500 Anos da Dedicação da Sé do Funchal [Catálogo da Exposição]

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CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO - 18 de outubro de 2017





ÍNDICE Presença, mediações, conhecimento

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Os 500 Anos da Dedicação da Sé do Funchal: Génese, desafios e desenvolvimento de uma exposição temporária no Museu de Arte Sacra do Funchal — Martinho Mendes . . . . 8 I Parte — A Exposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

1º andar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 A Sé do Funchal: Do Livro ao Objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 O Camarim (ou Torno) da Sé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16

2º andar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Gosto pela arte flamenga e o tempo dos retábulos . . . . . . . . . . . . . A Arte do Retábulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Retábulo da Sé do Funchal (1514-1517) . . . . . . . . . . . . . . . . . Os trípticos flamengos: Encomendas artísticas para a Madeira no século XV e XVI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Santos e devoções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Nascimento de Jesus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A Morte de Cristo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Torre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A catedral na cidade. Uma imponente construção de pedra . . . . . . . . . .

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Pedra natural de origem vulcânica aplicada na Sé do Funchal — — João Baptista Pereira Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

II Parte — Um olhar sobre a obra do Padre Pita Ferreira . . . . . . . . . . . . . . 121

O contributo pastoral do Pe Pita Ferreira (1912-1963) na Diocese do Funchal — Cónego Vítor Gomes. . . . . . . . . . . . . . . . . 122 Contributos do Pe Pita Ferreira para a História da Arte na Madeira — — Isabel Santa Clara. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 Padre Pira Ferreira, Apóstolo na Catequese e na Cultura — — Maria Favila Vieira da Cunha Paredes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151

Ficha Técnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192


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PRESENÇA, MEDIAÇÕES, CONHECIMENTO A realização da exposição 500 Anos da Dedicação da Sé do Funchal: Fé, Arte e Património/Um olhar sobre a Obra do Padre Pita Ferreira, pensada para abrir ao público a 18 de outubro de 2017, marca a concretização de um desafio que o Museu de Arte Sacra do Funchal (MASF) assinalou para a sua nova programação: celebrar anualmente o Dia Nacional dos Bens Culturais da Igreja com uma exposição temporária, capaz de conjugar a identidade do Museu e da sua coleção com outras vertentes da cultura, numa transversalidade de leituras ligando a arte, o religioso, a historiografia e o contemporâneo. Foi o que, de diferentes modos e em vários planos, reunido obras e documentos e conjugando estratégias narrativas complementares, julgamos ter conseguido com esta exposição, cuja revisitação em catálogo digital quer, sobretudo, satisfazer objetivos de registo, aprofundamento e partilha desse legado, realizando uma certa “ética do arquivo”, como testemunho do presente que fica ainda para o tempo que vem. Em primeiro lugar, sendo o MASF um museu diocesano e, a riqueza e unicidade da sua coleção tão referenciais da Sé do Funchal, era elementar pensarmos uma exposição que levasse a uma atualização desse re-conhecimento junto dos públicos: nos temas e núcleos constituídos, nas imagens convocadas e nos recursos museográficos criados. O intuito era também o de expor ligações temáticas essenciais a este tema, evidenciando aspetos porventura óbvios, mas talvez recalcados pelo tempo. No fundo, tratava-se de criar uma exposição que colocasse em primeiro plano a Sé do Funchal e todo o significado da efeméride notável dos 500 anos da sua Dedicação, tomando a força simbólica deste ícone maior, para explorar – através dos elencos e núcleos de objetos e das reflexões e questões promovidas – releituras e (re)significações. A Catedral como igreja matriz que congrega as outras comunidades cristãs, a Catedral como centro histórico da evangelização insular e atlântica, com testemunhos incontornáveis deixados na arte, na cultura e na sociedade, dessa gesta notável de 500 anos de missionação; a Catedral como presença e mediação da Beleza que perdura.


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Como fica patente no presente catálogo, a exposição dos 500 Anos da Dedicação da Sé do Funchal. Um olhar sobre a obra do Pe. Pita Ferreira foi uma oportunidade de reelaborar o roteiro de visita do Museu reagrupando diversos núcleos temáticos ao longo dos três andares do Museu, por forma a melhor captar a riqueza e variedade de perspetivas a que o tópico central desta exposição permitiria aceder, se suportado por um trabalho de investigação que trouxesse à luz novos dados e por uma museografia capaz de redirecionar o olhar na descoberta de novos horizontes e perspetivas. O entendimento do trabalho e da vocação própria de um museu eclesial, apoiado numa museografia aberta e capaz de explorar a pluralidade de ligações e de leituras que um dado tema pode trazer, evidenciou-se particularmente na incorporação do núcleo temático sobre a vida e obra do Padre Pita Ferreira: ao mesmo tempo que era prestada uma justa homenagem à figura de um dos mais relevantes sacerdotes investigadores da primeira metade do século XX, com obras de referência publicadas na área do património cultural e religioso – de que a obra sobre a Sé do Funchal, de 1963, é ainda hoje um marco incontornável –, alargava-se o olhar e o campo da compreensão e interpretação da efeméride assinalada. A opção por complementar a exposição com um ciclo de conferências à volta de temas conexos com a vida e obra do Padre Pita Ferreira trouxe ainda à reflexão e ao debate aspetos menos conhecidos do vasto trabalho do Pe. Pita Ferreira enquanto pastor e historiador capaz de entender a pastoral como uma práxis ativa de conhecimento e evangelização. Com esta exposição e todo o corolário de ações que deram corpo à sua realização – da investigação à museografia, das visitas orientadas às conferências temáticas –, pretendeu o MASF não só ir ao encontro da sua missão no âmbito das orientações da Igreja sobre Arte, Fé e Cultura mas, de certo modo, assinalar na sua programação regular, a concretização de alguns objetivos estratégicos: tornar o Museu de Arte Sacra do Funchal uma instituição de referência no meio em que se insere, criar uma dinamização que proporcione maior visibilidade ao Museu e incremento do número de visitantes;

ter uma programação aberta, que parta da sua identidade própria para mostrar novos trilhos de mediação e expressão artística. Neste sentido, também outras das iniciativas anuais do MASF, continuam a procurar traduzir objetivos de presença e de mediação, vectores fundamentais para tornar mais vivo o Museu no meio dos seus públicos, sobretudo o dos jovens e dos artistas, procurando dar espaço a algumas novas expressões e linguagens, acolhendo na sua programação o trabalho de jovens criadores, suscitando espaços de reflexão e partilha acerca das novas realidades e conceções artísticas, que relevam de uma nova compreensão do mundo como a casa comum que hoje habitamos. Museu de Arte Sacra do Funchal: identidade forte, responsabilidade partilhada. Uma identidade que é reflexo da ação. Porque toda a nossa atividade, programação e objetivos se reportam para, na prática do conhecimento e das mediações, sermos capazes de justificar e irradiar o nome da instituição. Possa o trabalho feito com a exposição que tomou por tema os 500 Anos da Dedicação da Catedral e a homenagem ao Padre Pita Ferreira ter sido um bom começo deste percurso e um testemunho veraz desta motivação.

João Henrique Silva (Diretor do Museu de Arte Sacra do Funchal)


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INTRODUÇÃO

OS 500 ANOS DA DEDICAÇÃO DA SÉ DO FUNCHAL: GÉNESE, DESAFIOS E DESENVOLVIMENTO DE UMA EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA NO MUSEU DE ARTE SACRA DO FUNCHAL MARTINHO MENDES

O rito da dedicação de uma igreja é uma celebração solene que consagra a Deus um novo templo construído, reconhecendo-lhe a dignidade e a aptidão para reunir a comunidade cristã na celebração da Eucaristia, na oração conjunta, na escuta da palavra de Deus e na receção dos sacramentos. Este rito segue uma prática da Igreja muito antiga, cumprindo com uma liturgia própria que compreende a atribuição da igreja a um patrocínio Titular – Santíssima Trindade; Jesus Cristo; Espírito Santo ou a Virgem Santa Maria –, a instalação de relíquias e a unção das paredes e do altar. A dedicação da Sé do Funchal aconteceu a 18 de outubro de 1517, dia da festa de São Lucas. Foi D. Duarte Bispo de Dume quem sagrou o altar em honra de Nossa Senhora da Assunção e encerrou, em caixa de madeira, colocada sob o altar, as relíquias dos 11 mil mártires, uma pedra vinda da torre de Santa Bárbara, extraída do monte Sinai, e o pergaminho da sagração que documentava com precisão a data do cerimonial. Celebrar o dia da dedicação da Sé do Funchal é permitir evocar a longa história de construção deste templo e conhecer alguns episódios relacionados com as primeiras comunidades cristãs do Funchal, designadamente os seus espaços de culto, a arte, o património e as respetivas invocações. A igreja de Nossa Senhora do Calhau, que se situava perto das margens da Ribeira de João Gomes foi, a partir de 1438, a principal ermida em torno da qual se organizava a vida cristã da cidade. O crescimento urbano e o aumento populacional mostraram a exiguidade da igreja que já não servia as necessidades espirituais da comunidade. A construção de uma nova igreja, que veio a ser chamada de “Igreja Grande”, foi iniciada em 1493 por determinação do rei D. João II e o duque D. Manuel, no então denominado Chão do Duque. Demorou cerca de quinze anos até que a sede de Paróquia de Nª Sr.ª do Calhau fosse transferida para a igreja grande em 1508, coincidindo com o ano de elevação do Funchal a cidade. Apesar de se encontrar na última fase de obras, a igreja estava apta para a realização dos serviços religiosos.


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Desafios e reajustes

Porém, foi apenas em 1514, com a criação da Diocese do Funchal através da bula Pro Excellenti Proeminentia emitida pelo Papa Leão X, que a esta nova e grande igreja foi elevada à categoria de Sé do Funchal. A dedicação ocorreu, como se viu, em 1517.

Génese e tema do projeto expositivo

Ao Museu de Arte Sacra do Funchal foi endereçado, no final do ano de 2016, por parte do Cabido da Sé e pela Diocese do Funchal, um pedido de colaboração para o desenvolvimento de uma exposição integrada no programa das comemorações jubilares da Dedicação da Sé do Funchal. O tema da exposição, bem como o seu programa científico, a escolha das peças e dos espaços para a realização do projeto expositivo foram delineados no primeiro trimestre do ano de 2017. O título então definido “500 Anos da Dedicação da Sé do Funchal: Fé, Arte e Património. Um olhar sobre a obra do Padre Pita Ferreira” procurou assinalar os cinco séculos da solenidade que colocou a Sé como principal centro da vivência espiritual e cultural realizada pelo Povo de Deus neste arquipélago atlântico, enquanto procurou celebrar o livro A Sé do Funchal e o seu autor, o padre Manuel Juvenal Pita Ferreira (Madeira, 1912-1963). A monografia A Sé do Funchal, publicada em 1963, foi, durante muitas décadas, a mais completa investigação acerca da história, da arte e do património da catedral da Cidade, orientando, ainda hoje, investigadores da arte e do património cultural do nosso arquipélago. A evocação e utilização da monografia enquanto eixo estruturante para a orientação dos núcleos e dos respetivos diálogos estabelecidos com a arte sacra, com procedência na Sé do Funchal justificou, ainda, a criação de uma homenagem ao Padre Pita Ferreira, personalidade da história da Diocese do Funchal, no século XX, cujo trabalho foi, entre outras dimensões, fundamental e pioneiro no estudo e valorização do património religioso da Madeira.

O projeto expositivo então delineado pelo MASF, que previa enfatizar algumas das obras da Sé do Funchal, integradas na sua coleção, teve de ser redimensionado na sequência do pedido de cooperação com a Direção Regional de Cultura (DRC) que solicitou ao MASF o empréstimo de 33 peças – entre pintura, escultura, ourivesaria e mobiliário – da sua exposição de longa duração, para integrar a exposição As ilhas do Ouro Branco: Encomenda artística na Madeira: Séculos VX -XVI, que viria a ser inaugurada a 16 de novembro de 2017, no Museu Nacional de Arte Antiga, para assinalar a abertura oficial das comemorações dos 600 anos da chegada dos portugueses ao Arquipélago da Madeira. Este pedido excecional de saída de um tão grande número de obras da exposição do MASF, só ultrapassável pelas 66 peças saídas em 2009 para a exposição Obras de Referência dos Museus da Madeira, organizada pela Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC) no Palácio Nacional da Ajuda, colocou enormes desafios à coerência científica do circuito expositivo do MASF. A exposição para a celebração dos 500 Anos de Dedicação da Sé do Funchal estava inicialmente prevista para a Sala de Exposições temporárias do MASF, no rés-dochão. Uma vez que não se previa o grande deslocamento de peças provenientes da Sé, integradas no circuito expositivo no 1º e 2º andares, nomeadamente a cruz manuelina e as pinturas flamengas. A exposição temporária previa a integração de soluções digitais e audiovisuais que estabeleceriam diferentes conexões com os conteúdos expostos nos diferentes espaços do Museu, incluindo a sua Torre-varanda-mirante. A saída de 33 peças do MASF para Lisboa, obrigou a que a exposição dos 500 Anos da Dedicação da Sé do Funchal fosse organizada em todos os andares e coleções do Museu funcionando, concomitantemente com os objetivos da efeméride, como uma forma de ocupar os vazios criados com o já mencionado empréstimo. Para o cumprimento desta estratégia, foi sugerido, pelo então diretor-adjunto do MNAA, o conservador José Alberto Seabra de Carvalho, em reunião ocorrida no MASF na presença de elementos da DRC e da direção do MNAA, o empréstimo, em jeito de permuta, de 10 grandes painéis de pintura, de oficinas de Lisboa da 1ª metade do século XVI, provenientes do MNAA.


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A Exposição: três andares, três núcleos A Exposição, que decorreu entre o dia 18 de outubro de 2017 e 31 de março de 2018 desenvolveu-se ao longo de três andares, cada um associado a um grande núcleo temático, onde se procurou valorizar a Sé do Funchal na dupla vertente do património móvel e imóvel. A exposição contou com as obras já existentes no acervo do Museu e com outros empréstimos da Sé do Funchal e de outros locais, como a Casa-Museu Frederico de Freitas e colecionadores particulares. Todas as obras foram expostas, sempre que possível, em proximidade com a obra escrita do padre Pita Ferreira, mais concretamente em relação com monografia A Sé do Funchal, na qual a maioria das peças expostas apareciam analisadas e acompanhadas com a reprodução de imagem.

Primeiro núcleo: A Sé do Funchal: Do livro ao objeto

O primeiro núcleo desenvolveu-se no primeiro andar ao longo de quatro salas principais. A primeira sala funcionou como epígrafe da exposição, narrando a importância e significado do rito da dedicação da Sé através da reprodução em imagem do pergaminho do Bispo de Dume, em diálogo com a Cruz processional manuelina, a única e mais antiga peça da Sé do Funchal que foi possível apresentar, uma vez que todas as restantes peças do tesouro da Sé haviam sido emprestadas para a exposição em Lisboa. Perto da cruz foi criado um pequeno núcleo interpretativo intitulado de A Cruz Processional Manuelina e a Ourivesaria Sacra Quinhentista da Sé do Funchal. No centro desta sala, em associação ao núcleo intitulado um olhar sobre a obra do Padre Pita Ferreira, foi apresentado um significativo conjunto documental, bibliográfico e arquivístico, que incluiu monografias, periódicos, documentos manuscritos e dactilografados, álbum de fotografias e provas fotográficas originais.

Todos estes elementos reunidos, muitos deles inéditos e mostrados ao público pela primeira vez, foram resultado de uma pesquisa que contou com o apoio de várias instituições – a Biblioteca Municipal do Funchal; o Arquivo Histórico Diocesano do Funchal; o Arquivo e Biblioteca Pública Regional da Madeira e a Casa da Cultura de Santa Cruz – e com o contributo dos Familiares do Padre Pita Ferreira que puseram à disposição do MASF a sua coleção privada. Toda a documentação reunida em torno do Padre foi organizada em quatro seções, expostas no interior das mesas-expositores, permitindo conhecer a vida e a obra do padre Pita Ferreira em quatro áreas principais, a saber: a Catequese e os Temas Religiosos; a História da Madeira; a Arte e o Património Regionais; a Etnografia. Em diálogo com este núcleo central estiveram, além da Cruz Processional Manuelina, a Banqueta da Sé do Funchal, emprestada para o efeito, e a escultura de Nossa Senhora com o Menino ou da Escada, obra flamenga ou luso flamenga do início do século XVI, que pertenceu ao Padre Pita Ferreira, como atesta a relação dos seus bens em 1966, e que foi, mais tarde, doada ao Seminário Diocesano do Funchal. Tanto a Cruz Processional Manuelina como a escultura da Virgem com o Menino ou da Escada estiveram presentes nesta exposição por um curto período de 15 dias e foram retiradas para seguir para Lisboa já que constavam, também, da lista de obras solicitadas para integrar a exposição “As ilhas do Ouro Branco: Encomenda artística na Madeira: Séculos XV-XVI”, que viria a inaugurar a 16 de novembro. Em substituição da cruz manuelina, foi pedida para a exposição a escultura da Virgem da Paz, de 1921, da autoria de Francisco Franco, proveniente da paróquia de São Gonçalo onde foi pároco o Pe. Pita Ferreira e cujo templo foi por ele próprio desenhado. Tratouse, por isso, de uma imagem profundamente associada à sua história de vida eclesial. A escultura quinhentista da Virgem com o Menino foi, por seu turno, substituída por uma Estante de Missal de 1634, proveniente da Sé do Funchal, mas em reserva no MASF.


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Na sala 2, através do enquadramento temático intitulado de A Sé do Funchal: Do livro ao objeto, foram apresentadas ao todo 43 peças procedentes da Sé do Funchal. Entre elas encontravam-se 38 peças de ourivesaria e uma escultura, a de Nossa Senhora do Rosário, pertencentes à coleção do MASF. Da Sé do Funchal foram temporariamente cedidas quatro imagens dos séculos XVII a XVIII: São José, São Joaquim, Santa Ana e Santa Rita de Cássia. Toda a imaginária religiosa exposta possuía adereços – coroas, cruzes, e palmas – em prata, estabelecendo, desta forma, uma particular relação com as peças de ourivesaria no interior das vitrines. As legendas descritivas e interpretativas de todo o conjunto de ourivesaria e imaginária exposto, surgiram acompanhadas da digitalização das respetivas páginas do livro A Sé do Funchal, onde cada peça surgiu analisada pelo padre Pita Ferreira, acompanhada da respetiva imagem a preto e branco. Na sala 3, os relevos e demais fragmentos remanescentes do Camarim da Sé, obra da autoria do entalhador e imaginário Manuel Pereira, mandada executar em 1648 pela Confraria do Santíssimo Sacramento da Sé, foram dados a ver através de uma reorganização expositiva que apresentou novos fragmentos encontrados em 2014 no decurso da campanha de restauro do retábulo da Sé do Funchal que se encontravam na reserva do MASF. Nesta sala foi apresentada uma aguarela Sé do Funchal, de 1944, da autoria do Pintor Max Romer (1878-1960), temporariamente cedida pela Casa-Museu Frederico de Freitas, onde é possível observar-se o camarim iluminado e adorado pelos fiéis ainda na primeira metade do século passado. Com o objetivo de contribuir para a interpretarão litúrgica do camarim e a reconstituição da fisionomia inicial do conjunto mutilado, foram apresentadas outras citações e documentos: um excerto do diário de Isabela de França, que descreveu a sua observação do camarim durante as celebrações da Quinta-feira Santa, no decurso sua viagem à Madeira entre 1853 e 1854; o livro do Padre Pita Ferreira, aberto nas páginas onde foi analisado, em pormenor, o Camarim em 1963; um artigo da revista Das Artes e da História da Madeira, da autoria de João Lemos Gomes, dando conta do arranjo e modificação do camarim em 1966; e a Urna

do Santíssimo, peça de ourivesaria barroca de suma importância associada ao camarim e às celebrações da Páscoa. Na sala 8, a última do primeiro núcleo, foi evocada a paramentaria da catedral, também analisada pelo Padre Pita Ferreira no Livro da Sé do Funchal. Um Véu de Ombros, do século XVIII, foi apresentado conjuntamente com o Ostensório de ouro do ourives Paul Mallet. As legendas interpretativas revelaram o sentido litúrgico e devocional destas importantes peças da Sé do Funchal integradas nas coleções do MASF.

Segundo núcleo: dos retábulos

O gosto pela arte flamenga e o tempo

O segundo núcleo desenvolveu-se ao longo de seis salas no segundo andar do MASF onde se expõe a coleção de arte flamenga, constituída, essencialmente, por escultura e grandes trípticos dos finais do século XV e XVI, encomendados e produzidos na região da Flandres no contexto do ciclo económico madeirense ligado ao açúcar. Porque o Padre Pita Ferreira, no livro A Sé do Funchal, dedicou-se a estudar o retábulo da Sé, assim como a apresentar documentação acerca da localização das pinturas flamengas no interior da Sé do Funchal e que hoje constituem a coleção do MASF, este núcleo foi estruturado com o objetivo de estabelecer, didaticamente, os pontos de contacto histórico, estético e artístico, existentes entre a pintura retabular portuguesa e os trípticos de arte flamenga do MASF. Na primeira sala foi criada uma grande parede expositora que serviu de prólogo para toda a exposição deste núcleo. Os conteúdos apresentados, através de uma composição dinâmica que reuniu painéis de texto, ecrãs com modelos animados 3D, imagens de pormenor, fragmentos de talha do século XVI, foram organizados em três seções temáticas: 1) O Gosto pela Arte Flamenga e o Tempo dos Retábulos; 2) A Arte do Retábulo; e 3) Os Trípticos Flamengos: Encomendas Artísticas para a Madeira no século XV e XVI.


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Junto a esta parede, esteve em exposição, por um período de quinze dias, a pintura flamenga de Santiago, uma obra intimamente associada ao episódio de eleição do Santo como padroeiro da cidade do Funchal, a 11 de junho de 1521, na Sé do Funchal. Esta pintura, com origem na antiga Capela de Santiago, foi ali exposta com o objetivo de dialogar com uma outra seção temática apresentada na mesma sala, intitulada de Santos e Devoções. Através dela procurou-se enquadrar as principais invocações nos primeiros tempos do povoamento do Arquipélago. À semelhança do que aconteceu com a Cruz processional manuelina e a Virgem com o Menino ou da Escada, expostos na primeira sala do primeiro núcleo, também a pintura de Santiago foi retirada desta exposição para integrar a exposição em Lisboa. Em sua substituição foi colocada a escultura flamenga de São Roque, o padroeiro secundário da cidade do Funchal, também com origem na Sé do Funchal. Nas salas seguintes optou-se por reorganizar todo o seu acervo em exposição na sequência da saída de 12 peças flamengas para Lisboa, anulando a anterior coerência narrativa desta coleção. Para esta reorganização expositiva, que assentou a sua narrativa nas introduções de seção temáticas, atrás enunciadas, foi fundamental a permuta das dez pinturas do MNAA, associadas a antigos retábulos quinhentistas desmembrados: Fuga para o Egipto (1520) de Oficina de Jorge Afonso; Profissão de Santa Paula (1520-1525) do Mestre da Lourinhã; A Virgem com o Menino e um Anjo (1520-1530) da Oficina de Frei Carlos; Menino Jesus entre os Doutores (1520-1530), atribuído a Cristóvão de Figueiredo; Trânsito da Virgem (1525-1540) da Oficina de Cristóvão de Figueiredo; e São Miguel Arcanjo (1530-1540) de Garcia Fernandes. Para esta exposição foi integrada, ainda, uma Natividade, pintura da Igreja de São João Evangelista, atribuída a uma oficina europeia de possível influência flamenga. Da reserva do MASF foi trazido o Tríptico de Nossa Senhora do Pópulo. Com o mesmo objetivo de mostrar as influências técnicas, materiais, composicionais e estilísticas flamengas na pintura portuguesa quinhentista, foi apresentado, ainda,

neste segundo núcleo, a pintura do Calvário, deslocada do primeiro andar do Museu. As iconografias das obras acima enumeradas, acompanhadas de outras peças flamengas do MASF, foram organizadas numa sequência discursiva com temas da catequese: o Nascimento de Cristo; A infância de Cristo e Início da Vida Pública; A Morte de Cristo. A última sala deste núcleo expositivo foi intitulada de Para além da morte. A Assunção da Virgem, pintura flamenga da coleção do MASF, atribuída a Joos Van Cleve, foi a peça que fechou o ciclo narrativo, lembrando que foi em honra de Nossa Senhora da Assunção que a Sé foi dedicada em 1517.

Terceiro núcleo: A catedral na cidade: Uma imponente construção de pedra. O último núcleo da exposição evocativa dos 500 Anos da Dedicação da Sé do Funchal foi desenhado para ocupar as duas salas superiores da Torre-varanda-mirante do Museu de Arte Sacra do Funchal para que, a partir deste espaço, fosse possível observar a elevada torre da Sé na paisagem urbana. Neste sentido, o último núcleo propôs ao visitante conhecer a Sé do Funchal numa dupla perspetiva que se desenvolveu de forma complementar nas duas salas. No espaço introdutório, que antecedeu o desenvolvimento dos conteúdos na primeira sala, foram expostas 12 pedras roladas de cantaria, com diversas tonalidades, colhidas na Praia Formosa e muito provavelmente oriundas das escarpas do Cabo Girão, o mesmo local de onde foi extraída a pedra natural utilizada na construção da Sé do Funchal. Em contraponto ao conjunto de calhaus modelados naturalmente, postos em proximidade com fotografias de paisagem do Cabo Girão, no interior da caixaexpositora, foi apresentado na primeira sala da torre, um painel com 40 quadrados de cantaria, com diversas tonalidades, gentilmente oferecido pela Fábrica de Extração de Pedra e Brita da Palmeira.


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Esta composição de pedra, permitiu observar e tocar na textura de uma grande diversidade de tonalidades e durezas da pedra natural usada na construção da Sé. Na proximidade do painel foi mostrado algum material científico da área da Geologia, gentilmente emprestado pelo engenheiro geólogo João Baptista: 1) um conjunto de seis ilustrações científicas dos alçados da Sé do Funchal, onde surgiam assinaladas a variedade litológica aplicada na construção do edifício e as diferentes patologias que afetavam a pedra natural aplicada; 2) um poster científico de apresentação do catálogo de pedra natural do Arquipélago da Madeira. Enquanto que a primeira sala propôs uma leitura e observação real da torre da Sé a partir de uma abordagem científica radicada na Geologia, a segunda sala procurou reunir um olhar diversificado sobre as representações visuais da Sé do Funchal, na paisagem urbana. Para este núcleo foi importante o empréstimo de alguns documentos, nos domínios da pintura, da fotografia e dos postais, oriundas das coleções de António Rodrigues, Melim Mendes e Edward Kassab a quem muito agradecemos. O Arquivo e a Biblioteca Pública da Madeira foi outra das instituições que colaboram ativamente para esta exposição através da cedência de algumas fotografia da Sé, entre o final do século XIX e início do Século XX.

O programa de conferências paralelo à exposição Durante o período de exposição a sala 14, do segundo andar, foi convertida em sala para atividades educativas e de mediação em torno da nova exposição. Além das atividades educativas realizadas com escolas, foi organizado, no âmbito do programa para residentes, um ciclo de conferências intitulado A obra do Padre Pita Ferreira em quatro conferências, que pretendeu abordar cada uma das principais áreas em que o padre produziu conhecimento e se destacou. Para tal foram convidados investigadores madeirenses de referência em cada uma das áreas, permitindo caraterizar,

em profundidade, as dimensões e aspetos do trabalho do estudioso que articularam o estudo da história, das artes, da fé e da cultura insular. O ciclo de conferências foi iniciado a 24 de novembro de 2017 com a comunicação O Padre Pita Ferreira e a Educação Cristã na Madeira, proferida pelo Cónego Doutor Vítor Gomes, Deão do Cabido da Sé do Funchal. A 18 de dezembro de 2017 foi apresentada a comunicação O Padre Pita Ferreira, O Natal e a Etnografia Madeirense pelo Professor Doutor Jorge Freitas Branco, do ISCTE. A 22 de janeiro de 2018 foi apresentada a comunicação intitulada Contributos do Pe. Pita Ferreira para a Historiografia Madeirense na voz da Professora Doutora Isabel Santa Clara. O ciclo de conferências terminou a 22 de fevereiro de 2018 com a comunicação intitulada Padre Pita Ferreira (1912-1963): o seu contributo para a historiografia madeirense pelo Professor Doutor Nelson Veríssimo.

Estrutura da publicação-catálogo digital Um dos principais objetivos da realização do ciclo de conferências acima descrito foi o de reunir e publicar os textos elaborados pelos investigadores convidados, a partir da leitura de toda a documentação reunida e apresentada no núcleo introdutório, dedicado ao Padre Pita Ferreira, integrado na exposição alusiva aos 500 Anos da Dedicação da Sé do Funchal. Esta publicação digital está estruturada em duas partes principais. A primeira parte constitui-se como catálogo da exposição, organizado por andares, onde são apresentados os principais textos de seção das salas, as legendas interpretativas das obras e uma vasta documentação fotográfica que descreve o desenvolvimento da exposição ao longo de todos os andares do edifício. O final da primeira parte é rematado com a publicação de um texto científico intitulado A pedra Natural de Origem Vulcânica Aplicada na Sé do Funchal, escrito pelo Professor Doutor João Baptista Pereira Silva com o objetivo de contribuir para uma compreensão rigorosa dos conteúdos que foram expostos na torre.


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A segunda parte desta publicação Um Olhar sobre a Obra do Padre Pita Ferreira, evoca o subtítulo da exposição dos 500 Anos da Dedicação da Sé Funchal, cumprindo com os seus objetivos de homenagear a multidimensionalidade da obra do Padre Pita Ferreira. Publicam-se aqui os textos do Cónego Doutor Vítor Gomes, O contributo pastoral do Pe. Pita Ferreira (1912-1963) e da Professora Doutora Isabel Santa Clara, Contributos do Pe. Pita Ferreira para a História da Arte na Madeira que nasceram das comunicações apresentadas no ciclo de conferências mencionado anteriormente. Inclui-se, ainda, um terceiro texto da autoria da Dr.ª Maria Favila da Cunha Paredes, do Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira, intitulado Padre Pita Ferreira, Apóstolo na Catequese e Na Cultura, que procurou comentar os livros e documentos do Padre Pita Ferreira emprestados pelo Arquivo Histórico da Diocese.


I PARTE

A dedicação de uma catedral, pelo bispo, é o rito católico que consagra o templo ao culto de Deus. No altar, é determinado o patrocínio de uma devoção e são instaladas as relíquias de santos.

A EXPOSIÇÃO

A Sé do Funchal foi dedicada a Nossa Senhora da Assunção e aos 10 mil Mártires, a 18 de outubro de 1517, pelo bispo D. Duarte de Dume, depois da criação da Diocese do Funchal, em 1514.

1º andar 1

O Padre Pita Ferreira Da Catequese à Etnografia A Sé do Funchal e o Património Artístico da Madeira Contributos para a História Local

A Cruz Processional Manuelina e a Ourivesaria Sacra Quinhentista do Funchal 2,3,7 A Sé do Funchal: do Livro ao Objeto 3 O Camarim da Sé 1

Esta exposição assinala os 500 anos desta solenidade que colocou a Sé como centro da vivência espiritual e cultural realizada pelo Povo de Deus neste arquipélago atlântico. O incontornável livro da autoria do Pe. Manuel Pita Ferreira, A Sé do Funchal (1963), assinala o ponto de partida que orientará o diálogo com os núcleos de arte sacra em exibição nesta exposição. A seleção de objetos, inevitavelmente fragmentária, evoca a Catedral enquanto obra de Deus, tabernáculo de Jesus Cristo e edificação humana com cinco séculos de história. Simultaneamente, propomos uma homenagem ao Padre Pita Ferreira (1912-1963), personalidade da história recente da Diocese do Funchal cujo trabalho foi, entre outras dimensões, fundamental e pioneiro no estudo e valorização do património religioso da Madeira.

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A SÉ DO FUNCHAL: DO LIVRO AO OBJETO As ourivesarias e demais obras artísticas pertencentes ao Tesouro e às Confrarias da Sé foram atentamente sistematizadas pelo Pe. Pita Ferreira no livro A Sé do Funchal (1963). Documentos fundamentais para a compreensão dos âmbitos e fins para que foram encomendadas estas peças foram por ele reunidos e confrontados: inventários, livros de atas e recibos. Neste núcleo reuniu-se ourivesaria e escultura provenientes da Sé, tendo sido privilegiada a relação destes objetos com o livro A Sé do Funchal e com as referências que nele ocorrem sobre cada objeto. Embora fossem representadas algumas alfaias religiosas do século XVI, predominou a ourivesaria dos séculos XVII e XVIII, época em que a adoção de modelos coevos levou à fundição de grande parte das pratas quinhentistas que existiam na Sé. Por outro lado, ensaiando um diálogo entre a escultura e a ourivesaria, o conjunto de atributos e resplendores em prata existentes nas esculturas da Sé do Funchal em exposição, explorou ainda uma outra dimensão do universo da ourivesaria religiosa que diz respeito à frequente adição de elementos em prata ou outros tipos de metais preciosos nas imagens de devoção.

O CAMARIM (OU TRONO) DA SÉ Em 1648, a mesa da Confraria do Santíssimo Sacramento da Sé decidiu construir um camarim destinado à deposição do Santíssimo Sacramento na Quinta-feira Santa. A obra foi orientada pelo imaginário Manuel Pereira e ficou concluída em 1654. Tratava-se de uma estrutura móvel de grande aparato em forma de pirâmide escalonada constituída por painéis de madeira esculpidos em baixo-relevo, retratando narrativas associadas ao tema da eucaristia. Era montado todos os anos por altura da Semana Santa, diante do altar do Bom Jesus, no lado sul do transepto. Devido às suas grandes dimensões, a Confraria construiu um edifício especificamente destinado a armazenar o Camarim quando desmontado. Nas sucessivas montagens e desmontagens, alguns elementos degradaram-se, perderam-se ou foram desmembrados. Entre os elementos desmembrados, alguns foram adicionados ao retábulo da Capela-mor da Sé, onde permaneceram até ao restauro de 2013-14. No início do século XIX, por se encontrar muito danificado, o camarim foi reformulado aproveitando parte da escultura e talha do camarim primitivo e projetando novos elementos. Em 1966 a estrutura do camarim torna a ser ajustada e simplificada. Todos os anos, duas peças que faziam parte do camarim – o grupo escultório da última ceia e a urna do Santíssimo, em prata, atualmente neste museu – regressam à Sé para as celebrações da Semana Santa.





Nossa Senhora com Menino Nossa Senhora da Escada ou Nossa Senhora do Tinteiro Oficina flamenga ou luso-flamenga Início do século XVI Escultura em pedra dourada e policromada Proveniência: Paço Episcopal do Funchal Esta composição representa a Virgem a ensinar o Menino a escrever. A Virgem segura um tinteiro e um estojo de escrita. O Menino, além do livro, teria originalmente uma pena de escrita na mão direita. O desenho dourado do estojo sustentado pela Virgem, lembrando o formato de uma escada, levou a que esta imagem fosse confundida com a “Virgem da Escada”, cuja devoção foi difundida em Portugal no período dos descobrimentos. Na origem, pertenceria ao Convento de São Francisco mas esteve na posse do Pe. Pita Ferreira durante vários anos, constando, inclusive, na relação dos seus bens realizada em 1966. Foi, depois, doada ao Seminário Diocesano do Funchal.

Cruz Processional Portugal, Lisboa (?) Cerca de 1501-1525 Prata dourada, relevada e cinzelada Encomenda do rei D. Manuel I para a Sé Catedral do Funchal (MASF56)


Santa Maria Madalena, Nossa Senhora da Assunção e São João Batista Prata Dourada Cerca de 1887 Figuras adicionadas, provavelmente em 1887, à Cruz Processional da Sé do Funchal, altura em que foi restaurada em Lisboa a expensas do Cónego Feliciano João Teixeira. Foram retiradas da cruz, no restauro realizado em 2009, em Lisboa.


Cruz Processional com crucifixo Carlos Relvas 1882 Fotografia s/papel Casa-Estúdio Carlos Relvas, Câmara Municipal da Golegã - Portugal Fotografia do álbum da Exposição de Arte Ornamental de 1882 realizada no Museu Nacional de Arte Antiga. Trata-se do primeiro registo fotográfico desta cruz conhecido até à data.




Nossa Senhora da Paz Francisco Franco Portugal, Funchal 1921 Escultura em madeira policromada Igreja de São Gonçalo, Funchal

Estante de Missal Portugal Manuel Pereira 1634 Madeira de pau-santo Origem: Sé do Funchal Proveniência: Seminário Dicosenao do Funchal

A imagem da Virgem com o Menino foi uma encomenda realizada por Henrique Augusto Vieira de Castro ao escultor madeirense Francisco Franco para a igreja de São Gonçalo, como homenagem às bordadeiras daquela freguesia. A sua presença no contexto desta exposição remete para O Pe. Manuel Juvenal Pita Ferreira que esteve muitos anos à frente da paróquia de São Gonçalo (desde 1945 até 1963). Esta mesma escultura integrou a Exposição de Esculturas Religiosas em 1954, organizada pelo Pe. Pita Ferreira em parceria com o Engª Luíz Peter Clode. Trata-se do exemplar de escultura religiosa com datação mais recente em exposição neste Museu, cuja coleção de escultura tem produção balizada entre os seculos XV e XVIII. O ramo de oliveira, em prata, nas mãos do Menino, é talvez o elemento / atributo mais distintivo que nos permite reconhecê-la como Nossa Senhora da Paz ou Nossa Senhora Rainha da Paz.




Anno Domini millesimo quingentesimo decimo septimo die vero mensis decima octava octobris ego Eduardus Dumiensis Episcopus comsecravi Eclesiam et altare Mor Im honorem beatissime Virginis Marie et Reliquias decem millia Martirum im eo(?) inclusi(?) singlorum fidelibus hodie hunum anum et im die universario comsecrationis huiusmodi ipsam visitamtibus quadraginta dies de vera indulgentia im forma Ecclesie comsueta comssedimus: Eduardus, Dumiensis episcopus Reliquiae sunt videlicet (?) decem mylium martirum et petra turris Sancti Barbori et lapiz de monte Sinay.

«No ano do Senhor milésimo quinquentésimo décimo sétimo, no dia 18º do mês de Outubro, Eu, Duarte, bispo de Dume, consagrei a igreja e o altar-mór em honra da Santíssima Virgem Maria e nele encerrei as relíquias de dez mil Mártires. Concedemos a cada um dos fiéis que hoje a visitem, um ano de indulgência na forma habitual da Igreja e 40 dias àqueles que o fizerem no dia de aniversário da consagração. Duarte de Dume, bispo As relíquias são de facto de 10000 mártires e a pedra da torre de Santa Bárbara e a pequena pedra do Monte Sinai.»

Reprodução do Documento de Consagração da Sé do Funchal

A dedicação de uma catedral, pelo bispo, é o rito católico que consagra o templo ao culto de Deus. No altar, é determinado o patrocínio de uma devoção e são instaladas as relíquias de santos. A Sé do Funchal foi dedicada a Nossa Senhora da Assunção e aos 10 mil Mártires, a 18 de outubro de 1517, pelo bispo D. Duarte de Dume, depois da criação da Diocese do Funchal, em 1514.


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A SÉ NO TEMPO

1508 1419-20

Chegada dos navegadores portugueses à Madeira.

1420-25

Início do povoamento da Madeira e do Porto Santo.

1438 (?) 1484 1485 1493

1495 1500

Data provável da construção da Igreja de N. Sr.ª do Calhau ou da “Conceição de Baixo”, que serviu inicialmente como principal Ermida do Funchal. A Ordem de Cristo e a jurisdição do Arquipélago da Madeira são entregues a D. Manuel, Duque de Beja (futuro rei D. Manuel I).

