Revista DEATH (final)

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MÉTODOS DE SUIÍCIO Um ranking de letalidade e agonia

Uma revista de matar!

DIA DOS MORTOS

Um passeio pela famosa festa mexicana

Novembro 2016 | R$ 9,90

“NÃO EXISTEM MAIS FILMES DE TERROR HOJE”- Especial Zé do Caixão

ENTREVISTA

DICAS DE FUNERAL

EUTANÁSIA

Uma maquiadora de mortos fala sobre sua profissão

Como planejar uma cerimônia funerária

As polêmicas ideológicas DEATH | 1 do direito de morrer


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Pena de Morte EXPEDIENTE Editor Plinio Martins Filho Diretor de Redação Luciano Guimarães Editora-chefe e diretora de redação Viviane Alves Entrevista Alexandre Novaski Controle operacional Leandro Oliveira Edição online TrinityWeb Projeto gráfico e diagramação Marina Timm Maria Cerdeira Jorge Rodrigo Orsi Conselho editorial Dulce Muniz Débora Santos Comercial e marketing Lauro Junior Helena Almeida Matérias Antônio Roberto

A União Européia pediu que os Estados Unidos suspendam temporariamente a aplicação da pena de morte como passo prévio para sua abolição. A mensagem foi motivada pela execução de número mil nos EUA, desde o restabelecimento da pena de morte no país, em 1976. Com efeito, a execução de condenados é uma face condenável e brutal da democracia norte-americana, que apenas em decisões recentes da Suprema Corte (2002 e 2004) passou a considerar inconstitucionais as execuções de menores de idade e de doentes mentais. A tendência das principais democracias do planeta é eliminá-la. Não por acaso, as companhias dos EUA nesse tópico são ditaduras ferozes, como a da China, a campeã mundial de execuções, e teocracias retrógradas como as da Arábia Saudita e do Irã. De uma maneira geral, os que apóiam a pena de morte julgam que as sanções se justificam sobretudo pelo efeito pedagógico -elas servem de exemplo para evitar que outras pessoas cometam delitos semelhantes. Nesse sentido, o risco de alguém perder a própria vida após cometer um homicídio, por exemplo, deveria diminuir esse tipo de crime. A experiência internacional já demonstrou, porém, que a pena de morte não é fator decisivo para conter a criminalidade. O nível de delinqüência não baixou significativamente nos EUA depois que a sanção capital foi reintroduzida. Inversamente, não houve uma explosão de crimes na França depois que esse país aboliu o castigo em 1981. Se o efeito da pena de morte na contenção do crime é pouco significativo, por que correr o risco de tirar injustamente a vida de alguém devido a um erro judicial?

Redação e Correspondência Av. Lúcio Martins Rodrigues, 443 Bloco A - Sala 7 - CEP 12345-67 Cidade Universitária - USP Telefone: (11)0000-0000

Gothic Editora

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Sumรกrio

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SUMร RIO


10 Famous Last Words 11 Morto do Mês 14 Cultura: Dia dos Mortos, vamos celebrar! 23 Entrevista: Lindos de morrer 28 Especial Zé do Caixão: “Não existem mais filmes de terror hoje!” 37 Sociedade: Top 5 dicas sobre como organizar um funeral 44 Debate: Eutanásia, direito de morrer 49 Fisiologia: Os mais letais métodos de suicídio 52 Turismo: A Igreja dos Mortos 55 Curiosidades: A misteriosa morte de Zigmund Adamski: Abdução alienígena ou crime? 60 Entretenimento 64 Crônica: A morte

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Famous Last words Eu tenho ofendido Deus e a humanidade, porque meu trabalho não alcançou a qualidade que deveria ter. — LEONARDO DA VINCI

Últimas palavras são para tolos que não disseram o suficiente. — KARL MARX

Aplaudam, meus amigos, a comédia está terminada. — LUDWIG VAN BEETHOVEN

Uau. Uau. Uau. — STEVE JOBS

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MORTO DO MÊS

Onde está o meu relógio? — SALVADOR DALI

Barba Negra

(c.1680 - 22 de novembro de 1718)

Eu estou tão entediado com tudo. — WINSTON CHURCHILL

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No dia 22 de novembro de 1718, Edward Teach, o grande Barba Negra, foi morto decapitado após uma batalha com a Marinha Real, e sua cabeça foi levada como um aviso para outros piratas.

PESSOAL;

Embora tenha havido piratas mais bem-sucedidos, o Barba Negra foi um dos mais conhecidos, além de ter sido amplamente temido no seu tempo. Comandava quatro navios e tinha um exército pirata de 300 pessoas no auge da sua carreira. Era conhecido por enfrentar as batalhas segurando duas espadas, tendo ainda várias facas e pistolas no cinto e no colete. Ele capturou mais de quarenta navios mercantes no Caribe e sem vacilar matou muitos dos prisioneiros reféns.

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por Fulano de Tal

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assar o Dia dos Mortos no México é uma experiência especialmente interessante. Para começar, porque mexe com nossos paradigmas: no México a morte é divertida, engraçada, festiva, onde por trás de cada caveira brincalhona existe um significado. E quando se procura entender a visão deles, passa-se a ver a relação com a Morte (e a festa) de outra forma.

SORRIA: É DIA DE FESTA!

Para os mexicanos, a morte é uma parte da vida, e não um momento de tristeza. Acredita-se que, na morte, as almas vão para um lugar melhor – e

Menina fantasiada para as comemorações de Dia de los Muertos (acima)

por isso, não há motivo para chorar. Acredita-se que no Dia dos Mortos é quando as almas têm “permissão” para voltar ao mundo dos vivos e reencontrar seus entes queridos. São vários sentimentos que traduzem essa data, como por exemplo, a ideia de a vida do morto é importante demais e que a morte verdadeira só acontece com o esquecimento.

Enfeites comuns encontrados pela cidade (abaixo)

CADA MORTO NO SEU QUADR… OPS, NO SEU DIA. A tradição diz que as comemorações acontecem da seguinte forma: No dia 30 de outubro começam os rituais, que incluem acender uma vela preta em seu altar, que simboliza todas as almas. Do meio-dia de 31 de outubro ao meio-dia de 01 de novembro celebra-se a chegada dos “angelitos”, as almas das crianças que se foram cedo. Neste dia, as velas dos altares são brancas. Do meio dia de 01 de novembro ao meio-dia de 02 de novembro celebra-se a chegada das almas dos jovens e adultos. Nesse dia, as velas acesas são todas coloridas, em homenagem a todos.

