Alexandre Alves Costa

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PROJECTO INVESTIGAÇÃO ESCRITA CICLO DE LIÇÕES FAUP

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PRÁTICA(S) DE ARQUITECTURA PROJECTO, INVESTIGAÇÃO, ESCRITA

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ALEXANDRE ALVES COSTA


PRÁTICA(S) DE ARQUITECTURA

PROJECTO | INVESTIGAÇÃO | ESCRITA Presente a condição histórica de um lugar, de uma comunidade particular – o Porto – queremos tomar como referência a “aventura comum percorrida por três personagens” – Fernando Távora, Álvaro Siza, Eduardo Souto de Moura – e por um círculo variável de amigos. Uma experiência que partilhou, que partilha, o sonho de resgatar Portugal do seu isolamento e, ao mesmo tempo não renunciar à sua identidade histórica – projecção de uma prática da arquitectura que se libertou, que se liberta, das formas históricas, mas não do carácter profundo da sua cultura. Sinal e sedimento de uma identidade não linear, talvez sejam tão só a reunião de gestos de simplicidade de quem procura (procurou) processo e pauta para a elevação da cultura do lugar, para a transformação de uma paisagem – desassossegos da arte da casa-mãe, a Arquitectura. Arquitectura que é afinal um modo de aprender a modificar a circunstância criando nova circunstância, foi, tem sido, princípio e experiência, manifesto e espaço de uma cumplicidade mínima para (a)firmar um projecto para o ofício da arquitectura, estendido, transportado e traduzido, sem grande distância criativa mas com mágica convicção, como atmosfera festiva, como abraço instalador de prática de escola. Prática mansamente cultivada como escola hospitaleira e plural na evolução do “território da arquitectura”. Mas na agitação dessa condição ou na inteligibilidade desse processo, temos como seguro que os passos de hoje ou próximos interseccionam, atravessam, tocam diferentes confabulações e derivações, cruzamentos e desvios. Hoje, sabemo-lo bem, aquela aventura serve a muitas outras hospitalidades, de muitos outros lugares, de muitos outros praticáveis de conhecimento e desenho, de es-

tudo e investigação, de ensino e aprendizagem. É que em boa verdade “fazer um projecto é construir uma distância objecto-sujeito para, nesta distanciação, inventarmo-nos a nós próprios e, simultaneamente, o projecto”. Hoje, talvez seja instrutivo e operativo aceitar que projecto, investigação, pensamento são estações problemáticas na agitação do argumento e na manifestação de sentido da marca “Escola do Porto”. Hoje, talvez seja exigência: libertar o projecto na evolução da arquitectura enquanto encontro controverso entre prática disciplinar e experiência artística – criação, pensamento, conhecimento; averiguar, problematizar na investigação sobre a capacidade propositiva da arquitectura para a definição de lugares, a produção de significados, a sinalização de uma linguagem; tematizar, aprofundar na história o sentido de fundação, de perturbação, de (in)fidelidade do que o que aqui se foi proporcionando e partilhando como arquitectura, como escola, como lugar. Criação, pensamento, conhecimento são, seguramente, condição-disponibilidade de acolhimento do outro: gestos de simplicidade de quem prossegue processo e pauta para desassossegos da arte da casa-mãe – a Arquitectura – na transformação de uma paisagem. À mobilidade dos significados e à complexidade dos materiais que se oferecem à construção da arquitectura, de que forma servir criativamente o destino desta como expressão e projecção física da imaginação, como experimentação e experiência, como conhecimento e acontecimento, sem subverter a sua “coerência aventurosa” pela manipulação arbitrária e/ou abusiva da complexidade dos materiais que a movimentam, que a constroem?

