução da renda e da desigualdade atualmente. Segue a distribuição das unidades federativas segundo as nove categorias da tipologia: • alto crescimento do PIB per capita e alta redução da desigualdade: Mato Grosso, Amapá, Paraná e Pernambuco;

• médio crescimento do PIB per capita e alta redução da desigualdade: Paraíba, Alagoas, Goiás, Acre, Rio Grande do Norte, Piauí e Santa Catarina; • médio crescimento do PIB per capita e média redução da desigualdade: Minas Gerais, Ceará e Rio Grande do Sul; • médio crescimento do PIB per capita e baixa redução ou aumento da desigualdade: Rio de Janeiro e Tocantins; • baixo crescimento do PIB per capita e alta redução da desigualdade: Sergipe; • baixo crescimento do PIB per capita e média redução da desigualdade: Rondônia, Espírito Santo e Distrito Federal; • baixo crescimento do PIB per capita e baixa redução ou aumento da desigualdade: Bahia, Roraima, São Paulo e Amazonas.

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Mapa 2 - Tipologias analíticas das unidades federativas segundo PIB e desigualdade de renda

Fonte: Fundação Perseu Abramo a partir de IBGE/Produto Interno Bruto dos Municípios 2010-2013 e IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009-2014

Educação: a evolução regional do Ideb Tal artigo possui o intuito de analisar a recém evolução do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) no período mais recente (2013-2015). Para tanto, faz uso de informações do MEC, IBGE e TSE, ao também analisar o desempenho do índice nas administrações municipais petistas. O Ideb foi elaborado para colaborar na mensuração da qualidade de ensino no país. É calculado pela com-

binação de dois exames oficiais, o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb) e a Prova Brasil, que avaliam o desempenho dos alunos em português e matemática, bem como algumas condições intra e extraescolares que incidem sobre o processo de ensino e aprendizagem, ambos ponderados pela taxa de aprovação escolar. Importante iniciativa criada durante a gestão do ex-presidente Lula, o Ideb é mensurado a cada dois anos, tanto para a rede pública quanto privada de 43

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todo país, e apresenta seus resultados numa escala que vai de zero a dez, seja para o ensino fundamental 1 e 2 ou médio. Existem muitas discussões acadêmicas acerca de sua metodologia, algumas sugerindo inclusão de variáveis socioeconômicas dos alunos da região onde as escolas funcionam e da infraestrutura de cada escola como fatores de ponderação no índice final. Há também apontamentos alinhados com o modelo atual, indicando uma régua única para todo o país, tendo como pressuposto que tais fragilidades estruturais e socioeconômicas devem ser superadas para que interfiram o mínimo possível no processo de aprendizagem escolar. Retrato e evolução do Ideb nos estados da federação A nota do Ideb do ensino fundamental 1 (do 1º ao 5º ano do ensino público e privado) brasileiro é de 5,5 pontos, mas assim como para as diferentes categorias de ensino, fundamental 2 e ensino médio, possui disparidades regionais muito grandes no que se refere à nota e à sua evolução recente. No quadro 1 podemos observar que os estados da federação com maiores notas no Ideb fundamental 1 praticamente se repetiram nos dois últimos períodos analisados, 2013 e 2015. À exceção do Distrito Federal, que ficou com sua nota praticamente estagnada (5,9 para 6,0) neste período, os estados de São Paulo (nota 6,4), Santa Catarina (6,3), Minas Gerais (6,3) e Paraná (6,2) se destacam positivamente. Já os estados do Amapá (nota 4,5), Pará (4,5), Maranhão (4,6) e Sergipe (4,6) possuem as menores notas, apesar da grande evolução dos três primeiros no período. Já quando observamos a evolução das notas, são os estados do eixo Norte-Nordeste que chamam positivamente a atenção, com os estados do Ceará (0,7 pontos de evolução), de Alagoas (0,6), do Amapá (0,5), do Amazonas (0,5), do Maranhão (0,5) e do Pará (0,5) com aumento da pontuação superior à nacional