CURIOSIDADES E TRADIÇÕES ANTIGAS Antigamente, nas pequenas cidades do México, as famílias enterravam seus mortos debaixo de suas próprias casas. Era uma forma

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Muito ao contrário do que nós, brasileiros, estamos acostumados com Finados, no México o Día de Muertos é extremamente festivo, uma das maiores comemorações do país, que começa no dia 31 de Outubro e termina, em tese, na noite do dia 2 de Novembro (embora pode se esticar até meados do dia 3 e 4).


de mostrar que o morto continuava a fazer parte da família, mesmo que sua alma estivesse em um lugar melhor. Então, no Dia dos Mortos, as grandes ceias eram feitas em casa – afinal, entendia-se que a família já estava toda “reunida” no mesmo lugar. Com o tempo e como não é mais possível enterrar os mortos em sua própria casa, as famílias seguem para fazer sua ceia de Dia dos Mortos no cemitério e ali fazer sua “reunião familiar”. Em algumas áreas, existe um ritual em que a família segue para o cemitério, retira o morto da cova (quando são só os ossos) e eles mesmo limpam-nos. Uma jovem mexicana, Tania, explicou: “Limpar os ossos do seu próprio ente querido é a demonstração máxima de que você o ama, se preocupa com ele

e que ainda zela por ele. Mas, após, limpá-lo, devolvemos os ossos ao túmulo, como uma forma de dizer que: ‘Nós te amamos, mas entendemos que devemos deixá-lo ir’”. É costume levar, no Dia dos Mortos, todas as comidas que o morto gostava em vida; afinal, você está recebendo sua visita e como bom anfitrião, deve agradá-lo. Geralmente, as oferendas servidas são o “Pan de Muerto” (um pão duro, mas gostoso e que, na região de Oaxaca, é típico que tenha a imagem de uma pessoa, homem ou mulher, adornando-o, simbolizando o morto), um chocolate em formato de caveira (chocolates são típicos da região de Oaxaca, já que era bebida tradicional das civilizações astecas), e Mezcal, uma bebida alcóolica mais forte que tequila – e ótima para

espantar o frio durante a vigília de noite no cemitério. É também comum levar caveirinhas feitas de açúcar, decoradas com glacê e algumas vezes com o nome do morto escrito, como uma homenagem a ele. Tais caveirinhas de açúcar são tão típicas no México que é muito comum realizarem atividades com elas em escolas, clubes e reuniões de amigos, em que uma pessoa presenteia um amigo com uma caveira com seu próprio nome escrito (o do amigo, no caso), como uma forma de dizer: “ei, estou te presenteando com isto. Para você saber que esta caveira é você e, portanto, você não precisa ter medo da morte”.

Cemitério enfeitado com velas (abaixo).

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Em todos os lugares, a imagem de uma senhora caveira, toda guapa, representada em quadros, esculturas, pinturas de rosto, fantasias e etc. Às vezes vestida de noiva, às vezes vestida de nobre, mas sempre de uma hermosura só. Segundo a tradição, ela se chama Katrina e representa a Morte. Vez por outra, é representada acompanhada, num love só, por Katrin, seu esposo. E o que significa? “Es una burla”, explica Efraín, do Hostel Cielo Rojo, em Oaxaca. Ou seja, uma piada bem mexicana: uma forma de mostrar, com

humor, de que a morte chega para todos: ricos, pobres, exuberantes, humildes, apaixonadas, descrentes… E que depois da morte, todos os gatos são pardos. E todo mundo vira pó – sem exceção.

LUGAR DE CEIA É NO CEMITÉRIO Pense num Natal em família: todo enfeitado, com muitos enfeites, pessoal acendendo vela, candelabro, luzinhas, flores, adornos, comida (muita comida), família reunida… Agora pense tudo isso num cemitério. A experiência, a princípio, soa meio estranha: visitar cemitério de noite. Mas a estranheza some logo no início. E chegando ao cemitério, o que se vê é

uma profusão de velas. Em todos os túmulos, corredores… Chamas pequenas que, mais que iluminar o caminho, dão vida ao cemitério. Todos os túmulos são enfeitados. Com comida, adornos, velas, fotos – tudo o que o morto gostava em vida, mostrado de forma respeitosa e, muitas vezes, bem humorada. O Dia é dos Mortos. Mas é cheio de vida.

DIA DOS MORTOS E SUAS DIFERENTES CELEBRAÇÕES Culturas celebram Dia de Finados de formas diferentes Não é incomum encontrar em diversas culturas um mesmo aspecto que é visto, entendido ou praticado de formas diferentes. A seguir, alguns costumes de diferentes lugares.

À esquerda, caveiras e flores coloridas que enfeitam as cidades e os cemitérios mexicanos no Dia de los Muertos. Abaixo, um cemitério brasileiro, enfeitado com flores, no Dia de Finados. À direita, os barcos e lanternas das festas japonesas.

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E COM VOCÊS, KATRINA! MAS PODEM CHAMÁ-LA DE DOÑA MUERTE, POR FAVOR!


Famoso Hueso de Santo, comido no Dia de Todos os Santos espanhol.

Brasil

México

No país, o ritual mais comum de celebração do Dia de Finados é a ida ao cemitério. Lá são colocadas flores nos túmulos dos parentes e amigos já falecidos, e algumas pessoas ainda oferecem orações a quem se foi. Também é comum que sejam feitas missas em algumas igrejas em honra ao dia, para que as pessoas possam orar por aqueles que já se foram.

A data abrange todo o país e mesmo quem não viveu uma perda na família ou no círculo social acaba entrando na festa. Mesmo que a cor preta ainda seja muito presente nas ruas, vermelho, laranja e qualquer outro tom vibrante também pode ser encontrado nas decorações e fantasias.

Muita gente ainda opta por usar roupas na cor preta. Em geral, o clima da data sugere introspecção, já que quem tem parentes ou amigos falecidos costuma ficar mais fechado e recluso durante o dia.

O feriado é visto como uma data alegre, cujo objetivo é celebrar e relembrar com orgulho as memórias de quem já se foi. Desta forma, o povo mexicano acredita que o legado da pessoa é vivido e reforçado mais uma vez, através dos parentes e amigos que ainda vivem.

Espanha Os espanhóis, na verdade, comemoram o Dia de Todos os Santos (Dia de Todos Los Santos), que acontece em 1º de novembro. Sendo um feriado nacional, as pessoas retornam para suas cidades natais e visitam os cemitérios nos quais seus entes queridos estão. Flores são levadas para os túmulos à noite e um doce especial chamado “Hueso de Santos” (Osso dos Santos), feito de marzipã, ovos e “syrup” (calda semelhante ao mel, feita de açúcar e água) é comido como sobremesa especial da data. Durante o dia, as cidades espanholas recebem paradas em honra aos mortos.

Japão Comemorado em 15 de agosto (e no dia 15 de julho, na região de Kanto), o dia é um momento especial, no qual os japoneses prestam homenagens aos seus ancestrais. As celebrações duram três dias e incluem danças e comidas especiais para a data, além do retorno ao lar em que os antepassados da família viveram. Uma das tradições japonesas é limpar as lápides dos falecidos, já que acredita-se que seus espíritos retornam nessa época, para visitar os vivos. Na região de Kyoto, na noite de 16 de agosto, cinco símbolos feitos com fogo, semelhantes a uma estrela do mar, são postos nas montanhas em saudação aos espíritos, pois acreditam que será neste momento que os espíritos retornarão. A celebração foi incorporada e adaptada em regiões de outros países por imigrantes japoneses, inclusive em pequenas comunidades brasileiras.