Porto, Fevereiro de 2012 Manuel Mendes

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BIOGRAFIA

Alexandre Vieira Pinto Alves Costa nasceu no Porto, a 2 de Fevereiro de 1939. Frequentou o curso de Arquitectura na Escola Superior de Belas Artes do Porto, após o qual estagiou no Laboratório Nacional de Engenharia Civil com Nuno Portas, tendo obtido o diploma de Arquitecto em 1966. Desde 1970 exerce a profissão de arquitecto em regime liberal. Em 1972 deu início à sua carreira no ensino universitário, nas áreas de Projecto e História da Arquitectura Portuguesa. No período pós 25 de Abril de 1974, fez parte da Comissão Coordenadora do SAAL/Norte, responsável pelo sector de Planeamento e Apoio ao Projecto. Na Universidade do Porto integrou a Comissão Instaladora do Curso de Arquitectura da FAUP, em 1979, desempenhou os cargos de Presidente do Conselho Directivo e de Presidente do Conselho Científico e dirigiu o 1.º Programa de Doutoramento em Arquitectura. Hoje é Professor Catedrático Jubilado da UP. Na Universidade de Coimbra e na Universidade do Minho, em 1988 e 1997, respectivamente, foi membro das comissões instaladoras dos cursos de Arquitectura.

É autor de trabalhos editados em revistas da especialidade (Lótus International, 9H, Domus, Wonen Tabk, Casabella, Architecti, Jornal Arquitectos, Monumentos, e Estudos/ Património), foi convidado a integrar os conselhos editoriais do “Boletim da Universidade do Porto”, da Revista “Monumentos”, da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e é membro do Conselho Editorial do “JA- Jornal Arquitectos” da Ordem dos Arquitectos. Em 2005, os artigos anteriormente publicados, juntamente com alguns inéditos, foram recolhidos em três títulos: “Candidatura ao Prémio Jean Tschumi” (2005), “Introdução ao Estudo da Arquitectura Portuguesa e Outros Textos” (2007) e “Textos Datados” (2007). No dia 21 de Janeiro de 2010, Alves Costa proferiu a última aula formal na FAUP, embora continue a dirigir o Seminário de Projecto de Tese do curso de Doutoramento, a coordenar as edições desta Faculdade e a leccionar na Universidade de Coimbra.

Fonte:http://sigarra.up.pt/up/web_base.gera_pagina?P_ pagina=1006533

BIBLIOGRAFIA SELECCIONADA ALVES COSTA, Alexandre; Textos datados; Coimbra; E|d|arq, 2007 ALVES COSTA, Alexandre; Álvaro Siza em Matosinhos; Matosinhos: C.M; 1996. ALVES COSTA, Alexandre; Introdução ao estudo da história da arquitectura portuguesa: outros textos sobre arquitectura portuguesa; 2ª ed revista e aumentada; Porto; Faup Publicações; 2007 ALVES COSTA, Alexandre; Alexandre Alves Costa: Candidatura ao Prémio Jean Tschumi; Lisboa; Ordem dos Arquitectos; 2005 ALVES COSTA, Alexandre; coord. Rui Jorge Garcia Ramos; O liceu Alexandre Herculano no Porto : história, projecto e transformação; Porto; FIAJMS, 2011

OUTRAS CONTRIBUIÇÕES Porto 1901-2001: guia de arquitectura moderna; Alexandre Alves Costa... [et al.]; Porto: Porto 2001; 2001. Mapa de Arquitectura do Porto: plano de arquitectura; Alexandre Alves Costa, André Tavares; Coimbra; Argumentum, 2003. Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001; Porto; Edições Asa; 2001. O Último Projecto para Santa Clara-a-Velha; Património/Estudos; n.º 8; IPPAR; 2005. Idanha-a-Velha : recolha de textos; dir. Alexandre Alves Costa; Porto; FAUP; 1997 Só Nós e Santa Tecla: a casa de Caminha de Sergio Fernandez; Alexandre Alves Costa...[ et al.]; Porto; Dafne; 2008. Porto 2001: regresso à Baixa; FAUP; Serviço de Editorial e Porto 2001; AS; 2000. Marrocos: 1967; Alexandre Alves Costa, Álvaro Siza; Porto; Circo de ideias; 2011 Portugal: do mar, das pedras, da cidade; textos Alexandre Alves Costa, José Manuel Fernandes; trad. Reginald Brown, Margarida S. Cunha; Lisboa; M.C.; 1996. Cidadesofia: cidades universitárias em debate; ed. Alexandre Alves Costa, Jorge Figueira, Gonçalo Canto Moniz; Coimbra; EIDIARQ; 2005 3