(0,4). Negativamente destacam-se o Distrito Federal, com a pequena evolução de 0,1 pontos, os estados de Goiás e Rio Grande do Sul, também com 0,1, e, principalmente, Tocantins, onde não houve crescimento da pontuação, permanecendo a nota de 5,1 nos dois anos. Ainda neste nível de ensino, quase todos os estados atingiram as metas preestabelecidas e estão assinalados em laranja no quadro 1. As exceções foram os estados do Amapá e Rio de Janeiro e o Distrito Federal. Ao analisar as notas do Ideb do ensino fundamental 2 (6º ao 9º ano), nota-se que o Brasil saltou 0,3 pontos e foi da nota 4,2 a 4,5 no período de 2013 a 2015. Os estados da federação com maiores notas são Santa Catarina (com 5,1 pontos), São Paulo (5,0), Goiás (4,9), Ceará (4,8) e Minas Gerais (4,8). Já os estados com notas mais baixas estão no Nordeste brasileiro, especificamente os estados de Alagoas e Sergipe, ambos com nota 3,5. Ao considerar-se a evolução da pontuação, o estado com a maior nota atual, Santa Catarina, também destaca-se com um crescimento de 0,6 pontos, seguido dos estados do Amazonas (crescimento de 0,5), Alagoas (0,4), Ceará (0,4) e Mato Grosso do Sul (0,4), sendo os três primeiros também destaque na melhoria do ensino fundamental 1, como já citado. O destaque de não evolução no índice fica principalmente com Minas Gerais, que estagnou na pontuação 4,8 no período, seguido de Acre, Amapá, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Roraima, todos com apenas 0,1 pontos de evolução. Em relação ao atingimento das metas do governo federal, a situação se inverte em relação ao desempenho dos estados apontados na análise do ensino fundamental 1: apenas cinco estados atingiram ou superaram as metas, ambos assinalados em laranja no quadro 1, e pertencentes às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.

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BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2016

Quadro 1. Notas do IDEB e respectivos crescimento e atingimento de meta

Fonte: Inep/MEC 2016

Se o desempenho da educação brasileira no nível fundamental 2 já decai em relação ao fundamental 1, é no ensino médio que a situação demonstra-se muito fragilizada, pois a nota nacional ficou estagnada em 3,7 e, em muitas regiões, inclusive piorou, com destaque negativo para o Rio Grande do Sul (-0,3 pontos em 2015 em relação à 2013), Santa Catarina (-0,2), Minas Gerais (-0,1) e Goiás (-0,1). As piores notas pertencem a Alagoas, Bahia e Pará, ambas com 3,1. O melhor desempenho de crescimento é do Amazonas, com 0,5 pontos, seguido por Amapá e Maranhão, ambos com 0,3. Apesar da pequena evolução no período, o estado de São Paulo ainda apresenta a maior nota (4,2), seguido do Distrito Federal e dos estados do Espírito Santo, de Pernambuco e do Rio de Janeiro, ambos com nota 4,0.

Evolução do Ideb municipal Dos 4.965 municípios brasileiros acompanhados pelos resultados do Ideb, 3.711, cerca de 75%, atingiram as metas estabelecidas pelo MEC. Outros 1.254 não as atingiram. No entanto, esta eficiência se realiza de forma muito distinta de acordo com o território observado. No mapa que segue, onde na cor verde estão representados os municípios que atingiram a meta e em amarelo os que não atingiram, é possível visualizar que as regiões Sudeste (com 80,7% de seus municípios), Centro-Oeste (80,3%) e Sul (79,1%) são as que possuem maiores proporções de seus territórios cobertos por municípios que atingiram as metas do Ideb fundamental 1 de administração municipal. Já as regiões Nordeste (com 69,9%) e Norte (58,3%) pos45

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suem as menores coberturas territoriais. Ao atentar os gráficos posicionados em cada estado da federação, nos quais a barra vermelha indica a proporção de municípios de um determinado estado que atingiram a meta federal e a barra azul a proporção dos que não atingiram, nota-se como destaques po-

sitivos os estados do Ceará, com 100% de seus municípios atingindo as metas prestabelecidas, e, apesar de fazer parte da região Nordeste, das de mais baixo índice médio; seguido do Acre (95,8%), na região Norte, a de mais baixo índice; de Minas Gerais (88,9%), no Sudeste; Santa Catarina (88,8%), no Sul e Mato Grosso (88,2%), no Centro-Oeste.

Mapa 3 - Municípios por atingimento da meta do Ideb

Fonte: Ideb 2015 Fundamental I. Elaboração própria a partir de dados do INEP/MEC 2016.

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Modo petista de governar Como consequência do modo petista de governar, pode-se observar no quadro 3 que dos municípios administrados por governantes petistas eleitos em 2012 e que acompanham o Ideb, 78% atingiram a meta do

Ideb fundamental 1 de administração escolar municipal, ao passo que nos municípios não petistas esse percentual cai para 74%. A média nacional é de 75%. São 439 cidades administradas pelo Partido dos Trabalhadores que atingiram a meta e 125 que não.

Quadro 3 - Municípios por atingimento da meta do Ideb estabelecida para o Ensino Fundamental 1

Fonte: Inep/MEC 2016 e TSE 2012.

Tais notas também mostram que os municípios petistas possuem um melhor rendimento. De acordo com o quadro 5, a pontuação média destes municí-

pios é de 5,36 pontos, frente a 5,28 dos municípios não petistas, ou ainda à nota 5,29, média dos municípios brasileiros.