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RELEMBRAR OS QUE JÁ SE FORAM AJUDA A VALORIZAR A VIDA Segundo a psicóloga Maria Cristina Gomes, algumas culturas preferem reviver o sofrimento a celebrar as memórias dos falecidos. A tristeza, proeminente nas celebrações de alguns países, tende a surgir da saudade e dos momentos que não foram vividos com o ente querido. Porém, mesmo com o sofrimento causado pela morte, a psicóloga afirma que o luto deve ser superado, para que a vida possa seguir da melhor forma.

A psicóloga explica que uma forma de viver o luto é conversar sobre isso com as pessoas próximas, além de respeitar seu próprio ritmo. A especialista acredita que escrever uma carta de despedida, por exemplo, pode ser um bom ritual para dizer aquilo que não foi dito e limpar os sentimentos negativos que permaneceram. “Sempre fica algo por dizer, já que a morte não tem hora marcada para chegar. Assim, pode ficar um sentimento de que muito ficou por ser dito. E sentimen-

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tos como a culpa e mágoa acabam permanecendo por um longo tempo, se uma pessoa não consegue lidar com as partidas”, pontua a psicóloga. Para finalizar, Maria Cristina orienta a valorizar a memória dos mortos dia após dia, e não somente em apenas um único dia do ano. “Geralmente a morte do outro nos remete à nossa própria finitude, por isso a dor é tão grande. Não estamos acostumados a pensar na morte e isto, por vezes, é visto como algo ruim ou que trará má sorte. Mas homenagear ou lembrar das pessoas amadas é uma forma de viver o momento presente com mais intensidade e também de valorizar a própria vida”, defende Maria Cristina.

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“O luto precisa ser vivenciado para ser finalizado, caso contrário vira algo patológico. Este momento não pode durar a vida inteira, pois assim deixamos de viver a vida que ficou, para apenas sofrer pela morte de quem se foi. Vale reforçar, no entanto, que superar a perda não significa esquecer quem faleceu. A saudade não precisa ser superada, já que é natural sentir-se saudoso quando as pessoas amadas não estão mais próximas, mas o luto não pode impedir que a vida continue”, afirma a especialista.


CORES VIBRANTES PODEM TRAZER MAIS AÇÃO PARA A VIDA A cor preta, muito usada quando uma pessoa está de luto ou deseja isolar-se do mundo ao redor, ainda é usada por algumas pessoas no Dia de Finados no Brasil. Porém, a cromoterapeuta Solange Lima acredita que essa pode não ser a melhor escolha para a data. “O preto representa respeito pelos mortos, mas causa certo isolamento e distanciamento do mundo, impedindo que outras pessoas ofereçam ajuda. Sendo assim, a cor não é indicada para um momento no qual as pessoas precisam de aconchego e acolhimento, já que acaba afastando os outros”, ensina Solange. A dica da especialista é tentar resgatar algumas cores que oferecem mais ação e estimulam a coragem. Para Solange, cores quentes como vermelho, laranja e amarelo são indicadas, por serem vibrantes e intensas. “Roupas vermelhas, por exemplo, trazem estímulo, ação, movimento e são antidepressivas. Já tons de laranja oferecem coragem para enfrentar os desafios, enquanto a cor amarela gera mais disposição e vitalidade”, detalha Solange.

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Lindos de morrer Se você já viu um caixão aberto num funeral, seu ente querido provavelmente estava usando maquiagem. A aplicação de maquiagem não é estritamente parte do processo de embalsamo, mas a maioria das agências funerárias oferecem o serviço a famílias que querem ver seus mortos; afinal, sem cosméticos cadáveres podem parecer meio sem vida.

Daniella Marcantoni é uma das pessoas que fazem esse serviço: uma artista de maquiagem para os mortos, por assim dizer. Marcantoni começou empregando sua arte em pessoa vivas antes de se tornar uma diretora de funeral e embalsamadora licenciada. Esse duplo background deu a ela experiência com ambas as habilidades necessárias para essa delicada arte, que ela praticou por vários anos antes de deixar a indústria funéraria recentemente. Nós procuramos Daniella para uma conversa sobre as peculiaridades da aplicação póstuma de maquiagem. DEATH: Como você se envolveu nesse ramo e o que te levou a isso? Daniella Marcantoni: Eu sempre tive interesse em patologia forense. Sempre tive uma fascinação por serial killer, pela psicologia do que leva as pessoas a matar, pela morte, e coisas assim. A indústria funerária foi um casamento de todas essa coisas: é arte, é ciência, e eu posso ficar perto da morte. Eu me for-

mei em direito criminal e então fui direto à escola mortuária. Embalsamar para mim era terapêutico. Eu gostava porque era uma energia muito relaxante. Para mim muitas pessoas são sufocantes em termos da energia que transmitem. Muita gente tem medo de pessoas mortas, mas há muito mais para se temer num vivo do que num morto. Aplicação de maquiagem é algo que embalsamadores geralmente fazem, certo? Sim. É muito raro que se contrate um artista de maquiagem. Há algumas casas funerárias com muitos homens que estiveram lá por um bom tempo, e eles não sabem fazer maquiagem, então arranjam alguém que tenha experiência com isso, mas é muito raro. Muitas pessoas que são embalsamadores na Califórnia fazem de tudo, então fazem a maquiagem também. Aí tem agências maiores, onde cada coisa é separada. Quando fiz meu estágio, eu fazia de tudo, o que era bom porque me permitiu ter uma experiência completa. DEATH |

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Entrevista

Eu era artista de maquiagem freelancer e tinha muita experiência com isso antes de entrar para a indústria funerária. Na Califórnia, se você quer ser embalsamador, precisa ir à escola, e fazer uma exame nacional e um estadual. Eu não lembro de terem ensinado maquiagem na escola. Acho que pode ter tido um workshop opcional, ou algo assim, mas eu não precisei disso porque tinha bastante experiência da

Produtos de restauração e maquiagem.

minha época como artista de maquiagem. Então não foi algo com que tive dificuldade. Mas obviamente é bem diferente da aplicação nos vivos.

Muita gente nos pedia para aplicar só um pouquinho de maquiagem, mas era sempre muito difícil, porque é muito mole. A cor não parece certa. Não que embalsamar restaure a cor, mas há tinturas que dão uma cor mais rosada. Deixa uma cor um pouco mais viva, para eles não parecerem tão “mortos”, por assim dizer. É uma base mais fácil para a maquiagem. Sabemos que a cor da pele das pessoas muda depois que elas morrem. Existe algo que vocês usam para reverter isso? Tem esse negócio—chamávamos de “suco de laranja”, porque realmente parecia suco de laranja escuro. É um líquido colorido, e tem uma certa propriedade hidratante. Funcionava muito bem. É tão antigo. Ninguém gosta. Eu pessoalmente gostava dele na pele mais escura. Tínhamos também a maquiagem bem grossa para cadáveres. Mas muitos dos produtos eram só maquiagem normal. As pessoas te dão maquiagem—Ah, essa era a maquiagem favorita da mamãe, você pode usá-la nela?—o que era sempre bom, porque já combinava com o tom de pele e tudo. E depois deixavam conosco, então podíamos adicionar tudo à coleção. Às vezes recebíamos coisas muito boas.