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DA ARQUITECTURA ALVES COSTA, Alexandre; Textos datados; Coimbra; E|d|arq; 2007; pág. 219-224

Desde a luta contra a Reforma de 57 que me vejo, como estudante e como docente da Escola, activo interveniente na criação de plataformas pedagógicas para o ensino da arquitectura que foram definindo aquilo a que veio a chamar-se Escola do Porto. Sabemos que a criação de uma pedagogia na nossa escola esteve ligada de maneira profunda às vicissitudes da evolução da sociedade portuguesa, às do exercício da profissão, bem como de particulares conjunturas internas que permitiram ou favoreceram certas formulações teóricas e/ou certas práticas pedagógicas. (…) Os limites à gestão democrática e as tentativas para uniformizar os curricula dos dois únicos cursos que existiam à época, Lisboa e Porto, limitando a sua liberdade, tinham, de facto, aberto uma crise interna e nós tínhamos a ideia que a sua superação passaria pela recuperação ou construção colectiva de uma memória que nos permitisse um novo momento de acção propositiva ou de afirmação de autonomia. (…) … [no Relatório dos Trabalhos da Comissão Científica Nacional Interuniversitária de Arquitectura] (…) O arquitecto não é, nem nunca foi, um inspirado na terra de ninguém, que dá piruetas e mantém o equilíbrio, agora com as ciências exactas na mão direita e as humanas na esquerda. É o núcleo de instrumentos metodológicos disciplinares que é necessário entender e aprender, a inserção da informação indispensável — toda, incluída a das ciências humanas e exactas que é preciso transformar. (…) Noutra perspectiva considerava-se que não era afastando os estudantes e professores da realidade, retirando-lhes o compromisso imediato que desejavam com ela, que se resolveriam as contradições e equívocos que permaneciam no curso de arquitectura desde há anos. Conscientes da autonomia disciplinar da arquitectura, condição da interdisciplinariedade e do seu papel específico na transformação da realidade, repudiando a sectorização de uma visão analítica do ensino, defende-se que o envolvimento no real é ponto de partida essencial e irrecusável na superação dos citados equívocos, além de condição para a participação activa dos estudantes, reafirmada como indispensável. Correndo conscientemente o risco de dissolução da escola — mais vale perdê-la do que não tê-la — acreditámos que a pressão da urgência das necessidades reais e as perspectivas de viabilizar a sua resolução forçariam a síntese desejada, neste momento histórico único para entender a arquitectura a partir da prática e uma vez que a recusa do desenho significaria, agora, recusa da intervenção social. Momento privilegiado para estabelecer uma metodologia consonante com o processo real de desenho que todos queriam finalmente desencadear. Foi uma aposta perigosa, mas eficaz. (…) As primeiras conclusões conduziram a uma redução do curriculum do curso e simultaneamente a um adensamento do conteúdo das matérias nucleares, considerando que, desde o início, a abordagem dos problemas da Arquitectura e do Planeamento Territorial deve ser global e nunca redutora da realidade em estudo e em transformação. As cadeiras e disciplinas consideradas indispensáveis à formação científica do arquitecto inserem-se na prática da Arquitectura e autonomizam-se, simultaneamente, em função e como fundamentação daquela prática. (…) As alterações da situação sócio-política portuguesa que vieram modificar o campo de intervenção, se produziram perplexidades momentâneas, não puseram em causa o que de essencial se conquistou, sobretudo a nível da consciência metodológica. Se, por um lado, é a circunstância específica que dita o tipo de trabalhador de que a arquitectura necessita, o que caracteriza em comum todos os tipos de arquitectos, independentemente da época ou contexto, é a proposta de um novo lugar, a inserção deste entre os já existentes: o pensamento espacial e o projecto. O produto essencial da arquitectura é o espaço. O espaço como forma, organizado e preenchido de significado, portador de símbolos e ideologia ou seja, da interpretação que os seus criadores tiveram das condições de vida. Por isso, num ensino que recusa ofuscar a realidade com a ideologia da não ideologia, os métodos não se assumem separados do conteúdo, o que não lhes retira nenhuma universalidade.