Quadro 4 - Municípios por média da nota do Ideb para o Ensino Fundamental 1

Fonte: Inep/MEC 2016 e TSE 2012.

As cidades de gestão atual do Partido dos Trabalhadores também apresentaram maior evolução na nota do Ideb desde o início de sua mensuração, com um crescimento médio total de 1,83 pontos de 2005 a

2015, frente a 1,76 dos municípios administrados pelos outros partidos, e a 1,77 pontos do total de municípios brasileiros.

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Desempenho eleitoral e condições socioeconômicas dos municípios brasileiros O objetivo desse artigo foi identificar variáveis socioeconômicas associadas ao desempenho do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições municipais de 2016. Trata-se de um estudo que abrangeu os 5.570 municípios brasileiros e os resultados do primeiro e segundo turno das eleições municipais. As fontes de informações utilizadas foram os dados eleitorais de 2016 (disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral) e os dados do Censo Demográfico 2010 (disponibilizado pelo IBGE).

Pobreza Nessa seção relacionamos a variável pobreza e desempenho eleitoral. A pobreza foi medida pelo percentual de domicílios com renda igual ou menor que meio salário mínimo. O Coeficiente de Kendall foi de 0,49, apresentando uma correlação positiva de alta significância estatística, a qual o valor-P é inferior 0,01. Ou seja, quanto maior a proporção de domicílios em situação de pobreza, maior foi o desempenho eleitoral do PT.

Foi realizada uma análise de correlação pelo coeficiente de Kendall com significância estatística menor que 0,01. Além da correlação, os resultados do estudo foram apresentados por meio de tabelas cruzadas de contingência e pela espacialização de indicadores a partir de técnicas de geoprocessamento.

Podemos observar na Tabela 1, que os prefeitos eleitos pelo PT estão distribuídos proporcionalmente pelas faixas de maior percentual de domicílios em situação de pobreza se comparados aos prefeitos eleitos pelos demais partidos. O Mapa 1 apresenta a distribuição dos municípios brasileiros segundo o indicador de pobreza.

Escolaridade

sino médio, menor foi o desempenho eleitoral do PT.

A escolaridade foi mensurada a partir do indicador de proporção de pessoas com 17 anos ou mais que concluíram o ensino médio. A associação da variável escolaridade e desempenho eleitoral se mostrou altamente significativa (valor P inferior 0,01) e o Coeficiente de Kendall mostrou uma correlação negativa de -0,50. Isso significa dizer que quanto maior a proporção de pessoas com 17 anos que concluíram o en-

A Tabela 2 confirma essa descoberta ao apresentar a distribuição dos municípios brasileiros segundo resultado eleitoral e escolaridade. Proporcionalmente, os municípios com candidatos eleitos pelo PT se concentram nas faixas com menor escolaridade ao serem comparados com os candidatos eleitos pelos demais partidos. O Mapa 2 apresenta a distribuição dos municípios do país segundo o indicador de escolaridade.

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Emprego

penho eleitoral do PT.

O emprego foi mensurado pela participação dos trabalhadores formais na População Economicamente Ativa. O Coeficiente de Kendall foi de -0,69, apresentando uma correlação negativa de alta significância estatística, a qual o valor-P foi inferior a 0,01. Em outras palavras, quanto maior a participação de trabalhadores formais, menor foi o desem-

A Tabela 3 mostra a distribuição das cidades brasileiras segundo resultado eleitoral e indicador de emprego. Proporcionalmente, as cidades com prefeitos eleitos pelo PT se concentram nas faixas com menor participação do emprego formal na População Economicamente Ativa ao serem confrontados com os prefeitos eleitos pelos demais partidos.

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ENTREVISTAS - EVENTOS - TRANSMISSÕES AO VIVO 49 Boletim mensal de análise de conjuntura 10-v2.indd 49

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COMUNICAÇÃO

O ano de 2016 foi marcado pela cobertura do processo de afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff, iniciado em dezembro de 2015, quando o pedido de impeachment foi aceito pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A notícia reverberou ao longo de vários meses e foi o centro do noticiário inclusive durante a realização dos Jogos Olímpicos e das campanhas eleitorais municipais. Na grande imprensa, houve manipulação de fotos, manchetes, leads e textos com o objetivo de favorecer o desfecho alcançado pelos defensores do golpe de Estado, consumado na aprovação do impeachment pelo Senado. Diante deste contexto, foi muito importante o contraponto realizado pela imprensa alternativa, constituída por coletivos, sites de notícias e blogueiros, cujo principal ambiente de difusão é o das redes sociais na internet. Já no cenário internacional, a imagem do Brasil certamente ficou abalada. Toda a classe política é suspeita de ser conivente com a corrupção, e a democracia tem hoje uma mancha na sua história. Golpe de Estado e a grande imprensa Os três maiores impressos de circulação nacional, O Estado de S.Paulo, O Globo e Folha de S.Paulo, seguiram até o momento unidos na defesa do ajuste fiscal, da extinção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e do projeto de privatizações. O Estadão manteve em seus editoriais o discurso do ódio contra o PT, ao passo que a Folha de S.Paulo abriu eventual espaço para o contraponto em relação aos abusos do Judiciário e ao resultado da perícia do Senado a respeito das “pedaladas fiscais”, quando