Embalsamar facilita a aplicação de maquiagem?

Vocês recebem pedidos da família que não conseguem atender?

Sim, muito. As pessoas começam a se decompor imediatamente. Não é que logo que morrem ficam roxas. Leva tempo. É só que a cor e a fixação dos tecidos… são mais difíceis, são mais maleáveis. É muito difícil aplicar cosméticos em tecido não embalsamado. Às vezes tínhamos que fazer isso se a família não acreditava no embalsamo ou se não podiam pagar por ele e só queriam ver o morto rapidamente para confirmar sua identidade.

Às vezes recebemos uma foto da mamãe de 1945, e estamos em 2000-e-alguma-coisa, e você fica tipo, o que é pra eu fazer com isso? É sempre um desafio. Também não podemos fazer nada que seja considerado mutilação. Bom, podemos e não podemos, porque tecnicamente quando você embalsama alguém, está mutilando a pessoa. Não podemos tirar dentes. Não podemos cortar ou retirar tecidos. Não devemos cortar cabelos. Para retirar cabelos precisamos

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Quando alguém aprende a embalsamar, a maquiagem é parte do treinamento? Ou você aprendeu mais com sua própria experiência como artista?


Entrevista de instruções explícitas da família — por um bom motivo. Quer dizer, você não pode simplesmente resolver que a barba está feia e deixar o papai ou o vovô de cara limpa. Talvez fosse daquele jeito que eles usassem a barba. Por isso eu pessoalmente gosto de ter o máximo de instruções possível. Mas tem famílias que acham que podemos fazer tipo, “podemos ficar com os dentes da vovó?” E é tipo… Não, nós não podemos removê-los. A única coisa que podemos remover são marca-passos. Que tipo de coisa um bom embalsamador pode reconstruir? Praticamente qualquer coisa. Literalmente nos ensinam na escola a construir o rosto de alguém partindo do nada. O que quer que a família peça nós vamos fazer. É muito difícil trabalhar com a decomposição. Não é nem questão de trauma. A base não é estável. Eu nunca recriei o rosto de alguém, mas nunca tivemos um caso em que isso fosse preciso. Eu tive vários casos de ferimentos de tiro, em que obviamente a metade de cima do rosto estava faltando e nós tínhamos que consertar isso. Todo embalsamador dirá que tem uma técnica diferente, ou tem algum segredo. Contanto que não seja considerado lixo, você pode usar. Em alguns estados os legistas não devolvem os órgãos, então algumas pessoas colocam jornal no lugar. Não é permitido fazer isso na Califórnia. Eu acho que ninguém vai admitir que fez isso aqui, mas já aconteceu. Embalsamar é como uma arte e uma ciência. E por isso que é tão maravilhoso.

Os pincéis de Daniella para os mortos, que são iguais a pincéis de maquiagem para os vivos.

“Oi, meu nome é Daniella. Eu sou diretora de funeral e embalsamadora licenciada e eu adoro cupcakes.” DEATH |

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José Mojica Marins e sua filha Liz Marins batem um papo exclusivo com a DEATH: “Os médicos o ressuscitaram duas vezes”, conta ela por Fulano de Tal

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O cineasta JosĂŠ Mojica ao lado da filha, Liz Marins.

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O nome verdadeiro de Zé do Cai-

xão, um dos maiores cineastas brasileiros, é José Mojica Marins. Por ironia do destino, ele nasceu em uma sexta-feira 13 do ano de 1936, no bairro da Vila Mariana, São Paulo (SP). Envolvido no mundo das artes desde a infância, Mojica era filho de artistas de circo que, após diversas excursões, resolveram-se fixar residência na parte dos fundos de uma sala de cinema que pertencia a alguns familiares. Seu pai trabalhou como gerente desta sala quando o Mojica tinha apenas 3 anos de idade. Desde então, o pequeno Zé do Caixão não seria mais visto longe das telas.

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Durante os anos 40, José Mojica Marins começa a criar seus primeiros filmes com os poucos recursos que tinha. Para conseguir financiar seus projetos, organizava bailes junto a seus amigos. Naquele período apareceram projetos como “Os lugares por onde passei” e “O juízo final”, ambos do ano de 1949. Porém, a maioria das produções de Mojica daquela época não resistiu à degradação causada pelo tempo. Uma das poucas que

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À esquerda, o cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão, nos anos 60; abaixo, quando ainda criança.

Ao contrário dos outros garotos, que gostavam de ganhar brinquedos, José Mojica Marins descartou ganhar uma bicicleta e pediu ao seu pai um presente nada convencional, uma máquina de filmar. Assim, teve início uma das mais longas histórias de um garoto “com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.


sobraram foi “Reino sangrento”, de 1950, da qual se tem registros em 16 milímetros. Cinematográfica Atlas. Dessa forma foi batizada a produtora inicial de José Mojica Marins, nome também utilizado para sua escola de atores, que ficou conhecida popularmente como “escolinha do Mojica”. Tempos depois, em conjunto com Augusto de Cervantes e já na Apolo Cinematográfica, ele realizou, entre os anos de 1957 e 1958, “A sina do aventureiro”, um longa-metragem no estilo faroeste. Isso aconteceu após a frustração de não conseguir realizar, dois anos antes, o filme “Sentença de Deus”. Apesar de ser extremamente conhecido no Brasil e no exterior pelos filmes de horror, José Mojica

Marins transitou por vários gêneros que vão do western à pornô chanchada. A criação do personagem Zé do Caixão é de sua autoria e a inspiração para o “monstro barbudo de unhas enormes” veio após um sonho. Por falta de dinheiro e poucos atores à disposição, o próprio Mojica atuou como Zé do Caixão e acabou ficando mais conhecido pelo nome marcante do personagem, chamado de Coffin Joe em língua inglesa. Com o lançamento dos filmes “À meia-noite levarei sua alma”, feito entre os anos de 1963 e 1964, e “Esta noite encarnarei no teu cadáver”, realizado entre 65 e 66, o personagem criado por Mojica virou um marco do cinema de nacional.

to que tinha em mãos, José Mojica Marins tinha a habilidade de improvisar de forma criativa, buscando alternativas de baixo custo, mas sem deixar que a qualidade dos filmes fosse afetada. Obviamente, como na carreira de todo cineasta, Mojica cometeu erros, mas, quando acertava, acertava em cheio.