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A JUVENTUDE UNIVERSITÁRIA E O FUTURO ALVES COSTA, Alexandre; Textos datados; Coimbra; E|d|arq; 2007; pág. 225-228

Este foi o texto que constituiu a minha intervenção no colóquio/debate “A Juventude Universitária e o futuro”, integrada na “Semana do Estudante”, organizada pela Associação de Estudantes da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, realizado na ESBAP em Maio 1983 (…) Digo-vos, pelo contrário, que genericamente não tenho esperança na juventude universitária, fundamentalmente por ser universitária. Isto é, porque pertencendo, por privilégio mais do que por merecimento, a um dos aparelhos ideológicos, ou seja a uma das instituições através das quais é veiculada a ideologia dominante, os estudantes continuam a deixar-se ser objectos do ensino sem se constituírem sujeitos do ensino, colaborando, assim, no cumprimento dos objectivos daquela instituição, ou seja na reprodução das condições que estão na base do nosso sistema social. (…) O vosso futuro próximo é, pois, serem donos de um saber dividido, instrumentos dóceis, competentes e neutro, até que desponte a aurora da sociedade da abundância e, enfim, os milhões de seres humanos fuzilados, torturados, aprisionados, embrutecidos, esfomeados terão, na paz das valas comuns, a garantia histórica de terem morrido para que os seus descendentes, isolados em apartamentos com ar condicionado, aprendam a repetir, crentes nos programas de televisão, que são felizes e livres. (…) O sacrifício do presente é um dos ritos que mutilaram o homem desde as origens. Cada minuto se dissolve em fragmentos de passado e de futuro. Excepto na fruição do prazer, nunca nos entregamos àquilo que fazemos. É o que vamos fazer e o que fizemos que constrói o presente num fundo de eterno desprazer. Na história colectiva, como na história individual, o culto do passado e o culto do futuro serão igualmente reaccionários. Tudo o que se deve construir constrói-se a partir do presente. Para isso devemos usar as nossas únicas armas – a razão, a imaginação, a ousadia, a liberdade/responsabilidade, sem outros limites que não sejam os do rigor consigo próprio, com consciência de que o que vale radicalmente para cada um, vale para todos, agindo sempre como se nunca devera existir futuro. (…) Integremos imaginação com racionalidade. A racionalidade é crítica, separadora. Usá-la-emos para sustentar a nova ideia, para ajudá-la a crescer, sem que comentar o prazer que nos dá signifique cessar de existir. Proponho-vos pois, afinal, a cada um, que crie de si, impacientemente ou pacientemente o mais insubstituível e que trabalhemos ao menos – nós, os novos – por perturbar as almas, por desorientar os espíritos.

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O LUGAR DA HISTÓRIA ALVES COSTA, Alexandre; Textos datados; Coimbra; E|d|arq; 2007; pág. 253-264