Fase final das obras na futura e sagração da mesma pelo Bispo João Lobo. Transfere-se para a sede da Paróquia de N. Sr.ª do

1514

1517

1521

1522-31

D. Manuel é aclamado rei de Portugal. Obras do novo templo esmorecem por falta de receita e por cansaço do povo. D. Manuel incentiva os madeirenses a continuarem a contribuir para a mesma.

1501-10

Data aproximada do Calvário que pertencia à capela do Santíssimo Sacramento.

1501-25

Datação estimada do retábulo e do cadeiral da capela-mor da Sé. Datação estimada da imagem em prata dourada de Nossa Senhora que pertenceu à confraria de N. Sr.ª do Rosário, uma das mais antigas confrarias da Sé.

Sé do Funchal de Tânger, D. nova igreja a Calhau.

12 de junho Papa Leão X cria a Diocese do Funchal pela bula Pro Excellenti Proeminentia, nomeando como seu primeiro bispo o grão-prior de Tomar D. Diogo Pinheiro. A “Igreja grande” é elevada a Sé do Funchal.

Duque D. Manuel e o rei D. João II ordenam a demarcação do terreno, chamado “Chão do Duque”, para a construção de uma igreja, praça e casa do Concelho. Duque D. Manuel determina o início das obras da nova igreja e nomeia um vedor para as obras. “Eu [o Duque de Beja] determinei ora de se começar e meter logo mão na igreja que tenho ordenado de se fazer em essa Vila”.

21 agosto Elevação do Funchal a cidade.

1527 1528 1533

18 outubro No dia da Festa do Evangelista São Lucas é sagrado o altar da Sé do Funchal em honra de Nossa Senhora da Assunção e dos Dez mil Mártires. Presidiu à dedicação o Bispo de Dume, D. Duarte. 11 junho Eleição, no adro da Sé, de Santiago Menor como padroeiro principal da cidade – São Sebastião e São Roque, foram posteriormente escolhidos como padroeiros secundários contra a peste. Data estimada de uma pintura flamenga do Calvário que esteve até 1772 na capela do Santíssimo Sacramento da Sé, hoje, no Museu de Arte Sacra. 6 dezembro Data dos recibos de entrega das vinte alfaias mandadas fazer pelo rei D. Manuel I para a Catedral do Funchal. Chegada das alfaias encomendadas pelo rei D. Manuel I à Sé. 31 janeiro Elevação da Diocese do Funchal a Arcebispado. D. Martinho é posteriormente nomeado pelo Papa Clemente VII como arcebispo do Funchal através da Bula “Hodie Santissimus”.


1543

1551

Datação do Retábulo de N. Sr.ª do Amparo, atribuído à oficina de Mabuse e que pertenceu à capela da Confraria de N. Sr.ª do Amparo (1628), situada à direita do altar-mor. Esta capela foi originalmente consagrada a Santiago e que é atualmente dedicada a N. Sr.ª de Lourdes. Bula “Super Universis” extingue o Arcebispado do Funchal, que torna a ser sufragâneo do arcebispado de Lisboa. Abertura da porta e elevação do altar de Santiago (atualmente de N. Sr.ª de Lourdes) que passa a ser acedido por duas escadarias laterais.

1566 1581 1587 1602 1638 1648 1658 1660-70

3 outubro Saque do Funchal por corsários franceses que vandalizaram, pilharam e destruíram um pouco por toda a cidade, incluindo, diversos bens da Sé.

1666 1677

1697 1701 1731-35

Reformulação do altar-mor de acordo com as diretivas do Concílio de Trento.

1732

Bula Gloriosum Apostolorum Chorum do papa Paulo V elevando Santiago Menor a padroeiro principal da Diocese do Funchal.

1748

Instituição oficial da Confraria do Santíssimo Sacramento pelo Bispo D. Jerónimo Fernando.

1ª Fase de execução do sacrário de prata para o Santíssimo Sacramento por José Dias Araújo que fugiu para o Brasil com a prata destinada à execução do mesmo. Execução das molduras entalhadas e das telas que decoram os arcos triunfais das capelas de N. Sr.ª de Lourdes e do Santíssimo.

Primeira fase do retábulo do Senhor Bom Jesus no lado sul do transepto onde se encontrava primitivamente um altar a Santana. O remate do altar e douramento decorreu já no final do século. Quatro pinturas atribuíveis a Michel Coxie remanescem do antigo altar (início do século XVI). Renovação do retábulo do Altar de Santo António, no lado norte do transepto, concluída no início do século XVIII. Encomenda da grade de prata para a capela do Santíssimo da Sé. Construção da nova sacristia e casa do cabido anexas à cabeceira da Sé. Nova ligação entre a capela de N. Sr.ª do Amparo (atualmente N. Sr.ª de Lourdes) e a sacristia dos cónegos. A ligação foi decorada com azulejos da oficina de Diogo Oliveira Bernardes em Lisboa.

Datação das pinturas do primitivo retábulo de Santana da autoria do pintor régio de D. Filipe II, Michiel Coxcie.

Confraria do Santíssimo Sacramento decide construir um camarim para a exposição do Santíssimo Sacramento na Quinta-feira Santa. Ficou concluído em 1652.

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É retomada a execução do sacrário para a Capela do Santíssimo Sacramento.

Início da construção da sala da Confraria do Santíssimo Sacramento. Terramoto atinge a ilha da Madeira levando à necessidade de uma campanha de obras em vários edifícios inclusive na Sé. Instituição da Confraria dos Escravos de N. Sr.ª do Monte.

1751

Pintura do teto da capela-mor pela oficina de António Vila Vicêncio.

1754-56

Nova campanha de obras na capela do Santíssimo na Sé e na sacristia anexa.

1766-68

Confraria do Santíssimo Sacramento encomenda diversas alfaias em prata ao ourives lisboeta João Silva Esteves.

1769-72

Período em que decorre a intervenção de maior vulto realizada na capela do Santíssimo Sacramento na Sé.


1791

1792

Bispo D. José Costa Torres ordenou a feitura de seis castiçais e uma cruz de assento para o altar-mor – a chamada “banqueta rica” – ao ourives António José Roque.

1835

Reconstrução das paredes das naves laterais da Sé com vista à transferência dos altares das confrarias que até então se concentravam no transepto.

1862

Prolongamento do coro para passar a abranger as três naves da Catedral. Aí foi colocado o órgão grande.

1881-82

Abertura de dois janelões com varandins na frontaria da igreja.

1793 1799 1800 1801-25

1803 1809 1832

Obra de reforma do retábulo da capela do Santíssimo Sacramento. Datação da custódia de ouro da oficina de Paul Mallet em Lisboa. Decisão de reabilitação do camarim pela Confraria do Santíssimo Sacramento. Registos diversos de encomendas de alfaias em prata pela Confraria do Santíssimo Sacramento. Destruição da Igreja de N. Sr.ª do Calhau devido à aluvião de 9 de outubro que matou várias centenas de pessoas. Chega ao Funchal a “banqueta rica”, 16 anos após a sua encomenda, concluída pelo prateiro Custódio José da Cunha e escapando ao saque dos franceses em Lisboa no ano anterior. Guerra civil em Portugal entre liberais e absolutistas. Ordem do bispo do Funchal aos administradores das confrarias para recolha e entrega das pratas na fortaleza do Pico no Funchal.

1834

A mesa da Confraria Santíssimo Sacramento decide, em reunião, desarmar e vender as grades de prata da capela do Santíssimo. Extinção das ordens religiosas masculinas em todo o Reino e nacionalização dos seus bens.

Redução e reconfiguração do adro da Sé. Transferência da imagem do Senhor do Milagre do extinto Convento de São Francisco para a Sé.

1882 1910

Decreto ordena a transferência dos principais documentos eclesiásticos para o Real Arquivo da Torre do Tombo. Grande campanha de reabilitação da Sé por iniciativa do Cónego Feliciano João Teixeira. Exposição Retrospectiva da Arte Ornamental Portuguesa e Hespanhola, em Lisboa que integrou várias peças da Sé do Funchal e da Diocese. Implantação da República. Classificação da Sé do Funchal como Monumento Nacional.

1911

Decreto-lei da Separação Igreja-Estado. Transferência do altar da antiga capela de N. Sr.ª dos Varadouros, demolida, para a antiga sacristia da Sé.

1934 1936

1940 1941

1948

Dr. Manuel Cayola Zagallo recebe missão de estudo e inventariação da arte flamenga no Arquipélago da Madeira. Dr. Manuel Cayola Zagallo apresenta tese no Iº Congresso Nacional de Turismo para um Museu de Arte Sacra no Funchal, tendo por base a coleção de pintura flamenga da Diocese. Museu Diocesano de Arte sacra é inaugurado nas salas do cabido da Sé. Em comunicação à Academia Nacional de belas Artes, o Arquiteto Raul Lino propõe linhas gerais para o restauro das áreas envolventes da Sé efetuado pela DireçãoGeral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN). Início da demolição das casas e pequenas edificações anexas à torre e à cabeceira da Sé bem como da contígua “casa dos capelães” pela DGEMN.

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1954 1955

Eliminação dos janelões da frontaria da Sé, abertos no final do século XVIII. A partir desta altura e até finais dos anos 70 foram restauradas as cantarias da fachada. Inauguração do Museu Diocesano de Arte Sacra do Funchal na Rua do Bispo, com a presença de Craveiro Lopes, presidente da República Portuguesa.

1959

Colocação de vitrais de Joaquim Rebocho nas janelas da capela-mor.

1961-65

Concílio Vaticano II.

1980-89

Ocorreram diversos trabalhos tais como a estabilização e tratamento de madeiras, impermeabilização de terraços e restauro dos azulejos da torre sineira.

1991

Papa João Paulo II visita a Sé do Funchal. Várias obras artísticas da Sé e da Diocese integram núcleos da Exposição Europália 91, na Bélgica.

1992 1996-97

Cruz processional manuelina integra a exposição do pavilhão da Santa Sé na Exposição Universal de Sevilha. Restauro do retábulo do Senhor Jesus e identificação das pinturas de Michel Coxie (1581). Restauro dos tetos da capela-mor e da capela do Santíssimo Sacramento.

1997-2003

1998

Estudo do estado de degradação e dos tipos de alteração das pedras vulcânicas utilizadas na edificação da Sé. Várias peças da Sé e da Diocese integram a exposição do pavilhão do Vaticano na Expo’98 em Lisboa.

2011-14

Estudos e intervenção de conservação e restauro do retábulo e cadeiral da capela-mor.

2016-17

Intervenção de conservação e restauro na torre sineira.


Pe. Pita Ferreira (fotografia com dedicatória) Coleção particular — Familiares do Pe. Pita Ferreira

Exposição de Ouriversaria Sacra no Convento de Santa Clara Padre Pita Ferreira junto à Cruz Processional Manuelina Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira (ABM) – Fundo Luiz Peter Clode



Igreja de São Gonçalo em construção (vista exterior do batistério) Coleção particular — Familiares do Pe. Pita Ferreira

Interior Igreja de São Gonçalo. Pe. Pita Ferreira no Púlpito entre os fiéis Coleção particular — Familiares do Pe. Pita Ferreira

Nave central da Nova Igreja de São Gonçalo Coleção particular — Familiares do Pe. Pita Ferreira

Igreja de São Gonçalo em construção (início) Coleção particular — Familiares do Pe. Pita Ferreira

Pe. Pita Ferreira no seu escritório Coleção particular — Familiares do Pe. Pita Ferreira


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1912 1935

16 abril Nasce o Padre Manuel Juvenal Pita Ferreira na freguesia de Câmara de Lobos. 25 agosto Ordenação sacerdotal. 29 setembro Nomeação como Capelão da Sé, escrivão do Juízo Eclesiástico e professor do Seminário.

1936

Capelão da Capela de N. Sr.ª da Conceição e do Asilo da Mendicidade.

1940

Coadjutor de São Vicente.

1945-63

Pároco do Porto Santo.

Publicação de textos no Jornal da Madeira bem como de outros jornais da Região.

1945

Pároco de São Gonçalo onde permaneceu até à sua morte.

1950

Visita a Roma.

1951-63

1951 1954

1956 1957

Publicação do livro A Santa Missa: diálogo para formar as crianças da catequese no espírito com que hão de assistir ao Santo Sacrifício da missa. Publicação do livro O Natal na Madeira: Estudo Folclórico. Publicação dos livros: Notas para a História da Ilha da Madeira (Descoberta e início do Povoamento); O mais belo presente da Primeira Comunhão (Teatro)

Secretário interino da Câmara Eclesiástica.

1938

1941

1955

1959

1960

Integra a comissão executiva e a elaboração do catálogo da Exposição de Esculturas Religiosas realizada no Convento de Santa Clara em coautoria com o Eng.º Luíz Peter Clode.

Publicação do livro O Infante D. Henrique e a Descoberta e povoamento do Arquipélago da Madeira.

1961

Publicação dos livros: A Santa Missa; A «Relação» de Francisco Alcoforado.

1962

Publicação do livro Curso de Iniciação Catequística (3 volumes).

1963

Publicação do livro A Sé do Funchal. 9 outubro Morre o Padre Manuel Juvenal Pita Ferreira, aos 51 anos, em São Gonçalo – Funchal.

Publicação de textos na revista Das Artes e da História da Madeira. Colabora na organização e produção de catálogo (coautor) da Exposição de Ourivesaria Sacra realizada no Convento de Santa Clara em parceria com o Eng.º Luíz Peter Clode.

Publicação dos livros: As «Notas para a História da Ilha da Madeira» no Pelourinho (como resposta à “adenda” das Ilhas de Zargo); O Arquipélago da Madeira, terra do Senhor Infante. De 1420 a 1460.

Bibliografia consultada Freitas, M. P. (n.d.). Padre Manuel Juvenal Pita Ferreira. (M. P. Freitas, Editor) Obtido em 27 de junho de 2017, de Câmara de Lobos - Dicionário Corográfico: http:// www.concelhodecamaradelobos.com/dicionario/pita_ferreira_padre_manuel_juvenal.html Gomes, S. G. (07 de julho de 2016). Pe. Manuel Juvenal Pita Ferreira. Obtido em 26 de julho de 2017, de Aprender Madeira: http://aprenderamadeira.net/ ferreira-pe-manuel-juvenal-pita/ Sousa, Á. M. (1964). Padre Pita Ferreira. Revista das Artes e da História da Madeira, 34, p. 39. Marino, L. Panorama Literário do Arquipélago da Madeira. Manuscrito, Funchal. Coleção Literária de Luís Marino. Arquivo Regional da Madeira.









O Infante D. Henrique e a Descoberta e Povoamento do Arquipélago da Madeira 1960 Coleção particular – Familiares do Pe. Pita Ferreira O caso de Machim à face dos Documentos In Revista das Artes e da História da Madeira nº25 a 27 1957 Museu de Arte Sacra do Funchal



“Banqueta Rica” - Conjunto de seis Castiçais e Cruz de Altar António Roque e Custódio José da Cunha (conclusão da obra) Portugal, Lisboa 1809 Prata cinzelada, relevada e repuxada Proveniência: Sé do Funchal Banqueta refere-se a uma sobrelevação na parte de trás de um altar onde é geralmente colocado um crucifixo ladeado por um conjunto de castiçais (em número par), podendo ainda ser intercalado por outros elementos como vasos de flores, relicários, bustos ou esculturas. Utilizada nas grandes solenidades, a “banqueta rica” do altar-mor da Sé do Funchal (conjunto de seis castiçais e um crucifixo) foi encomendada pelo bispo D. José Costa Torres no ano de 1791. Para a sua feitura foram fundidas pratas antigas do tesouro da Sé, entre elas, peças do conjunto encomendado pelo rei D. Manuel I no início do século XVI para a Sé do Funchal, e ainda, peças da Colegiada de Machico. Este facto motiva o diálogo estabelecido neste primeiro núcleo de exposição entre testemunhos da ourivesaria quinhentista da Sé do Funchal e a designada “Banqueta Rica”, oitocentista, pois contém ela mesma, crê-se, prata que outrora conformou, elementos do tesouro quinhentista da Sé do Funchal, inclusive, do conjunto de ourivesaria encomendado por D. Manuel I. Devido aos elevados custos de produção e aos demorados litígios entre o ourives e a Sé, o conjunto foi concluído e entregue apenas em 1809. Esta complexa trama de acontecimentos é cuidadosamente reconstituída pelo p. Pita Ferreira na publicação A Sé do Funchal (1963) com recurso aos diversos documentos manuscritos do Arquivo da Sé do Funchal.

A Sé do Funchal 1963 Casa da Cultura de Santa Cruz Quinta do Revoredo Arquivo Histórico Diocesano do Funchal (Exemplar com dedicatória)


A Sé do Funchal Pe. Pita Ferreira 1963 Coleção Particular – Familiares do Pe. Pita Ferreira




Maças Processionais José Francisco de Freitas Ferraz Portugal, Ilha da Madeira 1798 Prata relevada e cinzelada Proveniência: Sé do Funchal As maças processionais são bastões levados nas procissões, geralmente, pelos membros mais representativos de determinada festa ou confraria. Estas maças, produzidas por um ourives regional, foram encomendadas para o Tesouro da Sé com o objetivo de substituir as antigas maças que eram parte do conjunto encomendado para a Sé do Funchal pelo rei D. Manuel I. Para cobrir parte da despesa das novas maças, o ourives recebeu da Sé as antigas maças manuelinas. (MASF153)


São José Portugal, Lisboa Século XVIII Escultura em madeira estofada e policromada Resplendores e atributo em prata Pertence à Sé do Funchal

São Joaquim e Santana Portugal 1651-1700 Madeira estofada e policromada Resplendores em prata Pertence à Sé do Funchal

Integra o nicho central do altar de São José, o único altar da Catedral dotado de um frontal em prata e que está situado na nave lateral direita. A imagem foi adquirida pela Confraria de São José, criada no século XVIII. Sobressaem os resplendores de prata do Santo e do Menino, bem como, o atributo do Santo, também em prata – as açucenas. Todo o tratamento volumétrico dos panejamentos com seus drapeados e o uso da técnica do estofado na policromia da escultura – reproduzindo padrões dos tecidos brocados – remetem para as características da escultura setecentista nacional.

As imagens representando os pais da Virgem Maria foram encomendadas pela Confraria de Nossa Senhora da Conceição da Sé, cujo altar se situava, primeiro, no transepto, e depois, na nave lateral esquerda da Sé. Encontram-se até hoje no mesmo altar ladeando uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. A posição dos braços de ambas as imagens, de porte contido e hierático, sugerem que, primitivamente, o conjunto escultórico incluiria, ao centro, uma figura infantil da Virgem Maria, segurada pelas mãos dos pais. Complementam as imagens dois ricos resplendores e um bastão em prata.


Santa Rita de Cássia Portugal, Lisboa Século XVIII Escultura em madeira estofada e policromada Atributos e resplendor em prata Pertence à Sé do Funchal Conhecida como a Santa das causas impossíveis, Santa Rita é venerada num dos nichos laterais do altar do Senhor do Milagre situado na nave lateral esquerda da Catedral. Na sua figura sobressai o gracioso e expressivo movimento do corpo e o cuidado modelamento dos panejamentos, característicos da escultura barroca. Notáveis são ainda o resplendor e os atributos em prata que traz em cada uma das mãos – a palma, símbolo do martírio, e a cruz, que remete para o crucifixo diante do qual meditava quando recebeu, na fronte, o estigma de Cristo.

Nossa Senhora do Rosário Portugal, século XVII Escultura em madeira estofada e policromada, Rosário com contas de vidro e coroas em prata Proveniência: Sé do Funchal Pertenceu à Confraria de N.ª Sra. do Rosário da Sé e parece ter estado à devoção dos fiéis, primeiro na capela-mor e, depois, no altar de Santo António. A imagem da Virgem com o Menino e as duas coroas foram oferecidas por três devotos. O Pe. Pita Ferreira dedica algumas páginas do seu livro sobre a Sé do Funchal a esta imagem que parece tê-lo impressionado. Através dele, podemos ainda saber das transformações que sofreu a imagem, no início do século XIX, quando além do douramento e repinte, foram colocados olhos de vidro nas duas figuras, o que terá alterado as expressões primitivas dos rostos. Acredita-se que o atual rosário seja igualmente do século XIX. (MASF242)


Sacras Portugal, século XVIII Prata cinzelada e relevada Proveniência: Sé do Funchal Nossa Senhora Portugal, cerca de 1501-1525 Escultura em prata dourada, relevada, incisa e policromada Proveniência: Sé do Funchal Esta imagem da Virgem com faces e mãos policromas pertenceu à Confraria da Nossa Senhora do Rosário da Sé. O Pe. Pita Ferreira constata a sua referência nos inventários da Sé já em 1633, onde há também referência “aos seus corais” (rosário em coral?), hoje em falta. Na cuidada modelação de toda a figura, destaca-se a base da imagem dividida em 12 segmentos cujo reverso forma em relevo uma roseta aludindo um dos títulos da Virgem Maria: a “Rosa Mística”.

Sacras Inglaterra, século XVIII Marca com punção inglesa Prata cinzelada e relevada Proveniência: Sé do Funchal As sacras são tabelas com alguns textos imutáveis da missa, colocadas sobre o altar como auxiliar de memória para o celebrante. Entre as sacras que expomos, podemos ver, na de maior dimensão, um medalhão com o trigrama “JHS” envolvido por uma banda com uma interessante inscrição do livro de Isaias (24): “Glorificai nas ilhas do mar o nome do Senhor” – uma alusão, talvez, à especificidade geográfica do lugar – a ilha para a qual foram concebidas estas sacras.

(MASF61) (MASF111/MASF67)



Campainha Portugal, Lisboa (?) Cerca de 1769-1800 Bronze e prata cinzelada, relevada e vazada Proveniência: Sé do Funchal

Naveta Sebastião Bernardes dos Santos Portugal, Lisboa 1747 Prata relevada Proveniência: Sé do Funchal

Nos registos de contas e atas da confraria do Santíssimo Sacramento, várias vezes citados pelo Pe. Pita Ferreira, é mencionada em 1768, a encomenda de uma campainha para “quando o Santíssimo sai aos enfermos”. Um inventário posterior relativo aos bens desta confraria descreve igualmente a existência de “uma campainha grande de latão, com cabo e capa de prata lavrada”. Noutra passagem, é referido ainda que o ourives João Silva Esteves terá executado no século XVIII “duas campainhas a saber: uma para quando o Senhor sai aos enfermos e outra para a missa”.

(MASF227)

(MASF66)


Jarras Portugal, Lisboa Século XIX Marca com punção de Lisboa e marca de ourives “MSB” Prata cinzelada e relevada Proveniência: Sé do Funchal Em 1701 a Confraria do Santíssimo Sacramento decidiu encomendar uma grade de prata para a capela do Santíssimo Sacramento da Sé. Mais de um século depois, em 1834, a Confraria optou por retirar da capela estas grades, por serem alvo de sucessivos roubos e por precisarem de reparos que acarretavam custos muito elevados. Com (MASF224) parte da prata destas grades foram feitas algumas peças para ornamentação da mesma capela, entre elas, este conjunto de jarras. (MASF224)

Coroas Portugal, cerca de 1651-1700 Prata relevada, incisa, vazada e recortada Proveniência: Sé do Funchal Estas coroas são, provavelmente, testemunho da devoção ao “Divino Espírito Santo”, que perdura até aos dias de hoje na ilha da Madeira. A devoção remonta, em Portugal, à Idade Média, ganhando especial força com Rainha Santa Isabel, instituidora da primeira festa do “Império do Espírito Santo” em Alenquer. Ambas as coroas são rematadas por um globo sobre o qual pousa uma ave de asas abertas, símbolo do “Império do Divino Espírito Santo” e do seu poder universal. (MASF232/MASF232A)




Ânfora Portugal, século XVII Prata cinzelada e relevada Proveniência: Sé do Funchal

Lanternas Processionais João Silva Esteves Portugal, Lisboa Depois de 1767 Marca de ourives “E/JS” Proveniência: Sé do Funchal

Pouco se sabe sobre a origem desta ânfora, de dimensões particularmente generosas. Como refere o Pe. Pita Ferreira no livro A Sé do Funchal (1963), apenas se encontra referência à mesma no inventário da Sé realizado em 1910. Consta que era usada na capela do Santíssimo Sacramento, servindo como reservatório para o azeite doado pelos fiéis para as lâmpadas que iluminavam o tabernáculo. Uma hipótese sobre a sua origem é que se trate de uma oferta particular de um devoto.

Refere o Pe. Pita Ferreira (1963) o “precioso jogo de prata do século XVIII” da Confraria do Santíssimo Sacramento “adquirido já com o fim de enriquecer a nova capela [do Santíssimo]”. Do referido conjunto fizeram parte estas lanternas processionais que integravam ainda: três lampadários, seis castiçais, oito varas de pálio, uma cruz, dois ceroferários, duas lanternas de mão, uma caldeirinha e duas campainhas. Tal como a maioria das peças de prata executadas neste período, foram fundidas antigas alfaias existentes na Sé para execução destes novos modelos.

(MASF138)

(MASF155)


Lâmpadas ou Lampadários Portugal Século XVIII/XIX Prata cinzelada, relevada e repuxada Proveniência: Sé do Funchal Nas igrejas, estes pontos de luz, suspensos a partir do teto e alimentados por azeite ou outro combustível, assinalam a misticidade e a sacralidade do lugar e acentuam a ligação com o transcendente. Na Sé do Funchal, por exemplo, podemos encontrar diversos lampadários diante dos diversos altares e capelas de devoção distribuídos ao longo das naves laterais e do transepto da igreja. (MASF139/ MASF154/ MASF178)



Urna do Santíssimo Portugal, Lisboa Século XVIII Prata cinzelada, relevada e recortada Proveniência: Do camarim usado para a deposição da reserva eucarística na Quinta-feira Santa, na Sé Catedral do Funchal É provável que, à semelhança do camarim, esta urna, de aparência exuberante, tenha sido encomendada pela Confraria do Santíssimo Sacramento. No entanto, permanece misteriosa a sua chegada à Sé do Funchal, já que não se encontram registos da mesma nos inventários ou livros de contas, como constatou o Pe. Pita Ferreira na obra A Sé do Funchal (1963). (MASF71)

Elementos remanescentes do camarim usado para a deposição do Santíssimo Sacramento na Quinta-feira Santa, na Sé do Funchal Manuel Pereira e colaboradores Portugal, 1654 Baixo-relevo em madeira dourada e policromada



Fragmentos de talha dourada do camarim da Sé do Funchal Portugal, Funchal Século XVII a XVIII Proveniência: Sé do Funchal Fragmentos que pertenciam originalmente ao camarim da Sé do Funchal e que se encontravam incorporados no retábulo do altarmor da Sé. Foram Retirados durante a campanha de restauro do retábulo em 2014 e transferidos para este Museu.


Arranjo e modificação do camarim da Sé do Funchal João Lemos Gomes Revista das Artes e da história da Madeira, nº 36 1966

A Última Ceia Manuel Pereira e colaboradores Portugal, 1654 Escultura em madeira estofada e policromada (MASF346)




Sé Funchal Madeira Max Römer Portugal, Funchal 1944 Pintura a aguarela sobre papel Pertence à coleção da Casa-Museu Frederico de Freitas Aspeto do Camarim da Sé Foto Perestrelos Camarim da Sé do Funchal (reduzido de 3 metros na base em 1966) Arquivo de Eduardo Nunes Pereira Arquivo Biblioteca Regional da Madeira

Esta perspetiva do interior da Sé do Funchal pintada pelo artista alemão Max Römer, que residiu na Madeira, corresponde à zona do transepto, na capela do Senhor Jesus. Deixa-nos o artista um interessante testemunho visual sobre aspeto do camarim por altura da Semana Santa, na década de 1940. A partir desta aguarela, podemos depreender um pouco do que seria toda a ambiência de luz e cor do espaço, em que se destaca o extenso conjunto de castiçais e lustres em contraste com a massa de fiéis, vestidos de luto.



Véu de Ombros Século XVIII Seda bordada a ouro; cordeiro em cota de malha prateada Proveniência: Sé do Funchal O véu de ombros é um paramento usado na liturgia cristã composto por uma peça de tecido quadrangular que deverá ter comprimento suficiente para poder ser colocada sobre os ombros e envolver as mãos. É usado no transporte de objetos sagrados. O facto de o tecido cobrir as mãos evita o contato direto com o objeto sagrado o que acentua a solenidade do rito. Sabemos pela sua cor e pelo símbolo eucarístico do cordeiro que nele está representado que este véu, em particular, era usado para o transporte e exposição do Santíssimo Sacramento. Trata-se apenas de um exemplar representativo do rico conjunto de paramentos litúrgicos provenientes da Sé que hoje se encontram no Museu de Arte Sacra, mas que, pela sua fragilidade, não podem estar expostos em permanência. (MASF166)

Ostensório (custódia) Paul Mallet Portugal, Lisboa 1799 Ouro cinzelado relevado e vazado e aplicações de crisoberilos Proveniência: Sé Catedral do Funchal Utilizado para a exposição da hóstia consagrada à adoração dos fiéis, este ostensório em ouro apresenta características formais do período artístico neoclássico e enquadra-se na tipologia de “ostensórios radiantes” pois o recetáculo da hóstia é rodeado por uma auréola radiante, evocando os raios de luz. Os elementos decorativos remetem para o tema da morte sacrificial e da ressurreição de Cristo: o cordeiro sentado sobre o livro do apocalipse; a mítica ave fénix com poder de renascer das cinzas; o pelicano que alimenta os filhos com a sua própria carne e sangue; o Altar do Sacrifício e as espigas de trigo e a videira – o pão e o vinho – símbolos eucarísticos do corpo e sangue de Cristo. (MASF238)


2º andar 8

O Gosto pela Arte Flamenga e o Tempo dos Retábulos A Arte do Retábulo Os Trípticos Flamengos: Encomendas Artísticas para a Madeira nos Séculos XV e XVI

8 9 11 12 13

Pintura retabular e a sua dimensão catequética: Santos e Devoções O Nascimento de Jesus A Infância e Início da Vida Pública A Morte de Cristo Para além da Morte

13

8

12 11

9 10


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GOSTO PELA ARTE FLAMENGA E O TEMPO DOS RETÁBULOS Um estudo atento sobre o retábulo da Sé do Funchal foi realizado pelo Padre Pita Ferreira, na monografia que dedicou à catedral madeirense. A evocação do estudo deste políptico ganha particular relevo no contexto comemorativo desta exposição. Serve de ponto de partida para um diálogo que se estabelece entre a pintura e escultura, portuguesa e flamenga. Ao longo das seis salas deste andar é sugerida uma leitura narrativa e catequética em torno da Vida de Jesus, da Virgem Maria e de alguns santos de maioritária devoção na Ilha. Este núcleo da exposição foi estruturado a partir da reorganização da coleção de arte flamenga deste Museu, articulada com algumas obras temporariamente cedidas por outras instituições. Destacam-se dez pinturas provenientes do Museu Nacional de Arte Antiga cujos pintores são referência na produção de pintura retabular portuguesa dos seculos XV e XVI. As relações comerciais entre o reino de Portugal e a Região da Flandres, integrada no ducado de Borgonha, intensificaram-se a partir de 1430. Quando D. Manuel ascende ao trono em 1495, Portugal gozava de um aumento das suas capacidades económicas, fruto da intensificação do comércio para o qual contribuiu, também, o açúcar da Madeira. Os contactos comerciais com o norte da Europa foram acompanhados de um gosto artístico que se inclinou, quer para a encomenda de obras flamengas, quer para a formação de artistas portugueses na Flandres ou para a fixação de pintores flamengos em Portugal, como Frei Carlos, Francisco Henriques e o denominado Mestre da Lourinhã, estes dois últimos indiciados na pintura retabular da Sé do Funchal (1514-1516).


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A ARTE DO RETÁBULO Entre o fim do século XV e início do século XVI o retábulo – do latim retrotabulum, tábua que se coloca por detrás do altar – poderia ser móvel ou fixo e combinar a pintura com a escultura, ou apenas uma destas expressões artísticas. Era denominado consoante o número de painéis que o compunha: dípticos, trípticos ou polípticos.

O RETÁBULO DA SÉ DO FUNCHAL (1514-1517) Apesar da influência flamenga que marcou a pintura portuguesa da época, nomeadamente na adesão à paleta de cor e à construção narrativa com representação verosímil do mundo, os grandes retábulos, como o da Sé do Funchal, adotaram um modelo estrutural de tradição peninsular. A estrutura de marcenaria conferiu ao retábulo o seu carácter monumental. Eram construídos em verticalidade, com as sequências narrativas dispostas em fiadas, envolvidas pelo brilho surpreendente da talha dourada. O políptico da Sé do Funchal, estruturalmente próximo do que teria existido na Igreja de São Francisco de Évora (1509-1511), foi uma encomenda régia de D. Manuel I. Pela sua integridade in situ, é hoje um documento fundamental para o estudo dos retábulos realizados em Portugal neste período. As pinturas revelam uma linguagem renascentista evidenciada na modelação das figuras e dos espaços. Foram executadas no contexto da grande oficina de Lisboa, em sistema de parceria, onde se aceita ter participado Jorge Afonso, Francisco Henriques e o Mestre da Lourinhã. Chamamos a atenção para a presença, nesta sala, de um fragmento de talha luso-flamenga que testemunha a monumentalidade da estrutura que enquadrou o retábulo da Sé de Lamego (1508-1511).

OS TRÍPTICOS FLAMENGOS: ENCOMENDAS ARTÍSTICAS PARA A MADEIRA NO SÉCULO XV E XVI Na sequência do povoamento do arquipélago da Madeira o infante D. Henrique promoveu a introdução e o cultivo da Cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) em 1425. O sucesso da adaptação da espécie e a produção e exportação massiva do açúcar para toda a Europa, ditou o desenvolvimento de um próspero ciclo comercial, que enriqueceu a corte. Tal prosperidade atraiu estrangeiros que se fixaram na ilha para o estabelecimento e exploração de engenhos. As crescentes necessidades das comunidades, entre elas as devocionais, estimularam as trocas comerciais. Das cidades de Bruges, Lovaina, Bruxelas e Antuérpia, na região da Flandres, para onde o açúcar da Madeira era vendido, foram importadas obras de arte – pinturas, esculturas, alfaias litúrgicas, paramentos e placas funerárias – O tríptico é um retábulo de pintura, escultura ou misto, constituído por três painéis, um central e dois laterais - moveis, designados de volantes. Foi a variante retabular que mais se importou para o Arquipélago da Madeira. Alguns exemplares chegaram até nós íntegros, outros desmembrados. Neste Museu é possível observar alguns exemplares de grande qualidade artística. Predominam os temas narrativos do Nascimento e da Paixão de Cristo, bem como as cenas marianas e as representações dos santos e das devoções.


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SANTOS E DEVOÇÕES O povoamento da Madeira trouxe consigo algumas primeiras devoções, materializadas em encomendas de pintura e escultura quer a oficinas portuguesas, quer a oficinas da Flandres. Santiago Menor torna-se, a partir de 1521, o Santo intercessor contra a peste que grassou no Funchal. São Roque, em idêntica invocação, é o padroeiro secundário da cidade. A escultura aqui presente encontrava-se na Sé aquando do ataque dos corsários em 1566.

A pintura flamenga, aqui presente, revela caraterísticas da pintura praticada no norte da Europa onde coexistem os vestígios da pintura do fim da Idade Média e a renovada influência clássica. Note, por exemplo, o equilíbrio das composições; o rigor e atenção aos detalhes; a tridimensionalidade das figuras; as cores fortes em contraste com as tonalidades frias; as subtis gradações de cor que auxiliam as modelações e a noção de profundidade. As pinturas deste núcleo mostram como a pintura flamenga influenciou as oficinas de pintura portuguesas, entre o fim do século XV e meados do século XVI, quando já se começou a verificar uma adesão ao Humanismo e Classicismo italianos.

São Nicolau foi venerado por mercadores que habitavam a zona nascente da Cidade, onde lhe foi dedicado um altar. O Tríptico de São Pedro, São Paulo e testemunha uma evocação quinhentista considerados pilares da Igreja, numa capelas erguidas na cidade. Santa Luzia representa outra devoção desde muito cedo.

Santo André aos apóstolos das primeiras

A MORTE DE CRISTO

enraizada na ilha

O Calvário – que significa “o lugar da caveira” – é o tema principal que congrega todas as representações artísticas presentes neste núcleo. Designa o local onde terá decorrido a crucifixão de Cristo. A imagem de Cristo na Cruz é a representação que mais se impõe ao pensamento do cristão. Faz alusão ao sacrifício do Deus Redentor e constitui-se como emblema da salvação dos fiéis.

Santa Paula, retratada na pintura portuguesa aqui em visita, não consta das devoções no arquipélago da Madeira. Contudo, a atribuição autoral da pintura ao Mestre da Lourinhã ganha particular relevo quando comparada, quer com o retábulo da Sé, quer com a pintura flamenga.

O NASCIMENTO DE JESUS O grande tríptico flamengo, existente ao fundo da sala 11, narra o vasto tema da Encarnação do Verbo – Jesus Cristo – e inclui a Imaculada Conceição de Maria, a Anunciação e a Natividade. Estes episódios que integram, em parte, o grande ciclo narrativo do Nascimento de Jesus estruturam este núcleo, que é completado com as outras narrativas expostas em diálogo.

Destacamos duas esculturas flamengas de um Calvário que se supõe ter pertencido ao retábulo da capela-mor da Sé do Funchal e a pintura flamenga mencionada pelo Padre Pita Ferreira no livro “A Sé do Funchal” (1963). Trata-se de uma obra imponente que representa a morte de Jesus segundo o modelo do grande espetáculo com uma multidão ruidosa a preencher a cena. Também da Sé, uma outra pintura de um Calvário, com evidente influência flamenga nos tratamentos de paisagem. Nela estão representados anjos que, de cálice nas mãos, recolhem o sangue de Cristo, numa possível alusão à cruz enquanto fonte de vida.



https://youtu.be/iW2dwib3wpU

Fragmentos de talha do retábulo do altar-mor da Sé do Funchal Portugal, Lisboa Século XVI Proveniência: Sé do Funchal Fragmentos da talha gótico-flamejante original da Sé, proveniente da estrutura de marcenaria atribuída à oficina Machim Fernandes. Estes fragmentos dispersos, hoje integrados no Museu de Arte Sacra do Funchal, pertenceriam provavelmente às chambranas, desintegradas, e a outros elementos decorativos que não foram integrados no restauro do Retábulo em 2014.