Conhecido mundialmente por realizar filmes com o baixo orçamenDEATH |

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Mojica em seus famosos trajes de Zé do Caixão. (FOTO: Arquivo da família)

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DICAS DE FUNERAL

Top 5 dicas sobre como organizar um funeral

por Fulano de Tal

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ormalmente, em um artigo, gostaria de tentar ser alegre como eu espero que o leitor está se sentindo da mesma maneira. No entanto, para este artigo eu estou indo para ser escrito uma lista dos meus top 5 dicas para organizar um funeral. Eu suponho que aqueles que escolheu para ler este artigo tem apenas uma um ente querido. Se você tiver, estou terrivelmente triste por sua perda.

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Você quer que ele seja um caixão aberto ou funeral com caixão fechado? Há vários fatores para se pensar quando você faz a sua decisão. Por exemplo, eles sofrem uma morte horrível, ou foi mais uma morte pacífica? Além disso, todos os que virão para o funeral? Você sente que seria bom ver um caixão aberto? Um funeral com caixão aberto pode ser uma ótima maneira de deixar as pessoas aceitam que a morte aconteceu. No entanto, algumas pessoas podem achar que é muito difícil de ver seu ente querido. Se você sentir vontade de alguns membros da família pode ter um problema com ele, você pode sempre ter um funeral com caixão fechado.

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1. Caixão aberto ou fechado?


2. Transporte Outra coisa a considerar é o transporte. Você vai precisar para se certificar de que todos possam assistir ao funeral e tem acesso ao transporte. Além disso, o tipo de carro funerário que você quer ser usado? Deveria tomar um caminho especial? Para qualquer um dos participantes mais velhos, eles vão precisar de uma cadeira de rodas? Também ... logo após o funeral, você tem o transporte para voltar para casa, ou onde quer que você gostaria de ir?

3. Música Que tipo de música você gostaria de ter jogado no funeral? A melhor maneira de descobrir que tipo de música que você quer é, talvez, descobrir alguns dos seus entes queridos música favorita. Claro, se eles estavam em hard rock, você pode querer olhar para uma música que eles gostavam que é um pouco mais suave. Use o seu julgamento, mas também pensar sobre o que sua amada gostaria de ouvir. DEATH |

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4. Alimento O que você planeja fazer em relação a comida? Pode ser uma boa maneira de ajudar todo mundo se sentir um pouco melhor. O funeral será muito emocionais, tendo um pequeno lanche para comer pode ajudar alguns dos convidados para o funeral.

5. Cremação ou o enterro? Primeiro, você deve descobrir se eles fizeram os pedidos antes de morrer. Se eles fizeram os pedidos, você deve sempre seguir o que eles pediram. Se eles não fizeram um pedido, então esta é a melhor coisa que você deve discutir com sua família. 40 | DEATH


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Eutanásia:

direito de morrer Tema controverso e de grande impacto na sociedade contemporânea brasileira, que vive em profundas transformações, estamos defronte a uma análise ética, moral, religiosa, política e jurídica. Por Kris Kristoferson Pereira

Poderá alguém se valer de decidir sobre sua própria vida em casos extremos, de grave doença ou estado físico, ou um terceiro provocado por este intervir para que cesse esta situação? Mediante compaixão, interesse, ou algum outro motivo, por mais nobre ou egoísta que for? Renunciar à titularidade de uma posição jurídica tutelada por uma norma de direito fundamental [ou de Direito da Personalidade] é renunciar total e irrevogavelmente [...] às faculdades ou poderes que decorrem desta posição [...] enquanto a renúncia ao mero exercício nunca é, pelo menos, definitiva [uma vez que] o sujeito [continua] na titularidade jurídica. Cf. NOVAIS. Renúncia...,cit,p.283 | DEATH 44 44

“Mas, o que é a vida? Vida são olhos que saúdam as madrugadas, acariciam as noites, acolhem sorrisos; ouvidos que recebem o barulho dos ventos, ouvem gemidos de dor, escutam palavras de amor; bocas que experimentam o deleite dos frutos e dos beijos e que recitam poemas; narizes que sentem o cheiro da maresia, da comida que se cozinha no fogão e dos corpos suados. Pernas que andam pelos bosques e levam mensagens a lugares distantes; braços que plantam jardins, e que se estendem para os braços e para as lutas. A vida é um poema enorme, uma explosão de gestos e de sentidos espalhados pelo espaço. Mas como tudo o que é humano, a vida é também cansaço que anseia pelo sono. Como diz o poeta sagrado, ‘para todas as coisas há o seu tempo, há um tempo de nas-

cer e um tempo de morrer’. Saber viver é também saber morrer. Cada poema se inclina para a sua última palavra; cada canção se prolonga na direção do seu silêncio. Última palavra em que continuam a reverberar todas aquelas que a antecederam; silêncio onde ressoam os sons que o preparam. Toda a vida é um preparatio mortis e é por isso que a última palavra e o último gesto são um direito que ninguém lhe pode roubar...” Rubens Alves, extraído do livro: Direito de Morrer de: Sá,Maria de Fátima Freire de. Considerando o tema proposto “EUTANÁSIA” esse trabalho irá abordá-lo no âmbito dos Direitos Fundamentais, do Direito Materializado Positivo e doutrinas referentes e relevantes. Tema controverso e de grande impacto na sociedade

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Introdução


e de grande impacto na sociedade contemporânea brasileira, que vive em profundas transformações, que devem ser analisados, estamos defronte a uma análise ética, moral, religiosa, política e jurídica.

A eutanásia A palavra EUTANÁSIA é composta de duas palavras gregas - eu e thanatos - e significa, literalmente, “uma boa morte”. Na atualidade, se tem o entendimento que a “eutanásia” significa provocar uma boa morte - “morte misericordiosa”. Já pela ceara do Direito e filosófica,quando se fala em eutanásia, não necessariamente se está falando de morte, mas também de preservação da vida e o resguardo à dignidade humana. A dignidade é um direito que tem a finalidade de resguardar a vida que está em condições de desenvolvimento das potencialidades do indivíduo enquanto ser humano, referindo-se principalmente a proteção de pessoas cuja capacidade de responder por si próprias é debilitada, e não podem responder ao direito de não sofrer indignidade. “Assim, independentemente de crenças religiosas ou de convicções filosóficas ou políticas, a vida é um valor ético. Na convivência necessária com outros seres humanos cada pessoa é condicionada por esse valor e pelo dever de respeitá-lo, tenha ou não consciência do mesmo.”DALLARI,Dalmo de Abreu.Bioética e direitos humanos n.32.Brasília: Conselho Federal de Medicina,1998,p.231-241.

“Nos dias atuais, a nomeclatura Eutanásia vem sendo utilizada como a ação médica que tem por finalidade abreviar a vida de pessoas. É a morte de pessoa – que se encontra em grave sofrimento decorrente de doença, sem pespectiva de melhora– produzida por médico, com o consentimento daquela. A Eutanásia, propriamente dita, é a promoção do óbito. É conduta, através da ação ou omissão do médico, que emprega, ou omite, meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável e em estado de grave sofrimento, diferente do curso natural, abreviando-lhe a vida.”