Em Junho de 2006, escrevi aos meus alunos: (…) Sabendo que a realidade se revela tal como eu a interrogo, se se pretende que as respostas tenham algum sentido não podem formular-se desde um espaço abstracto, mas sim de um lugar. (…) 1. ARQUITECTOS Sobre a história, a que nós ensinamos, apetece começar por dizer que ela não é necessária para nada. Todos os arquitectos a usam sem dar por isso: não se pode projectar sem memória, tal como não se pode projectar sem a existência de uma relação com a vida. Depois, evidentemente, constrói-se sempre com o construído. Não há terrenos virgens, nem a cultura do homem está no seu ano zero. O construído é tanto o lugar em transformação, como a cultura arquitectónica universal. A posição que se assume sobre este complexo passado de sedimentos vários e todos significativos é tão importante como o desejo de construir o futuro. Assim, de forma obrigatoriamente cultivada, se constrói o conceito/desenho e se decide sobre a linguagem. O que queremos com a História é tornar este processo de conceptualização consciente e responsável. (…) Significa isto que há uma história para arquitectos que não tem os mesmos objectivos, nem os mesmos métodos da história dos historiadores e aqui pensamos que é necessário ter coragem para admitir que ainda está por resolver a natureza específica desta História da Arquitectura para futuros arquitectos. E porque não queremos separar a sua formação, nesta matéria, da sua formação global, não queremos distingui-la na discussão do ensinável em arquitectura, isto é, da determinação do que se pode ensinar em arquitectura e como — questão curiosamente semelhante à que Manuel Maria Carrilho levanta em relação ao ensinável filosófico. A situação é a seguinte: o ensino escolar habitua os alunos a adquirir conteúdos estáveis de conhecimentos. O ensino da arquitectura não se conforma a esta característica geral, como provavelmente todo o ensino artístico. Os problemas que surgem com o ensino da arquitectura decorrem fundamentalmente daquilo que se pretende ensinar, isto é, da própria natureza da arquitectura, do facto de ela não poder oferecer aqueles conteúdos e, portanto, ser aprendida strictu sensu, mas apenas poder propor, exercitar, a aprendizagem do projectar. Diremos que o professor de arquitectura tem de ensinar arquitectura na convicção de que ela se ensina e na plenitude da convicção contrária, de que ela não se ensina, nem pode ensinar-se. E se, de facto, se pode aprender história sem aprender a projectar, não é essa a nossa história. Esta provavelmente não se ensina, nem se pode ensinar. 2. A ARQUITECTURA COMO ENSINO SUPERIOR NAS BELAS ARTES —1931 (…) Os apelos à manifestação da individualidade num regime de aprendizagem flexível, ao sabor das necessidades de cada um, como que adequando o percurso do ensino ao progresso natural do conhecimento; a formação global do aluno implícita na actividade de síntese que constitui a parte central do curso; o aprender a fazer fazendo, nunca enganando os alunos, apresentando-lhes como um saber acabado uma disciplina cuja actividade decorre precisamente de o não ser, são aspectos que lemos positivamente, traumatizados como estamos pelas sequelas da modernidade: divisão e sectorização dos conhecimentos, especialísmo, normalização dos comportamentos, desprezo pela artísticidade nos confrontos do desenvolvimento. (…) É, provavelmente, a consciência de que para utilizar a história é necessário aprendê-la projectando que leva à proposta de uma prática na disciplina de Arqueologia onde se projectam edifícios românicos, góticos ou manuelinos, para aprender os estilos e para comprovar o aprendido. Da negatividade quase total deste processo e do seu anacronismo fica-nos, apesar de tudo, alguma luz. 3. A MODERNIZAÇÃO TECNOCRÁTICA POSSÍVEL —1957 (…) …as propostas da nova utopia tecnocrática arrastam novos e não menos temíveis pecados constitutivos: a sectorização do saber, o especialismo, a apreensão do real por pontos, a recusa ostensiva do senso comum e dos estudos humanísticos. O projecto, enquanto proposta transformadora, é concebido a-historicamente, de forma mecanicista, a partir de um conhecimento desencantado do real, construído com um rigor que ao quantificar desqualifica. Os limites da compreensão do mundo são obscurecidos pelo espectáculo da tecnologia e o diálogo experimental com a realidade é substituído pelo exercício da prepotência sobre ela.