foi constatado que não houve ilegalidade. O Globo abertamente publicou diversas matérias favoráveis ao governo interino. Logo após o afastamento provisório, os editoriais dos grandes jornais não expressaram grande expectativa em relação ao governo golpista. A grande imprensa destacou as polêmicas em relação à composição ministerial: a nomeação de sete ministros que eram alvos de investigação na Operação Lava Jato e a ausência de diversidade, particularmente negros e mulheres. Além disso, também foram

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abordadas repercussões negativas da extinção do Ministério da Cultura e outros da área social, bem como a volta da CPMF. Foram ainda noticiados possíveis retrocessos na saúde, em direitos previdenciários, no programa Bolsa Família e a proposta de congelamento dos salários de servidores públicos com o objetivo de cortar gastos. Entre os principais assuntos que ganharam manchetes brasileiras logo após o início da interinidade de Michel Temer estão a queda de dois ministros após o vazamento de conversas gravadas de forma oculta em relação à Operação Lava Jato (Romero Jucá e Fabiano Silveira); a nomeação da secretária de Políticas para Mulheres, Fátima Pelaes, fundamentalista religiosa, com posições contrárias às lutas feministas históricas e envolvida em denúncias de corrupção; o encontro do ministro da Educação, Mendonça Filho, com o ator Alexandre Frota, amplamente ridicularizado por internautas; a afirmação do procurador geral da República, Rodrigo Janot, de que o ministro do Turismo recebeu recursos desviados da Petrobras; e os recuos do governo ao recriar o Ministério da Cultura e ao afirmar que iria agir contra a criação de cargos aprovada pela Câmara e o aumento do Judiciário, que ele mesmo apoiara dias antes. As medidas econômicas anunciadas em maio foram amplamente apoiadas pelos principais veículos da grande imprensa brasileira em seus editoriais e constituíram a primeira pauta positiva sobre o governo interino. Entre elas, a intenção de adiantar a devolução pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) dos empréstimos feitos ao Tesouro, priorizar a reforma da Previdência Social e enviar ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabeleça um teto para o crescimento dos gastos públicos. E também a nova meta fiscal de até R$ 170,496 bilhões para o governo central. Porém, dias depois, os mesmos veículos criticaram a aprovação, pela Câmara Federal, da criação de catorze mil cargos de livre provimento e a concessão de aumento salarial ao funcionalismo público, a princípio com apoio do governo, com impacto de ao menos R$ 58 bilhões até 2019.

A grande imprensa testou os limites de manipulação dos leitores e aparentemente percebeu que não há teto, pois expôs posicionamentos contraditórios em relação às medidas do governo golpista. O jornal O Estado de S.Paulo, por exemplo, publicou texto emblemático no qual tentou justificar a ampliação de gastos e criação de cargos (25/5): “As dificuldades nas quais Michel Temer tem tropeçado nos primeiros dias do exercício da Presidência têm sido provocadas, em alguma medida, pela enorme pressão que a conjuntura excepcional exerce sobre ele. Não se trata de nada mais do que a lógica perversa de um sistema político patrimonialista, acomodado numa estrutura partidária que conspira contra a legitimidade genuína da representação popular. A isso se acresce um sistema legal que faz as despesas públicas crescerem em ritmo mais acelerado que o crescimento da economia nacional”. Em julho, o caráter ilegal da prisão do ex-ministro Paulo Bernardo foi minimizado pela grande imprensa e não ganhou destaque nos títulos e manchetes dos jornais, mesmo após sua liberação. Com exceção da Folha de S.Paulo, que publicou o editorial “Critérios Supremos” (4/7), no qual afirma: “Dois graves problemas da Justiça brasileira se mostraram por inteiro no episódio do encarceramento e posterior soltura do petista Paulo Bernardo. De um lado, o abuso das prisões provisórias, decretadas antes de haver condenação; de outro, a falta de controle sobre as canetadas dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que não raro se valem dessa circunstância para decidir sabe-se lá com base em quais critérios.” Após aprovação do impeachment no Senado, grandes grupos de mídia nacionais expressaram em seus editoriais, porém, com certa desconfiança, a expectativa de que o governo Temer possa de fato levar a cabo as propostas com as quais havia se comprometido no início da interinidade. Ao mesmo tempo, a mídia tradicional ocultou recorrentemente as manifestações contrárias ao governo golpista, o que pode ser observado facilmente em três ocasiões. Em suas edições de 2/9, a Folha e o Estadão esconderam as manifestações contra a aprovação do impeachment e apoiaram a violenta ação da polícia em seus editoriais. Ambos os jornais deram mais destaque aos protestos con51