Retábulo da Sé do Funchal Portugal, Lisboa Cerca de 1512 - 1516 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Origem: Sé do Funchal Modelação e animação 3D © Jéssica Silva


https://youtu.be/a3OUedw4Ryc

https://youtu.be/7moR8BFBRU8

Tríptico de Santiago Menor e São Filipe Atribuído a Pieter Coeck Van Aelst Flandres, Antuérpia Cerca de 1527-1531 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho. Origem: Antiga Igreja de São Tiago Menor Proveniência: Igreja de Santa Maria Maior (Socorro), Funchal

Tríptico da Encarnação Atribuído a Joos Van Cleve e colaboradores Flandres, Antuérpia Cerca de 1510-1515 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Origem: Igreja de Nossa Senhora da Encarnação Proveniência: Igreja de São Martinho, Funchal

(MASF40) Modelação e animação 3D © Jéssica Silva

(MASF32) Modelação e animação 3D © Jéssica Silva


Santiago Atribuído a Dieric Bouts Flandres, Bruges Cerca de 1451-1500 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Origem: Antiga Capela de Santiago na Sé Catedral do Funchal Proveniência: Igreja de Santa Maria Maior (Socorro), Funchal

São Roque Flandres, Malines Cerca de 1521-1525 Escultura em madeira de carvalho, policromada, estofada e dourada Origem: Sé Catedral do Funchal Proveniência: Igreja de São Roque, Funchal

(MASF28)

(MASF352)




Profissão de Santa Paula Atribuído ao Mestre da Lourinhã Portugal Cerca de 1520-1525 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: Convento Extinto Museu Nacional de Arte Antiga

Santa Luzia Flandres, Malines Cerca de 1500 Escultura em madeira de carvalho, estofada e policromada Proveniência: Igreja primitiva de Gaula, Santa Cruz (MASF355)



Encontro de Santa Ana e São Joaquim Gregório Lopes ou Mestre de Abrantes Cerca de 1545-1550 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: desconhecida Museu Nacional de Arte Antiga



Natividade Oficina Europeia Cerca de 1501-1550 Pintura a óleo sobre madeira Proveniência: Igreja de São João Evangelista (Colégio)

Natividade Garcia Fernandes 1537 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: Mosteiro da Santíssima Trindade, Lisboa (do retábulo do altar-mor) Museu Nacional de Arte Antiga



A Virgem com o Menino e um Anjo Oficina de Frei Carlos Portugal, Lisboa Cerca de 1520-1530 Pintura a óleo sobre madeira Proveniência: Mosteiro de São Vicente de Fora, Lisboa Museu Nacional de Arte Antiga

Tríptico de Nossa Senhora do Pópulo Portugal Século XVI Proveniência: Igreja da Ponta do Sol Origem: Capela de Nossa Senhora do Patrocínio, Ponta do Sol




Apresentação do Menino no Templo Garcia Fernandes 1537 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: Mosteiro da Santíssima Trindade, Lisboa (do retábulo do altar-mor) Museu Nacional de Arte Antiga

Baptismo de Cristo Atribuído ao “Mestre de 1549” 1549 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: Convento extinto Museu Nacional de Arte Antiga


Fuga para o Egipto Oficina de Jorge Afonso Cerca de 1520 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: Convento de São Bento de Xabregas, Lisboa (do antigo retábulo) Museu Nacional de Arte Antiga

Menino Jesus entre os Doutores Atribuído a Cristóvão de Figueiredo Cerca de 1520-1530 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: Convento da Encarnação, Lisboa Museu Nacional de Arte Antiga




Calvário Europa, Portugal (?) Cerca de 1501-1525 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: Sé do Funchal

Calvário Atribuído a Pieter Coeck Van Aelst e colaboradores Flandres, Antuérpia Cerca de 1527-1531 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: Sé do Funchal

(MASF119) (MASF55)



Santa Catarina (?) Flandres, cerca de 1501-1510 Escultura em madeira de carvalho Proveniência: Igreja de Jesus Maria José, Calheta (MASF459)

Trânsito da Virgem Oficina de Cristóvão de Figueiredo Cerca de 1525-1540 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: Mosteiro de Santa Maria da Vitória, Batalha Museu Nacional de Arte Antiga



São Miguel Arcanjo Garcia Fernandes Cerca de 1530-1540 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: Convento extinto Museu Nacional de Arte Antiga

Assunção da Virgem Maria Tríptico do Bom Jesus – volante direito Atribuída a Joos Van Cleve e colaboradores Flandres, Antuérpia Cerca de 1501-1510 Pintura a óleo sobre madeira de carvalho Proveniência: Igreja do Bom Jesus da Ribeira, Funchal

(MASF36)


A CATEDRAL NA CIDADE. UMA IMPONENTE CONSTRUÇÃO DE PEDRA

Torre A Catedral na cidade: Uma imponente construção de pedra Pedra natural de origem vulcânica aplicada na Sé do Funchal

Pisos 3 e 4

A Sé do Funchal tem uma presença marcante no panorama da arquitetura urbana, sendo amplamente observável a partir de diversos pontos da cidade. Neste núcleo convidamo-lo a contemplar a paisagem, propondo, através das salas que antecedem o acesso à torre-varanda-mirante, a identificação e leitura da Sé na perspetiva da sua arquitetura exterior. Através da apresentação de documentos e imagens de arquivo, propomos um olhar sobre a Sé que introduz o conhecimento da natureza da pedra utilizada na sua construção – 7 tipos de pedras vulcânicas, com cerca de 25 variedades cromáticas – e que confere à sua fachada, torre sineira e cabeceira, um carácter inconfundível na geodiversidade do centro histórico da cidade. As fotografias, os postais soltos e os álbuns souvenir, presentes numa das salas, mostram diferentes perspetivas da Sé do Funchal e revelam as utilizações e adaptações que o templo, na sua relação com a cidade e as suas gentes, sofreu ao longo dos séculos.









Album, foto e postal da coleção particular de António Rodrigues


Postais da coleção particular de Melim Mendes

Postais da coleção particular de Edward Kassab


Fotos © Arquivo e Biblioteca Regional da Madeira


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PEDRA NATURAL DE ORIGEM VULCÂNICA APLICADA NA SÉ DO FUNCHAL JOÃO BAPTISTA PEREIRA SILVA

1 - Edificação da Sé A Sé do Funchal foi mandada construir em 1485 e as suas obras ficaram concluídas em 1517. A construção ocupando uma área de implantação de 1.540 m2 foi feita sobre depósitos aluvionares, isto é, em cima de antigas cascalheiras marinhas e fluviais, representados por materiais vulcânicos muito heterométricos: blocos, calhaus e areão, que estão envolvidos por materiais de granulometria mais fina dos tipos: areia grossa, areia média, areias fina e muito fina, e material silto-argiloso, Silveira et al., 2010 (Figura 1). Os referidos depósitos de idade Quaternária (Plistocénico) são pouco coesos e apresentam porosidade e permeabilidade média a elevada.

2 — Estilo Arquitectónico O edifício, que possui caraterísticas próprias do estilo gótico enquadrado num estilo manuelino continental, foi por diversas vezes, até ao início do século XIX, objeto de obras de ampliação e remodelação (Figura 2). A Sé do Funchal apresenta planta em cruz latina com uma orientação litúrgica este-oeste. É constituída por três naves – sendo a central mais alta – ligadas entre si por dez arcos góticos, com a cabeceira cortando o transepto, por meio de dois arcos mais largos e mais altos do que os restantes. As naves e o transepto são cobertos por um teto em madeira, muito notável no que respeita à sua conceção e decoração. A torre sineira tem 52 metros de altura e apresenta secção quadrada com panos de alvenaria caiada de branco e fortes cunhais de cantaria. O piso das ventanas sineiras, em cantaria descoberta, é encimado por um terraço rematado por merlões com coroamento pontiagudo e um coruchéu piramidal decorado com azulejos sevilhanos, assente em arcaria (Carita, 1983).


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Figura 1 – Vala aberta no alçado Norte da Sé do Funchal onde é possível observar a heterogeneidade e a fraca coesão dos materiais geológicos aluvionares. © João Baptista, 2004

Figura 2 – Vista geral da Sé do Funchal. © João Baptista, 2014

3 — Origem, Tipologia e Classificação da Pedra Natural Vulcânica 3.1 — Origem e Tipologia A maioria das formações geológicas constituintes da ilha da Madeira, cujas rochas de tipo vulcânico extrusivo são utilizadas como pedra natural, distribuem-se em dois conjuntos bem distintos. O primeiro compreende rochas resultantes de atividade efusiva ou lávica, de caráter básico, compactas e/ ou porosas e vacuolares, representadas por escoadas de composição basáltica, emitidas essencialmente por aparelhos vulcânicos do tipo havaiano. O segundo compreende rochas resultantes de atividade explosiva, ditas piroclásticas ou tefra, emitidas por aparelhos vulcânicos do tipo estromboliano e/ ou misto (estromboliano/havaiano), abundantes nas zonas centrais da Ilha onde são mais grosseiras e caóticas. De facto, existe uma grande variedade de materiais, ditos de projeção, desde enormes blocos a cinzas muito finas, passando por termos intermédios denominados “feijoco”, “lapilli” ou “areão”, de aspeto vesicular e esponjoso, entre os quais são frequentes as características bombas. No entanto, estes materiais por vezes pouco consolidados, assumem em certos casos o aspeto de brechas mais ou menos grosseiras e heterométricas, enquanto, noutros casos apresentam-se como tufos (Carvalho & Brandão, 1991). Na ilha do Porto Santo são explorados dois tipos de pedra natural em dois maciços vulcânicos distintos. No maciço nordeste, de topografia mais acentuada, constituído por rochas de composição ácida, resultante de domos vulcânicos, explora-se o traquito, enquanto no maciço sudoeste constituído por rochas piroclásticas, explora-se essencialmente o tufo lapilli. As rochas efusivas apresentam tons de preto e de cinzento mais escuro ou mais claro e, são predominantemente constituídas por: tefrito, traquibasalto, traquiandesito basáltico e traquito. A textura das rochas está relacionada com os factores seguintes: número e o modo como se distribuem os


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minerais de maiores dimensões no seio duma matriz onde os minerais são mais finos e que pode ser mais ou menos abundante; pequenas fraturas; alteração dos minerais constituintes da rocha; e ainda com o número e o tamanho dos vacúolos ou poros. As rochas extrusivas apresentam de um modo geral, textura afanítica ou microcristalina (Gomes & Silva, 1997).

As cantarias “moles” distinguem-se das cantarias “rijas” por apresentarem menor resistência ao corte, maior porosidade e uma grande gama de tonalidades cromáticas.

3.2 — Classificação da Pedra Natural Vulcânica

A tonalidade apresentada pela pedra natural, em larga medida, está associada à cor básica dos minerais dominantes, à granularidade dos mesmos e, ao respetivo grau de alteração.

Na tabela 2 estão representadas as classificações científicas e técnico-comerciais, bem como as abreviaturas - símbolos utilizados no levantamento e caracterização das rochas efusivas aplicadas na Sé do Funchal (Silva et al., 2006).

As rochas efusivas apresentam tons de preto e cinzento mais escuro ou mais claro (Figura 3), enquanto as rochas piroclásticas apresentam uma grande gama de tonalidades, sendo as mais comuns: castanho, vermelho, laranja, amarela, preto, verde, roxo e rosa (Figura 3).

Classificação Científica

Classificação Técnico Comercial

Abreviaturas Utilizadas

Traquibasalto

Cantaria Rija Cinzenta

TQ

Tefrito

Cantaria Rija Cinzenta

TF

Traquito

Cantaria Rija Branco Sujo

TR

Tabela 2 - Classificações científica e técnicacomercial e abreviaturas - símbolos utilizados no levantamento e caracterização das rochas efusivas aplicadas na Sé do Funchal.

As rochas piroclásticas apresentam textura porosa a muito porosa, vesicular a muito vesicular e, raramente, amigdalar e brechóide. Na tabela 3 constam as classificações científicas e técnico-comerciais e as abreviaturas - símbolos utilizados no levantamento e caracterização das rochas piroclásticas aplicadas na Sé do Funchal (Silva et al., 2006).

Classificação Científica

Classificação Técnico Comercial

Abreviaturas Utilizadas

Tufo Lapilli

Cantaria Mole

TL

Tufo Brecha

Cantaria Mole

TB

Brecha Piroclástica

Cantaria Mole

BP

Tabela 3 - Classificação científica, classificação técnico-comercial e correspondentes abreviaturas -símbolos utilizados no levantamento e caracterização das rochas piroclásticas aplicadas na Sé do Funchal.

Figura 3 – Catálogo da pedra natural do arquipélago da Madeira (Gomes & Silva, 2003). © João Baptista, 2014


Figura 4 – Carta número 3 de 35, referente ao alçado principal da Sé do Funchal, onde estão representadas as várias litologias, cor das cantarias e das argamassas e os diferentes tipos de patologias que afectam a pedra natural. © Silva et al., 2006.


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É de salientar que a cor observada em alguns blocos face à vista, nos trabalhos de campo por vezes não corresponde à cor original do tipo litológico. Segundo Silva et al., 2006, esta diferença normalmente está associada às patologias (enfarinhamento e crostas negras), remoção de argamassas das juntas entre blocos, desagregação e remoção de material fino de blocos subjacentes, aplicação de argamassa sobre o bloco, escorrência de materiais finos provenientes de intervenções (por exemplo, abertura de furos para colocação de tubos de drenagem), desenvolvimento de líquenes, humidade, aplicação de pátinas de ocre vermelho e/ou tintas de tonalidade amarela, beije e cinzenta (Figura 4).

Outro motivo de interesse é saber que as cantarias aplicadas na Sé, foram provenientes maioritariamente das antigas pedreiras localizadas na arriba do Cabo Girão. Muitos blocos apresentam símbolos gravados em baixo relevo, como é o caso dos aplicados, na fachada principal e na torre sineira, e que correspondem à marca de canteiro e/ou do fornecedor da pedreira. Podemos dizer que os blocos de cantarias aplicadas na Sé, são por um lado, o “espelho” das formações geológicas que ocorrem na base arriba do Cabo Girão, e por outro, exigem a marca de vários canteiros e fornecedores, anónimos (Figuras 5 a 8).

4. Estado de Conservação A Sé do Funchal atualmente apresenta milhares de blocos de pedra natural face à vista, devido à remoção das argamassas, das tintas e dos ocres, que foram sendo tirados nas diversas obras realizadas ao longo do tempo. Na sua construção foram utilizadas rochas vulcânicas de natureza lávica: traquibasalto, traquiandesito, traquito, tefrito (de tonalidade cinza) e de natureza piroclástica litificada e/ou soldada: tufo cinza, tufo de lapili e tufo de brecha (de tonalidade preta, vermelha, castanha, amarela, rosa, lilás, etc.). Nos trabalhos de realizados pelos investigadores (Gomes & Silva, 2003 e Silva et al., 1999, 2000, 2006, 2017) foi possível identificar no conjunto das cantarias “rija” e “mole” aplicadas, sete variedades litológicas e pelo menos vinte e cinco tonalidades cromáticas (Figura 4). A diversidade de rochas e as diferentes tonalidades cromáticas exibidas pela pedra natural são uma característica peculiar deste monumento nacional. Os factos referidos constituem duas características de referência e de imagem do monumento, quando comparado com outros monumentos religiosos a nível regional, nacional e mundial, que normalmente foram construídos por um, dois ou três tipos de pedra natural diferente.

As patologias da pedra natural observáveis na Sé do Funchal são consequência direta da ação de processos físicos, químicos, físico-químicos e biológicos, muitas vezes associados. Estes processos de alteração são condicionados por fatores internos ou intrínsecos da pedra natural, tais como, estrutura, textura e composição mineralógica, mas podem ser agravados por fatores externos, tais como: i) os relacionados com as condições de exposição (orientação e posicionamento da pedra no monumento) particularmente à água de precipitação, de circulação de aerossóis ou de ascensão capilar a partir do pavimento, água que transporta em si sais dissolvidos; a exposição determina a possibilidade da pedra permanecer seca, pouco embebida ou muito embebida (diretamente pela água da chuva ou indiretamente pela água de ascensão capilar); efetivamente, a água constitui o principal fator externo de alteração da pedra natural, podendo atuar direta ou indiretamente; ii) o intenso tráfego de veículos automóveis produz vibrações no subsolo e desencadeiam atividade microssísmica; considera-se que, ao longo do tempo, as cargas e vibrações inerentes ao tráfego automóvel favoreceram assentamentos nos terrenos aluvionares (Figura 9) sobre os quais o monumento tem as suas fundações;


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Figuras 5 a 8 – Símbolos gravados em baixo relevo correspondentes às marcas de canteiro ou do fornecedor da pedreira. © João Baptista, 2014

Figura 9 – Assentamentos nos terrenos aluvionares onde se encontram as fundações do edifício. © João Baptista, 2014


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iii) A poluição atmosférica devido aos gases (dióxido de carbono e monóxido de enxofre) emitidos pelas centenas e/ou milhares de automóveis que circulam diariamente junto ao monumento, quando combinados com a água da chuva produzem fenómenos de alteração na cantaria mole e produzem novos minerais, como é o caso do gesso (Figura 10) e argila esmectite (Figura 11); iv) a variação do nível freático e a alteração dos fluxos de água subterrânea motivada por construções implantadas nas zonas envolventes e que promovem condições favoráveis à ocorrência de assentamentos; v) os processos biológicos da alteração da pedra natural ou biodegradação resultam, por exemplo, da presença e ação de bactérias, fungos, algas e líquenes; comparativamente com os outros processos da alteração os efeitos da biodegradação são menos intensos (Figura 12);

Figura 10 – Fenómenos de alteração na cantaria mole - produção de novos minerais: gesso. © João Baptista, 2014

Figura 11 – Fenómenos de alteração na cantaria mole - produção de novos minerais: argila esmectite. © João Baptista, 2014

vi) os factores externos podem ser mais agressivos na pedra natural que faz parte de património construído, do que no mesmo tipo de pedra quando na sua ocorrência e ambiente natural. Em 1998 e 2001 foram desenvolvidos vários trabalhos de carácter técnico-científico no Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro e no Instituto Geológico e Mineiro – Porto, respetivamente, tendo em vista a caracterização física, química e propriedades geomecânicas de seis variedades de pedra natural do arquipélago da Madeira (Ferraz, et al., 1998), que revelaram-se muito importantes para os trabalhos de diagnóstico das cantarias aplicadas na Sé do Funchal. Em 2004, foi feita à EnGeoMad – Planeamento e Gestão de Recursos Naturais pela World Monuments Fund Portugal e à Direção Regional dos Assuntos Culturais da Região Autónoma da Madeira, a apresentação de uma proposta de trabalhos para a realização do levantamento, caracterização e classificação das litologias e das patologias da pedra natural aplicada na Sé do Funchal, tendo em vista a reabilitação e restauro.

Figura 12 – Processos biológicos da alteração da pedra natural (biodegradação). © João Baptista, 2014


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Os resultados dos trabalhos de campo, de gabinete e de laboratório, correspondentes ao Alçado Principal, à Torre Sineira, aos Transeptos, à Nave Principal, à Capela de Nossa Senhora do Amparo, à Capela Mor e à Capela do Santíssimo Sacramento, fazem parte de um dossier técnico, propriedade da World Monuments Fund Portugal e da Direção Regional dos Assuntos Culturais da Região Autónoma da Madeira (Silva et al., 2006). Foram inúmeras as intervenções de restauro verificadas na Sé do Funchal desde a sua construção há 521 anos até à atualidade. O último restauro da cantaria degradada teve lugar em 2016/2017, de acordo com a documentação facultada pela Direcção Regional dos Assuntos Culturais e Diva Freitas (2014). Segundo dados fornecidos pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGMEN), pela Direção Regional de Cultura (DRC), pela Fábrica da Sé do Funchal e por mestres canteiros e pedreiros, nem todas as intervenções foram antecedidas de estudos técnicos/ científicos, não existindo relatórios nem registos fotográficos da maioria das obras realizadas, à exceção dos últimos restauros realizado em 2008 e 2016/2017, nas cantarias do arco exterior do portal e da rosácea da fachada principal e nos vários panos da torre sineira. Segundo a DGEMN e a DRC, a partir de 1948 tiveram lugar diversas intervenções de restauro e conservação das cantarias da Sé para além das referidas, merecendo destaque as seguintes: i) 1948/1949 – Demolição de casa encostada à Torre; Consolidação do cunhal da Torre Sineira que ameaçava ruína e substituição das cantarias; ii) 1956/1961 – Obras de conservação e substituição das cantarias nos exteriores e anexos; iii) 1965/1967 – Pequenos trabalhos de substituição e limpeza de cantarias nas zonas exteriores; iv) 1972/1973 – Diversas obras de reparação e conservação realizadas nas Capelas Lateral Direita e Esquerda e Nave Lateral Esquerda; v) 1986 - Obras de beneficiação e conservação das fachadas da Torre;

vi) 1987 – Conservação dos azulejos do pináculo da Torre; vii) 1999 – Restauro do teto da Capela-Mor, com injeção de resinas nas fendas e entre juntas dos blocos de pedra, seguida de pintura (Silveira, A., 2003); viii) 2004 – Renovação do sistema de canalização das águas pluviais e das coberturas planas da cabeceira; ix) 2007 – Renovação das coberturas; x) 2008 – Estudos realizados sobre a estabilidade da Torre Sineira; xi) 2011 – Preparação do restauro do retábulo; xii) 2016/2017 – Obras de conservação e substituição das cantarias na Torre Sineira. A maioria das intervenções não obedeceu à ética de conservação e restauro da pedra natural que deve ser praticada em edifícios classificados como Monumentos Nacionais (Aires-Barros, 2001), havendo-se substituído géneros ou tipos litológicos por outros totalmente diferentes e, por vezes, até por enchimentos à base de argamassas de cal e areia e/ou mistura de argamassa de cimento, com areia e ocre vermelho (Silva et al., 1999, 2006).

5. Proteção de Pedreiras com interesse para o Património Edificado As atividades humanas relacionadas com a pedra natural do património construído assentam em três pilares fundamentais: 1) O peso económico das atividades extrativa, transformadora e comercial; 2) O valor social, cultural e turístico do património construído; 3) A importância das criações arquiteturais, artísticas e artesanais.


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A fileira da pedra natural compreende uma série de atividades industriais, artesanais e comerciais, todas elas dependentes da acessibilidade ao recurso - pedra natural, situação que tantas vezes entra em conflito com a preservação do ambiente paisagístico e ecológico que é de todos, porque nem os métodos extrativos adotados, nem os trabalhos para recuperação das pedreiras satisfazem tão só os requisitos constantes da legislação aplicável em vigor. Para poder transmitir a gerações futuras o património construído e classificado, que é igualmente de todos, todavia degradável e, consequentemente, perecível, importa que, com equilíbrio e compromisso, se possa aceder à pedra natural essencial para as necessárias intervenções de restauro. Decorrido mais dum século de desenvolvimento industrial, a poluição derivada das atividades industriais tem modificado o ambiente em torno dos monumentos e de outro património construído e, como consequência disso, tem acelerado os processos de degradação da pedra natural nela empregada, particularmente a que está exposta. A pedra, para além das agressões climáticas fica também sujeita a agressões ambientais motivadas por chuvas ácidas, poeiras, gases poluentes, etc. Tendo em conta o envolvimento cultural e económico, que representa o restauro dos monumentos degradados, é indispensável continuar a desenvolver novas investigações no sentido de determinar os métodos e produtos mais adaptados e eficientes para proteção e conservação do património arquitetural, passando pela caracterização da pedra natural empregada. O restauro do património edificado com pedra natural, particularmente o classificado como Monumento Nacional, como é o caso da Sé do Funchal, exige o acesso às pedreiras donde teria sido extraída a pedra originalmente empregada, tantas vezes já descativadas, ou o acesso a pedreiras ou locais onde ocorra pedra semelhante (no que respeita às propriedades físicas, composição mineral, textura, cor e resistência mecânica). É oportuno referir que desde 2011, todas as pedreiras de rocha ornamental do arquipélago da Madeira estão desativas, isto é, sem trabalhos de extração e transformação.

Em regra, tal situação entra em conflito com outras utilizações do solo ou subsolo e com a preservação de outros patrimónios ou do ambiente. Importa, por isso, transpor racionalmente os conflitos entre a preservação dos valores ambientais e a preservação dos valores do património construído. A pedra natural do património edificado, sendo tantas vezes a parte mais visível do mesmo, pertence como outros valores da sociedade a cada um dos seus cidadãos. Assim sendo, a proteção legítima das paisagens não pode estar em conflito com a proteção do património edificado. Por isso, o local que possua a pedra natural original utilizada num monumento classificado deve ser preservado e qualificado de geótopo do monumento (Féraud, 2004). O geótopo representará o substrato do monumento, tal como o biótopo o é, por exemplo, para um determinado vegetal. A identificação o mais fina possível dos materiais de construção, pedra natural incluída, utilizados na construção dum edifício, permite muitas vezes identificar as pedreiras, regra geral já descativadas, de onde a pedra teria sido extraída e que passam a constituir sítios a proteger, de seguir as vias e os meios utilizados para o transporte, de pôr em evidência a escolha judiciosa dos locais e da pedra a substituir. Tal já vai sendo preocupação e prática corrente nalguns países europeus. Na ilha da Madeira do arquipélago da Madeira, onde temos efetuado trabalhos relativos ao restauro do património construído Ferraz et al., (1998), (Silva & Gomes, 1997, 2003) e Silva et al., 1999, 2000, 2006) a pedra natural local tem vindo ao longo dos tempos a ser aplicada profusa e sabiamente em edificações, algumas seculares e classificadas. Gomes (2004) considera ser importante efetuar o levantamento sistemático dos tipos litológicos utilizados (traquibasalto, tefrito, traquito, tufo de lapilli, tufo brecha, brecha piroclástica,…), bem como a identificação dos sítios de onde a pedra desses mesmos tipos teria sido extraída, para que eles possam vir a ser protegidos, de modo a garantir, apropriadamente, as necessárias intervenções de restauro.


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Para cada edificação devem ser elaboradas fichas técnicas contendo as funções, o posicionamento, e as características petrográficas, químicas e físicas relevantes determinadas em cada tipo de pedra natural incorporado na edificação, bem como informação sobre a localização da pedreira, ainda ativa ou já descativada, onde a pedra teria sido extraída, e ainda sobre outros locais da região onde ocorra o mesmo tipo litológico.

Figura 14 – Pedreira onde se fazia extração de cantaria “mole” do Cabo Girão e que foi desativada nos anos 80 do século passado. © João Baptista, 2014

A título de exemplo, a figura 2 mostra a fachada principal da Sé ou Catedral do Funchal onde são evidentes as cantarias de rocha vulcânica nela aplicadas, enquanto as figuras 13 e 14 mostram a pedreira do Cabo Girão, atualmente descativada, geótopo da chamada cantaria mole (tufo de lapilli, tufo brecha e brecha piroclástica) aplicada na referida fachada. Se for de todo em todo inviável proteger os geótopos da edificação, seria interessante, antes de mais, considerar a constituição duma litoteca, onde pelo menos os tipos litológicos mais utilizados no património classificado, em blocos ou em peças dimensionadas, estivessem depositados, classificados e resguardados, de modo a poderem estar disponíveis para serem reutilizáveis em eventuais intervenções de restauro.

A litoteca, seguramente um investimento reprodutivo, também poderia integrar um espaço para depósito de pedra natural de qualidade, aparelhada ou não, proveniente da demolição de edifícios urbanos ou rurais.

Figura 13 – Fajãs das Bebras e dos Anos e a arriba do Cabo Girão. © João Baptista, 2014

No caso de monumentos classificados um restauro bem-sucedido deve ser antecedido de investigações pluridisciplinares nas quais intervenham geólogos, engenheiros, arquitetos, arqueólogos e historiadores. Para além da ocorrência geológica, importará investigar também os processos de extração, os meios de transporte e difusão da pedra, e os modos de conformação, aparelhamento e assentamento. Em jeito de remate, restaurar ou simplesmente preservar um monumento ou uma simples casa necessita duma prévia identificação dos materiais utilizados na sua construção e uma correta utilização dos materiais de substituição a fim de se respeitar o aspeto original da construção. Como refere o artigo 3 da Carta de Veneza (1967): “A conservação e o restauro dos monumentos têm como objetivo salvaguardar tanto a obra de arte como as respetivas evidências históricas”.


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Agradecimentos O autor em representação dos vários investigadores envolvidos nos trabalhos realizados na Sé do Funchal agradece à Fábrica de Extração de Pedra e Brita da Palmeira Lda, na pessoa do seu ex-sócio gerente, Sr. João Manuel Barradas, e à empresa Geocantarias Lda, nas pessoas do Sr. Duarte Martins e do Sr. Victor Martins, pelas informações prestadas e pela preparação e oferta dos provetes de pedra natural utilizados nos estudos realizados. O autor agradece, ainda, à World Monuments Fund – Portugal, à Direção Regional dos Assuntos Culturais da Região Autónoma da Madeira e à Fábrica da Sé do Funchal, o apoio logístico e financeiro prestado, que foi fundamental para concretização dos vários estudos e trabalho técnico científicos realizados. Finalmente, o autor exprime muita satisfação pela oportunidade de cooperação técnico-científica entre o Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro e o antigo Laboratório do Instituto Geológico e Mineiro, São Mamede Infesta, Porto, inserida no quadro de um adequado intercâmbio de competências e de meios laboratoriais.


II PARTE

UM OLHAR SOBRE A OBRA DO PADRE PITA FERREIRA O contributo pastoral do Pe Pita Ferreira (1912-1963) na Diocese do Funchal Contributos do Pe Pita Ferreira para a Histรณria da Arte na Madeira Padre Pita Ferreira, apรณstolo na catequese e na cultura


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O CONTRIBUTO PASTORAL DO P.e PITA FERREIRA (1912-1963) NA DIOCESE DO FUNCHAL CÓNEGO VÍTOR GOMES

O Pe. Manuel Juvenal Pita Ferreira nasceu na freguesia de Câmara de Lobos a 16 de Abril de 1912, tendo falecido a 9 de Outubro de 1963. Era filho de Francisco Ferreira e de Filomena Celeste Pita Ferreira. Fez o curso filosófico e teológico no Seminário da Encarnação, tendo sido ordenado sacerdote a 25 de Agosto de 1935. A 29 de Setembro do mesmo ano foi nomeado Capelão da Sé, escrivão do Juízo Eclesiástico e professor do Seminário. A 5 de Agosto de 1936 passou a exercer o cargo de Secretário interino da Câmara Eclesiástica. Foi também capelão da Capela de Nossa Senhora da Conceição e do Asilo da Mendicidade, desempenhando, a partir de 5 de Abril de 1938, o ministério de coadjutor da Ribeira Brava, sendo, em 26 de Outubro de 1940 transferido para idêntico cargo na freguesia de São Vicente. Um ano depois, a 1 de Setembro de 1941, foi colocado como pároco do Porto Santo onde permaneceu nessas funções até Fevereiro de 1945, altura em que foi nomeado pároco de São Gonçalo. Exerceu também o cargo de membro da Comissão Conservadora do Museu de Arte Sacra da Diocese do Funchal. Foi o inspirador, orientador e até arquiteto de algumas Igrejas madeirenses, sobretudo nas novas Paróquias criadas pelo Bispo D. David. Para além da história, seu tema de predileção, ele interessou-se pela catequese das crianças, para quem editou alguns modelos de catecismos. Graças às qualidades que revelou neste campo, foi nomeado Diretor do Secretariado Diocesano de Catequese, secretariado que iniciou as suas funções em 1960. Entre as obras mais pertinentes do ponto de vista do seu trabalho pastoral destacam-se: Leão XIII e a questão social, conferência de 1941. “A época atual e o ideal vicentino” publicada no Jornal da Madeira


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1 - O amor à terra e a sede de Deus

entre 14 e 21 de dezembro de 1945; A Santa Missa: Diálogo para formar as crianças da catequese no espírito com que hão de assistir ao santo sacrifício da missa, 1955; “A oração dos simples” na Revista das Artes e da história da Madeira nº 16, (1953, pp. 2126); O Natal na Madeira: Estudo folclórico, 1956. A Santa Missa, 1961; Curso de iniciação catequística (3 fascículos) 1962; “A ordem seráfica da Madeira” para a Revista das artes e da história da Madeira, nº 32, (1962, pp. 12-21). A Sé do Funchal, 1963. Fez também, mas sem a publicar, uma recolha de orações populares, um claro testemunho de como estava à escuta da religiosidade popular e do sentido profundo da fé do povo que nos instrui e nos envolve. Em dois cadernos manuscritos, encontrámos também algumas peças de teatro de carácter histórico: S. Isabel. D. Nuno Álvares Pereira e dois textos interessantes que revelam a formação do Pe. Pita Ferreira no Seminário: O meu primeiro discurso, um panegírico da ação do Papa Pio XI e o seu primeiro Sermão sobre a Apresentação de Jesus no Templo.

Num caderno manuscrito do Pe. Pita Ferreira que data dos anos trinta e que contém vários poemas e pequenas peças de teatro, incluindo um primeiro sermão e um primeiro discurso, o Pe. Pita Ferreira justifica logo na primeira página a razão de ser daqueles textos intitulados Ensaios literários: “São pedacinhos da minha alma que passei para este caderno, a fim de poder reviver, nas horas de tédio, os saudosos momentos em que os escrevi” (Manuscrito 1, p. 1). Num primeiro poema de seis versos e várias estrofes, o P. Pita Ferreira deixa perceber o amor à sua terra, Câmara de Lobos, e a saudade a que ele se refere é a da sua casa e do seu lar, nos tempos em que, como seminarista, (o texto data de 1932 e ele só é ordenado em 1935) os seus estudos não permitiam um contato mais frequente com a sua terra natal. O poema a que o P. Pita Ferreira intitula Devaneios, canta a saudade da sua terra (manuscrito 1, pp. 3-4): São saudades desses prados Verdejantes, matizados. Eu gozava de felicidade Nessa quadra de saudade

1 - O amor à terra e a sede de Deus. 2 - A formação no Seminário: O meu primeiro Sermão, o meu primeiro discurso. 3 - A Catequese e os Manuais de iniciação catequética. O secretariado da catequese. 4 - Uma sensibilidade litúrgica. Honrar a grandeza do mistério da salvação. Arquiteto de Igrejas. A defesa do património de arte sacra. 5 - A sensibilidade social a partir do Evangelho 6 - A religiosidade popular como meio de evangelização. Recolha de orações, o Natal na Madeira.

Nessa alvorada ridente Era a terra um paraíso A vida meigo sorriso Andava sempre contente. Num outro texto em que evoca a saída dos pescadores para o mar e que tem como título Quadro camaralobense, ele fala da sua terra, da partida dos pescadores, da saudade dos que ficam, da esperança, da oração confiante para que voltem depois do desafio do mar: E lá vão, deslizando suavemente a caminho do horizonte, onde ao cair da tarde o saudoso alvejar das velas se transforma em chamas de


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oiro que traduzem, quem sabe?... o amor e a saudade que abrasam os corações dos pobres

pessoa e das próprias coisas, o pressentimento de que a eternidade permeia o tempo e torna a memória sempre actual.

pescadores. Em terra, há olhos e corações que seguem as velas de arminho e as esteiras de prata. Nos arredores da praia, as esposas rodeadas pela turba infantil que brinca inconsciente, alongam os olhares e seguem as velas que, ao longe, parecem sorrir, à sombra das quais os maridos partiram à busca do pão de cada dia. Numa pequena peça de teatro, intitulada Dilatando a fé representada na Ribeira Brava em Agosto de 1940 e em que um padre missionário procura catequizar umas crianças índias – o que supõe a cena passada no Brasil – o Pe. Luís, a pedido duma criança, evoca a sua terra com a ternura própria de quem é ilhéu e nós descobrimos a mesma saudade: Eu nasci, além dos mares, numa terra sem igual, onde o céu é sempre azul e os campos estão sempre em festa… Numa terra abençoada, onde os rouxinóis cantam em noites de lua cheia e os arroios murmuram canções que a música não pode traduzir. Terra bendita, que deixei tão longe por Deus e pela pátria, que guarda no seu seio as cinzas dos meus avós e onde rezam por mim os meus irmãos, crianças como vós, e uma santa velhinha a quem tenho a dita de chamar mãe (manuscrito I, p. 71). O Pe Pita Ferreira mostra aqui um traço típico da alma madeirense. A saudade é a marca do infinito, como um apelo de Deus presente no mais fundo de cada

A saudade da origem, por humilde que seja, é, na realidade, a busca permanente das razões de viver e de sentido para a vida. A marca de Deus em nós manifestase numa busca interminável, na inquietação que S. Agostinho sentia quando andava à procura do Deus mais íntimo do que o seu íntimo. Como dizia o Papa Bento XVI, “a sede de infinito está presente no homem de tal forma que não se a pode desenraizar. O homem foi criado para a relação com Deus e tem necessidade dele” (discurso de Bento XVI de 23.09.2011 em Erfurt). Numa pequena peça de teatro que não sabemos se foi realmente apresentada ou se ficou apenas no manuscrito, mas que, em todo o caso, como um conjunto de outras peças, foram escritas para serem apresentadas nas festas da Ribeira Brava em 1940, o Pe. Pita Ferreira referese à importância de ter um ideal. A peça é intitulada precisamente: À busca dum ideal e destina-se aos jovens, uma vez que consiste num diálogo entre dois jovens e um religioso chamado Frei Nuno. Ambos são estudantes mas um deles queixa-se de modo particular duma certa desmotivação na sua vida: “Não sei que peso trago em mim. Tudo me aborrece. Os amigos que outrora me distraíam desgostam-me… os livros enfastiam-me…. Tenho um horror que não posso exprimir ao trabalho. Sinto o coração vazio de amor e de fé. Afinal, anseio por uma felicidade que nunca encontro” (manuscrito II, p. 46). A análise justa do Pe. Pita Ferreira diagnostica um cansaço de viver que é de todos os tempos e pode surgir em qualquer fase da vida. O outro jovem com quem confidencia o estudante indicalhe o gozo da vida de cada dia como resposta a esse cansaço. “Aprende a gozar a vida e deixa-te dessas ladainhas [….] anda para o mundo e nele encontrarás o amor e a felicidade”, diz ele acrescentando que não é preciso preocupar-se com essas inúteis inquietações. O estudante continua, no entanto, insatisfeito: “A mim, diz ele, é exatamente esse vazio, essa sede de alma que me preocupa”. Logo chega Frei Nuno que confirma a validade das suas perguntas: “Bendita hora em que sentiste essa sede de alma. Meu filho, esse vazio é


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causado pela falta dum ideal. Logo que o encontrares serás feliz”. O estudante pergunta: “Que ideal?” E Frei Nuno responde: “Meu filho, a vida humana está cheia de ilusões e o mundo cheio de espinhos. Se deixamos o nosso coração roçar na terra, dilacerase nos espinhos e a amargura entra-nos em casa. Levanta os teus olhos (e aponta para o céu) Para além daquelas estrelas e junto ao seio de Deus encontrarás a felicidade”. O estudante insiste com Frei Nuno: “Por favor indique-me o ideal que devo seguir?” E este responde-lhe: “Ama a Deus que te criou e por quem o Teu coração anseia e a pátria onde pela primeira vez viste a luz do dia”. Os dois jovens agradecem a Frei Nuno porque ambos aprenderam com as suas palavras e assim termina a cena.

É a alma de pastor do Pe. Pita Ferreira, preocupada com a evangelização dos jovens e capaz de perscrutar as crises do coração humano em busca de sentido e plenitude para a vida que se encontra aqui presente. Aliás a expressão teatral com que escreveu várias peças, algumas de cariz histórico, designa uma forma de educar, de inculcar nos jovens numa maneira acessível e, de alguma forma, lúdica acontecimentos fundamentais da vida da nação portuguesa e da vivência da fé. Duas constatações estão presentes nesta peça sobre a busca dum ideal: por um lado, a monotonia da vida, as derivas dum certo tédio de viver que levam à distração e ao divertimento, como já dizia Pascal no século XVII, mas que são maneira de fugir ao vazio da vida, à confrontação consigo mesmo e à culpabilidade pessoal que tritura a consciência. Gozar a vida pode ser precisamente uma fuga às questões fundamentais, o sinal duma certa surdez ao clamor do coração que não encontra nas coisas do mundo plena satisfação. Os ídolos do mundo distraem, mas não saciam e finalmente dececionam. Por outro lado, há uma aspiração interior que não pode ser calada e que, aliás, Frei Nuno dá conta valorizando a inquietação existencial do estudante: “Bendita hora, diz ele, em que sentiste essa sede de alma”. É verdade que muitos fazem tudo para disfarçá-la, para não confrontar-se com ela e não correrem o risco de terem de sair de si mesmos. A busca dum ideal faz-nos sair de nós mesmos,

impulsiona para dar o melhor de si. As sociedades da abundância põem o ideal em crise e tentam calar a sede da alma pelo fascínio dos objetos que, no fim, deixam uma insatisfação muito grande. O estudante pede a Frei Nuno que lhe indique o ideal a seguir e este apontalhe uma meta que está acima do ideal mas também passa por ele: “Ama a Deus que te criou e por quem o Teu coração anseia e a pátria onde pela primeira vez viste a luz do dia”. Feitos à imagem de Deus é por Ele que o nosso coração anseia, como já dizia S. Agostinho e este grito da alma ninguém o pode fazer calar sem pôr em causa a humanidade de cada pessoa. É ele que revigora a confiança e que, paradoxalmente, faz amar a terra em que se vive. O “ama a Deus e a pátria” não é apenas um ideal de patriotismo. Quem ama a Deus não deixa de amar a terra onde vive. É o contrário que acontece. Aprende a amá-la duma maneira não idolátrica, vigilante, atenta às aspirações mais profundas dos homens de cada tempo, crítica das derivas que se insinuam muitas vezes até nas boas intenções. Viver sem ideal é, para o Pe. Pita Ferreira, querer calar a sede de alma. O resultado é o cansaço de viver tão frequente no nosso tempo. Evangelizar é, como diz S. Paulo, “aspirar às coisas do alto” que são também profundamente humanas.