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(…) Estes anos heróicos da Teoria e História deram novas perspectivas a uma futura abordagem da história da arquitectura, encarada pelo lado da arquitectura e não da história tradicional, pelo lado do espaço, matéria da arquitectura, e não pela escultura decorativa, pelo lado dos sistemas construtivos e do seu significado e não pela nomenclatura e classificação dos elementos estruturais, pelo lado da crítica de arquitectura e não pela narrativa dos elementos que a conformam. Falava-se do livro de história sobre o estirador, mas ninguém sabia o que isso queria dizer! 4. AS AGRURAS DA LIBERDADE OU A ACEITAÇÃO INSTITUCIONAL DA EXPERIMENTAÇÃO PEDAGÓGICA —1974 A recusa do desenho transformou-se na reivindicação do desenho. Iniciou-se a reestruturação do curso com base no antigo e reassumido património, sobretudo de debate, acumulado na memória da Escola. 5. FINALMENTE A HISTÓRIA DA ARQUITECTURA PORTUGUESA (…) É objectivo da disciplina o encontro com a realidade concreta de uma tradição nacional, a abordagem das questões ao nível de uma leitura contínua das formações estilísticas e dos períodos de transição, bem como o entendimento da temporalidade em que decorre a actuação do arquitecto. Uma leitura das leituras, também. Trata-se da aprendizagem de meios para o reconhecimento e a formulação das questões, na perspectiva de abrir caminho para uma edificação conceptual autónoma. Trata-se, como refere Heidegger, de um recuo positivo ao passado no sentido de uma apropriação produtiva. (…) A história da arquitectura para futuros arquitectos deve ser o estudo das condições e dos processos de desenho que produziram as obras objecto de análise e crítica, exemplos concretos em que se aprende o como, não transformáveis em modelos, porque libertas do vírus contagioso da forma contemporânea. Esta perspectiva informativa e formativa deve servir, prioritariamente para qualificar o desenho de cada um como projecção estruturada do pensamento. (…) A solução vai ser procurar adequar o percurso do ensino ao progresso natural do conhecimento. No âmbito restrito de uma só cadeira, esta progressividade deve ser substituída por um esforço simultâneo em vários registos, dependendo do seu ajustamento a única possibilidade de ensinar. E actuamos com a convicção de que não pode haver regras invioláveis, nem talvez método, mas antes um inevitável pluralismo metodológico. E por Heidegger sabemos que: quando apenas se toma posse de algo que é oferecido, não se está verdadeiramente a aprender, o que só se começa a fazer quando se experimenta o que se apanha como o que em si mesmo já se tem, ou seja, quando, exercitando-se com o que é pressuposto, se inicia uma apropriação de algo através do uso que se faz da própria razão. 6. AMIGOS E COMPANHEIROS HISTORIADORES Estudamos história da arquitectura pelo prazer de compreender a arquitectura, não como reflexão especulativa, mas como reflexão a partir do interior, pensando o que deve ser feito e como fazer. Porque fazendo, em concertado diálogo e travessas rupturas, são continuados os percursos que nos foram legados. Necessitamos deles, espaços e formas, dos seus lugares e dos seus autores, porque são como um espelho e medida de tudo o que de novo vai sendo feito. (…) Emprestar o nosso olhar para compreender, num processo de leitura complexa do objecto em si e na sua relação comparada com outros objectos. (…) Finalmente, fornecer o instrumento imprescindível para esta apropriação inteligente — o desenho — que sendo uma síntese específica de comunicação de uma ideia formal, tem também a capacidade de se revelar como um auxiliar do processo analítico de leitura do objecto arquitectónico. Para o conhecimento da realidade construída, o desenho é incontornável. Sem ele não se entenderá o que está feito e como foi feito. Com ele, e complementando outros saberes, se entenderá porquê e, sobretudo, como fazer.

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E, SEM DÚVIDA, VIGO NUNCA ME PARECEU UMA CIDADE FEIA ALVES COSTA, Alexandre; Textos datados; Coimbra; E|d|arq; 2007; pág. 211-216