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tra Nicolas Maduro, na Venezuela, aos quais O Estado de S.Paulo dedicou chamada de capa. A Folha noticiou o caso da Venezuela na primeira página do caderno Mundo e colocou o ato de São Paulo na última página do caderno Poder. Já o título “Fascistas à solta” anuncia o teor do editorial que clama mais repressão policial contra os protestos. Na mesma linha vai o editorial do Estadão, intitulado “A baderna como legado”, que classifica as manifestações contra o novo governo como revanchistas. O mesmo se observou com a ausência de cobertura da grande imprensa a respeito das ocupações de escolas e universidades, principais frentes de resistência às medidas de Temer que atacam direitos da população, particularmente dos estudantes – a Medida Provisória (MP) 746/2016, que altera o ensino médio; da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/2016; e o Projeto de Lei do Senado (PLS) 193/2016, que tenta incluir o programa Escola Sem Partido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Evento digno de um Estado de exceção foi protagonizado pela Polícia Militar de São Paulo no dia 4/11, quando policiais invadiram a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, no interior de São Paulo, sem mandado e aos tiros. Como era esperado, a grande mídia não noticiou o fato de imediato e, quando o fez, tratou de escondê-lo nos rodapés dos portais de notícias e longe das manchetes. A divulgação, muitas horas depois, ocorreu apenas porque a repercussão nas redes sociais tornou o silêncio dos grandes veículos insustentável. Durante todo o ano os editoriais do jornal O Estado de São Paulo se dedicaram a atacar a imagem do ex-presidente Lula e a disseminar a ideia de que a aprovação do impeachment significou também o fim do Partido dos Trabalhadores. Também foram publicados textos que corroboram esta narrativa após a divulgação dos resultados das eleições municipais, apontados por aquele jornal como o aval eleitoral para o golpe.

Redes sociais ampliam sua influência As redes sociais online, mais do que nunca, tiveram um papel importantíssimo na vida de brasileiros e brasileiras em 2016. Eventos marcantes encontraram nas redes sociais online o combustível necessário para se firmarem como pautas nacionais e influenciar a opinião pública. Em 4/3, enquanto páginas e usuários de direita comemoravam a condução coercitiva do ex-presidente Lula, os ligados ao Partido dos Trabalhadores e admiradores de Lula se mobilizavam para fazer a “escolta” do ex-presidente. “Lula” foi o termo mais comentado no Twitter mundial durante sua condução coercitiva. Por lá, surgiram depoimentos que ajudaram a elucidar os fatos e orientar militantes que buscavam agir em defesa de Lula. Relatos apontaram que a mobilização em prol do ex-presidente fez com que os responsáveis pela condução desistissem da ideia de levar Lula a Curitiba. Manifestações contra e pró-impeachment Uma série de manifestações foram registradas durante todo o ano. Enquanto as favoráveis ao impeachment receberam atendimento de megaevento, com cobertura de canais de TV aberta, convocações, comentaristas políticos em tempo real e até mesmo flashes durante a programação, as contrárias foram condenadas ao ostracismo pela grande imprensa brasileira. Nesse cenário, a mídia alternativa e as redes sociais online tiveram um papel central na divulgação dos atos contra o impeachment. Canais como Mídia Ninja, Jornalistas Livres, Brasil 247, Viomundo, entre outros, ocuparam um vácuo deixado pela imprensa convencional. Foi a mídia alternativa a responsável por divulgar o iminente golpe de Estado que ameaçava o Brasil e que de fato se consumou. A mídia alternativa ainda cumpriu um outro papel nesse cenário, que foi elucidar os usuários sobre o caráter do que surgia das manifestações em prol do impeachment: reacionários, apoiadores de regimes militares, homofóbicos, preconceituosos, machistas, intolerantes, entre outros.