2 - A formação no Seminário: «O meu primeiro discurso», «O meu primeiro Sermão». Num caderno manuscrito a que já fiz referência, junto a diversas peças de teatro e alguns poemas, encontramos dois textos da sua juventude a que o P. Pita Ferreira deu como título, O meu primeiro discurso e O meu primeiro sermão. Estes textos, pelo seu conteúdo e pela sua arte oratória são um exemplo concreto da sua formação no Seminário. Podemos constatar o rigor no método que é certamente um traço do temperamento do Pe. Pita Ferreira e que será bem notório nas suas investigações históricas. Ele segue uma ordem de exposição do assunto anunciada previamente. O seu texto tem uma sequência bastante clara, sem repetições. Este primeiro discurso foi proferido a 11 de Fevereiro de 1934, antes mesmo da sua ordenação sacerdotal, na


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sede da juventude católica do Funchal e na presença do Bispo do Funchal e de outras autoridades, para celebrar os doze anos do pontificado do Papa Pio XI. Trata-se duma apologia do pensamento e da ação do Papa Pio XI como se esperava no aniversário do seu pontificado. O Papa, diz Pita, tem uma personalidade e ação decisivas no seu tempo e em todos os campos da vida humana e social. Ele constata os conflitos do tempo que fazem entrever uma guerra próxima e destaca a missão do Papa: “Fazer reinar a paz no mundo, unificar as nações num só amor, alargar o reino de Cristo”. Para isso, o Papa estudou, orou e agiu segundo a sua missão. No campo do estudo, exerceram notórias influências as suas diversas encíclicas, em especial as encíclicas Quadragesimo anno, Casti conubii e Rerum Ecclesiae, a primeira destas, publicada nos quarenta anos da Encíclica Rerum Novarum, a grande encíclica social de Leão XIII. O Pe. Pita Ferreira descreve a sua importância como “um protesto forte contra o capitalismo materialista, ‘um compadecer-se sobre as multidões’ parecido ao de Jesus, uma carta de defesa em prol dos pobres e oprimidos, dos operários; enfim o caminho seguro que os grandes estadistas têm que trilhar para a solução da crise atual” (manuscrito I, p. 16). Foi um Papa com alma de missionário, pelo seu desejo de dilatar o Reino de Cristo, objeto da encíclica Rerum Ecclesiae, um diplomata pelas diversas concordatas que concluiu e por ter resolvido a questão romana com o Tratado de Latrão. Foi ainda o Papa das canonizações e o Pe. Pita Ferreira cita três exemplos: o Cura d’Ars, D. Bosco, Gabriel Dolorata. É significativa ainda a referência a outros grandes pontífices da história que foram “luz do mundo” e “baluartes da fé”: Leão Magno pela sua resistência à invasão bárbara, Gregório I por ter enviado missionários à Inglaterra, Leão X, pelo seu amor às letras e às artes, Leão XIII, pai dedicado dos operários. O Pe. Pita Ferreira mostra já aqui a sua predileção pela história. Para compreender a fundo a ação de um pontífice é preciso inseri-lo na história mais vasta da Igreja, aonde brilham pela sua ação outros grandes Papas que marcaram a sua época. Ele insiste assim na continuidade da ação da Igreja e na tradição que inspira o pensamento e a ação do Papa.

Enfim, o Pe. Pita mostra que a ação do Papa abrangeu todas as áreas humanas. “Ele deu impulso aos estudos, com as suas encíclicas e instituições, socorreu os milhares de famintos que vagueiam na Rússia vermelha, transformou o Vaticano num museu onde se admiram as grandes invenções modernas e fez refulgir o primado” (manuscrito I, p. 20). Na Pessoa do Papa, o pensamento e a ação da fé cristã tem a ver com tudo o que é humano. Tal é o alcance da sua missão pastoral. Na sequência deste escrito do Pe. Pita Ferreira está um outro do seu tempo de seminário e a que deu o título: O meu primeiro sermão. No final temos a indicação de que este primeiro sermão foi proferido no refeitório do Seminário da Encarnação no mês de Maio de 1933. O tema é a apresentação de Jesus no Templo cuja referência encontramos em S. Lucas (2, 22). O Pe. Pita Ferreira transcreve o versículo do Evangelho em latim. O texto que ele escreve é revelador da sua própria formação de seminário. Ele recorda em primeiro lugar a infidelidade de Adão e Eva e cita o que a tradição chamou o proto-Evangelho, o anúncio da vitória de Deus sobre o mistério do mal representado na serpente do Génesis. Deus sai vitorioso do primeiro pecado e, na sua generosidade, faz a Abraão a promessa duma Aliança e estabelece-a para sempre, apesar das infidelidades de Israel. Depois introduz a referência à purificação de Nossa Senhora e à apresentação no Templo como sinais de obediência de Maria à lei. “De Maria aprendamos a humildade, de Jesus a obediência e do Velho Simeão o amor de Deus” (manuscrito I, p. 26). O Pe. Pita Ferreira segue de uma forma metódica estes três temas sugeridos no início: a humildade de Maria, a obediência de Jesus, o amor a Deus do Velho Simeão. A propósito da humildade profunda de Maria, ele afirma: “Apesar de ser a Mãe de Deus não reconheceu privilégio algum, confundiu-se com as humildes filhas de Israel” e ofereceu o sacrifício prescrito pela lei para a sua purificação, ela que não precisava de purificação porque era sem pecado” (Manuscrito I, p. 28). Aprender a humildade de Maria é deixar as pretensões da glória que passa e ir ao encontro de Deus que dá a verdadeira felicidade.


Caderno manuscrito – Ensaios literários 1932-1940 Coleção particular — Familiares do Pe. Pita Ferreira


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No centro do Evangelho está a obediência de Jesus: “A obediência santifica o homem – diz o Pe. Ferreira – amou-a Jesus, amaram-na os santos e havemos nós de amá-la se quisermos entrar no reino dos Céus” (Manuscrito I, p. 30). “Trémulo, com o coração a transbordar de alegria e de reconhecimento, estreita Jesus ao peito e enquanto as lágrimas ainda palpitantes se desprendem das faces e vão cair sobre o Deus menino, Simeão exclama: «Agora Senhor, segundo a vossa palavra deixareis ir em paz o vosso servo»” (p. 36). Esta atitude de Simeão pode ser a de todo o cristão na celebração da Eucaristia: “Abeiraivos, caros fiéis, da mesa santa; comungai o pão dos anjos, estreitai-o ao vosso peito com os sentimentos do velho Simeão. Contai-lhe as vossas mágoas e ele as abençoará, vos consolará; as vossas alegrias e Ele as abençoará, os vossos desejos e Ele os fecundará com a sua graça” (Man. I, p. 36). Apreciemos a ordem e o método que o Pe. Pita Ferreira guarda quando constrói os seus textos, o que se reflete no seu trabalho de historiador. Ele anuncia os temas a tratar, desenvolve-os e resume-os quando é necessário. A humildade e a obediência que ele encontra no gesto de Simeão inspiram uma forma de ser cristão. Aqui está a sua preocupação de pastor. As disposições de Simeão ao acolher Jesus nos seus braços interpelam todo o cristão que, na Eucaristia, recebe Jesus no coração. Quando as trevas do mundo parecem impor o declínio, Simeão, como todo o cristão digno deste nome, aprende a discernir a luz das nações que brilha e vence as escuridões.

3 — A Catequese — Manuais de iniciação catequética. O secretariado da catequese.

O Pe. Pita Ferreira foi encarregado pelo bispo de então, D. David de criar o primeiro secretariado da catequese. Uma notícia do Jornal da Madeira de 12 de dezembro de 1959 dá conta da primeira reunião com o Bispo do Funchal dos delegados do clero e dos religiosos. No artigo pede-se que os delegados deem resposta a um inquérito que tinha sido lançado sobre a catequese na diocese. Entretanto, nos finais dos anos cinquenta o P. Pita Ferreira compôs um curso de iniciação catequística, a que a sua morte em 1963 veio pôr bruscamente um termo. Este curso de iniciação catequística foi publicado pelo recémcriado Secretariado Diocesano da Catequese em 3 pequenos fascículos: a primeira parte em 1959-1960; a segunda parte em 1960-1961; a terceira parte em 19611962. Como é notório, a sequência desta iniciação catequética dirigida sobretudo aos catequistas, segue um método de exposição claramente definido e apoiase também nos vários volumes do catecismo nacional referenciados no decorrer do texto. O autor define logo na primeira parte o que é a catequese e a missão de ser catequista, assim como a ordem duma lição de catequese: “1º Ideia a infundir, 2º Concretização, 3º Estudo, 4º Sentimentos a despertar; 5º Fórmula, 6º Frase do Evangelho; 7º Prova, 8º Cântico” (Ferreira, 1960). Observa ainda que o catequista deve guardar dez mandamentos: “1º Não dê explicações às crianças, que apenas estejam à altura dos adultos, porque são inúteis; 2º Não empregue palavras, cujo significado as crianças desconheçam. Deve ter presente que elas apenas conhecem cerca de 900 palavras; 3º Não vá à frente das crianças no estudo e sobretudo nas conclusões. Deixe-as pensar; 4º Esforce-se por concretizar dalguma maneira tudo o que é abstrato; 5ºPonha Nosso Senhor Jesus Cristo no centro da sua catequese; 6º Deite mão dos factos e parábolas do Evangelho e não conte às crianças casos e histórias, que elas, um dia, venham a concluir que são falsos; 7º Nunca despreze a fórmula; 8º Aplique sempre que seja possível uma frase do Evangelho à lição que dá; 9º Lute para levar as crianças à prática do que aprenderam; 10º Na prova encontrará o resultado da sua lição” (Ferreira, 1960, p. 11).


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Cada uma das lições tem um tema apresentado com a ajuda de várias referências bíblicas e no fim o que o Pe. Pita Ferreira chama a prova, isto é, várias perguntas feitas ao catequizando que visam assegurar a assimilação do conteúdo. O manual de iniciação catequética contém ainda várias ilustrações que visam a melhor compreensão de cada tema de catequese. No final de cada tema encontra-se uma pequena bibliografia. Seria bom verificar de que modo o conteúdo bibliográfico proposto determina a elaboração do texto. Por exemplo, os dez mandamentos do catequista foram retirados da própria experiência pastoral do Pe. Pita Ferreira ou resultam da sua leitura doutros manuais de catequética?

No final do III fascículo (1962) Ferreira refere-se às diversas partes da Missa que devem ser detalhadas às crianças. Finalmente, revela a importância duma explicação dos diversos tempos litúrgicos aos catequizandos e da simbólica da Igreja enquanto edifício – casa de Deus. Toda a casa de Deus prega-nos a doutrina do Corpo místico de Cristo. Assim, a pia batismal recorda-nos a nossa incorporação em Cristo. A capela-mor prega-nos Cristo que é a nossa cabeça. A Nave, onde todos se juntam sem

Quanto aos conteúdos de fé que são abordados, isto é a doutrina, a primeira parte do curso de iniciação catequética refere-se aos temas da existência de Deus, a sua revelação como Santíssima Trindade e a identidade do Homem como criatura feita à imagem de Deus, consciente e livre, capaz de receber e deixar-se transformar pelo dom divino que é a graça.

olhar a distinção de raças ou sexos, prega-

A segunda parte (Ferreira, 1961) - que é central - apresenta Jesus Cristo centro da história, o seu anúncio pelos profetas e João Batista, as fontes históricas da sua existência, a sua pregação do reino de Deus, a sua Páscoa. São abundantes as referências às passagens do Evangelho, o que mostra já a renovação bíblica da catequese. A finalidade da catequese é dar a conhecer e assimilar o Evangelho. Com o título de Cristo continuado, o Pe. Pita Ferreira começa a falar da Igreja já no final do segundo fascículo do seu curso. Evoca-a segundo os termos, então comuns, de sociedade e de Corpo de Cristo. É, no entanto, no terceiro fascículo que a doutrina sobre a Igreja é desenvolvida. Ela é ao mesmo tempo sociedade e corpo místico de Cristo, mensageira da reconciliação entre Deus e o homem em Cristo. A missão da Igreja é a de incorporar Cristo em cada cristão. Os sacramentos e em especial a Eucaristia assimilam-nos a Cristo. O Pe. Pita Ferreira explica a importância da Eucaristia na vida cristã a apresenta mesmo vários testemunhos da vivência da Eucaristia entre os primeiros cristãos.

na justiça e santidade verdadeira». O púlpito

nos que todos os fiéis são membros do corpo místico de Cristo. O confessionário convidanos a despojarmo-nos do homem velho «para nos revestirmos do homem novo, criado segundo Deus

lembra-nos que a Palavra de Deus ouvida e meditada e posta em prática é alimento para sustentar a vida da graça em nós. A mesa da comunhão recorda-nos que a sagrada Eucaristia é também alimento para sustentar a vida da graça, para que Cristo viva em nós e nós n’Ele. O altar-mor recorda-nos o preço da nossa incorporação em Cristo. As imagens pregamnos a glorificação de Cristo nos seus membros (Ferreira, 1962, p. 49-50). Estas palavras revelam a sensibilidade litúrgica e pastoral do Pe. Pita Ferreira e a finalidade da catequese ligada à prática da vida cristã.


Curso de Iniciação Catequística, 2ª parte 1962 Arquivo Histórico Diocesano do Funchal


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4 — Uma sensibilidade litúrgica. O louvor a Deus, fonte da dignidade humana.

As palavras que acabámos de citar manifestam a sensibilidade litúrgica do Pe. Pita Ferreira e o seu modo de considerar a liturgia, como toda a arte sacra, como um ato de louvor e adoração a Deus. Um exemplo desta sensibilidade é o pequeno livro que publicou com a tradução da missa do latim para o português intitulado: A Santa Missa, 1955 ou ainda A Santa Missa: diálogo para formar as crianças da catequese no espírito com que hão de assistir ao santo sacrifício da missa, 1945. Para além disso, o Pe. Pita Ferreira foi pioneiro na construção das primeiras Igrejas nas paróquias criadas por David em 1960. Lembro-me de ter visto, quando fui pároco de S. Gonçalo, os projetos de arquitetura das Igrejas do Garachico e das Achadas de Gaula mas, se não me engano, o projeto da Igreja de S. Gonçalo tem a sua inspiração. O Pe. Pita Ferreira mostra a sua dedicação à Igreja e à liturgia da Igreja nos seus trabalhos históricos, como é o caso no seu livro de referência sobre a Sé do Funchal (1963). Na introdução ao capítulo sobre a arte sacra da Sé, ele faz referência às “muitas e preciosas peças de ourivesaria sacra que a Sé do Funchal possuiu e possui ainda. Dádivas de reis, de bispos, de confrarias e de fiéis piedosos, constituem ainda hoje um património de altíssimo valor estimativo e artístico” (1963, p. 157). Dando conta no entanto de que muitas das peças de ourivesaria sacra foram fundidas em várias épocas para dar lugar a outras, o Pe. Pita Ferreira sente a necessidade de explicar as razões desta prática para evitar todo o juízo precipitado de muitos contemporâneos, acusando os antigos de falta de sensibilidade artística. Esta defesa duma forma de proceder que na sensibilidade de hoje seria certamente reprovável – hoje restaura-se, não se fundem as peças de ourivesaria sacra para fazer outras – deve entender-se tendo em conta a finalidade

do culto e do louvor a Deus que eram – e devem ser as finalidades primeiras da arte sacra. A Igreja não é um museu mas o espaço do encontro, da adoração e do louvor a Deus. As peças de ourivesaria sacra não foram feitas – diz o Pe. Pita Ferreira – para serem postas “dentro duma vitrina de museu para gozo dos curiosos, que muitas vezes só as apreciam pelo seu valor artístico. Se, para isso, tivessem sido encomendadas e oferecidas à nossa Catedral, é possível que muitas ou quase todas existissem atualmente. Mas as cruzes, as navetas e os turíbulos, os lampadários, os cálices e as caldeirinhas tiveram fim diverso. Foram executadas e oferecidas para o serviço de Deus e eram preciosas apenas porque os seus oferentes assim as desejaram, para em primeiro lugar serem dignas de Deus e, em segundo lugar, aos olhos de quem as apreciasse (…) tendo, portanto, as peças de ourivesaria como fim primário o serviço do culto, não admira que, passados alguns séculos depois da sua execução e oferta, muitas delas se estragassem, estivessem fora de uso e fossem fundidas. (…) Fundir, portanto, nessa época um cálice partido ou um turíbulo estragado não era um crime ou um vandalismo tão grande, como se tal acontecesse agora” (Ferreira, 1963, p. 158). A justificação desta prática de fundição de peças é ditada pela sensibilidade do autor pela liturgia e pelo louvor da glória de Deus que constitui a sua finalidade. O valor artístico não é um fim em si mesmo mas aponta para o fim definitivo que é a glória de Deus. No entanto, continua o Pe. Pita Ferreira (1963, p. 158), “muitas graças demos à Igreja, por ter conservado através dos séculos tantas preciosidades, enquanto os seculares se desfaziam quase por completo das pratas, mobiliário, cerâmica, pinturas e esculturas, que os antepassados lhe legaram”.


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5 — A sensibilidade social a partir do Evangelho

sede do oiro faz com que o homem ande numa luta contínua, titânica com o próximo, peito

O Pe Pita Ferreira compreendeu a sua missão de pastor, tendo em conta a realidade social do seu tempo e a necessidade de ir ao encontro dos mais pobres. Como pároco de S. Gonçalo desde 1945, ele deparou-se com a realidade dum bairro social na sua Paróquia e com as questões sociais, humanas e religiosas que suscitava esta nova implantação dos bairros sociais.

a peito, como inimigo contra inimigo, [que] o individualismo desagrega dia a dia a sociedade, favorece os monopólios e os grandes e destrói os negócios pequenos e particulares, [que] o deus dos materialistas é o dinheiro adquirido de toda a maneira – a religião, o gozo, o luxo,

Num discurso proferido na Assembleia geral das Conferências de S. Vicente de Paulo a 8 de dezembro de 1945 e publicado no Jornal da Madeira a 14 do mesmo mês e nos dias seguintes (15, 16, 18 e 21), o nosso autor tem ocasião de abordar os desafios que os problemas sociais colocam à fé e a forma como lidar com tais desafios. Ele começa por fazer referência ao testemunho de S. Francisco que escolheu a pobreza para estar próximo dos pobres. Referindo-se a uma obra do franciscano Pe. Gemelli, ele observa: O nosso século eivado de materialismo terá de inspirar-se no espírito que animou S. Francisco de Assis, isto é, terá de pôr em prática a doutrina do Evangelho e de realizar os seus desponsórios com a Dama pobreza se quiser encontrar a paz e trilhar o caminho da verdade e da justiça” (Ferreira, 14 dez 1945, p. 2). Na verdade, diz ainda, “a nossa época […] precisa de mais espírito cristão, maior desapego aos bens do mundo, de ser mais caridosa para com os infelizes” (14 dez 1945, p. 2). O Pe. Pita Ferreira escreve no fim da segunda guerra mundial e constata o caos social, a injustiça provocada pela ganância do ter e pelo culto das aparências”. Com efeito, diz ele: O desprezo da velha moral encaminhou o nosso século para o ateísmo, [que] o egoísmo e a

o conforto – o fim da vida é o bem-estar (14 dez 1945, p. 2). Para ele, o mundo melhorará se os homens melhorarem moralmente. Por isso, há necessidade de encontrar a fonte e a luz do Evangelho. “É necessário luz, para que os espíritos encontrem e sigam a senda do bem; caridade, para que os homens deem as mãos uns aos outros e vivam unidos, como irmãos. Onde encontrarão essa luz? No Evangelho, como Francisco de Assis a encontrou, porque só Cristo é caminho, verdade e vida” (Ferreira, 15 dez 1945, p. 1). Trata-se de mostrar a caridade de Cristo e isso só é possível, diz o Pe. Pita Ferreira, “se os homens desposarem a Dona pobreza (…) se possuírem e usarem os bens da terra sem a eles ter apego e se, com o supérfluo desses mesmos bens, minorarem a miséria dos deserdados da sorte” (15 dez 1945, p. 2). Os membros da sociedade de S. Vicente de Paulo a quem se dirige conhecem as múltiplas formas da pobreza material e espiritual na Madeira e o Pe. Pita Ferreira tem a consciência do “muito que se tem feito para melhorar a classe pobre e miserável. Levantaramse escolas, abriram-se creches, albergues, centros de sanidade, patronatos, bairros económicos, organizou-se a assistência” (16 dez 1945, p. 1). No entanto, ele é de opinião que se pensou “mais no animal homem, animal racional. Esqueceu-se que a miséria material é quase sempre uma consequência da miséria espiritual e moral. Esqueceu-se que a miséria espiritual dos nossos dias é maior do que a material” (15 dez 1945, p. 1). Se é bom tudo o que se faz para melhorar as condições materiais da vida dos pobres, não se pode esquecer a educação moral e religiosa. Estas questões levantaram-se


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especialmente com as construções dos primeiros bairros sociais no Funchal. Alguns pensavam que dando habitação aos mais pobres, resolvia-se o problema da pobreza. “Puro engano” diz o Pe. Pita. “No bairro económico, os pobres encontram melhor casa, mas também às vezes encontram um ambiente moral e religioso muito pior do que aquele em que viviam antes” (18 dez 1945, p. 1). Em 1945 havia no Funchal três bairros sociais com um total de 981 pessoas vindas de todas as freguesias da Madeira. O Pe. Pita Ferreira constata que a maior parte dos habitantes dos bairros deixou os seus deveres religiosos. Faltam aí instalações para a catequese e catequistas. Não há escolas nem creches. É grande a miséria moral. Por isso, “os confrades das conferências de S. Vicente de Paulo têm também nos bairros um grande espaço de ação (…) Como veem, todos, a saber: o padre, a professora, a religiosa e o confrade de S. Vicente de Paulo têm uma grande obra a realizar” (18 de dez. 1945, p. 1). O Pe. Pita defende que não importa só construir o bairro económico. É preciso dotá-lo de estruturas para a formação religiosa e humana, capela, escola, assim como de condições sanitárias. Em conclusão apela uma vez mais os membros das Conferências vicentinas a levar, além da esmola, a luz do Evangelho, pão da alma. Resume assim a sua missão: “Moralizar, pois, educar, levar Cristo às almas – o Cristo pobre que prometestes servir e amar e que deveis levar no vosso coração – eis a missão do vicentino”, sem esquecer que já é a de todo o cristão” (18 de dez. 1945, p. 1). A sensibilidade social do Pe. Pita Ferreira vinha do Evangelho. Em nada se deixava influenciar por quaisquer ideologias, às quais podia reconhecer um papel para evidenciar certos problemas sociais mais prementes mas não para os resolver. Para ele, o que conta é o Evangelho e o Evangelho levado à prática. Não basta só falar dos pobres. É preciso estar com eles para ajudar a tirá-los da miséria que não é só material. O espírito de pobreza que S. Francisco escolheu para seguir Jesus é uma proposta feita a cada cristão. Para estar com os pobres é preciso aceitar uma forma sóbria de viver.

6 — A religiosidade popular como meio de evangelização. Recolha de orações, o Natal na Madeira.

O Pe. Pita Ferreira interessava-se também com a religiosidade popular. É a forma como o Evangelho se exprime na vida do nosso povo. Foi esse o clima em que tinha sido educado pelos seus pais, na simplicidade e na profundidade da relação com Cristo. Por isso, não admira que o seu livro, publicado em 1956, com o título: O Natal na Madeira. Estudo folclórico tenha, no exemplar que consultei, a seguinte dedicatória manuscrita: “Aos meus pais. Foi a saudade dos natais passados junto de vós que me levou a escrever este livro, por isso o ofereço com todo o meu coração” S. Gonçalo 25.12.1956. A introdução mostra que o autor deseja escutar a alma do povo nesta época tão festiva como a do Natal na Madeira. Por isso, ele quis que os testemunhos que recolhia e apresentava no seu livro tivessem a marca da oralidade. Ele apela a que o leitor não procure “enredos apaixonantes” ou “estilo burilado”, mas que “encontre encanto nas coisas simples do nosso povo, no seu viver e sentir, nas suas rezas e festas, nas suas cantigas e músicas, nos seus jogos e costumes” (1956, p. 7). Não se pode descrever exteriormente a religiosidade popular. É preciso vivê-la porque ela tem a marca da Encarnação do Filho de Deus. Por isso, para escrever sobre o Natal madeirense, diz o P. Pita Ferreira, “fui primeiramente em romaria, às diversas freguesias da nossa ilha apreciar o ‘modus vivendi’ do nosso povo, durante a quadra de Natal. Depois, entrei na minha própria alma, reli páginas antigas do livro da minha vida, revivi momentos e dias passados e, ditando-me a saudade, escrevi estas páginas. Não minto, se afirmo que as escrevi com o coração a pular” (1956, p. 7). A religiosidade popular sente-se e vive-se. Recorda-se com saudade porque nela se dá uma resposta permanente à pergunta pelo sentido da vida. A religiosidade à


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volta do Natal fala do que move o coração dum povo, lhe dá alegria e esperança para fazer frente aos combates do dia-a-dia.

O Natal tem para o madeirense, sobretudo para o norte da ilha, um encanto especial, único no mundo. Dia de festa em todo o sentido da

A motivação profunda do Pe. Pita Ferreira em nada prejudica o rigor dos dados que coletou por os ter ouvido da boca dos fiéis. Como ele mesmo diz, não constrói enredos mas transcreve o que foi ouvindo: “Os diálogos não são fruto da minha imaginação. Colhi-os, com todo o cuidado, da boca do nosso povo, para que, neste trabalho, tudo fosse verdadeiro” (1956, p. 8). O Pe. Pita Ferreira tem o cuidado de nunca separar a parte religiosa das suas tradições festivas à volta do Natal. A alegria é antes de mais um dom acolhido e vivido com criatividade. Sendo assim, ele adverte o leitor:

palavra, está adornado com costumes e tradições que muito honram o nosso folclore e dão elevação à vida do nosso povo. Profundamente crente, o madeirense não se contentou com celebrar o Natal, reunindo a família em alegre e farta consoada, envergando fato domingueiro, descansando pacatamente em casa das lides quotidianas […] Foi mais além. Deu largas à sua fé e acrescentou, desde tempos recuados, aos ofícios litúrgicos do dia, um folclore cristão,

Não te admires também de que eu estudasse tanto a parte religiosa. O madeirense é crente e, como tal, embalsamou a sua vida com o perfume da sua crença. Se, escrevendo sobre a quadra do Natal, fosse possível separar o profano do

cheio de piedade e beleza que muito honra a ilha e, bem compreendido, a própria fé. O estudo da celebração do Natal em Ponta Delgada, Porto Moniz, Boaventura e Ribeira Brava, deu o seguinte trabalho (1956, p. 133).

religioso, para só tratar daquele, o presente trabalho perderia todo o encanto. Estudando e escrevendo sobre ambos, vê que beleza… Vê como têm colorido as ‘Missas do parto’, a fornada da ‘festa’, a ‘Missa do galo’ e a dos ‘Pastores’, o ‘Jantar de Natal’, o

A devoção ao menino Jesus é o traço fundamental da religião popular. É testemunha este invitatório cantado no Porto Moniz (Ferreira, 1956): Em vós do presépio Ponde olhos de amor Esposo das almas Salvai-nos Senhor

canto dos ‘Reis’ (1956, p. 8).

A fé e a vida não se podem separar. Já era essa a convicção dos primeiros cristãos. A fé dá um dinamismo novo à vida. Abre-a à alegria que vem de dentro e à esperança:

Nascei já, nascei Meu bem, meu menino Nascei já, nascei Amor pequenino


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O ritual da pensação do Menino Jesus na Missa do galo é mais um traço do amor do cristão pelo seu salvador: Uma das coisas que mais impressionava a alma madeirense, ao meditar sobre o nascimento de Jesus, era a extrema pobreza em que nasceu o Filho de Deus: sentimental e crente comovia-se diante da imagem de Jesus, nua e deitada sobre as palhas da manjedoura, e cantava essa pobreza em suas cantigas e rimances (…) Na Madeira, os dias do Natal, com as suas festas e folguedos, são dias passados em união com Deus. Neles, anda bem presente, no espírito de todos, o nascimento de Cristo, a sua pobreza e amor pela humanidade (Ferreira, 1956, p. 205 e 229). No Natal, o povo cristão vive a oferta que Deus faz do seu Filho e responde-lhe com devoção e alegria. O Evangelho fecunda a cultura, eleva-a, como diz o Pe. Pita Ferreira, dá sentido, preenche o vazio do coração e a sua permanente inquietação.

Conclusão

Um dos traços que dominam a alma de pastor do P. Pita Ferreira é o amor à sua terra e à Igreja. A formação que recebeu no Seminário não foi a de historiador mas a que prepara a ser pastor. A predilecção pela história foi em grande parte a de curioso pelas coisas do passado e de autodidacta. Como pastor, o P. Pita Ferreira era sobretudo um educador. Mostram-no as diversas peças de teatro que fez para uso de jovens, na catequese e no escutismo, os seus escritos de iniciação catequética. A história tinha sempre a ver com a fé. Nos seus artigos, como na sua obra sobre a Sé do Funchal, a fé é sempre promotora de história e de cultura. O rigor histórico e o temperamento metódico que o caracterizava nas suas investigações eram interiormente animados pela defesa do património secular da Igreja e a sua transmissão ao longo das gerações. Não bastava registar as evoluções, inventariar o património. Era preciso explicar o sentido que tinha, na medida em que era a marca cristã de cada época. O Pe Pita Ferreira sabe reconhecer a diferença das mentalidades de cada tempo. Aprecia-a ou aponta os seus limites mas evita em todo o caso juízos generalizados que seriam anacrónicos. Sabe respeitar a singularidade dos acontecimentos e das obras, das intenções que presidiram à sua realização. Para ele, o grande desafio era o de transmitir a fé recebida e incorporada numa cultura. É dessa pedagogia pastoral que testemunham os seus escritos sobre a catequese, as suas peças de teatro, as suas recolhas das tradições madeirenses sobre o Natal. A fé não pode ser um acrescento, uma espécie de verniz. Ela deve entrar nas fibras mais profundas da nossa alma, o que acontece por exemplo com a religiosidade popular à volta do Natal madeirense, para renovar a nossa maneira de olhar o presente, para tornar-nos criativos e abrir-nos à esperança.


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Bibliografia Ferreira, M. J. P. (1945). A Santa Missa: Diálogo para formar as crianças da catequese no espírito com que hão de assistir ao Santo Sacrifício da missa. Funchal: s. n. Ferreira, M. J. P. (1945, dezembro 14) A Época atual e o ideal Vicentino. O Jornal, pp.1-2. Ferreira, M. J. P. (1945, dezembro 15) A Época atual e o ideal Vicentino. O Jornal, pp.1-2. Ferreira, M. J. P. (1945, dezembro 16) A Época atual e o ideal Vicentino. O Jornal, pp.1-2. Ferreira, M. J. P. (1945, dezembro 18) A Época atual e o ideal Vicentino. O Jornal, pp.1-2. Ferreira, M. J. P. (1945, dezembro 21) A Época atual e o ideal Vicentino. O Jornal, pp.1-2. Ferreira, M. J. P. (1953). A oração dos Simples. Revista das Artes e da História da Madeira, 16, 21-26. Ferreira, M. J. P. (1955). A Santa Missa. Funchal: s. n. Ferreira, M. J. P. (1956). O Natal na Madeira: Estudo Folclórico. Funchal: Junta Geral do Distrito Autónomo. Ferreira, M. J. P. (1957). O mais belo presente da Primeira Comunhão. Funchal: s. n. Ferreira, M. J. P. (1960). Curso de Iniciação Catequística (volume 1). Funchal: Secretariado Diocesano de Catequese da Diocese do Funchal. Ferreira, M. J. P. (1961). Curso de Iniciação Catequística (volume 2). Funchal: Secretariado Diocesano de Catequese da Diocese do Funchal. Ferreira, M. J. P. (1962). Curso de Iniciação Catequística (volume 3). Funchal: Secretariado Diocesano de Catequese da Diocese do Funchal. Ferreira, M. J. P. (1962). A Ordem Seráfica da Madeira. Revista das Artes e da História da Madeira, 32, 12-21. Ferreira, M. J. P. (1963). A Sé do Funchal. Funchal: Junta Geral do Distrito Autónomo. O Natal na Madeira. Estudo Folclórico 1956 Casa da Cultura de Santa Cruz – Quinta do Revoredo


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CONTRIBUTOS DO P.E PITA FERREIRA PARA A HISTÓRIA DA ARTE NA MADEIRA

O labor de investigação do P.e Pita Ferreira (1912-1963) no campo da história da arte decorreu a partir de 1951, para tomarmos como ponto de partida a data da sua mais antiga publicação nesta área. Foi sobretudo a partir de 1945, durante a sua função de pároco de S. Gonçalo – Funchal, que teve ocasião de aprofundar o interesse pela arte sacra, publicando um artigo acerca da ourivesaria sacra da igreja desta paróquia. Nele chama a atenção para a existência de obras valiosas, mesmo em freguesias pobres

ISABEL SANTA CLARA Inventariar essas peças de ourivesaria, historiá-las, descrevê-las e classificá-las, o melhor que se puder, não é tarefa fácil, pois exige de quem a ela se dedica, muita paciência e tempo para rebuscar arquivos, manusear alfarrábios, visitar os lugares onde se encontram, compará-las, etc., etc. Contudo, a satisfação que se sente com as descobertas que se vai fazendo e com a certeza de que com o seu trabalho desvenda ao público um capítulo novo na história da arte da nossa terra — capítulo em que se exalta a fé dos nossos maiores, o amor a Deus, à Igreja e à arte, que animavam os Irmãos das Confrarias, a dedicação e a piedade de muitos fiéis — já é uma grande recompensa (Ferreira, 1951, p. 11).


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Sentem-se já neste texto, por um lado, os pressupostos que norteavam a sua pesquisa — inventariação, descrição, comparação e classificação com base em trabalho de arquivo — e, por outro, a vontade de divulgação de uma arte vocacionada para o serviço da fé. As suas investigações abrangeram temáticas como o retábulo da capela do Senhor Jesus na Ribeira Brava, a ourivesaria sacra e os ourives, bem como a Sé do Funchal, edifício a que consagrará estudo mais aprofundado (ver bibliografia ativa). As suas Notas para a História da Freguesia de Santa Cruz, ainda que veiculando maioritariamente dados acerca do povoamento e colonização, da construção da igreja, da criação e funcionamento das Confrarias e da Misericórdia, bem como da organização eclesiástica, avançam com informação relevante para a história da arte. Salienta as principais obras de arquitetura, de pintura, de imaginária e de talha, merecendo-lhe especial destaque o convento da Piedade e o turíbulo de Água de Pena. Distingue também importantes figuras da freguesia — João de Freitas, Jordão de Freitas e a família Lomelino (Ferreira 1951-1955). Foi divulgando os seus trabalhos na imprensa local, como a Voz da Madeira, o Jornal da Madeira, a Revista das Artes e da História da Madeira, em artigos avulsos, lançando-se depois numa extensa monografia que constitui a sua obra de fundo. Nela expõe exaustivamente dados sobre a Sé do Funchal (1963) e este livro continua a ser uma obra de referência, embora muito já tenha sido, entretanto, investigado sobre o assunto, à luz de novas perspetivas e de novos dados. Na primeira parte aborda, sempre com apoio documental que transcreve e anexa, a arquitetura e construção, mas também a história da criação da paróquia e da diocese, a relação dos bispos e capitulares ilustres, as confrarias, as festas e acrescenta referências literárias e históricas acerca da catedral. Passa depois aos capítulos sobre arte, que versam a ourivesaria sacra, as pratas da Confraria do Santíssimo Sacramento da Sé, a obra de talha, a pintura, a escultura, a paramentaria, a cerâmica, a serralharia, a marcenaria e a vidraria. Inclui ainda os órgãos e os sinos, bem como as sepulturas existentes na catedral.

As alterações de que foi alvo a talha do retábulo do altar-mor levam-no a sugerir um restauro que só veio a ser efetivado em 2014: Comparada toda esta talha com os dois frisos e rendilhados do andar inferior do retábulo, com a talha do sacrário e do rebordo do sobrecéu, que cobre o altar, avaliamos muito bem a infelicidade da adaptação e ficamos com pena, muita pena, de que tivesse sido adulterada tão preciosa obra de arte. Não poderia a Direcção Geral dos Edifícios e Monumento Nacionais realizar o milagre de fazer voltar à primitiva a talha do retábulo da nossa Sé? Se o fizer, ficar-lhe-emos muito gratos. (Ferreira, 1962, abr. 14). Para além do abundante apoio documental, encontramos em A Sé do Funchal citações de autores que eram, efetivamente, aqueles que, ao tempo, pontuavam na história da arte nacional. São mencionadas as obras de síntese de Reynaldo dos Santos, de João Barreira e de Aarão de Lacerda, bem como as de Albrecht Haupt, sobre arquitetura da Renascença, de Luís Reis-Santos sobre pintura e de Pedro Vitorino acerca das lâminas sepulcrais. O interesse de Pita Ferreira pelo património artístico insular fá-lo expressar, por diversas vezes, a necessidade da sua inventariação e estudo, atitude particularmente explícita no seu artigo acerca de ourives madeirenses: Do valor artístico duma grande parte [das obras de arte] ajuizámos bem nas Exposições de Santa Clara; da sua história, porém, pouco ou nada sabe o público, por que para sabê-lo é necessário consultar alfarrábios, livros de


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tombo, de Confrarias e de Fábricas, testamentos e doações e tudo isto é tarefa espinhosa e maçadora, que rouba tempo e paciência. […] Todas elas fazem, portanto, parte do património artístico do país e da sua história cultural. Por elas ficamos a saber o grau de cultura e a arte das várias épocas. Estudá-las, pois, identificar os seus autores, localizar umas e outros no tempo é uma necessidade, para se poder escrever a história dum país ou duma região. Na Madeira, já alguma coisa se fez nesse sentido. Eu julgo que a maior parte das nossas obras de arte já se encontram catalogadas e

na criação do Museu de Arte no Funchal, inaugurado em 1955, que vem coroar um longo labor de investigação e uma congregação de vontades tanto como da Diocese e das instâncias governamentais como de estudiosos, entre os quais Pita Ferreira, que foi também membro da Comissão Conservadora deste Museu, e Luiz Peter Clode. A obra mais abrangente de P.e Eduardo Nunes Pereira (1887-1976) foi Ilhas de Zargo, onde inclui um capítulo destacado para a arte que constitui uma primeira achega para uma síntese da história da arte na Madeira. Subdivide-o em arquitetura, pintura, arte decorativa, escultura e ourivesaria sacra e profana. À data da sua morte, tinha no prelo uma 4.ª edição desta obra, revista e aumentada. Publicou ainda, entre 1948 e 1971, diversos artigos acerca de estampas devocionais e azulejaria, entre outros, reunidos numa separata da Revista Das Artes e da História da Madeira (Pereira, 1972). O seu arquivo pessoal encontrase devidamente conservado e catalogado no Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira - ABM.

registadas, graças aos esforços do Dr. Manuel de Almeida Zagalo, ilustre Conservador do Palácio da Ajuda e grande amigo da Madeira, do Rev.º P.e Eduardo Clemente Nunes Pereira, do Engenheiro Luís Peter Clode, com quem intimamente colaborei nas Exposições de Ourivesaria e Escultura Religiosas, realizadas em Santa Clara, e de outros. (Ferreira, 1960 pp. 53-54). e de outros.” (Ferreira, 1960 pp. 53-54). Cabe aqui lembrar, sumariamente, o contributo das figuras acima mencionadas para o estudo do nosso património, para termos um panorama da atividade destes intervenientes. Cayola Zagallo (1905?-1970) deixou-nos uma inventariação da pintura dos séculos XV e XVI da Ilha da Madeira, divulgada em diversos artigos e monografias, base de trabalho para a conservação e restauro destas pinturas então dispersas por igrejas e capelas. Desempenhou um papel fulcral

Quanto ao Eng. Luiz Peter Clode (1904-1990), impulsionador do ensino artístico através da Academia de Música e Belas Artes da Madeira e da criação da Sociedade de Concertos da Madeira e da Revista das Artes e da História da Madeira (publicada primeiro como suplemento de O Jornal, em 1948 e 1949 e depois como revista autónoma de 1950 a 1971), teve uma porfiada ação no estudo do património artístico. Foi membro da comissão directiva do Museu Diocesano de Arte Sacra e organizou muitas exposições entre 1949 e 1973, estudando e dando a ver peças não só pertencentes à Diocese, mas também a coleções particulares: lampadários, ourivesaria sacra, esculturas religiosas, porcelana da Companhia das Índias, cobres e latões, cadeiras inglesas, pintura do século XIX, românticos e impressionistas do século XX, bem como obras de Max Römer. Nas exposições de arte religiosa — Ourivesaria Sacra, em 1951, e Esculturas Religiosas, em 1954, o Eng. Luiz Peter Clode encontra no P.e Pita Ferreira um precioso colaborador. O seu rico e diversificado espólio também está disponível no ABM. Ficaram como testemunhos desta parceria os catálogos com textos introdutórios, listagem das peças e algumas fotografias.