(…) Que projecto desenharíamos para esta cidade? Para que vocação, para que programa? Com que dimensões e delimitações? Constato que Vigo me estimula uma procura de respostas diferentes das que tenho construído para outras cidades. E é essa constatação que me dá plena consciência de que esta, ao contrário do que sempre pensei, viajante distraído para paragens mais reconhecidamente culturais, tem, afinal, como todas, um carácter único que implica um projecto único para o seu desenvolvimento. E não é necessário procurar os vestígios paleolíticos, castrejos, romanos ou, até, medievais e barrocos, que poucas ou nenhumas marcas de antiga nobreza deixaram na cidade. Basta a sua contemporaneidade para encontrarmos os fundamentos históricos para o seu redesenho. As marcas históricas, a memória histórica, só funcionam como valores estruturais e instrumentos de projecto quando se mantêm como estrutura visível e vivida. A história que importa é a que nos resta das lembranças, a que somos capazes de inventar e partir de dados concretos e palpáveis que desejamos manter legíveis e visitáveis. Um dia pode fazer história, a sua importância não se mede pela antiguidade, mas pela sua capacidade real de se transformar e ser retomado pela contemporaneidade, se decidirmos que isso é fundamental na construção do futuro, que é o que realmente importa. (...) … O seu carácter próprio dependeria, apenas, da importância maior ou menor dos diversos momentos da sua história, importância variável de cidade para cidade, resultando daí as diferenças que as separam. Esta leitura permitiria que, em esquema, se lhe pudesse aplicar uma lógica para o ser reordenamento futuro de natureza mais ou menos universal. Mas não é assim, com a dificuldade acrescida, no caso de Vigo, de que o seu passado real não se tenha constituído numa narrativa que poderia e deveria funcionar como elemento de identificação consciente da comunidade. Esta espécie de pecado estrutural abre, no momento em que os códigos universais entraram em crise, perspectivas particularmente estimulantes. Teremos de reconhecera natureza da realidade urbana e territorial do que existe, com instrumentos que da geografia à antropologia, à sociologia ou economia, nos fornecerão os dados rigorosamente científicos para a sua interpretação, o que, neste caso, poderemos fazer em simultaneidade com a construção da narrativa da sua história. Isto é: aqui, muito claramente, o projecto poderá nascer paralelamente à construção da história e não condicionado por ela, o que significa que ambos estarão em situação de interdependência, digamos, natural. (…)

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LEARNING FROM COIMBRA OITO PONTOS ESTRUTURAIS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA DIDÁCTICA ACTIVA ALVES COSTA, Alexandre; Textos datados; Coimbra; E|d|arq; 2007; pág. 269 - 271

Estes oito pontos foram escritos e apresentados na sessão final de um Seminário Internacional em que participei em Lima e Cuzco, no Peru, em Dezembro de 2005. Tratava-se, ainda, de dar resposta a uma solicitação de colaboração para a NU, revista planeada e produzida pelos estudantes do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra. O texto foi publicado no n.°26 da referida revista, dedicada ao tema identidade. As referências a Coimbra, no ponto 5, estabelecem a transição do discurso genérico para o local, embora se possa substituir o nome daquela cidade por qualquer outra. Considero estes pontos doutrinários e foram escritos como um manifesto, em tom anos 70, mais uma vez em defesa da autonomia disciplinar da arquitectura, ciclicamente atacada pelas tecnocracias e pelo desacreditado método científico que lhe pretendem conferir, de fora, uma dignidade académica que pretensamente não possui. Defendamo-nos dos nossos salvadores. 1. Está suficientemente claro o território do arquitecto enquanto profissional de arquitectura — de fora os desvios que encaminhavam o exercício profissional para a dissolução na política ou nas ciências sociais. Outra coisa é o nosso dever de exercício da cidadania. 2. A arquitectura parte do real para o transformar. Projecto significa antecipação e implica, em primeiro lugar, uma referência ao futuro. Não há projecto sem futuro, nem é admissível uma referência projectual ao passado. Isso não impede, evidentemente, que a consideração do passado possa inserir-se na constituição do projecto; o que exclui é que esta possa representar uma sua condição de possibilidade, um seu constituinte essencial. Sendo o projecto uma previsão de possibilidade, ele é um dever ser e o acto de projectar um agir ético. O sentido da arquitectura será a reconquista desta consciência. 3. Defendemos a artisticidade da arquitectura. Não é só no plano objectivo do conhecimento do real, mas também no plano da pura intuição subjectiva, que se elabora a síntese que constitui o projecto. Como forma de arte abrem-se-lhe perspectivas de compreensão do real em transformação, assumidamente diferentes da ciência, já nem essa com um processo metodológico puramente analítico. O projecto tem início num a priori, baseado na razão pura, sempre exposto à ameaça de dados que o desmintam — é o preço pago na procura de alternativas comprováveis. Os momentos de descrição e interpretação constituem a densidade da proposta.