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Nas redes, segundo Fábio Malini, as manifestações do dia 18/3 contra o impeachment fizeram o governo “respirar” também no Twitter Votação do impeachment na Câmara Se o clima de decisão futebolística era forte nas ruas e avenidas brasileiras, nas redes sociais online o efeito dessa polarização foi elevado a níveis estratosféricos. Argumentos há muito já haviam sido deixados de lado, o que só reforçou o sentimento de disputa por disputa, relegando ao segundo plano questões ideológicas, de propostas ou debates pacíficos. “Nem na Copa do Mudo houve essa quantidade de usuários, em língua portuguesa, tuitando num mesmo dia”, escreveu Fábio Malini, professor de Cibercultura e Política da Universidade Federal do Espírito Santo, em seu blog. No dia 17/4 foram coletados 3,5 milhões de tweets produzidos por 470 mil usuários. E, diferente do que se possa imaginar,

os principais alvos nesse dia foram os deputados e deputadas federais que produziram um show de horrores televisionado para todo o Brasil. Um fato interessante merece destaque: a divulgação dos contatos de deputados e deputadas indecisos. Assim, ambos os lados da disputa convocavam seus seguidores a reforçar a cobrança sobre os parlamentares. Afastamento e cassação de Eduardo Cunha Após o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara, usuários e movimentos que haviam atuado em favor do impeachment e, simultaneamente, em apoio ao ex-deputado, passaram a utilizar o fato como uma amostra da “imparcialidade” da justiça brasileira. 53

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Análise do Twitter feita em 12/9 pela FGV/DAPP mostra Eduardo Cunha isolado dos principais clusters dias antes de sua cassação

Por outro lado, movimentos progressistas e de esquerda agiram com rapidez para atuar em duas frentes: ressaltar os vícios de um processo de impeachment conduzido por um criminoso e lembrar o apoio dedicado por diversos movimentos de direita e de apoiadores do impeachment a Cunha. No fim do processo, o que se observou nas redes foi um Eduardo Cunha abandonado, à deriva entre os clusters de direita e esquerda. Eleições municipais Durante as eleições municipais, o principal foco da direita e dos movimentos pró-impeachment nas redes foi atacar o Partido dos Trabalhadores e todos seus candidatos. Campanhas foram feitas e fomentadas para que eleitores e eleitoras divulgassem candidatos que estivessem “escondendo” as cores do partido ou até mesmo a estrela do PT. A ofensiva, de forma agressiva e ilegal, chegou a so-

frer interferência até mesmo da Justiça. Com o fim do primeiro turno das eleições e derrotas acachapantes que atingiram o partido, o enfoque partiu, dessa vez, para candidatos e candidatas de esquerda de todo o Brasil. O Psol, por exemplo, sentiu na pele os ataques de uma direita extremamente organizada e com objetivos claramente reacionários em cidades como Rio de Janeiro (RJ), Belém (PA) e Sorocaba (SP). Ocupações contra o governo Temer A pauta que atingiu maior repercussão graças às mídias alternativas presentes nas redes sociais online são as ocupações que ocorrem por todo o Brasil contra medidas do governo Temer. Foi nas redes sociais online e com a cobertura desses veículos que o tema ganhou o Brasil, já que o assunto é constantemente negligenciado pela grande imprensa.

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Entre os principais usuários a abordarem as ocupações no Twitter, os que tiveram maior alcance foram aqueles que divulgaram ações nas Ocupações - Via Facebook A cobertura promovida por essas páginas, bem como a divulgação de reivindicações e ações promovidas pelos movimentos levaram o tema a ser defendido e encabeçado por mais e mais usuários. Assim, ao mesmo tempo que movimentos reacionários como o MBL se empenhavam em atacar as ocupações, os estudantes envolvidos e cada vez mais usuários puderam promover as ocupações e

seus objetivos por meio das redes. Crescimento da mídia alternativa Páginas e usuários como Mídia NINJA e Jornalistas Livres, por exemplo, alcançaram importância inédita nas redes sociais online. O engajamento da página da Mídia NINJA foi comemorado pelos clusters progressistas das redes.

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O alcance inédito dessas páginas pode ser observado nos mais variados grafos que capturaram momentos importantes da política nacional durante todo o ano de 2016. Internacional Antes da condução coercitiva de Luiz Inácio Lula da Silva, a imprensa internacional era exclusivamente pautada e influenciada pela grande mídia brasileira. Até então, os jornais europeus e estadunidenses diziam que um caso de corrupção gigantesco estava sendo trazido à tona e um governo corrupto e enfraquecido corria o risco de cair. O pronunciamento do ex-presidente Lula, pouco depois de ser liberado pela PF, teve um tom combativo que, em um primeiro momento, chegou a ser criticado. A mídia estrangeira afirmou que Lula estava abalado, fragilizado e desesperado. Depois, teve início um movimento de defesa da democracia, dentro e fora do Brasil, que, aos poucos, pressionou os jornais estrangeiros a se aprofundarem sobre a situação da política brasileira. Logo após a condução coercitiva, o cenário ainda era muito desfavorável. No dia 31 de março, o Le Monde publicou um editorial recheado de críticas contundentes ao PT e à esquerda brasileira, afirmando que era um paradoxo falar em “golpe constitucional”. O título do editorial era “Isso não é um golpe”. Mas a mesma edição trazia uma reportagem em que se afirmava que só depois do impeachment os brasileiros dariam conta de que o processo contra Dilma foi encabeçado por Eduardo Cunha, que tem contas na Suíça, que ela foi julgada por uma comissão na qual a maioria dos parlamentares é acusada de corrupção e que o vice-presidente da República é acusado de corrupção. Só então o brasileiro perceberia que esse processo não traria mudança alguma. A partir do início do processo de impeachment na Câmara, a mudança de entendimento da mídia internacional ficou mais evidente. Em abril, os jornais da Europa e dos Estados Unidos (EUA) afirmaram que o impeachment era frágil, ambíguo, duvidoso e questionável. No dia 12 de abril, o New York Times afirmou em uma reportagem que a penalidade para Dilma parecia desproporcional, uma vez que