Aspetos da Exposição de Ourivesaria Sacra no Convento de Santa Clara 1951 Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira (ABM) – Fundo Luiz Peter Clode

Exposição de Ouriversaria Sacra no Convento de Santa Clara Padre Pita Ferreira junto à Cruz Processional Manuelina Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira (ABM) – Fundo Luiz Peter Clode

Inauguração da exposição de Ourivesaria Sacra 1951 Foto Perestrellos

Capa do catálogo da exposição Ourivesaria Sacra no Convento de Santa 1951


A Exposição de Ourivesaria Sacra em Santa Clara In Revista das Artes e da História da Madeira nº 8 1951 Museu de Arte Sacra do Funchal


Convento de Santa Clara: Exposição de Esculturas Religiosas – Catálogo 1954 Museu de Arte Sacra do Funchal




A Capela do Senhor Jesus e o seu Retรกbulo In Revista das Artes e da Histรณria da Madeira nยบ6 1951 Museu de Arte Sacra do Funchal


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Ainda que não mencionado por P.e Pita Ferreira, é importante lembrar também o contributo de Cabral do Nascimento (1897-1978) para o estudo do nosso património. Foi Director do Arquivo Distrital do Funchal e publicou diversos artigos na revista Arquivo Histórico da Madeira, entre 1933 e 1951, versando assuntos como: a exposição de ourivesaria sacra; a criação e funcionamento da Aula de Desenho e Pintura no Funchal; o pintor Leonardo da Rocha; o Museu de Arte Sacra; os cemitérios do Funchal; o retábulo da Ribeira Brava; a restauração de monumentos; as sepulturas da Sé e outras brasonadas; o Museu de Arte no Funchal; pedras, azulejos e tectos armoriados; prata e ornamentos da Sé do Funchal; recantos artísticos da cidade; tesouro de arte sacra. Deve-selhe ainda o catálogo da exposição Estampas Antigas da Madeira. Paisagem—Costumes—Traje—Edifícios—Marinhas, Funchal, editado pelo Clube Rotário do Funchal em 1935, bem como a edição e tradução do Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal (1853-1854) de Isabella de França que, em 1970, deu a conhecer um fascinante testemunho da vida na ilha em meados do século XIX. Retomando a reflexão acerca do contributo do P.e Pita Ferreira para o conhecimento do nosso património artístico, o seu apreço, plenamente justificado, aliás, pela fidelidade à documentação escrita, levou-o, no entanto, a atribuir erroneamente a Fernão Gomes uma Descida da Cruz, cópia de Van der Weyden, de princípios do século XVI, hoje no Museu de Arte Sacra do Funchal (MASF 43). A tábua veio da matriz da Ribeira Brava, e o testemunho oral do pároco de então dá-a como proveniente da capela do Senhor Jesus. Esta ermida é mencionada por Henrique Henriques de Noronha, em 1822, como do Senhor Bom Jesus (1996, p. 220), no entanto, nem o Elucidário Madeirense nem as notas de Álvaro Rodrigues de Azevedo às Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso mencionam a sua existência. A proveniência da pintura acima mencionada é posta em dúvida por Cayolla Zagallo: “Apesar da informação do pároco da Vila da Ribeira Brava, que dá este quadro como tendo transitado da capela do Bom Jesus,

Descida da Cruz, Nicodemos e Maria Madalena c. 1515-1520 óleo sobre madeira de carvalho painel central 97x77cm, volantes 97x32cm. Arquivo MASF

a data da construção desta em 1581, a estar certa, representa sério obstáculo a que se trate do mesmo tríptico, porque o que se regista neste trabalho, evidencia data anterior àquela” (Zagallo, 1943, p. 74). O outro obstáculo invocado por Zagallo (1934, p. 35) é a discrepância temática entre a Descida da Cruz, cópia de Van der Weyden, e a descrição feita por Alberto Artur Sarmento, em 1930 ou 1931, do painel existente na capela do Senhor Jesus, próximo do sítio do Calvário: “possuia um tríptico, tendo na taboa central Jesus Crucificado e nas laterais N.ª S.ª e St.ª Maria Madalena” (Sarmento, 1953, p.162). Ora o tríptico hoje no MASF apresenta no painel central uma Descida da Cruz, no volante direito Maria Madalena e no volante esquerdo Nicodemos. Parece-nos, pois, que Alberto Artur Sarmento se está a referir a um tríptico entretanto desaparecido e não à tábua do Museu de Arte Sacra do Funchal. A referida tradição oral relativa à proveniência foi aceite pelo P.e Eduardo Nunes Pereira, que ignora as reservas de Cayola Zagallo e dá até por certo ter este autor atribuído a tábua a uma escola portuguesa (Pereira, 1968, pp. 739-740). Respaldado também na informação oral do pároco e, sobretudo, apoiado na documentação que encontrou acerca de uma encomenda feita a Fernão Gomes para a Capela do Senhor Jesus na Ribeira Brava, caso raro nas lacunares fontes


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documentais acerca de encomendas para a ilha da Madeira, o P.e Pita Ferreira publicou um artigo onde a transcreve. A documentação é omissa em relação ao tema do desaparecido retábulo, mas indica autorias: No ano de 1590 já o retábulo estava no altar do Senhor Jesus pois na despeza do ano anterior

se

encontram lançadas as verbas seguintes:

que o compõem, parecem importados dos antigos modelos deste pintor” (Zagallo, 1934, p. 35). O mesmo autor declara que se trata de uma cópia de obra deste pintor datada de inícios do século XVI (Zagallo, 1943, p. 73). A justa referência a Van der Weyden (1400-1464), pertencente à geração dos ditos primitivos flamengos, bem como as objeções quanto à questão da proveniência, bem conhecidas de Pita Ferreira, não pesaram, no entanto, na sua conclusão, pois não hesita em atribuir a Fernão Gomes a cópia de Van der Weyden:

«Levou P.º Mendez, marceneiro morador em Lx.ª de fazer o Retabolo de madeira trinta e sinquo mil Rs.

Nada mais diz o livro acerca da aquisição do

«Levou Fernão Gomez de pintar e dourar o Retabolo

Retábulo. Contudo, pelo que fica dito, podemos

quarenta e quatro mil Rs.

concluir, com toda a certeza, que o tríptico

«Fez de custo de carreto ao navio, quaixoens,

pertenceu à Ermida do Bom Jesus e que foi

embarcuação sinquo mil Rs.

pintado por Fernão Gomes, pintor português,

«De seguro seis mil e trezentos Rs. Segurou-se em

discípulo do flamengo Blockland, que, em

setenta mil Rs.

1594, foi nomeado pintor real por Filipe I de

«De frete de Lx.ª p.ª esta Ilha trezentos mil e

Portugal, em substituição de Cristovão Lopes

quinbentos Rs.

(Ferreira, 1951, p. 22).

«De descarregua e carretos no Funchal trezentos e sessenta Rs. «De frete do Funchal à R.ª Brava quatrocentos Rs. «Dez alqueires de qual p.ª consertar o degrao do altar quatrocentos Rs. «Levou Pascoal de paiva de conserto do degrao do altar e Manoel Miz de assentar o Retabolo mil Rs. «Ao barquo q’os trouxe do Funchal com a su ferrament.ª oitenta Rs. (Ferreira, 1951, p. 21) Cayolla Zagallo afirmara acerca da peça hoje no MASF: “O autor do painél central conheceu, sem dúvida, as obras de Van der Weyden. O arranjo, e as esculpturais figuras

Consoante a referida documentação, o retábulo foi, efetivamente, encomendado para a capela do Senhor Jesus na Ribeira Brava, instituída em 1581 pelo Padre Jorge Afonso, também responsável pela criação da Confraria do Senhor Jesus. Por sua morte, recebeu D. Guiomar de Bettencourt trinta mil reis para dar andamento a este encargo, o que só veio a ser feito em 1588, por mandado do Bispo D. Luis Figueiredo de Lemos. Estava já colocado em 1590 e, com transportes, seguro e demais despesas, custou cerca de cem mil reis, tendo levado o marceneiro Pero Mendes por fazer o retábulo trinta e cinco mil réis, e Fernão Gomes, por pintá-lo e dourá-lo, 34 000 réis. A quantia, que até é modesta para um retábulo de boa mão, foi considerada exagerada por alguns mordomos desta, decerto pequena, Confraria. O marceneiro Pero Mendes, morador em Lisboa, que executou a talha deste retábulo deve ser o mesmo que


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Sousa Viterbo referencia como tendo sido nomeado para o cargo de Mestre dos Reparos do Armazém do Reino, em 28 de abril de 1605 (Viterbo, 1904 , p. 167). Julgamos que o equívoco em relação à atribuição desta cópia de Van de Weyden a Fernão Gomes ficou esclarecido por Dagoberto Markl (Markl, 1973, pp. 66-70) e, mais exaustivamente, por Luiza Clode e Fernando António Baptista Pereira no catálogo da Arte Flamenga do Museu de Arte Sacra do Funchal (Pereira e Clode, 1997, pp. 30-33). Nelson Veríssimo, no entanto, após ter verificado a leitura documental de Pita Ferreira, retomou a interpretação deste (Veríssimo, 1997, pp. 13-14). É significativo refletir sobre esta divergência de opiniões, pois remete para uma questão recorrente e fundamental da história da arte, que é a da conciliação do documento escrito com a observação da obra. Do ponto de vista da história da arte a obra é, em última instância, o principal documento. É altamente improvável que Fernão Gomes tenha executado esta cópia de Van der Weyden para a Madeira, já que não se lhe conhece outro trabalho deste género, que está bem distante, em termos estilísticos, da sua obra — um século de evolução do gosto os separa. Este pintor estava já claramente imbuído de valores maneiristas, que assimilou na sua passagem por Delft, através da aprendizagem com o maneirista italianizado Anthonis Blocklandt. A encomenda para a Ribeira Brava (1588) é posterior a encomendas de vulto em Lisboa, como o retábulo da capela de S. Tiago na igreja de S. Julião, pelo qual o pintor cobrou 110 000 rs. Seguiu-se a empreitada de frescos para o Mosteiro da Anunciada, entretanto desaparecidos, mas de que subsiste um desenho preparatório, O Triunfo da Obediência no Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa (MNAA, inv. 461). Trata-se de um desenho de conteúdo fortemente imbuído da ortodoxia contrarreformista na sua defesa da submissão dos sentidos e da vontade aos valores morais da Fé católica, e representa bem a desenvoltura de traço e de composição que caracterizava o pintor. A encomenda documentada para a capela do Senhor Jesus é de uma fase do seu percurso em que estavam claramente definidas as suas opções estéticas, bem afastadas das que apresenta a arcaizante tábua que lhe foi atribuída. Se comparararmos, por exemplo este

tríptico com a Ascensão de Cristo proveniente do altar da Confraria da Ascensão da Sé do Funchal (MASF48), datável de cerca de 1583 (Serrão, 2017, p.236 e Santa Clara, 2004, pp. 242-246), podemos comprovar as flagrantes divergências: no primeiro a fragilidade das figuras, o tratamento anguloso das vestes, o colorido vivo, a luminosidade predominantemente homogénea, a atenção aos pormenores e à descrição da paisagem de fundos; no segundo, a largueza no traçado das volumosas figuras serpentinatas, cujos traços fisionómicos são bem caraterísticos de Gomes, os panejamentos largos e esvoaçantes, a composição que desvaloriza pormenores cenográficos e acessórios e esvazia a zona central para melhor isolar a figura de Cristo num espaço celestial com fortes contrastes de luz, onde revolteiam os anjos, o jogo cromático com gradações e misturas nuanceadas de cor. Existem na Madeira outras peças atribuídas a Fernão Gomes, ainda que desprovidas de apoio documental escrito, por estarem estilísticamente ligadas à sua oficina: Nossa Senhora dos Remédios (igreja da Quinta Grande), Procissão de Nossa Senhora das Neves (capela das Neves), Assunção e Coroação da Virgem (Convento de Santa Clara), S. Lourenço (capela do Corpo Santo), Aparição de Cristo a S. Pedro (MASF), Lamentação sobre o Corpo de Cristo (igreja de Santa Luzia), Santa Ana, S. Joaquim e a Imaculada Conceição e Padre Eterno (capela da Quinta do Faial) (Santa Clara, 2004, pp. 246-261). O reconhecimento da qualidade do trabalho de Fernão Gomes levou à sua nomeação para o cargo de pintor régio de Filipe I, que se deu em 1594, e a importantes encomendas entre as quais se destacam pinturas para o Mosteiro dos Jerónimos e o teto do Hospital Real de Todos os Santos. A vida de Pita Ferreira não lhe concedeu tempo para desenvolver algumas ideias a que se tinha proposto dar corpo, deixando inacabadas, pelo menos, duas grandes tarefas: uma relação de artistas madeirenses e outra, mais arrojada, que seria uma história da arte na Madeira. Da primeira dá conta num artigo intitulado genericamente “Artistas madeirenses” (Ferreira, 1960, pp. 53-59), que se destinava a ser


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o primeiro de muitos, pois nele Pita Ferreira afirma ter identificado 34 ourives ativos na ilha entre os séculos XVI a XIX, embora apenas refira neste primeiro artigo oito nomes. Da segunda tarefa dá notícia num artigo acerca do cadeirado da Sé onde adianta que este é um estudo inédito que faz parte de um novo livro seu sobre a História da Arte na Madeira (Ferreira, 1962 mai 1). Afirma que o livro está no prelo, mas nunca foi publicado, nem foram localizados os apontamentos que teria já coligido para este fim. Este trabalho, que continua por fazer é, como ele próprio reconhece, uma tarefa para muitos: A história e o estudo da maior parte dessas obras, porém ainda está por fazer. Dalgumas é mesmo impossível fazê-los, em razão da falta de dados e de documentação. Além disso, temos ainda a considerar a vastidão do assunto e os conhecimentos técnicos, que actualmente o trabalho exige. Não é uma tarefa para um, mas para muitos. (Ferreira, 1960, pp. 53-59).

ao público uma lição de arte, mostrando-lhe, ao mesmo tempo, o valor da fé dos nossos antepassados” (Ferreira & Clode, 1954, p. 9). Outro aspeto a sublinhar é o seu sentido estético, que o leva a salientar a importância da qualidade estética para o cabal cumprimento da função devocional: “É sem dúvida uma exposição oportuna e necessária, pois, actualmente, o mau gosto fez da maior parte das nossas imagens religiosas um objecto sem valor, que raras vezes fala à alma e a eleva para Deus” (Ferreira & Clode, 1954, p. 9). É igualmente este sentido estético que se manifesta na sua defesa do papel das exposições e dos museus e no deslumbramento que proporcionam as obras de arte: Isoladas, muitas destas peças são um deslumbramento; agrupadas num museu ou numa esposição, são um sonho. […] Idêntica sensação sentimos ainda hoje, quando, em tarde de inspiração, visitamos o Museu de Arte Sacra do Funchal ou o das Cruzes, para passar algumas horas em companhia das pinturas maravilhosas e da ourivesaria do primeiro e das

As balizas cronológicas da sua investigação vão apenas até meados do século XIX, como ele explicitamente afirma: “No meu estudo ficarei em 1859, deixando, por isso, a outros mais competentes o estudo e a apreciação dos artistas contemporâneos” (Ferreira, 1960, p. 54). Deste período até à atualidade fica, pois, um vasto campo por explorar. Podemos concluir que Pita Ferreira deu, com empenho e rigor, um inestimável contributo para a inventariação, estudo e divulgação do nosso património religioso, o que faz do seu trabalho uma referência obrigatória para os estudiosos deste temas. Sente-se, na sua ação e nos seus escritos, a consciência da inseparabilidade entre o valor patrimonial e o valor devocional da arte sacra, como se pode constatar na seguinte observação: “nela [Exposição de Esculturas Religiosas] serão expostas algumas dezenas de esculturas religiosas de templos e capelas desta ilha, com o fim de dar

peças de mobiliário e de cerâmica do segundo, ou quando entramos com olhos de ver na Sé Catedral, no Colégio, na igreja de S. Pedro e, em digressão pela ilha, entre outras, na Matriz de Santa Cruz e na paroquial de S. Jorge” (Ferreira, 1960, Das Artes e da História da Madeira nº 30, p. 53). A iniciativa do Museu de Arte Sacra do Funchal de associar à celebração dos 500 anos da Dedicação da Sé do Funchal o relembrar da obra do P.e Pita Ferreira e o aprofundamento da reflexão sobre ela, dedicandolhe uma exposição, é justa e oportuna. Teria decerto agradado a este estudioso a conexão de conceitos contida no título da mostra: Fé, Arte e Património.


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Bibliografia Ativa: Ferreira, M. J. P. (1951). A capela do Senhor Jesus e o seu retábulo. Revista das Artes e da História da Madeira, 6, 19-22. Ferreira, M. J. P. (1951). Ourivesaria sacra da igreja de São Gonçalo. Revista das Artes e da História da Madeira, 7, 11-18. Ferreira, M. J. P. (1960). Artistas Madeirenses. Revista das Artes e da História da Madeira, 30, 53-73. Ferreira, M. J. P. (1962, abril 14). A talha do retábulo da Sé do Funchal. Voz da Madeira, p. 3. Ferreira, M. J. P. (1962, maio 1). Da História da Arte da Madeira. Cadeiral da Catedral. Jornal da Madeira, s.p. Ferreira, M. J. P. (1963). A Sé do Funchal. Funchal: Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. Ferreira, M. J. P. & Clode, L. P. (1951). Exposição de Ourivesaria Sacra realizada no Convento de Santa Clara. Relação dos Objetos Expostos [Brochura exposição]. Funchal: s. n. Ferreira, M. J. P. & Clode, L. P. (1951). Património Artístico da Ilha da Madeira: Catálogo Ilustrado da Exposição de Ourivesaria Sacra. Funchal: Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. Ferreira, M. J. P. & Clode, L. P. (1954). Convento de Santa Clara: Exposição de Esculturas Religiosas [Catálogo exposição]. Funchal: Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. Ferreira, M. J. P. (1951-1955). Notas para a história da freguesia de Santa Cruz. Das Artes e da História da Madeira, 1951: II (8), pp.16-21; II (9), pp. 33-37; 1952: II (10), pp. 24-29; II (11), pp. 29-34; II (12), pp. 22-27; III (13), pp. 18-26; 1953: III (14), pp. 31-37; III (15), pp. 14-19; 1954: III (17 e 18), pp. 9-17; 1955: IV (19 e 20), pp.46-57.

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PADRE PITA FERREIRA, APÓSTOLO NA CATEQUESE E NA CULTURA MARIA FAVILA VIEIRA DA CUNHA PAREDES (ARQUIVO REGIONAL E BIBLIOTECA PÚBLICA DA MADEIRA)

BIOGRAFIA Maria Favila Vieira da Cunha Paredes, filha de Fernão Manuel Homem de Gouveia Favila Vieira e de Maria João da Conceição Vieira Pereira da Silva Favila Vieira, nasceu no Funchal (17-02-1960). Casada com o Arquiteto João Carlos Fino Igrejas da Cunha Paredes, projetista de várias das novas igrejas paroquiais construídas na Diocese do Funchal, tem três filhas. Licenciada em Ciências Históricas (1982) e especializada em Ciências Documentais (opção Arquivo), desde 1997 presta apoio técnico ao Arquivo Histórico da Diocese do Funchal – colaboração formalizada entre a Diocese do Funchal e a Direção Regional da Cultura da RAM em 19-04-2017.

RESUMO Este artigo comenta livros e documentos do Padre Pita Ferreira emprestados pelo Arquivo Histórico da Diocese do Funchal para a exposição comemorativa dos 500 anos da dedicação da Sé do Funchal. Nos documentos disponibilizados, procurámos salientar aspetos de interesse e atualidade, bem como tentámos reconstituir alguma parte do “mapa” das influências e interferências espirituais e intelectuais que desaguaram na obra do Pe. Pita Ferreira e a explicam. Assim esperamos ter contribuído para incentivar à (re) leitura dos livros e artigos do Padre Pita Ferreira e a prosseguir a investigação dos temas que ele tratou. Alegramo-nos de participar numa iniciativa que põe em evidência simultaneamente o relevantíssimo contributo cultural da Igreja Católica e o apostolado multiforme do benemérito sacerdote – tão empenhado em ensinar a Doutrina Católica com transparência e rigor no púlpito e na aula de Catequese, como em assinalar o valor divino e a função didática da Arte Sacra.


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1. Retrato

A inclusão de documentos do Arquivo Histórico da Diocese do Funchal em exposição comemorativa dos 500 Anos da Dedicação da Sé do Funchal é bem oportuna, naturalmente porque a efeméride apela a um balanço do devir cumprido – o que pressupõe reconhecer, observar e interrogar factos, pessoas, vivências que constituem marcos e referências do seu tempo e no Tempo, as suas razões e motivações; mas não menos porque o próprio padre Pita Ferreira demonstrou sobejamente a importância de pesquisar, analisar e relacionar documentos credíveis de diversas proveniências para bem interpretar a história, os monumentos e os objetos de arte. Dizia ele, na Introdução à monografia A Sé do Funchal (1963, s.p.) – templo que ele considerava “o monumento de maior valor que a Madeira possui” –, que escrevia para quem desejasse entrar “na alma das coisas” e “na sua razão de ser”. Para contemplar “com olhos de ver” a catedral, dedicada a Nossa Senhora da Assunção, ouçamos a prece de quantos nela rezaram e rezam com fé: Sub tuum praesidium confugimos, o Virgo! Era este movimento íntimo que transportava o padre Pita Ferreira e se manifesta na sua obra, por isso a modelar monografia em apreço é roteiro de consciencioso detalhe, que a par de muitas maravilhas aponta o modesto painel de Nossa Senhora do Amparo (de cuja localização o padre Pita Ferreira aliás discordava) ostentando a sentida invocação que os cristãos têm repetido incansavelmente ao longo de séculos: À tua proteção nos acolhemos, ó Virgem! Cotejar belas peças de arte relacionadas com a catedral funchalense e documentos do espólio do padre Pita Ferreira – uns conservados no Arquivo Diocesano, outros existentes na posse da família do distinto historiador – é uma forma de celebrar a espiritualidade e a história de que os objetos, os documentos e a própria catedral são sinais, ao mesmo tempo que permite evidenciar a função deste património artístico ao serviço da Catequese da Igreja e a inspiração que o Padre Pita Ferreira dele recebeu.

Nascido em 16-4-1912, Manuel Juvenal Pita Ferreira, filho de Francisco Ferreira e de Filomena Celeste Pita Ferreira, ordenou-se a 25 de agosto de 1935. Os testemunhos de quantos lamentaram a sua morte precoce (9 de outubro de 1963), oferecem vislumbres da sua personalidade ornada de muitos talentos, eminentemente simpática e completa, de intelectual, esteta, homem de ação e sobretudo sacerdote imolado à sua missão de pastor de almas. Um seu contemporâneo do Seminário recordava “o seu feitio insofrido”, apressando-se a reconhecer: “a sua laboriosidade intelectual, na busca e pesquisa da verdade, a ânsia sempre renovada de enriquecer o seu espírito sedento, insaciável de mais e melhor, levaram o Padre Pita Ferreira a uma atividade que sempre admirei e ainda hoje me causa admiração” (Abreu, 1966, p. 7). Ainda outro depoimento enaltece as invulgares capacidades de trabalho e determinação do Padre Pita Ferreira: “Há pois que fazer justiça ao trabalhador incansável, ao espírito dinâmico, à vontade férrea do Pe. Pita Ferreira em realizar obra já vultosa em prol da terra onde nasceu” (Diário de Notícias, 1963, p. 5). Cativava pela sinceridade despida de arrogância: “O Padre Pita Ferreira era um sincero … Tinha as suas opiniões, mas era leal, franco e caritativo com quem não dividisse o seu modo de pensar” (Diogeneto, 1963, p. [3]). Apaixonava-o a doutrina do Corpo Místico de Cristo que, como escreveu na nota introdutória do seu Curso de Iniciação Catequística, “foi a doutrina que cristianizou o mundo pagão, e é a única que pode salvar o mundo atual. Nenhuma eleva e dignifica o homem como ela” (Ferreira, 1962, s.p.). Obras e escritos seus tão diversos como A Sé do Funchal, o Curso de Iniciação Catequística ou as pequenas pastas onde conservava os seus apontamentos de pesquisa – ilustram, não obstante a encadernação modesta, a estatura moral do seu autor, “Apóstolo da pena, da arte religiosa e da catequese” (Diogeneto, 1963, p. [3]). Em 26 de agosto de 1966, foi atribuído a uma rua o nome do Pe. Pita Ferreira, em homenagem à sua memória, sendo no mesmo dia igualmente homenageados os prestigiados camaralobenses Dr. Januário Figueira da Silva (médico) e Dr. Eduardo Antonino Pestana (professor e advogado).


Grupo de sacerdotes e bispo, D. António Manuel Pereira Ribeiro, no Seminário da Encarnação, Freguesia de Santa Luzia, Concelho do Funchal, Photographia Vicente 1935-08-10 negativo em vidro ABM, VIC/21495

Curso de Iniciação Catequística — 3ª Parte 1961 Arquivo Histórico Diocesano do Funchal


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2. Construindo na Cidade dos Homens a Cidade de Deus 2.1. Padre Pita Ferreira, Cónego Agostinho Gomes e D. David de Sousa: três rostos da Igreja perante a política Um exemplar de A Sé do Funchal conservado na Biblioteca da Cúria Diocesana é penhor da estima que o Autor nutria por um eclesiástico madeirense de assinalável atividade política e periodística, conforme atesta o autógrafo constante da folha de guarda: “Ao seu amigo Dr. Agostinho Gomes, ilustre Deputado da Nação e Diretor do “Jornal da Madeira” com um abraço oferece o Autor Padre Pita Ferreira” (Ferreira, 1963). Doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, professor do ensino liceal e particular, provedor da Santa Casa da Misericórdia e reitor da igreja do Colégio, vigáriogeral da Diocese (18-01-1971) e diretor do Jornal da Madeira, o Cónego Agostinho Gonçalves Gomes (19121998) foi deputado da Assembleia Nacional pelo círculo do Funchal na VII Legislatura (1957-1961) e na VIII Legislatura (1961-1965). Como tal, pugnou pelo aprofundamento da autonomia administrativa e pelo progresso do arquipélago da Madeira, quer exigindo para este serviços próprios de identificação, quer discutindo alterações à Constituição ou as Contas Gerais do Estado, a cooperação das instituições de previdência e das Casas do Povo na construção de habitações económicas, a reorganização da indústria de Lacticínios da Madeira, a legislação sobre saúde mental, o Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967. Dava aliás continuidade a uma já longa tradição de intervenção eclesiástica na arena política, desde logo do próprio cabido diocesano: “Os membros do cabido da Sé integraram quase sempre as listas concorrentes às várias eleições madeirenses a partir da segunda metade do séc. XIX, como as de 1879, onde foi eleito o Cón. Alfredo César de Oliveira (1840-1908), fundador e diretor do Diário de Notícias, pelo círculo do Funchal, e o Cón. Feliciano João Teixeira (1842-1896), pelo da Ponta do Sol, tendo a Madeira ficado a dever a este último a recuperação da cruz processional da Sé, que estava para integrar o Museu Nacional de Belas Artes. Já nos inícios do séc. XX, uma nova figura do cabido da Sé, onde fora escrivão da câmara eclesiástica, viria

a ter uma larga projeção: o Cón. António Homem de Gouveia (1869-1961), tal como, no Estado Novo, o Cón. Agostinho Gonçalves Gomes” (Carita, 2016)1 .

Recordar a amizade do padre Pita Ferreira e do cónego Agostinho Gomes traz à mente a delicada questão da intervenção dos católicos (nomeadamente padres) na política, como pano de fundo do respetivo aporte na Igreja do seu tempo. Nascidos com escassos dias de diferença, ambos iniciaram o seu ministério sacerdotal num meio permeado por diversas expressões Nacionalistas, entre 1928 e 1936”. Emanuel Janes constatou a existência nessa época de tensões entre católicos madeirenses, em razão da vinda para esta ilha do movimento nacional-sindicalista, e refere que perante a “acesa polémica alimentada no órgão da Diocese do Funchal, O Jornal, e ridicularizada pel’O Povo e pelo Re-nhau-nhau”, o advogado Fernão Favila Vieira, que se demitira da Comissão Distrital do Funchal da União Nacional para dirigir o referido movimento, em 1933, esclareceu: O Nacional-Sindicalismo é nosso, porque é nacional, é estruturalmente português. E há nele uma característica inconfundível, mais do que o Fascismo que tem a sua ponta de paganismo; - mais do que o Hitlerismo – que é bastante luterano – o NacionalSindicalismo, bebendo religiosamente as suas energias na história do nosso povo, que é católico, tem em si e nas suas intenções, como não podia deixar de ser, o espírito da moral cristã que os outros movimentos por vezes esquecem. Somos latinos de sangue, mas portugueses pela filiação e pelo ideário. E isso basta para que não nos possam confundir, senão exteriormente, com os fascistas e os hitlerianos (Vieira, cit. por Janes, pp. 183-184).

1 Não cabe aqui, a propósito da amizade que ligava o cónego Agostinho Gonçalves Gomes e o padre Pita Ferreira, detalhar a ação política do primeiro, e muito menos as cambiantes, opções e resultados do envolvimento eclesiástico no processo de construção/ restauração/ reforma da ordem económica e social portuguesa, entre o bom combate de D. Manuel Agostinho Barreto, bispo do Funchal (1877-1911) e o de D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto (19521982). Apenas assinalar que em tantos e diversos tempos e lugares a atuação política dos católicos (nomeadamente de sacerdotes católicos) em defesa da Igreja almejou em última instância preservar, na expressão do bispo de Coimbra D. Manuel de Bastos Pina, a “… influência social com que ela poderá produzir a felicidade comum e concorrer para a prosperidade da Pátria” (cit. por Cruz, 2001, p. 382). No filme O Leopardo, o jesuíta padre Pirrone, em diálogo com o príncipe Fabrizio di Salina denuncia o conluio de interesses e grupos antagónicos para fazer a Revolução à custa da Igreja: “Porque é evidente que todos os nossos bens, que são património dos pobres, serão roubados e depois divididos entre os novos chefes mais desavergonhados. E depois? Quem matará a fome dos infelizes que hoje a Igreja sustenta e guia? Como poderemos aplacar aquelas massas desesperadas?… Nosso Senhor curava os cegos de corpo, mas os cegos de espírito, para onde irão?”. Fonte comum onde beberam eclesiásticos e leigos militantes na política, tal como o fizeram o cónego Agostinho Gomes e os capitulares seus antecessores, a Doutrina Social da Igreja reúne “o conjunto dos ensinamentos contidos na doutrina da Igreja Católica e no Magistério da Igreja Católica constante de numerosas encíclicas e pronunciamentos dos papas inseridos na tradição multissecular, e que tem as suas origens nos primórdios do cristianismo. Tem por finalidade fixar princípios, critérios e diretrizes gerais a respeito da organização social e política dos povos e das nações. É um convite à ação. A (sua) finalidade é “levar os homens a corresponderem, com o auxílio também da reflexão social e das ciências humanas, à sua vocação de construtores da sociedade terrena”” (Economia e Fé, 2013).


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Acrescenta que se (a Igreja) condenar o NacionalSindicalismo, aceitará essa condenação: “não serei eu católico, apostólico, romano, que se levante contra a opinião expressa e autorizada”. E (…) sublinhava: “SEMPRE SUBORDINEI AS MINHAS CONVICÇÕES POLÍTICAS AO MEU CREDO RELIGIOSO. Como deixei de assinar e subscrever a Ação Francesa abandonarei então o Nacional-Sindicalismo” (Janes, 1997, pp. 183-184). Pita Ferreira e Agostinho Gomes viram evoluir o ambiente intelectual e social português sob o regime salazarista, tal como Manuel Braga da Cruz descreve: A grande maioria dos católicos aderiu ao salazarismo, e a maioria dos políticos católicos à União Nacional, numa clara tentativa de conformar as estruturas e as instituições do novo regime à doutrina e ao espírito cristão (…) Com o tempo, porém, a deceção e o descontentamento foram minando o apoio dos católicos a Salazar. No final da Segunda Guerra Mundial, o aparecimento de grandes partidos democratas-cristãos onde os autoritarismos foram derrotados, apoiados pela rádio-mensagem de Pio XII do Natal de 1944, suscitaria também em Portugal renovados entusiasmos pela ideia da democracia cristã (…) E, ao longo da década de 50, a ideia de um partido democrata-cristão foi agitada, não só entre católicos, sobretudo entre organismos da Ação Católica, mas até na opinião pública. A repressão soviética da revolta na Hungria, em 1956, (…) a reivindicação da liberdade para a “Igreja do silêncio” (…) a atuação da polícia política do regime e da censura, por um lado, e o agravamento de alguns problemas sociais, por outro, motivavam desejos de demarcação e

de intervenção (…) acompanhados pela crescente vontade de participação política. Por isso alguns católicos apoiaram a candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República, em 1958, na sequência da qual, em carta dirigida a Salazar (…) e que lhe valeria o exílio, o bispo do Porto perguntava se tinha o Estado objeções a que a Igreja ensine livremente a sua doutrina social, e a que os católicos definam um programa político, e se dotem de uma organização política para se apresentarem em próximas eleições com candidatos próprios. Foi na sequência deste “caso do bispo do Porto” que algumas candidaturas de católicos em listas de oposição se apresentaram em 1961 (…) e que um grupo de católicos, cada vez mais numeroso, se começou a pronunciar politicamente, sobretudo por ocasião de atos eleitorais, mas sem vir a constituir qualquer organização política própria (Cruz, 2001, p. 384). Os primeiros anos da carreira dos padres Pita Ferreira e Agostinho Gomes foram marcados pela assinatura da Concordata e do Acordo Missionário (1940), que “permitiu repor “todos os direitos e privilégios que a Igreja possuía” (artigos I-VIII), incluindo o reconhecimento da “propriedade dos bens que anteriormente lhe pertenciam e estavam ainda “na posse do Estado” (artigo VI), bem como garantir “todas as liberdades no exercício do culto, isentando os sacerdotes de qualquer tipo de impostos, nomeação ou mobilização (artigos XI-XVII)”. A concordata marcou o auge das boas relações da hierarquia da Igreja Católica e o regime do Estado Novo (…) permitiu a reabertura dos seminários, a implementação da Ação Católica, a criação dos instrumentos para a Catequese e ação pastoral da Igreja como também a missão no Ultramar”


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(Sousa, 2015, pp. 9-10). Os padres Pita Ferreira e Agostinho Gomes vivenciaram o clima de apaziguamento nas relações externas e na administração interna, participaram do consenso nacional que o Estado Novo quis promover: “Nascemos já como nação independente no seio do Catolicismo; acolher-se à proteção da Igreja foi sem dúvida ato de alcance político, mas alicerçado no sentimento popular. Tem havido através da história incidentes e lutas entre os reis e os bispos, os governos e o clero, o Estado e a Cúria, nunca entre a Nação e a Igreja; quer dizer: lutas de interesses temporais ou de influências e paixões políticas, nunca rebelião da consciência contra a fé. Não há em toda a história apostasia coletiva da Nação nem conflitos religiosos que dividissem espiritualmente os portugueses. Com maior ou menor fervor, cultura mais ou menos vasta e profunda, maior ou menor esplendor do culto, podemos apresentar perante o mundo, ao lado da identidade de fronteiras históricas, o exemplo raro da identidade religiosa: benefício extraordinário em cuja consecução se empenhou uma política previdente” (Oliveira Salazar, cit. por Oliveira, 1968, nota introdutória). Cada qual segundo os seus dons e talentos, os dois sacerdotes amigos cooperaram na concretização do “plano de atualização” da diocese gizado por D. David de Sousa – bispo do Funchal (19571965) e padre conciliar – que o Pe. Pita Ferreira homenageou dedicando-lhe A Sé do Funchal. Pouco mais velho que o Cónego Agostinho Gomes e o Padre Pita Ferreira, D. David de Sousa, nascido a 25 de setembro de 1957, ocupou a cátedra episcopal do Funchal bastante novo (aos 46 anos) – proximidade que terá avivado nos três homens a chama comum do ímpeto reformador que D. David desejou imprimir ao seu episcopado, dado o estado da diocese:

paroquialidade, da densidade populacional, da formação cristã, entre outras (Boletim de Informação Pastoral setembro-outubro 1962, cit. por Sousa, p. 19). O Cónego Agostinho Gomes teve intervenção direta em dois importantes teatros de poder, quer levando à Assembleia Nacional (ao longo de dez anos) a visão cristã da condução dos assuntos públicos e o conhecimento próximo que a Igreja tinha da alma e do quotidiano dos madeirenses, quer como diretor de jornal concorrendo para a sua formação cultural e cívica, para a evangelização da opinião pública.

A grande renovação do Jornal da Madeira vai acontecer meses antes da chegada de D. Frei David de Sousa à diocese do Funchal (...) começa com o Padre Agostinho Jardim Gonçalves que em Agosto de 1957 é nomeado chefe de redação do Jornal. Em Dezembro de 1957 (…) D. Frei David (…) «tomou uma atitude em relação ao Jornal da Madeira: mudar o diretor e atrair leigos. Era um primeiro passo de encontro ao objetivo traçado escassos quatro anos depois, com o Papa João XXIII e o aggiornamento: a reforma da liturgia, a defesa da liberdade religiosa, o favorecimento do ecumenismo

A Igreja funchalense no início da década de

e do apostolado dos leigos. Objetivos que

50 confronta-se com inúmeros problemas que

conheceriam resultados práticos com Paquete de

derivam em muito do ambiente social e político

Oliveira, quando assume a chefia de redação

que se vivia. D. Frei David de Sousa vai

do jornal, em 1960, na altura dirigido por

herdar uma pesada herança de D. António Manuel

Agostinho Gonçalves Gomes». Segundo testemunha

Pereira Ribeiro, nomeadamente a problemática

Paquete de Oliveira, o bispo D. Frei David de

das vocações e dos seminários, da pobreza, da

Sousa reformou o Jornal da Madeira promovendo o


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apetrechamento técnico e tecnológico; muniu o jornal com novas máquinas de composição gráfica linotypes e de impressão (…) facilitou o ritmo de alteração de conteúdo iniciado pelo padre Jardim Gonçalves a que Paquete de Oliveira deu continuidade” (Sousa, 2015, pp. 111-112).