Entendimento Jurídico O que vem sendo discutido e posto em debate, são ainda são questões como da aplicação da eutanásia como instituto de morte piedosa, pois este viola princípios ditos garantistas fundamentais. O princípio da dignidade humana tem por interpretação assegurar e preservar a origem da vida, bem como, a sua integridade e naturalmente a forma em que quer dispor dela. A nossa Constituição Federal trouxe para o nosso ordenamento jurídico a previsão de garantia e tem como principal objetivo a preservação da vida. O entendimento que se tem é que o direito à vida deve ser protegido pelo Estado, detentor do dever fundamental de zelar pela vida de todos os cidadãos, em face de quem quer que seja. Carente de normas mais específicas o ordenamento brasileiro suscita de regras mais abrangentes para abarcar tal instituto que se transfigura como algo piedoso, e que também pode ser visto e definido como homicídio na forma qualificada. DEATH |

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Art. 121 - Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. §1º - se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juíz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça. Pena – Reclusão de dois a seis anos, se o suicídio se consuma, ou reclusão de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. (Sá,Maria de Fátima, 2001) “Asúa distingue a eutanásia médica da prática do homicídio por piedade, esta última exercida por familiares ou amigos desinteressados. Ao distinguir essas duas atitudes, afirma que o médico não tem a intenção de matar seu paciente, mas aliviar-lhe as dores, mesmo 46 DEATH 46 || DEATH

porque, curar não significa apenas saúde. Assim, entende que a eutanásia praticada pelo profissional da medicina carece de “substância polêmica”, por quanto essa atitude seria de verdadeira cura. Diferente seu entendimento ao referir-se ao homicídio piedoso. É que nessa conduta, o móbil torna-se relevante. E, se o motivo da morte era a piedade em decorrência de sofrimento insuportável, ao juiz é facultado o perdão. Não o perdão legal, mas o perdão judicial, este último por Asúa como mais amplo que o primeiro. Afirma que justiça e piedade têm áreas distintas, mas admite repassada de piedade é mais justa.”

do processo de morte é alienante, retira a subjetividade da pessoa e atenta contra sua dignidade enquanto sujeito de direito.”

Casos pelo Mundo

Em outra linha de pensamento, Roxana Cardoso Brasileiro Borges discorre:

À medida que estas organizações proliferam, há quem se preocupe com os abusos que possam vir a ser cometidos, a exemplo do que sucedeu na Áustria, em 1989, onde quatro enfermeiras do hospital Lainz, em Viena, confessaram ter morto, desde 1983, 49 pessoas através da administração de doses elevadas de insulina e do uso da força. Os Anjos da Morte, como ficaram conhecidas, admitiram que “queriam livrar-se dos doentes mais maçadores e que lhes davam mais trabalho”.

“Biologicamente, certos órgãos das pessoas podem ser mantidos em funcionamento indefinidamente, de forma artificial, sem qualquer perspectiva de cura ou melhora. Alguns procedimentos médico, ao invés de curar ou de propiciar benefícios ao doente, apenas prolongam o processo de morte. Portanto, cabe indagar se se trata, realmente, de prolongar a vida ou de prolongar a morte do paciente terminal.Hoje reivindica-se a reapropriação da morte pelo próprio doente. Há uma preocupação sobre a salvaguarda da qualidade de vida da pessoa, mesmo na hora da morte. Por isso, o fundamento jurídico e ético do direito à morte digna é a dignidade da pessoa humana. O prolongamento artificial

Ainda, o Inglês Nigel Nelson confessou às autoridades que em 1993 pôs termo à vida da filha de um mês e meio. Para tal, bastou-lhe aumentar a dose do analgésico que aliviava as dores da criança. Disse que não aguentou ver a filha cega e surda a sofrer daquela maneira, sem poder mover voluntariamente nenhuma parte do corpo, e sofrendo de um problema intestinal que não a deixava comer ou engolir alimentos. Segundo os médicos a pequena Naomi (a filha de Nigel Nelson) acabaria por morrer na-

Em 1990, um ano depois, o Dr. Jack Kerorkian ajudou uma mulher, vitima da doença de Alzheimer, a cometer suicídio, facto que chocou profundamente a comunidade médica.

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Tema controvertido, a eutanásia ainda é e continua muito nebuloso em nosso ordenamento jurídico, pois grande parte dos doutrinadores com ainda uma visão puramente formalista do Direito penal afirma que estaríamos diante de um crime. Este instituto se enquadra dentro do direito brasileiro como homicídio privilegiado, conforme disposto no art. 121, § 1º do Código Penal:


Conclusão “O direito de morrer dignamente não deve ser confundido com direito à morte. O direito de morrer dignamente é a reivindicação por vários direitos e situações jurídicas, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a autonomia, a consciência, os direitos de personalidade. Refere-se ao desejo de se ter uma morte natural, humanizada, sem o prolongamento da agonia por parte de um tratamento inútil. Isso não se confunde com o direito de morrer. Este tem sido reivindicado como sinônimo de eutanásia ou de auxílio a suicídio, que são intervenções que causam a morte. Defender o direito de morrer dignamente não se trata de defender qualquer procedimento que cause a morte do paciente, mas de reconhecer sua liberdade e sua autodeterminação. O artigo 5° da CR/88 garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à segurança, dentre outros. Ocorre que tais direitos não são absolutos. E, principalmente, não são deveres. O artigo 5° não estabelece deveres de vida, liberdade e segurança. Os incisos deste estabelecem os termos nos quais estes direitos são garantidos. Assim, é assegurado o direito (não dever) à vida, e não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento, e este direito, de não se submeter ao tratamento ou de interrompê-lo é consequência da garantia constitucional de sua liberdade, de sua liberdade de consciência, de sua

lidade de sua vida privada e intimidade e da dignidade da pessoa humana presente no Art. 1° da CR/88.” “Morrer é parte integral da vida, tão natural e previsível quanto nascer, é inevitável”. Assim como, Sá, Maria de Fátima, 2001, seguimos sua linha de pensamento em defesa da prática da eutanásia passiva, a ser praticada de forma legítima pela medicina, mas com requisitos a serem preenchido; como esta prática ser exercida pelo médico. Com única intenção de cessar dor insuportável ou quadro clínico de total desesperança. Vemos como libertação da pessoa acometida, e de seus entes, afim que prossigam em suas vidas. ‘Quando a luz do verdadeiro conhecimento tiver dispersado as trevas da ignorância, quando toda a existência for considerada como sem substância, a paz se seguirá quando a vida estiver acabando – o que parece curar, por fim, uma longa moléstia. Tudo fixo ou móvel, tende a perecer. Portanto, sê cuidadoso e vigilante’. DEATH |

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FISIOLOGIA DO SUICÍDIO

por Fulano de Tal

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A Igreja dos Mortos Dezoito mĂşmias tĂŞm guardado o altar dessa pequena igreja desde 1833. por Fulano de Tal

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Chiesa dei Morti, ou Igreja dos Mortos, é uma pequena capela - e a principal atração - de Urbino, uma sobrevivente cidade medieval localizada na Itália central.