ela estava sendo julgada por muitos políticos que eram e são acusados ou investigados por enriquecimento ilícito. A suspeição sobre o processo chegou à revista The Economist que, em março, pedira a saída de Dilma, mas, em 9 de abril, falava sobre a fragilidade do processo de impeachment e o quanto isso poderia custar caro ao país. Na mesma semana, o jornal inglês The Guardian soltou uma reportagem com o seguinte título, traduzido de forma livre: “O maquiavélico cotado para tomar o trono – mas o ‘golpe’ de Temer vai unir ou dividir o Brasil?” Parecia até que os britânicos já previam o que ficou escancarado na semana seguinte. O discurso da presidenta Dilma Rousseff acusando Michel Temer de traição e de ser um dos chefes da conspiração ganhou destaque nos principais jornais do mundo, que chegaram a ironizar a declaração dada pelo vice-presidente, alegando que divulgou o discurso à nação por “acidente”. A repercussão dos acontecimentos naquela semana foi tão grande que até a Casa Branca se pronunciou sobre a situação no Brasil. Um porta-voz do governo estadunidense disse que o presidente Obama estava otimista com a capacidade do Brasil para lidar com desafios políticos e econômicos. Em 17 de abril, a sessão de votação do impeachment fez com que a Câmara dos Deputados se tornasse motivo de chacota no mundo todo. Os jornais internacionais deram destaque às falas dos deputados. A revista The Economist listou e publicou cerca de 60 justificativas de votos. Assim como outros periódicos, o The Guardian criticou a homenagem de Jair Bolsonaro ao Coronel Ustra. Dias depois, o jornal inglês publicou editorial em que classificava o impeachment como um escândalo e uma tragédia. Após o afastamento de Dilma, a primeira aparição de Temer junto ao seu grupo de ministros causou grande impacto na imprensa internacional, negativamente. Os franceses Le Monde e Libération definiram, respectivamente, como “a volta da velha elite brasileira ao poder” e “Um impeachment semelhante a um golpe”. Além do governo interino, o mês de maio ainda teve enorme repercussão por causa das gravações

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de conversas feitas por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. O Le Monde observou: “Esse caso dá crédito à tese de ‘golpe de Estado’ denunciada pelo PT”. A conversa do ex-ministro Romero Jucá foi publicada em muitos dos jornais internacionais, com destaque para os trechos em que ele diz que era “necessário estancar a sangria”, que “o único jeito era mudar o governo” e “estabelecer um novo pacto”. O inglês The Guardian cravou na manchete: “Ministro do Brasil é afastado após gravação secreta revelar conspiração para derrubar presidente Dilma”. No jornal, foi publicada, por um grupo de vinte parlamentares britânicos, uma carta intitulada “A suspensão de Dilma Rousseff é um insulto à democracia no Brasil”. Uma ação semelhante foi realizada por 28 senadores e deputados franceses, que publicaram um manifesto no jornal Le Monde, no dia 13 de julho, em que classificaram o processo como “uma baixa manobra parlamentar” e pediram que o presidente François Hollande não dialogasse ou reconhecesse o governo de Michel Temer. Doze dias depois, quarenta membros do Congresso dos EUA, do Partido Democrata, também redigiram um manifesto em que expressavam “profunda preocupação” com as ameaças à democracia no Brasil. Em 8 de agosto, Bernie Sanders foi mais contundente. O senador disse que estava “muito preocupado” com o processo de impeachment que se parecia muito com “um golpe de Estado”. No final do mês de agosto, a votação sobre o impeachment no Senado fez com que a mídia internacional publicasse o que pensava sobre o processo. O New York Times fez um editorial com a seguinte manchete, “será uma vergonha se a história provar que Dilma tem razão”. O Washington Post afirmou que Temer é impopular e não está claro se ele será capaz de estabelecer as medidas impopulares que propõe. O diário Le Monde foi mais crítico no seu editorial, “o episódio do impeachment não passará para a posteridade como um episódio glorioso da jovem democracia brasileira”. Após relembrar o grampo da conversa telefônica de Jucá, a conclusão foi mais incisiva, “se não há um golpe de Estado, há ao menos enganação. E as verdadeiras vítimas dessa tragicomédia política são, infelizmente, os brasileiros”.