2.2. O bom combate de D. António Ferreira Gomes e de D. David de Sousa Os padres Agostinho Gomes e Pita Ferreira puderam testemunhar, desde o íntimo das almas, a evolução no juízo que os portugueses formavam da situação e avaliar a angústia expressa, na carta de D. António Ferreira Gomes a Salazar, face às fissuras que se multiplicavam nesse cimento patriótico – a antiga coesão espiritual: “Está-se perdendo a causa da Igreja na alma do povo, dos operários e da juventude; se esta se perde, que podemos esperar nós da sorte da Nação?” (Gomes, 1958, s.p.). O bispo do Porto assumiu só o ónus da sua iniciativa: A fim de que o episcopado português seja inteiramente livre de aceitar ou repudiar estes atos e quaisquer consequências, resolvi não ouvir qualquer dos bispos responsáveis por as nossas dioceses, a quem apenas post factum comunicarei o caso. Nem sequer falei a Sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarca, pela mesma razão e por me parecer que a Sua Eminência pertence a última palavra que moralmente compromete a Igreja portuguesa, e normalmente não a primeira, que responde ao estado de consciência e às circunstâncias de cada um na sua esfera de responsabilidades” (Gomes, 1958, s.p.).

Porém a tomada de posição do prelado portuense sinalizou clamorosamente e logo no seio da elite católica uma divisão e um ponto de viragem nas relações com o Estado Novo, tanto mais acentuado quanto se estribava em evidências: “pela sua atualidade, permito-me juntar cópia de alguns documentos relativos aos Centros paroquiais de Assistências e formação social, que deixam ao menos ver como os erros aqui denunciados não ficam no domínio do abstrato” (Gomes, 1958, s.p.). Afirmava uma vontade de demarcação fundada na certeza de que a desafeição à Igreja provinha do comprometimento desta com o Estado corporativo – supostamente incapaz de assegurar “a máxima promoção humana (do operariado) e permitir o progresso dum autêntico, são e autodirigido sindicalismo, em ordem à integração social, progressiva e voluntária”, hostil à “liberdade de formação da opinião pública” e à “possibilidade de chamar o povo à consciência da sua idoneidade para a condução da coisa comum” (Gomes, 1958, s.p.). Propondo ao Presidente do Conselho a possibilidade de participação política dos católicos, a formar na doutrina social da Igreja e na consciência dos problemas nacionais, rejeitando “as águas mansas e falazes de uma paz exterior” (Gomes, 1958, s.p.), D. António Ferreira Gomes revisitava a inspiração democrata-cristã e as tensões políticas das últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX; predispunha-se a romper os laços fragilizados da unidade de espírito nacional. Bem diferentes eram a personalidade e a atitude de D. David de Sousa; prelado moderno, entendia e valorizava o potencial dos meios de comunicação social. Era porém, segundo o Pe. Agostinho Jardim Gonçalves, “um bispo prudente e discreto, mesmo quando (…) reconhecendo que nem tudo estava bem (…) as poucas referências que lhe ouvi foram de cautela e defesa do regime vigente, atitude coerente com as suas convicções. Mas (…) em momento algum o vi tomar qualquer atitude que significasse um enfeudamento público da Igreja ao Estado” (Sousa, 2015, p. 146). Já o padre Pita Ferreira, arredado das ribaltas da política e da Boa Imprensa, campo de ação do deputado cónego Agostinho Gomes, entregou-se de corpo e alma à obra de fundo que era a formação catequética e cultural do povo diocesano no âmbito do projeto reformador de D. David de Sousa – “um plano de atualização da própria diocese que se iniciaria mesmo antes do (…) segundo concílio ecuménico do Vaticano” (Sousa, 2015, p. 32). Tratava-se de edificar, no segredo dos corações, “uma Diocese sempre renovada,


3. Apóstolo da Catequese com D. David de Sousa disciplinada e vitalizada” (Sousa, 1957, p. 12). Para tanto, D. David contava sobretudo com o clero: Manifestou especial empenho em valorizar os Movimentos de leigos da diocese em termos que o Vaticano II viria a confirmar. Mas (…) algumas das suas decisões deixavam entender que a sua confiança ia predominantemente para a clerezia substituindo leigos por padres, em funções que encontrara já confiadas a leigos. A título de exemplo os cargos de diretor e administrador do Jornal da Madeira, o ecónomo da diocese e a formação de sacerdotes para docentes de ciências civis, com grau superior, na ideia de que o seminário não precisasse de socorrer-se, mais tarde, de leigos conhecedores dessas matérias. Ter padres, bastantes e bem preparados foi uma das preocupações maiores de D. David” (Pe. Agostinho Jardim Gonçalves, cit. por Sousa, 2015, p. 144). Outro depoimento confirma: “Os colaboradores de D. David eram padres. Não me recordo de ter visto leigos, com frequência, à sua volta” (Pe. Rafael Andrade, cit. por Sousa, 2015, p. 151). Era natural que o padre Pita Ferreira, pelas suas qualidades e experiência (ordenara-se em 1935 tal como o cónego Agostinho Gomes), se fizesse notado entre esse “clero bem formado (que) tinha ideias e … queria progredir” (cit. por Sousa, 2015, p. 137), mas não é nomeado, nas entrevistas citadas, pelo hoje bispo emérito do Funchal D. Teodoro de Faria, pelos padres Agostinho Jardim Gonçalves e Rafael Andrade – talvez por serem então bem mais novos (os dois primeiros tinham-se ordenado em 1956 e o último em 1959) e terem deixado o Funchal no início do episcopado de D. David. O Padre Rafael Andrade recorda sobretudo que “D. David deu grande impulso à catequese, às visitas pastorais realizadas regularmente, às pregações quaresmais, aos retiros” (Sousa, 2015, p. 150).

3.1. Christus urget nos O P. Agostinho Jardim Gonçalves lembra que ao assumir a mitra funchalense em 1957, D. David de Sousa gerou uma “onda de curiosidade positiva do clero em geral e da sociedade madeirense, cansada da rotina em que a igreja madeirense há muito se instalara” (cit. por Sousa, 2015, pp. 131-132). Já para D. Teodoro de Faria, esta “era uma diocese que tinha bastante vida, tinha uma Ação Católica extraordinária, (…) cursos de cristandade (…) Não era uma diocese em decadência (…o) laicado (…) era muito importante (…) D. David quando chegou cá tinha uma diocese muitíssimo viva “, cujo clero “era um clero bem formado (…) tinha ideias e (…) queria progredir” (cit. por Sousa, 2015, pp. 131-132 e 137). Ainda novo, sem experiência anterior de administração episcopal, D. David não apresentou um programa pastoral estruturado, antes “os seus planos se foram revelando no seu trabalho apostólico, continuado e tenaz” (Sousa, 2015, p. 142). Anunciou que o propósito do seu episcopado seria a “reconquista da vida cristã individual, familiar e social” (Sousa, 1957, p. 14). Determinado a preceder e a amparar os seus diocesanos na imitação de Cristo, exortou reiteradamente à santidade seguindo esse Modelo Divino: “… na vida coletiva e na vida privada, nos pensamentos e nas obras. Santificai-vos, interior e exteriormente. Transformai-vos em Cristo” (Sousa, 1957, p. 13). A santificação era o programa por excelência, a solução para as interrogações e anseios que surgiam também na Igreja do Funchal como sinal e alimento de um novo espirito que a seu tempo originaria o que D. David descreveria como “o purificador, renovador e transfigurante Pentecostes de 1962, 1963, 1964 e 1965, que foi o Concilio Vaticano II” (Sousa, 1966, p. 8). D. David afirmava desconhecer (…) as opiniões, sentenças, conselhos e votos dos excelentíssimos bispos e prelados acerca das coisas que devem ser tratadas no Concilio Ecuménico (…) a Diocese está a grande distância das grandes cidades quer da Europa, quer da África, quer da América. Trata-se (…) de uma ilha perdida no meio do mar (cit. por Sousa, 2015, pp. 127-128).

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Mas as propostas da diocese do Funchal para o Concílio, por ele apresentadas (27-08-1959) revelam consciência dos sinais dos tempos e a ambição de “profunda restauração e reforma da Igreja Católica, tanto no corpo como na alma”, bem como de “uma participação viva” (Sousa, 2015, pp. 127-128) dos fiéis pela intensificação da sua vida sacramental. Alma de pastor e de missionário em quem o bom prelado se podia rever, o Pe. Pita Ferreira foi por ele encarregado de atualizar e vivificar a Catequese na diocese funchalense. Um e outro estariam a par das inquietações e polémicas que agitaram a Igreja Católica na década de 1950 e de que é exemplo a comunicação de George W. Shea na 12ª Convenção da Catholic Theological Society of America (Philadelphia, Pennsylvania, Junho 24-26, 1957), sobre as relações entre a Sagrada Teologia e o Magistério da Igreja2. Quanto à progressão da reflexão teológica, importa salientar o que estava em debate, na Igreja, no tempo em que D. David de Sousa (bispo e padre conciliar), e o Pe. Pita Ferreira (Secretário Diocesano da Catequese) cumpriam a sua missão evangelizadora. Discutia-se, como explicou Emmanuel Bohler, a problemática da transmissão da verdade revelada por Deus, em resposta às tendências de questionamento da cientificidade da Escritura e de contestação do Magistério enquanto lugar de transmissão atual da mesma Revelação divina. Estava em causa o que João XXIII diria ser uma questão gravíssima, determinante para a salvação do homem: “la RÉVÉLATION. Ce qu’elle est, et son rapport avec la raison humaine” (Bohler, 2012, s.p.). Para E. Bohler, não existia oposição de fundo entre os dois papas a respeito do tema, apenas divergências de método e de perspetiva; se Pio XII “travara” os jovens representantes da “nova teologia”, João XXIII desejava que o concilio reafirmasse a doutrina da verdade revelada (Bohler, 2012), mas o seu temperamento conciliador e otimista fê-lo interpretar os sintomas de crise intelectual e moral que, tal como o seu antecessor, reconhecia, como sinais da necessidade para a Igreja de adotar uma nova pedagogia: O que mais importa ao Concílio Ecumênico é (…) que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz (…)

2 Comentando vários documentos do papa Pio XII, o então presidente (19561957) da CTSA enfatizara o predomínio do Magistério, mandatado por Cristo para dar a conhecer aos homens a verdade revelada, bem como a natureza eclesiástica da Sagrada Teologia, cujos princípios objetivos e objeto próprio são os dogmas – verdades reveladas propostas como tais pelo Magistério. Reafirmando a lealdade da CTSA ao Santo Padre, admitira a existência de tensões em torno da autoridade da e na Igreja para o anúncio da Revelação Divina, a crescente irreverência e insubmissão relativamente ao Sagrado Magistério; apontara na rejeição deste Magistério vivo, constituído por Deus e beneficiando da Sua assistência, a razão decisiva da impossibilidade de florescimento da teologia genuína entre os não católicos. A asserção do predomínio do Magistério estará implícita no esquema De fontibus revelationis debatido em Vaticano II pelos padres conciliares – controvérsia esta de que resultará, por intervenção direta do papa Joao XXIII, a constituição Dei verbum, claramente distante da conceção explicitada por Shea. Sendo um dos quatro documentos que, no âmbito de Vaticano II, define o que os católicos devem celebrar e acreditar, ela reformula a relação entre a sagrada Tradição e a Sagrada Escritura bem como de uma e outra com a Igreja e com o Magistério eclesiástico; reconhece a este o exclusivo da interpretação autêntica da Palavra de Deus e um poder que é serviço: “o encargo de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou contida na Tradição foi confiado só ao magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo. Este magistério não está acima da palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado” (Paulo VI, 1965, cap. II, § 9 e 10), afirmando a equipendência da Escritura, da Tradição e do Magistério: “É claro, portanto, que a sagrada Tradição, a sagrada Escritura e o magistério da Igreja, segundo o sapientíssimo desígnio de Deus, de tal maneira se unem e se associam que um sem os outros não se mantém, e todos juntos, cada um a seu modo, sob a ação do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas” (Paulo VI, 1965, cap. II, § 10).

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da renovada, serena e tranquila adesão a todo o ensino da Igreja, na sua integridade e exatidão, como ainda brilha nas Atas Conciliares desde Trento até ao Vaticano I, o espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro espera um progresso na penetração doutrinal e na formação das consciências; é necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo. Uma coisa é a substância do «depositum fidei», isto é, as verdades contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando-lhes, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance (João XXIII, 1962, cap. V e cap. VI).

3.2. Convidados a percorrer trilhos de santidade O desafio de harmonizar fidelidade à integridade e exatidão de uma doutrina certa e imutável com progresso na penetração doutrinal e na formação das consciências de tal modo excede a atualização da formulação das verdades da doutrina para o anúncio mais eficaz destas, que só pode ser superado pela santificação da Igreja e dos seus membros, vivendo estes de olhos postos em Cristo sempre a brilhar no centro da história e da vida; os homens ou estão com ele e com a sua Igreja, e então gozam da luz, da bondade, da ordem e da paz; ou estão sem ele, ou contra ele, e deliberadamente contra a sua Igreja: tornamse motivo de confusão, causando aspereza nas relações humanas, e perigos contínuos de guerras fratricidas (João XXIII, 1962, cap. II, § 5).


160

O Papa todos convocava à santidade: Todos os homens, tanto considerados

3.3 Documentos da reforma da Catequese diocesana em 1959-1962

individualmente como reunidos em sociedade, têm

3.3.1. O espírito de uma nova pedagogia

o dever de tender sem descanso, durante toda a vida, para a consecução dos bens celestiais, e de usarem só para este fim os bens terrenos sem que seu uso prejudique a eterna felicidade” (João XXIII, 1962, cap. V, § 3) Apelava expressamente aos próprios padres conciliares: “para que o trabalho comum corresponda às esperanças e às necessidades dos vários povos. Isto requer da vossa parte serenidade de espírito, concórdia fraterna, moderação nos projetos, dignidade nas discussões e prudência nas deliberações” (João XXIII, 1962, Conclusão, §3). Era convicção de alguns que o Pe. Pita Ferreira trilhou a rota da eterna felicidade: “Bastaria a sua obra sacerdotal no campo pastoral, pedagógico e artístico para imortalizar-lhe a memória e propor o seu exemplo” (Jornal da Madeira, 1963, p.8). Que a santidade não é mera possibilidade mas anelo inato da alma humana, é de resto a primeira lição de Doutrina do seu Curso para catequistas:

A reforma do ensino da catequese sob o báculo de D. David de Sousa, um dos importantes desenvolvimentos na história contemporânea da Igreja madeirense – a par do incremento da piedade popular e de uma esplêndida floração mística, com Madre Mary Jane Wilson, Madre Virgínia da Paixão, Irmã Maria do Monte, Beato Carlos de Habsburgo (Sousa, 2015, p. 17), bem como de movimentos e obras laicais (Sousa, 2015, p. 14, n. 38, 39, 40) –, foi influenciada por conceções laicistas e um novo ideal educativo (Figueira, 2016). A médica e pedagoga católica Maria Montessori propunha a autoeducação e o desenvolvimento do potencial da criança com recurso a material didático, agindo o professor como um “guia” empenhado em levála a descobrir, pela observação, as relações entre objetos; acima de tudo, acreditava no poder criativo e transformador do amor: “de todas as coisas, o amor é a mais poderosa” (cit. por Duarte, 2018, p.). A efervescência intelectual oitocentista e uma nova mundividência punham a Igreja à prova: O século XIX sofre grandes mudanças na política e nos movimentos literários e

A nossa alma foi feita para Deus (…) anda à

teológicos. A Igreja perde o poder temporal

busca duma verdade, duma beleza, duma justiça,

e o sentido do sagrado apaga-se em favor

dum amor e duma felicidade sem imperfeições

da moral utilitarista. A Igreja percebe a

e sem fim (…) Neste mundo nunca poderá ser

problemática mas tem dificuldade na adequação

saciada (…) A alma humana leva o corpo a

das soluções pastorais e catequéticas. Há um

suportar ações que lhe repugnam e o homem a

fecundo despertar missionário com figuras e

praticar atos, que não tem recompensa (…) neste

obras atuantes em todo o globo. Na catequese

mundo, por ex.: (…) o martírio (…) a morte

procura-se a continuidade. A inovação é

pela Pátria ou por um ideal (…) Procede assim

exceção. São duas as principais correntes

porque está certa de que há outra vida (…) A

catequéticas deste século: a histórico-

morte repugna à alma, porque esta é imortal

teológica, inovadora, que é suplantada

(Ferreira, [1960], p. 20).

pela orientação neoescolástica. As missões


161

populares e as conferências religiosas para o público culto, além da catequese paroquial, são outros meios de catequização, mas a descristianização progride (Cristóvão, 2000, pp. 302-310). Embora pouco conhecido aquando da sua nomeação para bispo do Funchal, D. David era um intelectual de mérito, professor de Sagrada Escritura e línguas bíblicas – “Na Igreja o seu nome ganhara, entretanto, especial relevo pelo valor doutrinário e retórico das conferências que recentemente proferira na igreja de São Domingos do Rossio, em Lisboa” (Sousa, 2015, p. 24, n. 82). D. David intuiu que o Pe. Pita Ferreira saberia prestar-lhe valiosa colaboração no campo do apostolado catequético, nomeadamente pela atenção à criança de que se mostrou capaz: Nos problemas pastorais [o Pe. Pita Ferreira]

Ferreira assume um estilo de ensino/aprendizagem de cariz lúdico: “o escutismo é um jogo (…) jogando-o bem, aprendemos a ser úteis a Deus, à Pátria e à Familia (…) aprendemos a ser homens” (Ferreira, 1952, Ato IV, Cena 3ª); deixa transparecer uma visão encantada da juventude: Meu irmão, quando a neve dos anos cai sobre a nossa cabeça, o coração transforma-se num jardim, onde florescem as saudades do passado (…) numa espécie de oásis, onde descansamos para respirar o perfume que, dos dias felizes de outrora, nos ficou (Ferreira, 1948, Ato IV, Cena 1ª).

3.3.2. Diretrizes da Igreja

tinha sempre uma visão objetiva e atual, dum modo muito particular no capítulo da catequese das crianças. Mercê das qualidades que revelou neste

A Missão Catequística do Pe. Pita Ferreira obedeceu a diretrizes dos papas (Pio X, Pio XI), do Código de Direito Canónico (1917) e dos bispos portugueses:

campo foi nomeado [pelo] Bispo para Diretor do

Na primeira metade deste século (XX) a

Secretariado Diocesano da Catequese, que com ele

Igreja é perseguida em vários países, mas

se fundou (Jornal da Madeira, 1963, p. 8).

há uma renovação notável no catolicismo. As profundas, rápidas e universais transformações

É de crer que o talento de catequista do Pe. Pita Ferreira muito deve ao ambiente formativo de que ele próprio beneficiou – quer no Seminário diocesano reformado por D. Manuel Agostinho Barreto, onde conheceu a vida “de acentuada piedade, de rigorosa disciplina e de amor ao estudo” que fez dessa escola “um dos primeiros estabelecimentos eclesiásticos do país” (Pereira, 1957, vol. II, p. 1036), quer antes: “cedo nele se manifestou o gosto pelo estudo, indo beber as primeiras luzes intelectuais na escola dirigida pela Exma. Sra. Professora D. Eugénia Maria Clara de Nóbrega que, durante várias décadas foi a alma, como sói dizerse de todos quantos tiveram a ventura de frequentar a sua escola” (Abreu, 1966, p. 7). É facto que nas pequenas peças de teatro que escreveu ou adaptou para crianças e jovens do Movimento Escutista o Pe. Pita

socioculturais, as várias correntes de pensamento, as inovações das ciências da educação e as novas perspetivas teológicas incentivam a catequese a debruçar-se sobre a metodologia, linguagem, destinatários e finalidade. A catequese rejuvenescida tornase uma instância de charneira na pastoral da Igreja (…) funda-se o Secretariado Nacional de Catequese (1950) e estabelecem-se os secretariados diocesanos que, com a publicação


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das Bases da catequese elementar em Portugal

com programa bem definido a celebrar em âmbito

(1961) pelo episcopado, marcam o passo mais

paroquial, vicarial e diocesano. Recomenda-se

decisivo e mais eficaz para o incremento

ainda que os Bispos se esforcem por ajudar os

do apostolado catequístico do nosso país.

párocos com catequistas idóneos, de ambos os

Aparece o Catecismo nacional (1953-1956) de

sexos, para ministrarem a instrução religiosa

método indutivo; nos seminários frequenta-se

tanto nas escolas paroquiais como nas públicas.

uma cadeira de Catequética; cuida-se mais da

Para estas sejam aprovados professores de

formação religiosa nas escolas; publicam-se

doutrina cristã (…) pede-se aos Bispos que

revistas e outros textos, em 1962 faz-se um

“relatem escrupulosamente” em cada quinquénio,

inquérito catequístico nacional (Cristóvão,

o estado da Catequese nas suas dioceses à

2000, p. 310; Jorge, pp. 4-5).

Sagrada Congregação do Concílio.” (Jorge, [2010], p. 4).

3.3.2.1 Normativas de Pio XI 3.3.2.2 Renovação da Catequese na diocese do Porto Pio XI, na “Divini illius Magistri”

nos anos 1950

(31.12.1929) e no Decreto da Sagrada Congregação do Concilio, “Provido sane consilio” (12.01.1935) concretizou e urgiu normas de caráter preceptivo e diretivo que levaram à instituição do chamado “Ofício Catequístico Geral”, ao estabelecimento da Associação da Doutrina Cristã, à criação de escolas catequísticas paroquiais que deveriam explicar o catecismo também aos fiéis adultos “na linguagem acomodada à sua capacidade”. Recomendava-se aos Ordinários do lugar a criação do Ofício Catequístico Diocesano que, tendo eles próprios por presidentes, dirija todo o movimento catequístico da diocese, com sacerdotes visitadores idóneos das escolas e catequeses paroquiais. Estabelece-se o “Dia Catequístico” como festa da doutrina cristã,

Na diocese do Porto, em 10-05-1953 D. António Ferreira Gomes criou o Secretariado Diocesano da Educação Cristã, que reuniu formalmente a 17-03-1955, tendo deliberado que a Congregação da Doutrina Cristã integraria o Secretariado Diocesano e Secretariados Regionais, o Conselho Diocesano e a Assembleia Geral; o Secretariado Diocesano, “órgão impulsionador e de concretização (…) constituído por representantes do Seminário, dos organismos da Ação Católica (…) ligados à Juventude, ao Noelismo, das Obras de Caridade, pelos visitadores e outros sacerdotes (estudiosos) do problema da catequese”, reuniria bimensalmente “afim de estudar (…) a situação da Catequese (…) e pronunciar-se sobre os relatórios (…) (dos) Visitadores”, cabendo-lhe “estudar a regulamentação dos estatutos, vigiar pelo seu cumprimento nas paróquias, constituir os Secretariados Regionais, dotando-os de meios técnicos apropriados, preparar e promover o Dia diocesano da Catequese e as Jornadas Pastorais para o Clero, desenvolver cursos diocesanos, regionais e paroquiais de preparação catequística e criar um órgão de divulgação e informação”; acima do Secretariado Diocesano como “órgão coordenador”, o Conselho diocesano “formado pelo Presidente do Cabido


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da Sé Catedral, pelo Cónego Teologal, pelo Reitor do Seminário de Teologia, pelo Assistente Diocesano da Ação Católica e pelos Vigários da Vara” deveria reunir anualmente “para apreciar as atividades desenvolvidas e fazer sugestões para o futuro”; também anualmente, no Dia Catequístico Diocesano, haveria uma reunião de todos os membros da Congregação da Doutrina Cristã; o bispo criou ainda uma Equipa Diocesana para a formação de Catequistas, composta por uma religiosa Missionária do Sagrado Coração de Jesus e três associadas da União Noelista, a que depois se agregaram outras religiosas, sacerdotes e catequistas seculares (Jorge, [2010], p. 3). Na Madeira, a formação cristã participava do “grande processo de revitalização da diocese do Funchal iniciado com a reforma da rede paroquial diocesana por D. Frei David de Sousa” (Sousa, 2015, p. 106). Não foi por isso menos notório o contributo pessoal do Secretário Diocesano da Catequese: “deve-se em grande parte ao Padre Pita Ferreira o salutar rejuvenescimento do ensino da catequese verificado atualmente nas paróquias madeirenses” (Jornal da Madeira, 1963, p. 8). Analisaremos de seguida dois importantes documentos da reforma da Catequese Funchalense – Legislação sobre Catequese e o Curso de Iniciação Catequística do Padre Pita Ferreira –, editados pelo Secretariado Diocesano criado a 6 de agosto de 1959 (seis anos depois do Secretariado Diocesano do Porto, que foi criado a 10 de maio de 1953 e reuniu a primeira vez em 17-03-1955).

3.3.3 Nova Legislação sobre Catequese de D. David de Sousa (1960) A Legislação promulgada por D. David consistia em um Decreto de Aprovação das BASES e REGULAMENTO do Ensino e Formação Catequística e dos ESTATUTOS da Associação da Doutrina Cristã, datado de 28 de Abril de 1960: delineava a estrutura diocesana encarregada, sob orientação do prelado, de catequizar crianças e adultos e de formar catequistas, com o objetivo de “renovar e intensificar a transmissão e vivência da Mensagem de Jesus”. Assumindo como salvífica a doutrina a transmitir, acentuava simultaneamente o sentido ecuménico e comunitário de “tão vasta como urgente campanha de salvação”, chamando todos à glória de filhos

de Deus “qualquer que seja a sua idade, cor e cultura” (Secretariado Diocesano de Catequese, Legislação sobre Catequese, 1960, pp. 4 e 3) – em colóquio sobre o Concílio Vaticano II no Centro Académico do Funchal, em 22-02-1964, D. David de Sousa salientaria que os obstáculos à unidade dos cristãos provinham das diferenças culturais, políticas e psicológicas dos povos, distinguindo a liberdade de religião e de consciência do “indiferentismo religioso ou pessimismo diletante sobre o esforço a empregar acerca do conhecimento da verdadeira religião” (Sousa, 2015, pp. 60-61). D. David destacou o trabalho cumprido para “estudar, preparar e apresentar propostas em relação às Bases do ensino e Formação Catequística, ao regulamento do ensino e formação catequística e aos estatutos da Associação da Doutrina Cristã” (cit. por Sousa, 2015, pp. 107-108).

3.3.3.1. Bases e Regulamento do Ensino e Formação Catequística As BASES reafirmavam a prioridade da Missão Catequética: “O ensino do Catecismo e a formação religiosa das crianças e dos adultos é o primeiro dever dos pastores de almas” (Sousa, 2015, p. 5). Definiam a relação hierárquica e as competências dos órgãos e agentes da Catequese diocesana: Prelado, Secretariado Diocesano e Delegados Regionais formando o Conselho Diocesano da Catequese, Centros de Catequese das paróquias. Ao Secretário Diocesano cabia tomar conhecimento dos problemas apresentados pelos Delegados regionais; assistir aos encontros de esclarecimento do clero realizados na sede dos arciprestados; orientar os párocos na organização da catequese nas respetivas paróquias e receber deles o recenseamento das crianças em idade de frequentar a 2ª secção do Catecismo. Percebe-se a chama que devia inflamar o Padre Pita Ferreira: Apóstolo incansável da instrução religiosa na obra da catequese (…) tendo percorrido todos os arciprestados (…) não se poupando a fadigas promovendo reuniões para uma sólida formação de catequistas, e presidindo, para exemplificar


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a pedagogia catequística, a várias secções de catequese em diversas paróquias da nossa Ilha (Diogeneto, 1963, p. [3]). As Atas do Secretariado Diocesano da Catequese atestam os seus muitos trabalhos: Além de se criar o Secretariado e, a 21 de novembro de 1959, as regiões, nomearamse os delegados destas, fez-se um inquérito acerca do estado da catequese, foi aprovada legislação concernente à catequese, a 28 de abril de 1960, realizaram-se 17 cursos (para os delegados, nas regiões e nas paróquias para religiosas e professoras), 10 reuniões (metade para delegados, as restantes para a equipa de estudos) e 13 visitas do responsável diocesano a escolas de religiosas (Figueira, 2016, s.p.). Para garantir a uniformidade da Doutrina ensinada em toda a diocese, existiam os delegados do SDC junto das ordens e congregações religiosas, dos colégios e escolas (Lisbonense, Nuno Álvares, Bom Jesus, Escola Industrial e Comercial, Magistério, Liceu Nacional do Funchal) e da Liga Escolar Católica do Funchal, bem como dos delegados das 10 regiões (Sé, Santo António do Funchal, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Calheta, Porto Moniz, Ponta Delgada, Santana e Santa Cruz). Pessoas consagradas e presbíteros, competia-lhes estudar dúvidas e dificuldades do ensino catequístico com os párocos, apresentálos ao bispo e comunicar as devidas soluções aos interessados (Figueira, 2016). Tal esforço de diálogo e de esclarecimento tendia para conciliar a lufada de ar fresco trazida pelo Catecismo Nacional,focado em uma “nova pedagogia da fé, apoiada pela psicologia da criança” (Velosa, 2005, p. 21) com o melhor da tradição do Catecismo diocesano, que ambicionava “combater da maneira mais eficaz o grande mal da ignorância religiosa” (Catecismo da Doutrina Cristã da Diocese do Funchal, cit. por Velosa, 2005, pp. 18-19).

As BASES promoviam a articulação entre escolas públicas e paroquiais para ensino da Doutrina, o fornecimento de material catequístico e a fundação de bibliotecas paroquiais – prova de apreço pela boa leitura e de fé na harmonia possível entre mente culta e alma crente. Tratava-se de alimentar a inteligência dos fiéis – crianças e adultos, incluindo os catequistas, cuja preparação não dispensava uma espiritualidade conquistada e testemunhada: Para o bom desempenho da sua missão, está o catequista obrigado a conhecer, além da Mensagem de Deus, um pouco de Liturgia, de Teologia e da História da Igreja. Deve ter presente que a “Religião é uma vida, que se vive, e não uma teoria que se aprende”. Deve enriquecer a sua formação pela leitura bem orientada, por meio de reuniões sérias e regulares e em Cursos e Encontros especializados. Deve prepararse sobrenaturalmente por meio de um programa de vida espiritual, do qual não pode faltar a meditação do Evangelho, uma boa direção espiritual, as recoleções e um retiro anual” (Ferreira, [1960], pp. 9-10). A par da reflexão e autoavaliação e do diálogo entre órgãos e agentes da Catequese, as BASES salientavam o magistério, o dever de vigilância e o papel regulador do bispo – exercidos através dos visitadores (cap. X) encarregados de inspecionar os centros de catequese e de informar sobre os respetivos “resultados, progressos ou deficiências” (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 12) bem como dos párocos, em reuniões periódicas de catequistas e ainda por meio do Secretário Diocesano, obrigatoriamente presente nos Encontros do Clero dos arciprestados (cap. VI), designadamente para “esclarecer pontos obscuros de doutrina” (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 8). Assim respondia D. David de Sousa ao repto


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do Cónego Manuel Camacho: “os tempos atuais reclamam pastores que defendam a grei cristã e católica, com ardor e firmeza, com fé ardente, contra os Golias que ameaçam conspurcar, com ensinamentos nefastos, a doutrina pura e santa do Evangelho” (cit. por Sousa, 2005, p. 30). Tendo falecido em 1963, o Pe. Pita Ferreira não viu evoluir o discurso evangelizador, de focado na exigência de prossecução do bem comum para centrado no respeito da consciência individual. No já mencionado colóquio sobre Vaticano II, D. David afirmou: “o objetivo do concilio é exclusivamente espiritual, porém, nele a mensagem cristã não será nem aprofundada nem defendida, e nunca alterada, apenas se procura fazer uma reforma de métodos de apresentação dessa mensagem aos fiéis” (cit. por P. Vítor Baeta de Sousa, ob. cit., p. 59). O novo sistema teria de firmar-se num esforço coletivo: A (…) transmissão e vivência [da Mensagem divina] pedem, para serem mais eficazes, que cooperem e trabalhem em equipa todos quantos têm

periodicidade das aulas à composição dos grupos (8 a 10 crianças por catequista e respetivo auxiliar) distribuídos por 3 níveis ou secções – Pré-Catecismo para menores de 6 anos, 4 classes de Catecismo preparatório para a Profissão de Fé, Curso de Religião e Formação Cristã nos 3 anos subsequentes à Profissão de Fé –, com clara opção pela homogeneidade dos grupos e pela educação diferenciada, de modo a eliminar distrações e outros obstáculos à aprendizagem, potenciando o êxito desta. Como para qualquer disciplina, era obrigatório o controlo de faltas e do aproveitamento (cap. VI); sobretudo procurava-se levar as crianças a viver cristãmente (cap. VII, cap. VIII, cap. XIII). Valorizava-se a excelência e o bom exemplo (cap. V, § 5): “Os grupos (de catequese) poderão ser designados por nomes de Santos Padroeiros, escolhidos entre os mais conhecidos, de preferência com festa no Missal, durante o ano catequístico, e cujas biografias se darão a conhecer às crianças” (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 15).

o múnus de educadores: pais, padrinhos, membros da Associação da Doutrina Cristã, catequistas,

3.3.3.2. Estatutos da Associação da Doutrina Cristã

professores, Seminaristas, Religiosos, Sacerdotes, Párocos, etc. (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 3). A boa comunicação com os párocos, pastores de almas à imagem do bispo e diretores natos da Associação da Doutrina Cristã nas respetivas paróquias, era vital para a inteligibilidade e coerência tanto da doutrina transmitida como da prática docente; a exigência de acompanhamento e coordenação por parte do Secretário Diocesano era tanto maior quanto era ampla a entrega do Padre Pita Ferreira: “Nem lhe desmerecia uma atenção solícita o apostolado da Ação Católica que desde os primeiros anos do seu ministério promoveu no Porto Santo, tendo-o continuado sempre mais tarde, sobretudo em S. Gonçalo” (Diogeneto, 1963, p. [3]). O REGULAMENTO do Ensino e Formação Catequística regia o funcionamento dos Centros de Catequese paroquiais – desde o recenseamento e matrícula das crianças até aos critérios de passagem de classe e de admissão à Primeira Comunhão e à Profissão de Fé, desde a

Se as BASES definiam o conteúdo da Missão Catequística e identificavam os seus órgãos e agentes, atribuindo papel fulcral ao pároco, e o REGULAMENTO estruturava o funcionamento dos Centros de Catequese, os ESTATUTOS da Associação da Doutrina Cristã, a fundar em cada paróquia sob a proteção de Cristo-Rei, almejavam “recrutar e preparar catequistas em numero suficiente” (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 24), aptos a “cooperar com o pároco em organizar, difundir e intensificar a formação catequística” (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 23). Deviam os catequistas, pelo testemunho de “conhecimento, cada vez mais profundo, das verdades cristãs, digna receção dos sacramentos, leitura da Sagrada Escritura, recoleções e oferecimento das suas orações e boas obras” – Cap. I, 2.º, b) (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 23), incrementar o ambiente catequístico na paróquia. Os ESTATUTOS apostavam no trabalho em equipa, na aprendizagem participativa e na vida espiritual, para gerar sinergias propícias à evangelização de crianças


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e adolescentes (1ª secção) e de adultos (2ª secção), quer ao “promover a cooperação de todas as obras paroquiais, especialmente da infância e adolescência (…) reunir periodicamente os responsáveis delas, com o fim de as interessar em comum pela catequese, e procurar (…) que as crianças se filiem nas mesmas obras” – Cap. I, 2.º, d) (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 23), ao agregar à Associação as crianças frequentadoras da Catequese (simples sócios isentos do pagamento de quotas), ao valorizar tarefas simples e não obstante importantíssimas dos sócios cooperadores, como “acompanhar as crianças antes e depois das lições” – Cap. II, 12.º, a) (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 25), ao promover o diálogo com professores e pais dos catecúmenos, convidados para a Festa da Doutrina Cristã e para o Dia Catequístico (cap. XIII), ou ao determinar que os sócios catequistas (auxiliares, efetivos e formadores), devidamente diplomados e mandatados pela Hierarquia, participassem em “reuniões próprias, pelo menos quinzenais, de estudo e formação, e bem assim de preparação prática das lições, normalmente presididas pelo Diretor (o pároco)” – Cap. II, 17.º (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 26); enfim ao estimular a vida sacramental, as boas obras e o apostolado dos associados pela concessão de privilégios e indulgências aos que devidamente se confessassem e comungassem. As indulgências eram plenárias (por ocasião da entrada na Associação e na hora da morte; aos que rezassem pelas intenções do papa) ou parciais, nomeadamente de: 7 anos a) se confessados comungarem no dia e lugar onde se acha estabelecida a Associação; b) se percorrem o lugar para atrair à catequese homens, mulheres ou crianças; c) se acompanham o Santíssimo Sacramento, levado aos enfermos; d) (se) uma vez por mês (…) comungam havendose confessado; e) para os sacerdotes inscritos que façam qualquer prática em igreja ou oratório da Associação. 3 anos se acompanham ao cemitério os irmãos defuntos, ou assistem

aos seus funerais, rezando pelas suas almas. 100 dias, a) se procuram que as crianças e famílias assistam à catequese; b) se visitam os irmãos enfermos, c) se assistem aos ofícios e às reuniões da Associação e procissões por ela organizadas. 100 dias, se ensinam em público ou particular, a catequese, nos dias de semana (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 34).

3.3.4. Curso de Iniciação Catequística do Padre Pita Ferreira (1959-1962) 3.3.4.1. A Catequese, arte e missão No enquadramento normativo descrito, Centros de Catequese e Associações da Doutrina Cristã fariam o “recrutamento, formação e mobilização de catequistas” (cit. por Sousa, 2015, p. 109), tarefa que D. David de Sousa assumiu como urgente, sem embargo de reafirmar o direito/dever dos pais de educar os filhos na fé; face “(ao) comunismo ateu, (ao) protestantismo e (…) todo o género de bruxedos” (cit. por Sousa, 2015, p. 111), reivindicava para a Igreja “o segredo da formação integral dos jovens (…) o espirito e a matéria, as faculdades da alma e as faculdades do corpo, a inteligência, a vontade, o coração e os afetos” (cit. por Sousa, 2015, p. 110). Na prossecução desta prioridade pastoral, o Pe. Pita Ferreira, primeiro Secretário Diocesano da Catequese, advertia contra uma tentação: “Não se improvisa o catequista. Improvisá-lo seria comprometer a sua missão, colocar mal a Igreja e pôr em perigo a salvação das crianças.” (Ferreira, [1960], p. 9). Arte “de ensinar e fazer viver a Mensagem de Deus aos homens” (Ferreira, [1960], p. 7), a Catequese é maior que o catequista, “é a mais sublime das missões, porque é a missão de Cristo” (Ferreira, [1960], p. 9) e deve cumprir-se com humildade, sabendo que:


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Deus é o Grande Catequista da Humanidade. Deus encarregou do ensino da sua Mensagem aos

3.3.4.2 Catecismo diocesano sim ou não? Retrospetiva do Cónego Tomé Velosa, descobertas do Abade JeanPierre Putois

patriarcas, profetas e homens inspirados, no Antigo Testamento, e a Seu Filho Jesus Cristo, no Novo. A missão de Jesus, o nosso catequista por excelência, foi continuada pelos apóstolos e atualmente é realizada pela Igreja. Os encarregados do ensino da Mensagem de Deus no mundo são, portanto, os seguintes: Patriarcas, Profetas e Homens Inspirados, NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, o Papa em toda a Igreja, os Bispos nas Dioceses, os Párocos nas paróquias, os Pais nas famílias. A catequista é apenas uma auxiliar do Pároco e dos Pais” (Ferreira, [1960], p. 7). Num boletim paroquial coevo tendo como mote “Educar sem Deus é criar vidas sem rumo”, citava-se a advertência de Pio X (Acerbo nimis): “Um sacerdote, quem quer que seja, não tem nenhum outro dever mais grave nem está ligado por outro laço mais estreito do que o de fazer Catequese” (A família paroquial de Santa Maria Maior de Viana do Castelo, 1961, p. 3). Cristo delegou na Igreja o anúncio salvífico: “Jesus transmitiu o poder de ensinar a Mensagem de Deus à sua Igreja” (Ferreira, [1960], p. 8), e o catequista é mandatado para transmitir uma doutrina que não lhe pertence: “recebe missão canónica, quando é chamado pela Igreja, por meio do Pároco ou de quem o representa” (Ferreira, [1960], p. 9). No “sistema” da Catequese, é fundamental a vida de fé, pelo que o catequista “deve preparar-se sobrenaturalmente por meio de um programa de vida espiritual, do qual não pode faltar a meditação do Evangelho, uma boa direção espiritual, as recoleções e um retiro anual” (Ferreira, [1960], p. 10).