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4. A arquitectura não se inventa, avança sobre o real por pequenos passos, por pequenos distúrbios da realidade. Ela é sempre uma reavaliação da memória. Daí a importância da intuição depois de aprender a ver a arquitectura e a sua relação com a vida. A história da arquitectura é, assim, para os arquitectos, matéria instrumental, não para fazer história, mas para lhe dar continuidade. Não se trata de criatividade sem regras. A estética e a metodologia artística não estão dedicadas idealisticamente à criação, à intuição livre de regras, à liberdade inventiva, mas serão, pelo contrário, uma estética e uma metodologia viradas para a definição e aplicação das leis formativas da arte. A liberdade de espírito, na arte e na arquitectura, não é, de modo nenhum, isenta de vínculos, não coincide com um arbítrio rebelde a toda a lei. 5. Sabemos, como disse António Pedro, que a pintura flamenga não necessitou de pintar holandesas de socos para ser flamenga, o que não significa que a existência de formas ou conceitos identitários, mesmo que parciais ou locais, não possa ir a par da universalidade que tem qualquer obra de arte. Algumas escolas de arquitectura são exemplo disso. Não é, nem pode ser, uma ideia programática, construir uma identidade em Coimbra. Existirá ou não, se reforçarmos o nosso entendimento do mundo e do território onde agimos. Aparecerá se lhes identificarmos algum futuro que deva ser: a Coimbra e ao mundo. 6. A arquitectura não se ensina, aprende-se projectando. Não se ensinam linguagens codificadas mas aprendem-se nas escolas os instrumentos para o exercício projectual, sendo o desenho um instrumento privilegiado para a descrição, interpretação e construção da proposta transformadora. Trata-se de actualizar permanentemente os antigos saberes dos arquitectos que não andam, apesar das novas tecnologias, muito longe daqueles que foram sintetizados por Vitruvio há dois mil anos. 7. A arquitectura transforma a natureza ao serviço do homem. Ou o faz com bom senso e competência ou será o seu fim. O compromisso com o ambiente natural e construído é um compromisso para a sobrevivência. 8. O embaraço da esperança projectual urbanística pode ler-se no rosto distorcido dos planos reguladores, quando não funcionaram como puros instrumentos de desregulação ou como projectos de legalização da desordem territorial. O projectista, renunciando ao papel universal de produzir utopias consoladoras, deverá deslocar-se das impraticáveis mega-estruturas, para a interpretação microestrutural do espaço urbano e territorial que foi sempre construído por homogeneidade e quantidades artísticas acabadas. Sem o recurso a qualquer autoritarismo é, ainda, possível, com a participação dos cidadãos, numa espécie de iluminismo democrático, continuar a desenhar a cidade, sem aceitar passivamente a inevitabilidade da cidade genérica, agora perversamente transformada em objecto de fruição estética.

SELEÇÃO DE TEXTOS E ORGANIZAÇÃO DO CADERNO PELO COLECTIVO “PRÁTICA(S) DE ARQUITECTURA”.

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AGENDA 29 FEV 29 FEV 29 FEV 01 MAR 15 MAR 26 ABR 03 MAI 17 MAI 24 MAI 29 MAI 31 MAI

15:00H 15:00H 15:00H 18:30H 21:30H 21:30H 21:30H 21:30H 21:30H 21:30H 21:30H

GONÇALO CANTO MONIZ JOSÉ MIGUEL RODRIGUES MARTA OLIVEIRA JORGE FIGUEIRA JACQUES LUCAN MAURICI PLA LUIS MARTÍNEZ SANTA-MARÍA LUZ VALDERRAMA FEDERICO SORIANO JEAN-PHILIPPE VASSAL ALEXANDRE ALVES COSTA

ORGANIZAÇÃO

APOIO INSTITUICIONAL

APOIOS

APOIOS À DIVULGAÇÃO

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