Enquanto a decisão dos senadores foi alvo de críticas, o depoimento de Dilma Rousseff diante do Senado foi bem recebido. As palavras da ex-guerrilheira, torturada e que viu a morte de perto foram repetidas em todos os jornais que também buscaram especialistas para analisar a mudança de governo. O New York Times ouviu a professora de Ciências Políticas Amy Erika Smith, da Universidade Estadual de Iowa. Ela foi contundente, “essas acusações não atingem o nível do tipo de acusações que levariam a um impeachment”. Ela ainda afirmou que as elites políticas não infringiram a lei, nem subverteram a vontade popular. Eles exploraram a vontade popular e a Constituição para servir aos seus próprios interesses, ao invés dos interesses da democracia. O Libération falou com Frédéric Louault, professor de Ciência Política na Universidade Livre de Bruxelas, que afirmou: “esse governo se aproveita de um período de transição para promover reformas que jamais seriam aprovadas pelas urnas”. Em setembro, ocorreu a abertura dos Jogos Paraolímpicos, na qual Temer foi intensamente vaiado. Além disso, no desfile de 7 de setembro ele se negou a desfilar em carro aberto, mais uma quebra de protocolo tentando fugir de protestos. Pressionado dentro do Brasil, Temer foi para a Assembleia da ONU buscar legitimidade. Durante o encontro, os jornais Le Monde e New York Times noticiaram a estranha e desajeitada tentativa de Michel Temer e José Serra de minimizar os protestos contra o governo. O nova-iorquino publicou trechos do discurso de Michel Temer na ONU. A manchete “Novo presidente do Brasil defende o impeachment de Dilma Rousseff” introduz o conteúdo do pronunciamento. Talvez o que mais chame atenção é a afirmação dele de que o impeachment é “um exemplo para todo o mundo”. A mídia internacional esperava pelas eleições municipais para compreender qual era o sentimento dos brasileiros. Esses jornais concluíram que há um grande descontentamento dos brasileiros com a política. O alto número de votos nulos, brancos e de abstenções e justificativas foi o que baseou essa conclusão. Por outro lado, todos trataram as eleições municipais como uma disputa de forças que afetaria diretamente o processo eleitoral de 2018. 57

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COMUNICAÇÃO

Quase todos citaram o fortalecimento de Alckmin em função da eleição de João Dória. Resultado que foi muito abordado pelos jornais estrangeiros para reportar a grande derrota que o PT sofreu nas urnas. O Le Monde apresentou a seguinte manchete, “O naufrágio do PT nas eleições municipais”. Em função da prisão de Eduardo Cunha, a questão do impeachment acabou voltando ao foco da imprensa estrangeira. Cunha foi citado como arquiteto, líder e grande incentivador do processo contra Dilma. A prisão dele dá razão à retórica de Dilma Rousseff. Enquanto a Lava Jato continua a ser o principal alvo dos jornalistas estrangeiros, as medidas econômicas de Michel Temer pouco movimen-

tam a mídia internacional. Todo o imbróglio político que o Brasil vem enfrentando ocorre sob os olhos da comunidade internacional. Durante o ano, brasilianistas do mundo todo acompanharam o processo e afirmam que o governo Dilma foi derrubado por uma elite conservadora que estava já há algum tempo afastada do poder. Além disso, esses estudiosos são taxativos ao afirmarem que o Brasil precisa compreender o seu passado para estar apto a entender o que acontece atualmente e quem são as figuras no jogo político nacional. O ano de 2016 vai entrar para a História como o ano em que a democracia brasileira foi manchada.

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EXPEDIENTE O Boletim de Análise de Conjuntura é uma publicação mensal da Fundação Perseu Abramo. Diretoria Executiva: Marcio Pochmann (presidente), Iole Ilíada (vice-presidenta), Kjeld Jakobsen, Luciana Mandelli, Fátima Cleide e Joaquim Soriano (diretoras/es). Coordenador da Área de Produção do Conhecimento: Gustavo Codas. Equipe editorial: Ana Luíza Matos de Oliveira, Alexandre Guerra, Guilherme Mello e Igor Rocha (economistas); Terra Budini (internacionalista); Vilma Bokany, Matheus Toledo e William Nozaki (sociólogos); Ronnie Aldrin Silva (geógrafo); Rose Silva e Pedro Simon Camarão (jornalistas). Análise de mídias sociais: Leonardo Casalinho e Pedro Barciela. Revisão: Fernanda Estima. Ilustrações: Vitor Teixeira Editoração eletrônica: Camila Roma. Baseia-se em informações disponíveis até 21 de novembro de 2016.

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