O Cónego Tomé Velosa, que em 1966 assumiu a direção do Secretariado Diocesano da Catequese, explica que a formação de catequistas se tornou indispensável com a difusão do Catecismo Nacional em quatro volumes (publicados entre 1953 e 1956), com os respetivos cadernos de trabalhos práticos e Guias do catequista. Estes manuais vieram substituir o Catecismo da Doutrina Cristã da Diocese do Funchal do tempo de D. Manuel Agostinho Barreto e um modo de ensinar “insuficiente como caminhada (…as) crianças repetiam e repisavam nas catequeses as mesmas fórmulas, sem qualquer metodologia” e a qualidade da doutrinação dependia “da cultura e da vida espiritual das catequistas” (Velosa, 2005, p. 24). A nova geração de catequistas teria de ser diferente: “Tínhamos de preparar mentalidades para que aceitassem a evolução e, sobretudo, os catequistas teriam de abrir-se às novas formas – uma nova aprendizagem, por meio de cursos e manuseamento dos catecismos e respetivos guias” (Velosa, 2005, p. 22). Os fiéis mais eruditos não resistiram menos à transição para conteúdos que consideravam triviais, mas o aggiornamento catequético não recuou perante o desdém, a indiferença, o desprezo de muitos pelos novos catecismos. Era coisa mesmo para pequenos, segundo eles. O catecismo “sério” desses homens importantes e, alguns deles, pastores de grandes paróquias, era o catecismo de fórmulas, sempre preferido obstinadamente. Era preciso entender que a pedagogia religiosa teria de percorrer outros caminhos (…) Mais tarde alguns desses pastores voltaram a editar o antigo catecismo de fórmulas, como possível força concorrencial ao Catecismo Nacional e ao catecismo atual. Alguns anos mais tarde,


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o Concílio Vaticano II veio dar razão e

publicou “um sumário de lições administradas

justificar toda a renovação catequética que

nos Cursos de Catequese a partir de 1960-61 e

já se pretendia nos anos 50 (Velosa, 2005, p. 14)3. Atualmente, porém, questionam-se as vantagens da unificação e da “escolarização” da catequese, do método “global” do ensino da catequese: o Abade Jean-Pierre Putois, no Petit trésor des catéchismes diocésains editado pela Via Romana em 2009, narra a história (sécs. XVII-XX) dos catecismos diocesanos franceses, substituídos em 1937/1947 por um único Catéchisme à l’usage des dioceses de France, e constata que neles a diversidade de expressões e argumentos, paráfrases das Escrituras ou citações dos Padres da Igreja, coincide com o ensinamento de uma mesma e única verdade católica – de sempre e para todos –, sem embargo de refletir não só o temperamento dos bispos seus autores mas sobretudo a preocupação destes de “adapter le catéchisme non aux mentalités de l’époque, mais au langage courant et aux habitudes locales, conformément à l’axiome non nova sed nove” (Bernet, 2017, p. 15)4.

3.3.4.3 Plano e ideias mestras do Curso de Iniciação Catequística Reportando-se à génese do Curso e do Secretariado, o Cónego Tomé Velosa recorda um Padre Pita Ferreira em sintonia com a nova visão da catequese: Sem menosprezo para ninguém, o Pe. Pita Ferreira era um sacerdote evoluído e dedicouse à formação de catequistas, preparando-os para os novos catecismos (…) preparou dois cadernos com ensaios de pedagogia catequética (…) A sua atividade foi intensa, fez cursos interparoquiais e teve o grande mérito de poder falar numa catequese diferente. E como ressonância desses trabalhos, o Secretariado

3 Numa retrospetiva esclarecedora, este autor, que bem cedo (1954) adotou na sua paróquia de S. Vicente o Catecismo Nacional, conta: A reação dos catequistas não foi muito agradável, porque se estava perante uma nova estrutura organizativa, e os catequistas estavam embalados na metodologia do Catecismo Diocesano de perguntas e respostas. Tratava-se de mudar mentalidades habituadas a fortes hábitos e, em certos casos, difíceis, para não dizer impossíveis, pois tínhamos alguns catequistas que não sabiam ler (Velosa, 2005, p. 24).

4 O Abade Putois anima atualmente um sítio internet destinado ao Catecismo, propondo “un enseignement assez ample pour tous les âges, et qui, entre les mains du catéchiste, lui permettra premièrement de nourrir son discours, puis de le mesurer à son auditoire” (Bernet, 2017, p. 14): propõe a revivescência do Catecismo diocesano, previamente a qualquer método pedagógico.

1961-1962. Essas eram feitas sobre alguns temas do Catecismo Nacional e, também, inspiradas na catequese do Cónego Quinet” (Velosa, 2005, p. 25-26). No Curso de iniciação Catequística o Pe. Pita Ferreira dá a medida da sua “alma de Pastor que sabia conduzir, com segurança de doutrina e método, as almas para Deus” (Abreu, 1966, p. 7). O Curso consta de três partes distribuídas por três opúsculos correspondendo aos anos catequísticos de 1959/1960, 1960/1961 e 1961/1962, contendo o primeiro “um sumário das lições administradas nos Cursos de Catequese no ano passado – 1959-1960” (Ferreira, [1960], nota introdutória). O plano, simples, aloca à Pedagogia Catequética um espaço menor que à Doutrina (ocupando respetivamente, na 1ª parte, as pp. 7-17 e 17-41; na 2ª parte, as pp. 7-12 e 15-47), concedendo à Cristologia a parte de leão (22 páginas da 2ª parte e 30 da 3ª, totalizando 52 páginas): mais do dobro de páginas dedicadas à Catequética (14 no total) e à Liturgia (pp. 39-51 da 3ª parte, totalizando 12 páginas). Este equilíbrio reflete os objetivos e prioridades do Curso: “Para o bom desempenho da sua missão, está o catequista obrigado a conhecer, além da Mensagem de Deus, um pouco de Liturgia, de Teologia e da História da Igreja” (Ferreira, [1960], p. 9). Nas secções Pedagogia, Doutrina, Liturgia do Curso, a matéria apresenta-se organizada em torno de ideias mestras. Por exemplo, quanto à Catequética, o Curso propõe um plano para Uma lição de catecismo (1ª parte, III): “Uma boa LIÇÃO DE CATECISMO compõe-se das seguintes partes: 1ª Ideia a infundir, 2ª Concretização, 3ª Estudo, 4ª Sentimentos a despertar, 5ª Fórmula, 6ª Frase do Evangelho, 7ª Prova, 8ª Cântico” (Ferreira, [1960], p. 11), cujo uso demonstra na lição seguinte, Como orientar uma lição de catecismo (IV), enunciando a “Ideia a infundir” nas crianças e sugerindo os modos de o fazer; quanto à Doutrina, sintetiza o corpus de ideias a transmitir – o conteúdo da fé em Deus e na Santíssima Trindade bem como conceitos referentes ao homem e à sua criação, à consciência e à vida da graça (1ª parte)5, a doutrina

5 Tenha-se em conta que na lição II Deus, onde se trata da Existência de Deus, “escapou” uma gralha, que prejudica a correta compreensão do 3º Argumento: onde está – A Casualidade, deve entenderse – “A Causalidade” (Curso de Iniciação Catequística: 1ª parte: 1959-1960, ed. cit., p. 27).


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da pessoa e obra de Jesus a partir da narrativa bíblica (Antigo e Novo Testamento) e do Catecismo Nacional (2ª e 3ª partes). O uso do método indutivo que leva as crianças a observar, refletir e tirar conclusões, a organização dos conteúdos em torno de ideias principais, a definição de objetivos de aprendizagem (por ex., a Prova destina-se a verificar a assimilação da Ideia a infundir) compõem uma estratégia de ensino assumidamente orientada para o êxito: Para que haja bom aproveitamento da parte das crianças, observe o catequista os seguintes Mandamentos: 1º Não dê explicações às crianças, que apenas estejam à altura dos adultos, porque são inúteis. 2º Não empregue palavras, cujo significado as crianças desconheçam. Deve ter presente que elas apenas conhecem cerca de 900 palavras. 3º Não vá à frente das crianças no estudo e sobretudo nas conclusões. Deixeas pensar. 4º Esforce-se por concretizar dalguma maneira tudo o que é abstrato. 5º Ponha Nosso Senhor Jesus Cristo no centro da sua catequese. 6º Deite mão dos factos e parábolas do Evangelho e não conte às crianças casos e histórias, que elas, um dia, venham a concluir que são falsos. 7º Nunca despreze a fórmula. 8º Aplique sempre que seja possível uma frase do Evangelho à lição que dá. 9º Lute para levar as crianças à prática do que aprenderam. 10º Na Prova encontrará o resultado da sua lição (Ferreira, [1960], p. 11). Verifica-se que sem embargo de adaptar a catequese ao desenvolvimento infantil para torná-la mais atrativa e eficaz (2ª parte do Curso, lições de Pedagogia Catequética), o Curso do Pe. Pita Ferreira não rejeita totalmente a catequese “antiga” em que

“dominava a preocupação da ortodoxia” (Velosa, 2005, p. 13), não prescinde de incutir nos futuros catequistas a determinação de construir conhecimento nos catecúmenos – franqueando-lhes o texto bíblico, adotando a catequese (parábolas e vida) do próprio Cristo, e recorrendo a fórmulas para transmitir a doutrina ortodoxa. Porém os certames catequísticos, nos termos do REGULAMENTO (cap. XI e cap. XII) não deviam premiar apenas nem sobretudo o sucesso: “Na concessão dos prémios atenda-se mais ao mérito do que ao êxito, e usem-se de preferência recompensas coletivas e de vantagem espiritual” (Secretariado Diocesano de Catequese, 1960, p. 21). Tratava-se de formar consciências retas e livres: “A consciência deve substituir a vara, o elogio, a vaidade e o interesse na educação das crianças” (Ferreira, 1960, p. 29). Estando em causa salvar almas, o catequista deveria lutar para levar as crianças à prática do que aprenderam, despertando a sua inteligência, conquistando a sua confiança e cativando-as sobretudo pelo ideal (2ª parte do Curso, Terceira lição de Pedagogia Catequética). O cântico, a oração associada à aula falavam ao coração para dispor as crianças ao diálogo íntimo com Deus. Se a chave do êxito da catequese “à antiga” “era o ambiente cristão, o clima de religiosidade ou, até, a atmosfera de bons costumes que se respirava nas famílias e na sociedade” (Velosa, 2005, p. 12), a catequese na década de 1960 pretendeu tornar-se atrativa e cooperar com a Escola e a Família, co-responsabilizando os pais. Pensada para seduzir a imaginação e a inteligência e despertar os afetos, a catequese do Pe. Pita Ferreira permanece atual no propósito de motivar para o bem fazer, fonte de alegria genuína: “La meilleure des récompenses devrait être la joie d’avoir bien fait, en comprenant pourquoi” (Pierre, 2018, p. 49). Na linha da catequese tradicional, forceja por dar as razões da esperança cristã e apresenta na cruz de Cristo o sentido do destino humano: “Jesus é um sinal de contradição. Junto da sua cruz, a humanidade divide-se em duas partes, a saber: a dos que o amam e a dos que o odeiam e desprezam” (Ferreira, [1960], p. 40) – lição tanto mais impactante quanto se agudiza a perceção da urgência de educar para valores, e do estilo de vida cristão como alternativa a outros modelos propostos no mundo global.


Catecismo Pequeno da Doutrina Cristã da Diocese do Funchal Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira


Curso de Iniciação Catequística — 1ª Parte 1960 Arquivo Histórico Diocesano do Funchal


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3.3.4.4 Fontes do Curso de Iniciação Catequística A bibliografia referenciada no Curso denota a sólida preparação intelectual e espiritual do Pe. Pita Ferreira. Além da Bíblia (em especial as Epístolas de S. Paulo) e dos manuais nacionais – o Catecismo Nacional e respetivos Guias e Cadernos de Trabalhos, a Catequese de D. António de Campos6 –, estudara mestres espirituais conceituados: - Apontamentos do Catequista e Lições Catequéticas, do Cónego Camille Quinet (1879-1961), inspetor do ensino religioso na diocese de Paris (em 1928 e 1935) e Secretário da Comissão Nacional do Ensino Religioso a partir de 1942; - Manual de Apologética, do Abade Auguste Boulenger (1868-19?), na linha do combate contra o modernismo, publicado em 1937; - O problema da vida, do belga Fernand Lelotte, SJ (1902-1979), escritor e diretor do Foyer Notre Dame (Bruxelas), autor de uma bela Oração por todos os doentes do mundo; - Teologia de San Pablo, do teólogo castelhano José María Bover y Oliver, SJ (1877-1954); - Deus em nós, Cristo em nossos irmãos e Em Cristo Jesus, do francês Raoul Plus, SJ (1882-1958), capelão do exército francês na I Grande Guerra, condecorado com a Cruz de Guerra, professor universitário em Lille e no Institut Catholique de Paris, que escreveu sobre o valor da oração na vida espiritual e sobre a incorporação em Cristo (a exemplo do seu mestre Germain Foch, SJ); - El cuerpo místico de Cristo, do teólogo aragonês Emílio Sauras García, OP (1908- ), capelão do exército espanhol em 1937, consultor do bispo de Valencia e do episcopado espanhol no concilio Vaticano II e perito da Santa Sé no sínodo dos bispos de 1967; - A origem do mundo e do homem, de Luis Arnaldich (1909-1974), OFM, erudito comentador da Bíblia, diplomado em Arquivística pela Escola Arquivística do Vaticano, professor da faculdade de Teologia da Universidade de Salamanca e diretor da Biblioteca Geral; - Vivei a vida, de M. Arami, monge premonstratense (ramo da Ordem dos Cónegos de Santo Agostinho, empenhado na conversão contínua dos costumes pelos

6 “Bispo auxiliar do patriarcado de Lisboa (n. Alcobaça, 9-4-1904). Estudou no Seminário de S. Sulpício de Paris. Vice-reitor do Seminário de Almada (1935), cónego da Sé Patriarcal e prior da freguesia da Lapa, com sede na Basílica da Estrela (1944) onde desenvolveu notável atividade pastoral, foi eleito bispo titular de Febiana a 28-08-1954 e sagrado a 28-101954. Obras- Catequese – Notas de pastoral catequística, Lisboa, s.d. e A Plenitude do Sacerdócio. O Bispo, Lisboa, s.d.” (Oliveira, 1966, 4.º vol, pp. 706-707).

votos de caridade, pobreza e obediência); nesta obra acerca da vida sobrenatural do cristão, ensina a conservar a graça santificante, tratando entre outros temas: a indigência do filho pródigo, a contrição perfeita, o estado de graça, a intenção reta, a santidade ao alcance de todos, a oração, o apostolado pela oração e pela mortificação, pela palavra e pelo exemplo, pela paciência, pela doçura e pelas obras; - Jesus Cristo vida da alma e Jesus Cristo em seus mistérios, do beato D. Columba Marmion (1858-1923), professor, diretor espiritual e pregador inspirado pela espiritualidade da “Imitação de Cristo”; foi abade da comunidade beneditina de Maredsous onde ingressou seduzido pela vida contemplativa e pelo ideal de retorno às fontes bíblicas, litúrgicas, patrísticas e ecuménicas difundido pelo mosteiro alemão de Beuron.

4. Construtor de castelos e de catedrais 4.1. O Padre Pita Ferreira e o Movimento Escutista 4.1.1. Base religiosa e espírito cívico do escutismo Se a alma humana, como imaginava Teresa de Ávila, é comparável a um castelo formosíssimo, cuja porta é a oração (Jesus, 1582), pode dizer-se que o Pe. Pita Ferreira, docente e sacerdote, tinha vocação de construtor de castelos, ainda que tivesse passado muitas horas – provavelmente das mais felizes da sua vida –, em rústicos acampamentos ao ar livre, junto dos rapazes que ajudou a formar pelo método de desenvolvimento pessoal do Escutismo, escrevendo peças de teatro para serem por eles representadas, ou ainda rezando com eles. “O método escutista, elemento pedagógico original e identitário do escutismo, criado por Lord Baden-Powell of Gilwell, é um sistema de auto-educação progressiva, baseado em sete elementos igualmente relevantes: Lei e Promessa, Mística e Simbologia, Vida na Natureza, Aprender Fazendo, Sistema de Patrulhas, Sistema de Progresso e Relação Educativa” (Corpo Nacional de Escutas-Junta Regional de Viseu, 2018). Este sistema educativo foi concebido especificamente para rapazes e com o objetivo expresso de formar bons cidadãos, como se depreende


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do título da versão revista do manual original Aids to scouting (1899): Scouting for boys: A handbook for instruction in good citizenship (Baden-Powell, 1908). Da vintena de pequenas pastas de Apontamentos que o Pe. Pita Ferreira coligiu para alimentar a sua própria reflexão e os seus escritos históricos e literários, foram apresentadas na exposição: a pasta 6, referente à confraria do Santíssimo Sacramento da Sé, a pasta 7, referente à construção desta igreja, e a pasta 21, referente às pratas da Sé e do Colégio; a pasta 11, sobre folclore; enfim, a pasta 8, contendo nomeadamente pensamentos de Baden Powell, criador do Escutismo, que afirmou enfaticamente a base religiosa deste Movimento: “O primeiro termo da promessa que o jovem presta no escutismo é este: servir a Deus”7. Baden-Powell não hesitou em esclarecer que “o ateísmo é por conseguinte incompatível com a qualidade de membro da associação. Ninguém dos que negam a existência de DEUS pode fazer a promessa e tornar-se membro da Fraternidade escutista. Não deve tão pouco esperar que em seu proveito a fraternidade altere a sua vida religiosa. É chegado o tempo em que devemos ser claros sobre esta questão e compreender a sua importância e aplicações”8. A pedagogia escutista socorre-se do respeito de Deus para incutir o gosto de servir, valendo-se da propensão inata do jovem para a ação. O espírito do Escutismo legitima a liberdade religiosa: “O modo de exprimir a reverência para com Deus varia conforme a seita ou denominação religiosa. Geralmente são os desejos dos pais que determinam a forma religiosa dos filhos. A eles pertence determinar. A vós cabe (…) respeitar a sua decisão e (…) ajudar os seus esforços, no sentido de precisar cada vez mais a reverência para com Deus, qualquer que seja a forma de religião professada pelo jovem”9. Tolerante por natureza, o escutismo nega que a religião seja causa de dissensão: “A base religiosa subjacente a estes sentimentos é comum a todas as religiões, e por estes factos, nós não criamos atrito com nenhuma delas”10.

4.1.2. Educação pela Expressão Dramática e pela Leitura

7 In Aids to Scoutmastership, 1914, cit. pelo Pe. Pita Ferreira (AHDF, Arquivo do Padre Pita Ferreira, Apontamentos de pesquisa histórica e outros, Pt. 8, p. 45)

8 B. Powell, Instruções emanadas do Campo de Gilwell, cit. pelo Pe. P. Ferreira (AHDF, Arquivo do Pe. Pita Ferreira, Apontamentos de pesquisa histórica e outros, Pt. 8, p. 41).

9

10

Idem, p. 44

Idem, p. 42

Personalidade imaginativa e comunicativa, o Pe. Pita Ferreira criou para os seus escutas dramatizações à maneira de parábolas, imbuídas de ideal cristão: “Amar a Deus e à Pátria … auxiliar o próximo em todas as circunstâncias (…) levar uma vida pura e bondosa, não pode haver glória maior!”11. Nelas enaltece os heróis nacionais, as virtudes heroicas de um povo próximo dos seus próceres: “O povo!!!... Como o recordo com amor (…) O povo humilde, que salvou a independência de Portugal (…) o povo sofredor, que suportou os horrores do cerco de Lisboa (…) O povo que, nas ocasiões duvidosas, nunca perdeu a fé na causa do Mestre (de Avis) e lutou pela liberdade, dando generosamente o seu sangue e a sua vida” 12/13. As pequenas peças de teatro do Pe. Pita Ferreira apontam também o caminho para restaurar a antiga harmonia cósmica – harmonia entre Deus e a alma, entre o corpo e a alma dentro do próprio homem, e em redor do homem (Plus, 2013): “Vivendo em contacto com a natureza para mais nos unirmos a Deus e fugindo para o campo para que a vida das cidades não nos corrompa. Aqui divertimo-nos bem, robustecemos as forças do corpo e da alma, e (…) rezamos melhor”14. Parece-nos também que nestas peças o Pe. Pita Ferreira se retrata a si mesmo, como irmão mais velho dos rapazes, ou como pai que se alegra com o fruto dos próprios ensinamentos: “Um coração de pai tem sempre para os seus filhos palavras que são bênção (…) Palavras que eles jamais esquecem (…) Que as minhas caiam nas vossas almas como o orvalho da manhã que fecunda as flores (…) como a chuva que faz germinar a semente”15. O gosto do Padre Pita Ferreira pelo teatro e a sua vocação de evangelizador encontravam na figura e na obra de Gil Vicente critério seguro de juízo e de ação, patente nos Apontamentos, trechos e apreciações de vários autores sobre Gil Vicente que coligiu, entre os quais versos em que o dramaturgo admoesta tanto os poderosos “o rei que é bom juiz,/ como a lei feita é,/ faz aquilo que ela diz”16 como a gente comum – “toda a glória de viver/ das gentes é ter dinheiro,/ e quem muito quiser ter/ cumpre-lhe de ser primeiro o mais ruim que puder”17. Nos Autos vicentinos o Pe. Pita Ferreira encontrava o são princípio de reforma:

11 Fala de Nuno Álvares, in O Nosso Lema: Quadro Escutista para ser representado em “Fogos de Conselho” (05-061950), Cena 4ª. (AHDF, Arquivo do Padre Pita Ferreira, Apontamentos de pesquisa histórica e outros, pt. 8, f. 3v.). 12 Fala de Nuno Álvares, in O Voto de Valverde: Drama Histórico, Acto IV, Cena 1ª (AHDF, Arquivo do Padre Pita Ferreira, Apontamentos de pesquisa histórica e outros, pt. 8, p. 11v). 13 É de notar que ainda em 1972, a “pedagogia do herói” tinha boa aceitação: “No dia 28 de Setembro, realizou-se a reunião dos professores de Moral do Ciclo Preparatório, compreendendo todos os docentes – sacerdotes e leigos. O tema pedagógico tratado na reunião foi a “pedagogia do herói”. Esta está de acordo com a pedagogia dos préadolescentes” (Velosa, 2005, 2005, p. 48). 14 Fala de Daniel, in Os sonhos do Chico: Peça escutista em cinco atos, (AHDF, Arquivo do Padre Pita Ferreira, Apontamentos de pesquisa histórica e outros, pt. 8, p. 24) 15 Fala de Nuno Álvares, in O Nosso Lema…, ob. cit., Cena 4ª, p. 4. 16 AHDF, Arquivo do Pe. Pita Ferreira, Apontamentos de pesquisa histórica e outros, Pt. 8, p. 32 17

Idem, p. 29


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e a génese do Escutismo e com a realidade nacional e local, confirmam-no os títulos da sua Biblioteca do Lobito: Catecismo – Missa das Crianças; Bíblia da Infância; O Evangelho de uma avó; Florinhas de S. Francisco; Foi aos pastorinhos que a Virgem falou; O sonho do Joãozinho; Vida familiar de Jesus; História Bíblica para os meus afilhados; História Sagrada contada às crianças21.

O Poeta defendeu a doutrina ortodoxa do livre arbítrio e da independência da vontade humana. Essa foi também, enquanto à doutrina da predestinação, a posição em que se colocou Erasmo (De libero arbítrio, 1524), contestação

Um pensamento de Eça de Queiroz, colhido numa das pastas de Apontamentos do Padre Pita Ferreira permite conceber o apreço que ele tinha pela boa leitura – o remanso de paz e de elevação, os prazeres do espírito (mas também do corpo) que nela procurava:

aos Loci communes de Melancthon. No seu reformismo moderado, que em modo algum exclui a fé e o respeito para as doutrinas e para a instituição da Igreja Católica, Gil Vicente encontra-se perto de Erasmo e longe de Lutero.

Esta expressão “Leitura”, há cem anos, sugeria

Como o sábio ilustre de Roterdão o Poeta

logo a imagem de uma livraria silenciosa, com

português nunca combateu a religião: atacou

bustos de Platão e Séneca, uma ampla poltrona

sim, inexoravelmente, desde os frades até aos Papas, os homens que serviam mal” . 18

Para o Padre Pita Ferreira como para Gil Vicente, para quem, segundo Aubrey Bell, eram “fontes (…) de infalível inspiração: o Livro da natureza, o livro das tradições populares e a Bíblia”19 e delas soube deduzir um virtuoso programa de vida Nacional: Gil Vicente nunca perdeu de vista que a força da Nação não residia nas residia nas riquezas importadas, embora fabulosas e cobiçadas, mas no bom emprego do seu próprio solo e capacidade

almofadada, uma janela aberta sobre os aromas 18 Júlio Dantas, In O Espírito da Reforma religiosa na obra de Gil Vicente: conferencia publicada no jornal El Sol de Madrid, 0812-1955, cit. pelo Pe. Pita Ferreira (AHDF, Arquivo do Pe. Pita Ferreira, Apontamentos de pesquisa histórica e outros, Pt. 8, p. 34)

19 In Estudos vicentinos, cit. pelo Pe. Pita Ferreira (AHDF, Arquivo do Pe. Pita Ferreira, Apontamentos de pesquisa histórica e outros, Pt. 8, p. 35).

habitantes; em seus autos constantemente se aconselha a seguir a antiga simplicidade subvertida pela onda de luxo, ambição e ânsia

Que a atividade do Pe. Pita Ferreira no Movimento Escutista foi uma das expressões que assumiu o seu apostolado catequético, em harmonia com o espírito

de um jardim: e neste retiro austero de paz estudiosa, um homem fino, erudito, saboreando linha a linha o seu livro, num recolhimento quase amoroso. A ideia de Leitura, hoje, lembra apenas uma turba folheando páginas à pressa, no rumor de uma praça.22

e no vigor, energia e disciplina dos seus

de gozar”20.

21 AHDF, Arquivo do Pe. Pita Ferreira, Apontamentos de pesquisa histórica e outros, Pt. 8, p. 46

20 AHDF, Arquivo do Pe. Pita Ferreira, Apontamentos de pesquisa histórica e outros, Pt. 8, p. 36

4.1.3. Rezando com os escutas Para os rapazes que instruiu nos princípios do Escutismo e da Fé Católica, o Pe. Pita Ferreira retratou Nun’Álvares rezando. Com eles agradeceu a Deus o dom do “irmão fogo” e do pálio glorioso do céu, e cantou a alegria de viver. Das orações escutistas que com eles rezava e que conservava com outros apontamentos sobre escutismo, continuam a fazer parte do reportório dos escuteiros católicos portugueses a Oração do Lobito e a Oração do escuta, talvez a mais bela: “Senhor Jesus ensinaime: a ser generoso. A servir-vos como mereceis, a dar

22

Idem, p. 60


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sem conta, a combater sem me importar com as feridas, a trabalhar sem procurar repouso, a dar-me sem atender a outra recompensa que a de saber que faço a vossa vontade. Assim seja”23 .

4.2. Reestruturação das paróquias na diocese do Funchal, nos anos 1950

A atualização das paróquias foi um aspeto impactante da “pastoral de proximidade e de ação” de D. David de Sousa (2015, p. 97), pelo que é útil rememorar alguns factos mencionados pelo Pe. Vítor B. de Sousa. A reestruturação das paróquias foi iniciada por D. António Manuel Pereira Ribeiro com demorado estudo, exame e discussão, sendo aprovados, por unanimidade, a 3 de fevereiro de 1956, os novos limites das freguesias do concelho do Funchal. Com o seu decreto de 24 de novembro de 1960, D. David assumiu a concretização do processo, mantendo os referidos limites; foram de sua iniciativa apenas a criação e delimitação da paróquia do Sagrado Coração de Jesus. A dinamização paroquial almejava disponibilizar os serviços espirituais à população dispersa na paisagem acidentada do arquipélago, e que aumentara bastante nas décadas precedentes. Pretendia favorecer o apostolado de famílias e indivíduos, para promover um catolicismo genuíno. Os desafios em perspetiva incluíam obter a adesão do clero à nova estrutura paroquial, entenderse com as autoridades civis sobre a divisão do território, “evitando a distribuição da população de uma paróquia por várias freguesias civis” (Sousa, 2015, pp. 84-85), acompanhar a construção das novas igrejas paroquiais e a ampliação das antigas, angariar fundos para as obras. D. David procurou mobilizar o clero diocesano em sucessivas conferências eclesiásticas, em 1959 e 1960. Deu orientações para o desmembramento das paróquias e a edificação das igrejas paroquiais, que deveriam situar-se “a menos de 10 minutos de caminho a pé” (cit. por Sousa, 2015, p. 85) e ser complementadas por centros paroquiais, formando “uma igreja em escala humana e cristã, centro de acolhimento dos que chegam, comunidade fraterna dos que estão, lar comum de fé e de caridade” (D. Manuel Gonçalves Cerejeira, cit. por Sousa, 2015, p. 84). O plano gerou entusiasmo mas também resistências, sendo a maior dificuldade a

23 AHDF, Arquivo do Pe. Pita Ferreira, Apontamentos de pesquisa histórica e outros, Pt. 8, p. 47. Também falas do Zé e do Daniel, in Os sonhos do Chico …, ob. cit., Ato IV, Cena 3ª, p. 24. Também http:// www.agr683.cne-escutismo. pt/tecnica/animacao-da-fe/ oracao-do-escuta (consultado em 16-11-2018).

escassez de sacerdotes: o próprio prelado “reconheceu que a principal lacuna da diocese do Funchal era a obra das vocações e seminários” (Sousa, 2015, p. 69). Para D. David, sem padre, não subsiste a igrejacomunidade: “a paróquia engloba igreja, sacerdote e fiéis. Constitui a comunidade elementar, que vive da fé, da esperança e da caridade cristãs. Quem diz comunidade, supõe unidade de direção, comunhão de ideias, união de corações, reunião de esforços” (cit. por Sousa, 2015, p. 83); o bispo apelava à união da família paroquial em torno do pároco e do projeto de edificação da “casa do pai comum” (cit. por Sousa, 2015, p. 102). O projeto de reestruturação das paróquias concebido no episcopado de D. António Ribeiro foi continuado: “se bem que tenha sido (D. David de Sousa) a decretar as novas paróquias, coube a D. João António da Silva Saraiva, seu sucessor, a missão de continuar a implementar, orientar e dedicar novas igrejas. D. Teodoro de Faria (bispo entre 1982 e 2007) e D. António Carrilho (bispo a partir de 2007) também viriam a inaugurar e dedicar novos templos para essas Paróquias, que haviam sido criadas em 1960” (Gomes, 2016).

4.3. A vocação de arquiteto do Padre Pita Ferreira 4.3.1. Alma enamorada do Bem e do Belo “Alma enamorada do Bem e do Belo” (Abreu, 1966, p. 7), o Pe. Pita Ferreira entusiasmou-se pela valorização do património artístico: “colaborou, com muita dedicação, nas grandes exposições de Ourivesaria Sacra e Esculturas Religiosas que se realizaram no Funchal nos anos 1951, 1954, tendo subscrito, juntamente com o Eng.º Luiz Peter Clode, os catálogos então editados pela Junta Geral” (Clode, 1966, p. 39). Como pároco e como historiador, era natural que se interessasse tanto pela arte sacra como pela arquitetura das igrejas, e os seus conhecimentos foram bem-vindos na Comissão de Conservação do Museu de Arte Sacra: Conhecedor profundo de arte eclesiástica foi convidado a presidir à respetiva comissão diocesana, tendo sido o inspirador, orientador


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e até arquiteto de algumas belas igrejas

S. José, são das melhores obras-primas de

madeirenses que ficam, na elegância das suas

ourivesaria sacra, que a Nação possui, pois

linhas, alevantando hinos ao céu e perpetuando

além de nos revelarem o esplendor das épocas

a sua memória e pendor artístico (Clode, 1966,

em que foram executadas e a fé e o amor à arte

p. 39).

de quem as encomendou e ofereceu, testemunham a sensibilidade e o valor do artista, que as

As páginas, ilustradas com belas fotografias, sobre a arte de A Sé do Funchal, coadunam-se com o estilo didático e a sensibilidade do Pe. Pita Ferreira, que admirava na beleza dos objetos de culto um reflexo de Deus: A ideia do belo anda estreitamente unida à ideia de Deus […na Sé do Funchal] a beleza (…) canta um hino a Deus por meio da arquitetura, da talha, da escultura, da pintura, da ourivesaria, da cerâmica, da serralharia, da marcenaria e da vidraria (Ferreira, 1963, p. [153]).

idealizou e fez. Não admira, pois, que muitas delas tenham figurado nas grandes exposições de arte, realizadas no país e na ilha e até tenham sido cobiçadas para aparecerem nos Museus ao lado do que de melhor neles se expõe. Nesta contingência esteve a Cruz Manuelina, de 1882 a 1887. Graças aos esforços do cónego Feliciano João Teixeira voltou a ocupar o lugar a que a destinou El-Rei D. Manuel, deixando, por isso, de figurar ao lado da Custódia de Gil Vicente e da Cruz de Alcobaça, no Museu das Janelas

Sendo reconhecidamente “um grande entusiasta pela conservação do nosso património artístico” (Clode, 1964, p. 39), via a arte sacra como sacerdote, mediador entre o homem e Deus (Conegero, 2018) incumbido de oferecer sacrifícios pelos pecados e de ensinar o povo a adorar e louvar: “À inteligência arguta com que era dotado, aliou sempre um fino gosto estético, que procurou pôr sempre ao serviço de Deus, através da liturgia sagrada” (Jornal da Madeira, 1963, p. 8). Daí a autoridade que deve ser reconhecida a esta sua reflexão: Muitas e preciosas foram as peças de Ourivesaria Sacra, que a Sé do Funchal possuiu e possui ainda. Dádivas de Reis, de Bispos, de confrarias e de fiéis piedosos, constituem ainda hoje um património de altíssimo valor estimativo e artístico. Algumas delas, como a Cruz Manuelina e o frontal do altar de

Verdes (…) Porque, no decorrer deste trabalho se concluirá que muitas foram fundidas ou desapareceram sem deixar rasto, poderá muita gente ser levada à revolta, contra quem as fez fundir ou deu azo a que desaparecessem. Tal (…) será injust[o], atendendo a que as peças de Ourivesaria Sacra, oferecidas à nossa Sé, não se destinaram a aparecer mortas e deslocadas dentro de uma vitrine de museu, para gozo dos curiosos, que muitas vezes só as apreciam pelo seu valor artístico (…) Mas as cruzes, as navetas e turíbulos, os lampadários, as banquetas, os cálices e as caldeirinhas (…) Foram executadas e oferecidas para o serviço de Deus e eram preciosas apenas porque os


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seus oferentes assim as desejaram, para em

4.3.2. A Catedral ideal do Padre Pita Ferreira

primeiro lugar serem dignas de Deus e, em segundo, agradáveis aos olhos (…) Algumas delas, os cálices, por exemplo, apareciam nas mãos dos sacerdotes que celebravam na Capelamor, a distância tão grande que a sua arte não podia chamar a atenção nem deslumbrar o povo, que assistia aos atos religiosos na nave. Tendo, portanto, as peças de arte sacra como fim primário o serviço do culto, não admira que, passados alguns séculos depois da sua execução e oferta, muitas delas se estragassem, estivessem fora de uso e fossem fundidas (…) os turíbulos, as cruzes e os cálices góticos, por exemplo, (…) Eram peças vulgares naquele tempo (…) Diferenciavam-se mais pelo seu peso e arte que pelo seu estilo. Não eram raros nem falavam de tempos idos. Fundir, portanto, nessa época um cálice partido ou um turíbulo estragado não era um crime ou um vandalismo tão grande como se tal acontecesse agora. Muitas graças demos à Igreja, por ter conservado através dos séculos tantas preciosidades, enquanto os seculares se desfaziam quase por completo das pratas, mobiliário, cerâmica, pinturas e esculturas, que os seus antepassados lhes legaram (Ferreira, 1963, pp. 157-158).

No âmbito da atualização paroquial, D. David convocou a comissão de arte sacra e apelou à “coresponsabilidade de todos os diocesanos” (Sousa, 2015, p. 85). Assim, também no domínio da construção das igrejas das novas paróquias, o Padre Pita Ferreira veio a colaborar com D. David. Este prelado, que “dedicou as igrejas do Campanário, Ilha, S. Paulo, Preces; presidiu à bênção da primeira pedra de outras tantas futuras igrejas que estavam em processo de construção como as igrejas do Sagrado Coração de Jesus, Assomada, Achada de Gaula, Carvalhal, Garachico, Raposeira, Visitação, Álamos, Carmo, Lameiros, Feiteiras, Ribeira Seca, Piquinho, Amparo, Faial e Imaculado Coração de Maria” (Sousa, 2015, p. 115) idealizava uma igreja “clara, alegre, acolhedora, transparente de verdade” (cit. por Sousa, 2015, p. 85) – nos antípodas de um templo icónico do Movimento de Renovação da Arte Religiosa que veio a dominar em Portugal como é a Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Lisboa, de inspiração brutalista e da autoria dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira, Nuno Portas e outros. O gosto do Padre Pita Ferreira, que foi considerado “um autêntico mestre de arte religiosa não só patente na arquitetura da sua igreja mas em algumas outras das novas paróquias cujas linhas traçou e cuja construção dirigiu” (Diogeneto, 1963, p. [3]), harmonizava-se com a visão de D. David, inserindose, ao mesmo tempo, na tradição estética regional, tal como a descreve o autor de Ilhas de Zargo: “As igrejas de traça primitiva revelam vestígios de estilo românico conjugado com o estilo ogival, o que deixou mais arte, mais grandiosidade e mais monumentos (…) Embora de interior sóbrio e modesto, são no entanto bem proporcionadas e harmónicas no seu todo. As fachadas, geralmente pobres, não deixam nalguns templos (…) de oferecer grandeza e harmonia” (Pereira, 1957, p. 1216). Estas são características observáveis na “bela igreja de S. Gonçalo e respetivo presbitério, cujo traçado, como por mais duma vez mo afirmou [o Pe. Pita Ferreira], foi quase totalmente da sua lavra” (Abreu, 1966, p. 7): feita de pedra basáltica e cantaria, “apresenta-se com uma planta retangular simples e no seu interior existem vários arcos em ogivas. As paredes interiores são revestidas a mármore rosa até cerca de 1,50m de altura, sendo o Altar-mor revestido


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de mármore preto e o chão é revestido a pedra” (Abreu, 1966, p. 7). A construção desta igreja em basalto e cantaria, cujo lançamento da primeira pedra ocorreu a 7 de junho de 1947, fez-se com a generosidade do Sr. Blandy, proprietário na freguesia de Câmara de Lobos, que ofereceu toda a pedra necessária, bem como dos romeiros e paroquianos cujas ofertas foram sendo recolhidas pelos párocos Padre Porfírio e Padre Pita Ferreira (a partir de fevereiro de 1945). As obras, iniciadas em julho de 1946 (residência paroquial) e em 1947 (igreja matriz) foram arrematadas pelo construtor Jacinto Fernandes de Gouveia e concluídas em 1958 (Gonçalves, 2017). Outro exemplo da conceção do Padre Pita Ferreira é a igreja do Carvalhal, de fachada quadriculada e parede do altar-mor em cantaria vermelha, que o seu criador, precocemente falecido, não chegou a ver concluída: Mede 32 metros de comprimento, 12 de largura e 11 de altura. O teto não tem madeiras. A torre mede 18 metros de altura. A igreja tem apenas uma capela que se destinava, inicialmente, à veneração de Santo André Avelino, seu primeiro padroeiro (hoje é Nossa Senhora de Fátima) (Gonçalves, 2017, s.p.)

quisermos dividir em partes, tem as seguintes: a cabeceira, o transepto, as naves, a torre, o exterior e os anexos (…) eu preferiria ver a nossa Catedral tal e qual como foi, no tempo de El-Rei D. Manuel, - sem os altares das naves laterais e os retábulos barrocos do transepto, sem o coro sobre a porta principal, sem a talha artística e bela da Capela do Santíssimo Sacramento, sem o altar empoleirado, as escadas das ilhargas, a talha, os quadros e a porta da Capela do Amparo, sem os painéis que estão sobre o cadeiral da capela-mor e sobre os arcos góticos dos absidíolos, sem os lustres doirados, sem o janelão sudoeste do transepto e com uma fresta em seu lugar, sem os lajeados e os corrimões das naves laterais, sem a Mesa e Sala dos irmãos do Santíssimo, sem as tintas, que cobrem as abobadas, os arcos e as colunas, e com as portas norte e sul substituídas por

Neste artigo se diz que as respetivas obras começaram a 6 de fevereiro de 1962, sendo o relógio e a pavimentação do caminho de acesso à igreja inaugurados a 28 de maio de 1967. O Pe. Pita Ferreira interveio igualmente no processo de reconstrução da igreja de S. Roque do Faial, no rescaldo do violento incêndio que na década de 1960 consumiu inteiramente o templo construído sob D. João V.

pórticos góticos, como primitivamente, com

É também desmaterializando criticamente a arquitetura da Sé do Funchal, com sólido conhecimento da história da sua construção, segurança de sentido estético e imaginação, que o Padre Pita Ferreira revela o arquétipo de igreja que preferia:

ligadas à Catedral por um corredor subterrâneo

Tem a Sé a orientação litúrgica – esteoeste –, a forma de uma cruz latina e, se a

dois altares simples na Capela do Amparo e na do Santíssimo, com a sacristia desta última capela melhorada exteriormente e com a Casa do Cabido e Sacristia transferidas para o outro lado da rua de João Gago ou da Sé e

(…) a torre sem o relógio (…) Se todos estes aleijões, acrescentados através dos séculos, desaparecessem, ressuscitaríamos uma Catedral gótica, grave, bela e harmónica. As Cruzes de Cristo, as esferas armilares, as armas reais e


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algumas cordas e frestas, que nela aparecem,

da unidade de estilo encontrem, com base neste

seriam então, na obra, a assinatura do monarca

suporte ideológico, um incentivo para se

que, com tanto amor e generosidade, a ajudou a

instalarem e desenvolverem (Neto, 2001, p.142)

edificar” (Ferreira, 1957, pp. [3] e 29).