Os visitantes são guiados através de uma clássica porta barroca e entram na sala de exibição, onde encontram a macabra exposição que atraiu gerações de curiosos. No salão, conhecido como “Cemitério das Múmias”, encontram-se dezoito múmias em pé, bem preservadas, apoiadas em caixas de vidro individuais. Os corpos, naturalmente mumificados, foram colocados em exposição atrás do altar desde 1833, tornando esses indivíduos famosos dentro e fora da comunidade. Um guia turístico será capaz de informar como cada uma das múmias veio a falecer. Uma, que possuía síndrome de Down, morreu de insuficiência cardíaca; outra morreu em trabalho de parto; outra foi assassinada... A Irmandade da Boa Morte, um grupo fundado há mais de 400 anos, em 1567, é responsável pela exibição das múmias. Os objetivos originais da irmandade eram providenciar um enterro gratuito para os falecidos e manter um registro das mortes. DEATH |

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O que você acredita que aconteceu a Zigmund Adamski? Houve uma abdução alienígena ou alguém encenou uma cena de crime para parecer assim? por Fulano de Tal

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igmund Jan Adamski nasceu no meio de agosto de 1923 e passou boa parte de sua vida terra natal, Polônia. Casou-se em 1957 com Leokadia (Lottie), que sofria de esclerose múltipla. Três anos depois, o casal mudou-se para Tingley, uma pequena cidade perto de Wakefield, Yorkshire, Inglaterra. Ao longo dos vinte anos seguintes, viveram como apenas um outro casal que não se destaca em uma multidão, ainda que tentassem. Eram amigáveis e se relacionavam bem com a maioria das pessoas. Isso torna o acontecimento de 06 de junho de 1980 ainda mais intrigante.

o comércio local, para comprar mantimentos. Era mais um dia como qualquer outro. Adamski saudou cordialmente um de seus vizinhos antes de seguir para a rua. Essa foi a última vez que foi visto vivo. Estava fora de cogitação que um homem como Adamski fosse desaparecer durante dias sem qualquer aviso prévio. Cinco dias depois de seu desaparecimento e a vinte milhas da cidade de Todmorden, o maior medo dos amigos e familiares de Adamski se concretizaram quando o corpo de Zigmund foi des- Retrato de Zigmund Adamski que circulou coberto por Trevor Parker, filho nos jornais na época de seu desaparecimento do dono do Tomlin's Coal Yard.

Às 15h30, Zigmund Adamski saiu para uma caminhada até

A Grã-Bretanha vivenciava uma série de avistamentos de OVNIs. DEATH |

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Os resultados post-mortem

Encontrando o corpo de Adamski A descoberta do corpo de Zigmund Adamski aconteceu às 15h45 de 11 de junho, aproximadamente cinco horas depois que o quintal havia sido usado pela última vez. Sr. Parker esteve no local das 8h às 11h e não viu nada anormal. Apenas depois das 16h que o primeiro policial chegou ao local. Alan Godfrey, o oficial assistente, examinou o corpo da melhor maneira possível e determinou que a causa da morte havia sido um ataque cardíaco. Algumas perguntas ainda precisavam ser respondidas. Se este era um caso direto de um ataque cardíaco, então por que o cadáver estava posicionado como estava, virado para baixo sobre uma pilha de mais de 3 metros de antracite? Quando ele foi encontrado, não havia sinais de que Adamski estava dormindo nas ruas, e não parecia

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ter qualquer problema médico. Ele não tinha entrado em um hospital durante esse tempo e ele tinha comido bem durante o seu desaparecimento. Nenhum sinal de luta foi encontrado no local.

Fatos fascinantes Ainda que estivesse bem vestido, a camisa de Adamski não foi encontrada. Seu relógio e carteira também tinham sido removidos. Parecia que outro indivíduo tentou vestir Adamski. Suas calças e sapatos estavam ambos apertados grosseiramente, como tivessem sito colocadas por alguém com pouca experiência. O casaco também estava preso do jeito errado. Apesar de ter desaparecido por cinco dias, a barba que estava por fazer parecia ser do dia anterior. O mais peculiar de tudo eram as estranhas marcas de queimadura em volta do pescoço e dos ombros. Todas essas queimaduras foram cobertas por uma substância (como gel) que não pode ser identificada.

Outro relato de abdução alienígena? Vários meses depois do incidente original, o policial Godfrey foi solicitado para averiguar outro relato bizarro: o aparecimento e desaparecimento das vacas de uma propriedade do município. Era 5h, a caminho para a investigação, Godfrey viu o que inicialmente pensou se tratar de um ônibus capotado na estrada Burnley. Ao se aproximar, pode perceber que não era um ônibus. Aquilo estava flutuando a cinco pés do chão. Godfrey fez inúmeras tentativas para entrar em contato com a delegacia, todas falharam. Ao invés de se aventurar na rua, o policial solitário decidiu desenhar o que ele testemunhou. Ele esboçou um objeto em forma de diamante que bloqueava toda a estrada.

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Recriação feita pela BBC de como o corpo de Adamski foi descoberto

O Dr. Alan Edwards, patologista consultor da Royal Halifax Infirmary, realizou o exame post-mortem em Hebden Bridge logo depois das 21h daquele dia. O julgamento profissional do Dr. Edwards colocou a hora da morte entre 11h e 13h do dia em que Adamski foi encontrado, enquanto as queimaduras eram de dois dias antes. A causa exata da morte era um ponto de interrogação tão grande o legista James Turnbull levou vários meses para registrar a morte de Adamski. Ficou determinada como sendo um ataque cardíaco.


Alan Godfrey e seu desenho do OVNI que alega ter visto em Todmorden. À direita, uma descrição de um alienígena (lembrada sob hipnose).

Meia hora mais tarde, Godfrey encontrou-se em seu carro de patrulha, mais adiante na mesma estrada. Suas botas tinham fendas ao longo das solas, dando credibilidade à teoria de ter sido arrastado pela estrada contra a sua vontade. Quando ele voltou pela estrada, não havia sinal do objeto. O rebanho de vacas foi mais tarde descoberto em um campo atrás de um portão trancado. A ausência de cascos no campo enlameado indicava que as vacas não entravam pelo portão. Uma semana após o encontro de Godfrey, a imprensa de alguma forma descobriu e isso acabou com sua carreira.

Então o que aconteceu? Investigadores do HaUFO entrevistaram familiares em 2005, que indicaram possibilidade de sequestro. Zigmund Adamski estava no meio de uma disputa familiar com alguém que estava tendo graves problemas conjugais. A esposa desse familiar havia pedido uma ordem de restrição e posteriormente mudou-se junto com Zigmund e a esposa, Leokadia. Os membros da família acreditavam que Adamski poderia ter sido raptado pelo homem e mantido em um celeiro em algum lugar. Adamski teria sofrido o ataque cardíaco.