(Remonatto, 2012, p. 7).

Note-se que ao assumir a preferência por uma catedral despida de todos os elementos posteriores à época da sua construção, ainda que de notória qualidade artística, o Pe. Pita Ferreira alinhava com os critérios de conservação e restauro dos engenheiros civis e arquitetos da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais: O nacionalismo do Estado Novo comungava de uma perspetiva triunfalista da História de Portugal. A memória histórica “exigia” o testemunho palpável dos monumentos que surgiam, aos olhos dos portugueses, reintegrados na sua suposta forma primitiva, a fim de cumprir a missão de creditar o passado (Neto, cit. por Remonatto, 2012, p.7). Era clara a analogia entre a estratégia de recuperação e valorização do património arquitectónico e a (re) construção da Alma Portuguesa, dois vetores da psicologia voluntarista que o Estado Novo promovia para projetar no futuro o destino nacional, solidamente enraizado no terreiro histórico-cultural da Nação: (…) As bases da renovação da Nação são expressas por Salazar através do termo empregado na arquitectura: Restaurar, o aspecto material, moral e nacional (…) Esta atitude acaba por influenciar a filosofia empregue no restauro dos monumentos neste período. “Desta forma, é feito o apanágio da reintegração estilística dos monumentos na sua concepção primitiva, contribuindo para que os preceitos

O Pe. Pita Ferreira não foi o único a contestar a aplicação de relógios e outros acrescentos nas igrejas madeirenses: Um errado e arbitrário critério estético, porém, vem de há anos destruindo a harmonia dos templos primitivos e novos , desfigurando as suas torres numa afronta ao estilo e proporções arquitetónicas dos mesmos, pela aposição de corpos pesados e relógios inadaptáveis (…) as nossas sineiras, em que se engaiolaram relógios, a gosto e peso de benfeitores endinheirados ou satisfazendo basófias e caprichos populares, deram a algumas das nossas igrejas o aspeto de pagodes e mesquitas com minaretes sem senso estético nem arte. Tem-se desfigurado assim o aspeto de severidade dos edifícios filiados na traça românica que deu à casa de Deus a verdadeira expressão da arte cristã (Pereira, 1957, vol. II, pp. 1216-1217). Igrejas como as de S. Gonçalo e do Carvalhal marcam a transição entre a tradicional arte construtiva madeirense e o que Emanuel Gaspar de Freitas (2010, s.p.) sintetiza como “a modernização da arquitetura religiosa em Portugal, desafiando códigos tradicionais historicistas”, com a incursão de “um vocabulário canonicamente moderno” (Freitas, 2010) no campo da arquitetura religiosa. Assumidamente simples e despojadas, fazem parte de um conjunto que não sofre comparação com as igrejas de arquitetos contemporâneos que se atreveram a inovar num campo tão sensível como é o da arte religiosa. Esses templos de transição,


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erguidos entre finais da década de 1930 e meados da década de 1950, são objeto de crítica por vezes áspera: A generalidade das igrejas que (…) se construíram por todo o país seria servida por um desenho historicista caricatural, numa apropriação redutora da tradição, recusando deliberadamente as conquistas da modernidade. São disso exemplo, em Lisboa, Santo Condestável (1946-1951), São João de Brito (1951-1955) e São João de Deus (1949-1953). Com a intenção de reagir a este estado de coisas, um pequeno núcleo de artistas católicos fundava em 1953 o Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR) (Martins, 2000, p. 116). E. G. Freitas (2010) desenvolve uma elucidativa análise de projetos do arquiteto Chorão Ramalho expressivos desta tendência desenvolvidos na Madeira entre 1949 e 1957: a Capela-Ossário do Cemitério de Nª Srª das Angústias, a Igreja do Imaculado Coração de Maria, a Igreja do Porto da Cruz (com o arquiteto Alberto Pessoa) e o arranjo do adro da Igreja Matriz da Ribeira Brava. Atribui a Chorão Ramalho “um novo entendimento do projeto, que sem deixar de ser contemporâneo anunciava pioneiramente preocupações de contextualização, de ligação ao envolvimento natural. Chorão Ramalho utiliza de um modo crítico, isto é, valorizando a pré-existência ambiental e cultural, a linguagem filiada no movimento brutalista dos anos 60 recuperando os materiais tradicionais, bem como a colaboração de pintores e escultores contemporâneos” (2010, s.p.). Põe em destaque a mediação do arquiteto: Chorão Ramalho evidencia valores vernáculos de tradição local, dentro da linha de pesquisa e entendimento da arquitetura moderna portuguesa levada a efeito pelo “Inquérito à Arquitetura Regional”, numa atitude dialogante com o

racionalismo e o funcionalismo modernista, patente no uso de materiais locais de uma forma expressiva e prática, como é o caso da aplicação das cantarias regionais, dos tapasóis madeirenses ou do calhau rolado (Freitas, 2010, s.p.). Confirmando que o templo católico permanece como lugar privilegiado de expressão das Artes Plásticas, o comentador salienta a sensibilidade de Chorão Ramalho: Estas obras religiosas, projetadas no cumprimento da fidelidade ao movimento moderno, mas absorvendo as lições da arquitetura tradicional, resultam em intervenções de linguagem secamente pura, limpa e silenciosa, marcos da modernização arquitetónica religiosa e propostas de uma espacialidade nova, mas capaz de nos transmitir a real dimensão da condição humana e o sentido do sobrenatural (Freitas, 2010, s.p.). Não obstante, E. G. de Freitas (2010, s.p.) dá conta de tensões ocorridas entre o projetista e o Presidente da Câmara (António Bettencourt Sardinha) sobre a Capela-Ossário das Angústias, entre o projetista e “a conservadora Diocese do Funchal” sobre as igrejas do Imaculado Coração de Maria e do Porto da Cruz. Importa salientar que mais recentemente, nomeadamente no episcopado de D. Teodoro de Faria, houve a determinação de garantir a contextualização eclesiástica das novas igrejas, construídas em conformidade com as normas litúrgicas de Vaticano II.


Notas para a história da ilha da Madeira: Descoberta e início do povoamento In Revista das Artes e da História da Madeira nº23 1956 Museu de Arte Sacra do Funchal


182

5. O Padre Pita Ferreira historiador

[O] nosso colaborador e amigo Rev.º Pe. Manuel

5.1. A ambição da veracidade do relato histórico

Juvenal Pita Ferreira (…) foi um colaborador assíduo da revista “Das Artes e da História da

Se a atividade apostólica constituiu o âmago da carreira eclesiástica do Pe. Pita Ferreira, os estudos históricos terão sido porventura para ele um espaço de lazer, permitindo-lhe empregar prazerosamente os recursos da sua

Madeira” e dela se serviu para publicar, em separata, muitos dos seus livros. Dotado duma inteligência arguta e possuindo verdadeiro espírito de investigador, deixou (…) uma obra

Inteligência aberta para a investigação, para o

valiosa sobre a história da Madeira. A sua

trabalho de pesquisa que tanto apaixonava o seu

maior preocupação era documentar todos os seus

espírito ansioso de cultura. É que o talento do

estudos, citando, na íntegra, as fontes que

notável sacerdote correspondia à tendência para

julgava fidedignas. Por vezes foi um tanto

esquadrinhar os arquivos, forragear deles as

ousado nas suas conclusões; mas isso em nada

notas necessárias para construir em linguagem

o desmerece, porque o seu objetivo não era

didática edifícios de história nacional. Mas

atingir ninguém. Apenas (…) publicar algumas

não era preocupação do Pe. Pita Ferreira fazer

achegas sobre a história da Madeira a fim de

história simplesmente. Não! Ele ia em busca da

esclarecer pontos que para ele eram obscuros.

verdade, procurando dar novas interpretações a

Nunca teve a preocupação de ser a última

factos que já estavam consumados. E socorria-

palavra em matéria histórica madeirense. Dizia-

se dos documentos que encontrava, compulsando

nos: “o meu desejo é que me rebatam franca e

todos os que já haviam sido compulsados para

lealmente, pois não me considero infalível.

de novo os submeter à sua exegese (Diário de

Pretendo apenas esclarecer factos que julgo

Notícias, 1963, p. 1). Ao mesmo tempo, é possível encontrar expressões do que Jorge Freitas Branco designou como “catequese indireta” nesta e nas outras ocupações de cariz cultural a que o Pe. Pita Ferreira se dedicou. Iniciou o seu percurso de investigador na revista Das Artes e da História da Madeira, fundada e dirigida pelo Eng.º Luiz Peter Clode24. Nas páginas dessa autêntica revista de cultura, o Pe. Pita Ferreira encontrou o lugar que mereciam a sua prosa concisa e simples mas cuidada, os seus dotes interpretativos, o seu respeito pelos factos, pelos documentos, enfim por “aqueles que gostam verdadeiramente destes assuntos e (…) são tão poucos” (Ferreira, 1959, p. [I]). Foi admitido como amigo no grémio dos intelectuais madeirenses:

errados” (…) foi um escritor honesto e se errou foi no bom sentido de ser útil (L. P. Clode, 1964, p. 39)25.

24 Este facto foi-nos recentemente recordado por uma das suas filhas – a Dr.ª Inês Clode de Freitas, distinta professora de Ciências Musicais que presidiu a Comissão Instaladora do Conservatório de Música da Madeira, irmã da prestigiada diretora que foi do Museu de Arte Sacra do Funchal, Drª Luiza Clode.

Não obstante as reticências de quantos se incomodavam com a sua franqueza e originalidade de perspetiva, o Pe. Pita Ferreira ousava pensar livremente: “Bem que alguma vez a lógica do seu raciocínio estivesse em desacordo com os mestres da historiografia, o certo é que ele apresentava o seu ponto de vista, revelando assim a independência e o desassombro do seu espírito crítico” (Diario de Noticias, 1963, p. 1). Não se eximia de aprofundar questões supostamente encerradas, de questionar conclusões tidas como definitivas e

25 Esta notícia referente ao falecimento do Pe. P. Ferreira contém uma interessante foto de perfil do sacerdote.


183

Obteve o apoio da boa imprensa e o do prelado: confrontá-las com novos documentos: “Ninguém (…) pode dizer que, em história, esgotou o assunto” (Ferreira, [1959], p. XIII). Acreditava que o historiador podia aproximar-se da verdade e rejeitava sem rebuço versões dos factos fundadas unicamente no próprio dogmatismo:

Aguardavam-se com interesse e expectativa os seus livros anunciados para cuja publicação afanosamente trabalhava: “O Infante D.

A história do nosso Arquipélago tem ainda

Fernando, Terceiro Senhor do Arquipélago da

pontos muito confusos e outros erradamente

Madeira”; “Notas para a História de Santa

apresentados. Porventura não se põe Tristão

Cruz”; “Diocese do Funchal”, e ainda “Achegas

Vaz, indultado por El-Rei a 17 de Fevereiro

para a História do Arquipélago da Madeira”,

de 1452, a cumprir pena de degredo na ilha do

estudo aliás a que vinha dando publicidade

Príncipe, descoberta por Pero Escobar e João

em vários artigos no nosso diário. Preparava

de Santarém, no dia 17 de Janeiro de 1471?

também um estudo muito importante, para a

Não se põe o Infante D. Henrique à frente do

publicação duma obra de grande vulto: “A

povoamento do Arquipélago de 1420 a 1425 e

História da Diocese do Funchal” para o que

El-Rei D. Afonso V a criar a Vila do Funchal

tinha sido encarregado por S. Excª. Revª.

e a lhe dar Forais?... E tudo isto cai por

o Senhor bispo da Diocese, que o nomeara

terra à face dos documentos, apesar de ser

historiador da Diocese (Jornal da Madeira,

apresentado como verdade dogmática por tantos

1963, p. 8).

que escreveram sobre a Madeira (Ferreira, [1959], p. XII). Fiel a esta forma de ser, o Pe. Pita Ferreira gerou algumas suscetibilidades mas granjeou a consideração de quantos compreenderam o seu espirito inconformista:

A Junta Geral do Distrito publicou em 1959 O Arquipélago da Madeira Terra do Senhor Infante (sob a presidência do Engenheiro António de Sousa) e em 1963 A Sé do Funchal (sob a presidência do Coronel Fernando Homem Costa).

Tenha-se em conta Notas para a história da ilha da Madeira e O arquipélago da Madeira Terra

5.2. Metodologia do Padre Pita Ferreira e seu contributo para a história da Madeira

do Senhor Infante. Em qualquer dos volumes se depara esta faceta de originalidade, uma ideia diferente no exame dos acontecimentos. É que o Pe. Pita Ferreira no desejo de expor a verdade

Para deixar clara a intenção que o temas que julgava mal estudados, o sinalizou vícios que o historiador Desde logo a adulteração de factos

levava a escrutinar Pe. Pita Ferreira deve repudiar. e/ou documentos:

com a probidade mental que o caracterizava,

Expressarão os documentos sempre a verdade?

descobria maneira de encarar este ou aquele

É difícil dizer que sim (…) muitas vezes

aspeto com base nos cronistas, por um prisma

(o historiador) é obrigado a acreditar em

ainda não observado (Diario de Noticias, 1963,

escritores que diminuíram ou exageraram os

p. 1).

factos, que erraram e até mentiram, iludindo a


184

posteridade com tanta habilidade, que é difícil

documentos citados, que as hipóteses sejam

perceber. E o historiador vê-se na triste

fundadas em factos verdadeiros, que as

situação de acreditar neles até descobrir novos

conclusões sejam lógicas, porque doutra

documentos, que façam luz sobre os factos

maneira, os trabalhos apresentados, embora

(Ferreira, [1959], p. XII).

sejam muito leves e agradáveis de ler, levam

Considerava não menos grave omitir hipóteses credíveis: “Absolutamente condenável é não usar do “se”, do “provável” e do “possível” e apresentar ao público mentiras com foros de verdade, factos, que estão no âmbito da discussão, como se fossem indiscutíveis” (Ferreira, [1959], p. XIV). Inevitavelmente, a omissão de fontes trará vexame ao plumitivo negligente: Nem toda a gente está disposta a aceitar, como dogmas, factos contados sem citação de fontes ou baseados apenas na afirmação de que os historiadores os “leram algures” ou “num manuscrito antigo” (…) E a ninguém é concedido o direito de se admirar, de se queixar e muito menos de se revoltar, se, depois de ter escrito sobre qualquer assunto histórico, sem estudo prévio das fontes ou depois de se ter baseado em autores, que as não citam alguém, apresentando documentação merecedora de confiança deite por terra tudo ou parte do que foi escrito (Ferreira, [1959], p. XV).

muitas vezes o leitor incauto a erros de palmatória (Ferreira, [1959], p. XIV). O recurso a transcrições documentais parece-nos ser um dos pontos fortes da arte historiográfica do Pe. Pita Ferreira, já que a edição de fontes permite “incentivar a o estudo de temas menos frequentemente abordados [e] associar[-se] à informação e debate de temas de atualidade (possibilitando o melhor entendimento do presente através do confronto direto com factos e realidades de outrora)” (Paredes, 2005, p. 13). O Pe. Pita Ferreira sintetiza no livro Arquipélago da Madeira Terra do Senhor Infante a sua metodologia: Só escrever à face dos documentos (…) coligir, comparar, estudar conscienciosamente o maior número de documentos que pode encontrar sobre o facto ou período que deseja historiar, e tirar as suas conclusões (…) Deve ser leal. Não deve adulterar ou pôr de parte documentos que não estão conforme a sua maneira de ver e, quando não encontra documentos que venham provar o que pretende historiar, baseado em

Incapaz de descartar o rigor por desejo de agradar, o Pe. Pita Ferreira mais temia produzir um relato de insustentável leveza que ser considerado maçador:

factos verdadeiros, deve entrar no campo das hipóteses, dando sempre a perceber ao

A crítica moderna exige (…) que se consultem

leitor que nele entrou, por meio do “se”, do

e citem as fontes, que se tomem precauções

“provável” e do “possível” (Ferreira, [1959],

contra aqueles que escreveram sem indicar

pp. [XI] e XIII-XIV).

os documentos de que deitaram mão, que se transcrevam, muitas vezes na íntegra, os

Apurar a verdade dos factos comparando documentos fidedignos:


185

Deitar mão dos documentos que tratam dos factos que pretende historiar (…) estudá-los e compará-los e (…) baseado nos que julga mais seguros (…) tirar conclusões. Se os documentos (…) apenas tiverem aparência de verdade, as conclusões estarão sujeitas a cair por terra, um dia, perante outros documentos de maior autoridade” Ferreira, [1959], p. XIII); a clareza na exposição de hipóteses e a lógica das conclusões falarão por si: “acreditará na sua opinião quem quiser e, diante de tanta clareza e da lógica das conclusões, ninguém tem o direito de o censurar (Ferreira, 1959, p. XIV). 5.2.1. A Sé do Funchal, cabeça e modelo das igrejas paroquiais O Pe. Pita Ferreira escalpelizou os tempos mais remotos da vida na Madeira e Porto Santo em estudos como O Arquipélago da Madeira Terra do Senhor Infante (1959), Notas para a história da Ilha da Madeira (Descoberta e início do povoamento) (1956) O Infante D. Fernando, terceiro senhor do arquipélago da Madeira 1460-1470 (1963) – estes dois últimos publicados na revista Das Artes e da História da Madeira). Em A Sé do Funchal, abordou acontecimentos que remontam aos séculos XV e XVI, tão momentosos como a construção da Sé, a criação da diocese do Funchal e a elevação da Sé a metropolitana ou a invasão dos corsários franceses em 1566; apresentou notas biográficas de capitulares da Sé “que se destacaram pelos seus bons costumes, inteligência e obras” (Ferreira, 1963, pp. 95-101) – cónegos que foram teólogos ilustrados, humanistas, escritores, oradores distintos, governadores do bispado, fundadores de conventos ou recolhimentos, professores, jornalistas, parlamentares, como o cronista dos capitães da ilha, Jerónimo Dias Leite; o teólogo e visitador Gonçalo Gomes, que legou

a sua biblioteca ao convento de S. Francisco; o governador do bispado Manuel Ribeiro Neto, escritor mencionado por Barbosa Machado; o teólogo António Veloso de Lira, autor do inédito Antiguidades da Ilha da Madeira; António Joaquim Gonçalves Andrade, que compilou documentos para a história da Madeira, infelizmente extraviados; Fernando de Menezes Vaz, autor de artigos sobre diversas freguesias da ilha e genealogista respeitável. A bibliografia citada pelo Pe. Pita Ferreira, incluindo A Sé Catedral do Funchal (1936), do Pe. Fernando Augusto da Silva e as narrativas examinadas no capítulo Como foi vista a Sé através dos séculos (Ferreira, 1963, pp. 129-149); a antiguidade e variedade dos muitos documentos citados ou transcritos, provenientes da Torre do Tombo, do então Arquivo Distrital do Funchal, da Biblioteca Municipal e do escritório da Sé, traduções de bulas do bispado e do arcebispado do Funchal e transcrições de importantes manuscritos manuelinos, a Relação das Cartas, Alvarás, Provisões Régias e Mandados do conselho da Fazenda apresentada no final do volume, fazem deste livro um repositório de interesse perene. Por outro lado, o índice reflete a exaustividade da investigação, bem estruturada em temas que se aplicam a qualquer igreja paroquial: DESCRIÇÃO DA IGREJA / CONSTRUÇÃO DA IGREJA/ CABIDO /CONFRARIAS/ LIMITES DA PARÓQUIA / FESTAS/ A IGREJA COMO FOI VISTA ATRAVÉS DOS SÉCULOS/ A IGREJA E A ARTE – OURIVESARIA SACRA/PRATAS DA CONFRARIA DO SANTISSIMO/ - OBRA DE TALHA/ PINTURA/ ESCULTURAS/ PARAMENTARIA/ CERÂMICA, SERRALHARIA, MARCENARIA E VIDRARIA DA CATEDRAL/ ÓRGÃO(S) DA IGREJA/ SINOS DA IGREJA/ SEPULTURAS DA IGREJA/ DATAS MEMORÁVEIS/ DOCUMENTOS HISTÓRICOS. Tal estrutura pode pois servir de modelo para a descrição e a história de outras igrejas.

5.2.2. Reabilitar a história: A figura de Bartolomeu Perestrelo n’O Arquipélago da Madeira Terra do Senhor Infante O Arquipélago da Madeira Terra do Senhor Infante [1959] é livro digno de especial menção não só por assinalar a comemoração do centenário da morte do Infante D. Henrique, mas também porque sendo o “período decorrido entre 1420 e 1460, em que El-Rei D. João I e o dito


186

Infante foram senhores das ilhas (…) espaço de tempo (…) não muito grande nem muito afastado, (…) a escassez de documentação torna o escrever sobre ele muito difícil ao investigador” (Ferreira, 1959, p. [XI]); por realçar o papel de D. João I na concretização do povoamento do Porto Santo, e ainda por “relembrar a vida e ação” de Bartolomeu Perestrelo, “o fidalgo que acompanhou Zargo e Tristão Vaz nas viagens de 1419 e 1420 e dirigiu, primeiro sob as ordens de El-Rei D. João I e depois sob as do Infante D. Henrique, o povoamento da ilha do Porto Santo, cuja capitania lhe foi concedida por Carta do mesmo Infante, datada de 1 de Novembro de 1446” (Ferreira, 1959, p. 55), em reconhecimento dos muitos serviços por ele prestados. Citando documentos coevos, o Pe. Pita Ferreira refuta mitos subsistentes em torno da figura de Perestrelo, referentes à filiação de sua mulher D. Isabel Moniz, à relação de Perestrelo com Zargo e à suposta miséria em que teria caído. Comprova com o relato de Cadamosto o “grau de prosperidade atingido pela capitania de Perestrelo:

mel, que creio haja no mundo, e também cera, mas em pouca quantidade (Ferreira, [1959], pp. 79-80). Um manuscrito seiscentista de autor anónimo descoberto no arquivo da Familia Torre Bela atesta que esse quadro idílico de uma ilha de pão e mel perdurou na memória dos portosantenses: Com ho fauor de Deus comesaram (os moradores) ha samear pam e pramtar figeiras uinhas amoreiras romeiras e fazer ortalisas e melois e muitas frutas muita casa muito pescado e marisquo de toda a sorte e muito gado de toda a sorte em abumdamsia que em nehuma parte do mundo podia ser mais e pela beira mar hera uma gramde alegria de aruores de fruto assim

É Governador um Bartolomeu Perestrelo, criado

de figeiras como de amoreiras e uinhas [e]

do mesmo Senhor (Infante). Esta ilha produz

espinheiros que tapauam tudo isto (cit. por

trigo e cevada para si; é abundante de carne

Paredes, 2005, pp. 72-73).

de vaca, porcos selvagens e infinitos coelhos, acha-se também nela sangue-de-drago, que se cria em algumas árvores, e é uma goma, que elas estilam em certo tempo do ano, e se colhe (…) Esta árvore produz um certo fruto que no mês de Março está maduro, e é muito bom para comer à semelhança de cerejas mas amarelo (…) e à roda da marinha se acham grandes pescarias de dentais, dourados, e outros peixes saborosos. Esta ilha não tem porto, mas sim uma grande enseada, ao abrigo de todos os ventos, salvo o Les-Sueste e Su-Sueste; pois com eles se estaria ali em segurança mas assim mesmo tem bom ancoradouro (…) Nela se produz o melhor

Outro tema “apaixonante”, no ver do Pe. Pita Ferreira, a criação dos primeiros municípios do Arquipélago (Funchal, Machico e Porto Santo), levou-o a comparar os regimentos de D. João I, do Infante D. Henrique e do Infante D. Fernando, as cartas, forais e apontamentos que documentam o diálogo entre o povo e a Coroa – concluindo que “foi o Infante D. Fernando o primeiro, que apoiou os moradores do Arquipélago da Madeira, na sua ânsia de emancipação, e aliviou a gente humilde dos pesados encargos impostos pelo Infante D. Henrique” (Ferreira, 1959, p. 306). Quanto à organização administrativa e económica do Arquipélago, o Pe. Pita Ferreira atribui a Zargo, Tristão Vaz e Perestrelo a ideia da criação das capitanias, que admite terem-lhes sido cedidas gratuitamente, já que não detinham O direito de propriedade sobre as terras (…) mas apenas o direito de administração e distribuição da justiça, tendo como pagamento


187

a participação nas rendas do Senhor Infante e

la discussion sont abordées avec franchise et

várias concessões” (…) O Infante nunca visitou

les solutions présentées toujours défendables

o Arquipélago e, vivendo longe, é possível que

(…) L’essentiel est dit (…) avec l’exactitude,

só estivesse ao facto dos assuntos das ilhas

la précision, la clarté et la simplicité

por meio das informações dos seus feitores.

agréable de présentation qui restent les

Ninguém melhor do que eles via o que era

caractéristiques très dignes d’éloges de tout

necessário fazer para o engrandecimento da

l’ouvrage (Zeiller, 1932, p. 198).

Madeira e Porto Santo e, por isso, não admira que a ideia da criação das capitanias deles tivesse partido. Era a lição das coisas e dos factos, que ensinava que o Arquipélago não podia continuar a ser “uma horta do Senhor Infante” e que era necessário o dinheiro e a iniciativa particulares, para que o próprio Infante com menos canseiras e gastos pudesse tirar maiores frutos e as ilhas se povoassem e desenvolvessem rapidamente. A capitania do Porto Santo, por exemplo, foi concedida a pedido de Bartolomeu Perestrelo. É o Infante D. Henrique quem no-lo afirma, na Carta de Confirmação da venda da dita Capitania a Pero Correia (Ferreira, 1959, p. 261).

Seduz também pelo talento revelado na interpretação dos documentos e na recriação do ambiente da epopeia madeirense: Terras bastantes havia no Reino, cuja densidade de população era ainda muito pequena. Não existia portanto a necessidade de sair do continente para tomar parte em tão grande aventura, como era o povoamento das ilhas, sem uma compensação. Na mira dela veio João Gonçalves Zargo, que não era rico, “non multum dives”, Tristão Vaz e Bartolomeu Perestrelo; por ela “deixaram suas terras e pátrias” os primeiros cabouqueiros e os povoadores, que depois deles vieram; para ajudar a alcançála gastou a Coroa, ao princípio, e a Ordem de Cristo, depois, grandes somas. O amanhecer do povoamento foi difícil. As ilhas foram

5.2.3. Historiador Poeta

regadas pelas gotas do orvalho e da chuva, caídas do céu, e pelas bagas do suor, que

Como historiador, o Pe. Pita Ferreira cativa pela exposição acessível e pela consistência no tratamento de temas controvertidos. Nesta medida, pode aplicar-se às suas narrativas o comentário de Jacques Zeiller ao tratado Histoire Générale de l’Église do Abade Auguste Boulenger:

deslizaram abundantes pelas faces dos primeiros cabouqueiros; o arvoredo foi devastado pelo fogo e pela força humana; as terras foram cortadas e arroteadas ao som dos gemidos das

L’exposition est facile, les divisions comodes

enxadas e dos peitos; as searas foram semeadas

et judicieuses. Les questions qui prêtent à

pelas mãos calejadas dos moços de gleba e


188

fecundadas pelo doce embalar dos ventos e pelos

daqueles que os fundaram e pela fé e orações do

beijos puríssimos do sol. E desta amálgama de

povo simples e crente, que, em dias de romaria,

chuva e de orvalho, de suores e de gemidos, de

os visitava, depois de calcorrear carreiros,

fogo e de força humana, de sementes, ventos

alegrando os campos e animando as serras, ainda

e sol nasceu a compensação tão ansiosamente

virgens, com seus cantares e tocares (Ferreira,

esperada por todos, o oiro. Apareceu espalhado,

1959, pp. 309-310).

em fins de primavera e princípios de verão, nos trigais que douravam grande parte das ilhas e que transformados em pão, eram fartura, alegria e riqueza para todos e, vindo de fora do Arquipélago, em paga das madeiras, do gado, do vinho, do açúcar, do trigo, do mel, da cera, das conservas de frutas e doces exportados (Ferreira, 1959, p. 355-356). Para o Pe. Pita Ferreira, a fé foi determinante para o êxito de empreendimento tão desafiante, porque os povoadores Puseram em Deus toda a sua esperança e, em

Atento à cronologia dos factos e às relações de causa/ efeito entre estes, enquadrando a história regional na odisseia da Expansão Portuguesa, o Pe. Pita Ferreira realça os aspetos épicos do destino coletivo dos madeirenses, na linha da teoria de “Desafio e resposta” de um historiador e filósofo muito lido e comentado nas décadas de 1940 e 1950: “man achieves civilization, not as a result of superior biological endowment or geographical environment, but as a response to a challenge in a situation of special difficulty which rouses him to make a hitherto unprecedented effort” (Toynbee, 1987, p. 570).

5.2.3. A questão dos manuscritos oferecidos por Nuno de Freitas Lomelino da Câmara

sua honra, em louvor de sua Mãe e dos seus Santos, construíram os primeiros altares da ilha em capelas pobrezinhas e rústicas, feitas de madeira e cobertas de colmo, semeadas em qualquer parte da Madeira, onde havia terras para esmoutar, casas a edificar e povoações a fundar. Nelas se uniam ao Senhor não só para adorá-lo mas também para alcançar a força necessária para dominar os elementos da natureza tão madrasta nos primeiros anos do povoamento, o desânimo das almas, o cansaço dos corpos e o número sem conta das privações. Todos esses santuários (…) têm a sua história (…) e todos estão perfumados pela piedade

No seu afã de consultar o maior número de documentos possível, o Pe. Pita Ferreira frequentava assiduamente o então Arquivo Distrital e a Biblioteca Municipal; beneficiou da colaboração benemérita de Nuno de Freitas Lomelino da Câmara, que copiou manuscritos originais conservados no Arquivo Nacional: Na ânsia de fazer um trabalho consciencioso e útil aos que se dedicam a assuntos desta natureza, fiz quanto esteve ao meu alcance para só escrever à face dos documentos. Para isso vi-me obrigado a passar horas e horas a consultar alfarrábios no Arquivo Distrital e volumes na Biblioteca Municipal, a manusear os livros dos Arquivos paroquiais e aproveitei


189

elementos colhidos na Torre do Tombo por mim e

fundos que constituem o grupo de arquivos da

pelo Exm.º Senhor Nuno de Freitas Lomelino da

Igreja Católica do Funchal, bem como o apoio ao

Fonseca e Câmara, que com paciência beneditina

serviço de Referência de Informação do Arquivo

copiou preciosos documentos sobre o Arquipélago

Histórico da Diocese do Funchal (AHDF).

e, com toda a gentileza, os pôs à minha disposição (Ferreira, [1959], p. [XI]). O Pe. Pita Ferreira agradeceu publicamente ao seu amigo a inestimável oferta de “cadernos recheados de documentação” (Ferreira, [1959], p. [XVI]). Estes preciosos cadernos estiveram na origem de acesa celeuma nos jornais a respeito da propriedade dos mesmos, tendo Nuno Câmara confirmado a oferta que fizera e ficando claro que o Pe. Pita Ferreira estava acima de qualquer suspeita.26 Fazem parte do seu Arquivo as pastas de Apontamentos históricos já referidas e também um grosso volume de bela letra manuscrita, com a seguinte dedicatória na folha de guarda: “Ao distinto historiador madeirense, Exm.º Snr. Pe. Manuel Juvenal Pita Ferreira com muito apreço oferece Nuno de Freitas Lomelino da Câmara”27. No entanto, não constam do mencionado espólio quaisquer cadernos.

Conclusão

Cumpre realçar que desenvolvemos este trabalho para corresponder ao honroso convite do Museu de Arte Sacra, na pessoa do Dr. Martinho Mendes, e ainda ao abrigo do protocolo de colaboração assinado a 19 de abril de 2017 entre a Direção Regional da Cultura / Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira e a Diocese do Funchal, no âmbito do projeto de apoio técnico ao Arquivo Histórico da Diocese do Funchal. O protocolo visa O desenvolvimento e execução do projeto de elaboração de instrumentos de descrição conformes à norma internacional de descrição arquivística, sistematizadores dos diversos

26 AHDF, Arquivo do Padre Pita Ferreira, recortes do Eco do Funchal, de 01-10-1961 e 09-10-1961

27 AHDF, Arquivo do Padre Pita Ferreira, Lv. 460 (cota provisória).

Este artigo de comentário a diversos livros e manuscritos emprestados pelo Arquivo Histórico diocesano ao Museu de Arte Sacra do Funchal para a exposição celebrativa do 5º Centenário da dedicação da Sé Catedral é fruto da colaboração institucional (entre o MASF, o AHDF e o ABM) com vista ao melhor êxito da comemoração desse 5º Centenário e do 6º Centenário do (re)descobrimento do nosso arquipélago. Procurámos salientar aspetos de interesse e atualidade na maioria dos documentos disponibilizados, bem como tentámos reconstituir alguma parte do “mapa” das influências e interferências espirituais e intelectuais que desaguaram na obra do Pe. Pita Ferreira e a explicam. Assim esperamos ter contribuído para incentivar à (re) leitura dos livros e artigos do Padre Pita Ferreira e a prosseguir a investigação dos temas que ele tratou. Alegramo-nos de participar numa iniciativa que põe em evidência simultaneamente o relevantíssimo contributo cultural da Igreja Católica e o apostolado multiforme do benemérito sacerdote – tão empenhado em ensinar a Doutrina Católica com transparência e rigor no púlpito e na aula de Catequese, como em assinalar o valor divino e a função didática da Arte Sacra e em investigar a verdade histórica. Por feliz coincidência, hoje, dia em que terminamos este artigo, o património documental da Igreja está em foco nos meios de comunicação social: a visita do Papa Francisco à Biblioteca Apostólica do Vaticano, onde foi recebido pelo arcebispo madeirense D. José Tolentino Mendonça, atrai a atenção para esta e outras instituições da Igreja que servem “o desenvolvimento, a conservação e a divulgação da cultura”, oferecendo “tesouros riquíssimos de ciência e de arte aos estudiosos que investigam a verdade” (Diário de Noticias, 04-12-2018).


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FICHA TÉCNICA

CATÁLOGO

EXPOSIÇÃO

Coordenação: Museu de Arte Sacra do Funchal

Produção: Museu de Arte Sacra do Funchal Direção: João Henrique Silva Comissário: Martinho Mendes Investigação e Textos: Elisa Vasconcelos (Coord.), Martinho Mendes, João Henrique Silva Conservação: Carolina Ferreira (Coord.), Teresa Correia, Sara Lambeau Museografia: Elisa Vasconcelos, Martinho Mendes Design de Comunicação: Ana Antunes Impressão e montagem: Manica Soluções, Publinsular Moldagem: Hélder Folgado

Investigação e Textos: Elisa Vasconcelos, Martinho Mendes, Maria Paredes, Vítor Gomes, Isabel Santa Clara, João Baptista Revisão de textos: Elisa Vasconcelos, Martinho Mendes Design Gráfico: Ana Antunes Tipos de letra: Tahoma Bold Anonymous Pro © Mark Simonson Créditos de imagem: Arquivo MASF Arquivo e Biblioteca Regional da Madeira (p. 33, 46, 68(1), 109 ) Casa-Estúdio Carlos Relvas (p. 22) Casa-Museu Frederico de Freitas (p. 68(2)) Jéssica Silva (p. 76, 77) João Baptista Pereira Silva (p. 111-119) Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica (DGPC/ADF) — obras MNAA: Carlos Monteiro (p. 87(1), 96(2)) José Pessoa (p.81(1), 83(2), 85, 90, 91, 98(1))

Modelação 3D: Jéssica Silva

Fotografias da exposição: Joana Sousa

Arquitetura e Design expositivo: Samuel Freitas, João Almeida

Local de edição: Funchal

Carpintaria: Ludgero R. Freitas, Lda; Sérgio Tito Silva, Lda

Ano: 2020

Montagem da Exposição: André Faria, Ana Pestana, Filipe Campos, Fátima Jardim, Isabel Santos, Luís Oliveira, Nuno Figueira, Samuel Freitas

ISBN: 978-989-33-1121-9

Secretariado: Edmundo Freitas

LICENÇA Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Serviço Educativo: Martinho Mendes (Coord.), Elisa Vasconcelos Tradução: Teresa Freitas, Sara Lambeau Museu de Arte Sacra do Funchal

2020

Fotografia e Digitalização: Flávio Nuno Joaquim Apoio institucional: Agradecimentos: Biblioteca Municipal do Funchal, Arquivo Histórico Diocesano do Funchal, Arquivo e Biblioteca Regional da Madeira, Casa da Cultura de Santa Cruz - Quinta do Revoredo, Casa-Museu Frederico de Freitas, Direção Regional de Cultura, Casa-Estúdio Carlos Relvas, Museu Nacional de Arte Antiga, Familiares Padre Pita Ferreira, António Rodrigues, Edward Kassab, João Baptista, Paulo Olim, Fábrica de Extração de Pedra e Brita da Palmeira, Melim Mendes

CONTACTOS Rua do Bispo, 21, 9000-073 Funchal +351 291 228 900 info@masf.pt http://www.masf.pt


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