Será que o sequestrador levou Adamski a um local famoso pelas aparições alienígenas e criou uma cena de crime para parecer um caso de abdução alienígena? Os fatos bizarros deste caso - roupas que foram incorretamente apertadas, o corpo despejado no topo de uma pilha de carvão, queimaduras recentes cobertas por uma substância não identificada, barba por fazer de apenas um dia e o estranho encontro do investigador policial com um OVNI - nos levam a imaginar todos os tipos de possíveis resultados.

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ARTE E ENTRETENIMENTO entretenimento filme

Festa no Céu (The Book of Life)

Um grupo de crianças bagunceiras é encaminhado a uma visita guiada ao museu, como “punição” pelo mau comportamento. Lá, uma guia diferente resolve percorrer um caminho alternativo e os apresenta ao Livro da Vida, que contém todas as histórias. A mais simbólica delas, baseada nas tradições mexicanas, envolve três mundos. Catrina/La Muerte é uma adorada deusa ancestral, que governa a Terra dos Lembrados. Ela é ex-mulher de Xibalba, o governante da Terra dos Esquecidos, um trapaceiro. Em uma visita à Terra dos Vivos, eles fazem uma aposta. Se a jovem e bela Maria, filha da maior autoridade da cidade de San Angel, escolher se casar com o emotivo violinista Manolo, Catrina ganha, e Xibalba não poderá mais interferir no Mundo dos Vivos, como gosta de fazer; se o preferido for o valente Joaquim, Xibalba passa a governar o Mundo dos Lembrados.

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Direção de Jorge R. Gutierrez 20th Century Fox


seriado A Sete Palmos (Six Feet Under)

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Criado por Alan Ball HBO A disfuncional família Fisher é a protagonista dessa deliciosa série aclamadíssima pela crítica. Após alguém importante morrer, Nate Fisher e David Fisher terão que cuidar da funerária da família, onde convivem com cadáveres com a mesma naturalidade com que escovam os dentes. David é gay e tem um relacionamento com Keith, Claire é a típica adolescente revoltada e Nate esteve muitos anos longe. A mãe, uma religiosa senhora, vive enrolada com os namorados depois de viúva. Uma das melhores coisas são as cenas das mortes no início dos episódios, que sempre fazem um paralelo interessante com os dramas vividos pelos protagonistas da série.

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livro FOTOS DIVULGAÇÃO; INTERNET; GETTY IMAGES; ARQUIVO PESSOAL;

Zé do Caixão: Maldito — A biografia André Barcinski e Ivan Finotti Darkside Books A vida, a obra e as muitas mortes de José Mojica Marins, o temível Zé do Caixão. Nesta biografia, André Barcinski e Ivan Finotti desenterram a verdadeira história de um dos mais produtivos cineastas do Brasil. Publicado originalmente em 1998, Zé Do Caixão – Maldito, a Biografia foi relançado pela DarkSide Books, numa edição à altura do genial diretor. Com 666 páginas (200 a mais que a antiga versão), o livro conta com muitas fotos inéditas, filmografia atualizada e acabamento luxuoso em capa dura. Um verdadeiro documento para amantes do cinema e do terror.

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The Black Parade

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My Chemical Romance Reprise Records The Black Parade é o terceiro álbum de estúdio da banda americana de rock My Chemical Romance. Lançado em 23 de outubro de 2006, é uma ópera rock centrada em um personagem que está morrendo de câncer e que é conhecido como “O Paciente”. O nome do álbum vem da ideia de Gerard Way de que, quando morremos, a morte vem para nós como uma lembrança que fora mais forte, seja quando criança ou adulto. E a lembrança mais forte desse personagem é de ser uma criança, e seu pai levá-lo a um desfile. Então, quando a morte chega para ele, chega na forma de um “desfile negro”.


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A morte A

morte andou a me espiar. Primeiro na padaria. Cheguei, sentei na única mesa vazia, uma mesa de canto, escura, apertada, chamei a mocinha. Estranhei o movimento. Frequento a padaria regularmente e nunca esteve tão cheia. Sempre encontro mesas vazias, tranquilidade, ou mesmo o balcão, que bem me serve. Naquele dia, porém, não. Tudo tomado. A mocinha que sempre me atende veio como a notícia: “É o velório”, ao que prontamente respondi: “Ah, sim, o velório. Que Deus o tenha”. Havia um morto a me atrapalhar o café. A família, que de morta não tem nada, tratou de encher a barriga. No dia seguinte, de novo na padaria. Em outra, agora, na Praça Felix Guisard. Não estranhe, honrado leitor, não estranhe. Sou assim mesmo: um frequentador de padarias. Em alguns dias, tomo café aqui em casa; porém, na maior parte deles, saio pra caminhar e encerro na padaria. Muitos ralham: “de que adianta caminhar?”; porém, nada sabem. Tudo é questão de comedimento. Sejas comedido e terás o mundo. Não mergulho no rio de guloseimas. Tomo o meu café, simples, como um boi no pasto.

Pois estava quase a levantar para tomar rumo quando sou surpreendido pelo funeral: o passar de um luxuoso automóvel branco com adesivo de funerária, levando consigo mais um morto para a morada eterna. Seleto grupo de automóveis, carregado de familiares e amigos enlutados, formava o comboio que seguia hirto a marcha fúnebre rumo ao cemitério, com a lentidão que exige a cerimônia.

Juliana Russo

Crônica

por Sergio Geia

perada, a lenta, a rápida, a natural. Mas não sabia que ela era dada a espionagens. Talvez espie. Talvez sempre espiou. Talvez muitos de nossos mortos estiveram sob seu olhar minucioso e cruel antes de encontrá-la. Não perceberam. Aliás, ninguém percebe. Tornaram-se mortos, e mortos complacentes e satisfeitos. De outra sorte, digo que eu, atento aos sinais da vida, percebi. E reputo a essa fina percepção o alargamento de meus dias. Os motivos, desconheço; mas desconfio. De repente, contrariada por ter sido descoberta, ela tenha me deixado à margem e procurado outra vítima, digamos, mais distraída; um simples caso de orgulho ferido. Não sei. Talvez até seja arrogância de minha parte tecer tais considerações. Não era candidato e ponto. Foram meras coincidências. Tanto que cá estou, tempos depois do ocorrido, contando ao estimado amigo as intercorrências da morte. Mas afirmo que arrogância não é, de jeito nenhum. Sou temente, medroso, desconfiado e desejoso que ela me esqueça. Pelo menos, que me conceda mais tempo para escrever banalidades. E amar. A vida é cheia de banalidades e amor. As crônicas também. E esse honrado homem do Senhor e humilde cronista ainda guarda apetite para muita produção. E derivativos.

Mas confesso (que a morte não nos ouça) que no terceiro dia, após a minha caminhada matinal, preferi o café aqui mesmo, em casa. Cautela e caldo de galinha não prejudicam ninguém, embora cônscio de que não seriam os muDe volta pra casa, fazendo o balanço da jornada, concluí ros do Santorini que me protegeriam de suas garras. Mas cá que a morte me espia. A sorrateira, a cruel, a torpe, a ines- estou (por enquanto). E é isso o que importa.

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