OFICIAL - Meninas sem Liberdade

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MENINAS SEM LIBERDADE REPORTAGEM Gabriela Feitosa Marília Freitas

ILUSTRAÇÕES Natali Carvalho

_ 2019


MENINAS SEM LIBERDADE HÁ ALGUNS MESES, Mari a Madal ena acordava para seu úl ti mo di a como uma das i nternas no Centro Educaci onal Al daci Barbosa Mota ( CEABM). Um si stema de som nos corredores anunci ava que j á eram sei s horas da manhã - horári o em que as meni nas acordam para as ati vi dades. Antes das sete, hora marcada para sua saí da, percorri a os corredores do Al daci nostal gi camente. Já sabi a que senti ri a fal ta das col egas, de quem queri a l embrar com al egri a e esperança. Por i sso, resol veu sai r sem se despedi r de ni nguém. El a não contava, entretanto, que em um desses corredores cruzari a com ol har de Ri ta, sua mel hor ami ga no Centro. As duas estavam sem se fal ar há um tempo, mas Ri ta soube, no momento em que se vi ram, que sua ami ga i a sai r. “Quando el a me vi u, el a senti u que eu i a embora e começou a chorar. Fui na porta do dormi tóri o del a e el a fal ou ‘tu vai embora, né?’ ” O senti mento de saudade era natural entre as ami gas. Há doi s anos, na noi te de uma segunda-fei ra, Madal ena vi a Ri ta adentrar o centro soci oeducati vo, severamente machucada após sua apreensão. Horas antes, os pol i ci ai s ti nham i do até à casa da adol escente. Di as atrás, el a havi a se envol vi do em uma bri ga com grupo ri val , como expl i ca Di ná, sua mãe: “Do nada, a pol í ci a vei o aqui na frente de casa e eu não vi , eu tava na sal a trabal hando. Foi que essa meni na [ aqui el a aponta para a fi l ha menor, também presente na entrevi sta] desceu chorando e avi sando que os pol i ci ai s estavam l á, subi ram e l evaram mi nha fi l ha”. Hoj e, Ri ta é uma das i nternas do úni co centro soci oeducati vo femi ni no de Fortal eza ( CE) no qual Mari a Madal ena, uma das egressas, passou um ano e mei o de sua vi da. EM CARTA, Rita pede desculpas a mãe e relata a rotina no CEABM



FONTE: CEABM

EM 2019,

55

MENINAS CONVIVIAM NO LOCAL, COM:

12-21 anos incompletos

30%

IDADE PREDOMINANTE

REINCIDÊNCIA

ensino fundamental e médio

roubo ATO INFRACIONAL

MAIS

CONSTANTE

ESCOLARIDADE

semi-liberdade, internação-sanção e liberdade provisória TIPOS DE MEDIDAS APLICADAS

as meninas do centro perfis ajudam a entender a situação do CEABM


O MUNDO LÁ FORA TEM DADOS. O MUNDO DE DENTRO TAMBÉM OS AVISOS NA recepção anunci am: chegamos ao úni co centro soci oeducati vo femi ni no de Fortal eza. Próxi mo a uma escol a e a um campo de futebol , no bai rro Padre Andrade, o Al daci Barbosa Mota abri gava, até o di a da entrevi sta ( j unho de 2019) , 55 meni nas. Boa parte del as vêm de bai rros peri féri cos de Fortal eza, mas há meni nas de outros muni cí pi os do Ceará. Sobral , Caucai a e Maracanaú são as comarcas com mai or i nci dênci a no Centro, que também trabal ha com medi das de semi l i berdade. As i nformações são da di retora do Centro, El i sa Barreto. Há dez anos, el a é responsável pel a uni dade que acol he meni nas de 12 a 18 anos i ncompl etos e, em casos excepci onai s, até 21 anos i ncompl etos. “Todas as meni nas estão na i nsti tui ção porque prati caram ato i nfraci onal . Pri mei ro, el as são apresentadas na Del egaci a da Cri ança e do Adol escente ( DCA) , onde é fei to o procedi mento e são encami nhadas para a uni dade de recepção, uni dade de atendi mento i ni ci al . Essa uni dade se encarrega de apresentá-l as ao promotor de j usti ça e ao j ui z. E conforme deci são j udi ci al , são encami nhadas para cá ou não”, expl i ca a di retora. Ao chegarem à uni dade, as meni nas passam por um atendi mento para saber em que condi ções estão ( psi col ógi ca, fami l i ar, uso de drogas) . El i sa garante que as meni nas passam por todos os servi ços em menos de 24 horas. O setor de Servi ço Soci al contacta a famí l i a e a convi da para i r até o Centro. Já o setor de Psi col ogi a aval i a com preci são o estado psi col ógi co da adol escente pel o CAPS [Centro de Atendi mento Psi cossoci al ] e a Pedagogi a anal i sa o grau de escol ari dade da meni na.


Segundo a di retora, essas etapas são i mportantes para gerar um ví ncul o de confi ança e de conheci mento da si tuação da adol escente. “Às vezes a meni na está l á fora, no conví vi o da famí l i a e está mui to di stanci ada, porque el as estão envol vi das com outras coi sas: ami zades, com a própri a l i berdade que é uma l i berdade bem sol ta que famí l i a não tem control e”, aval i a El i sa. Mari a Madal ena e Ri ta, ambas apreendi das com 17 anos, estão encai xadas na medi da de i nternação-sanção, consi derada a mai s severa. Tal medi da só pode ser apl i cada em casos de atos i nfraci onai s consi derados graves, quando envol vem ameaça ou vi ol ênci a à ví ti ma. No centro femi ni no, o ato i nfraci onal mai s recorrente é o roubo, mas j á chegou a ser furto e tráfi co. “Normal mente, as pessoas sempre associ am que a mul her deve estar rel aci onada com os cri mes do companhei ro”, compl ementa a di retora. No Ceará, exi stem 16 uni dades de atendi mento soci oeducati vo. Nove del as estão em Fortal eza, três em Sobral , uma em Crateús, duas em Juazei ro do Norte e uma muni cí pi o de Iguatu.


Os dados são do si te da Superi ntendênci a do Si stema Estadual de Atendi mento Soci oeducati vo do Ceará ( Seas) . Conforme dados de 2016 do Fórum Naci onal Permanente de Enti dades NãoGovernamentai s de Defesa dos Di rei tos da Cri ança e do Adol escente ( Fórum DCA) , o Al daci Barbosa deti nha capaci dade para abri gar 40 meni nas. Segundo a di retora, o CEABM não passou por reformas desde então e apenas expandi u o número de dormi tóri os para oi to vagas.

AVISOS DO CENTRO regulam os horários de visitas, trajes e outras ordens de autorização para a entrada


ABORDAGEM POLICIAL É MAIS VIOLADORA COM ELAS HÁ UM PREDOMÍNIO mascul i no na execução de medi das soci oeducati vas cearenses. Quem al erta para i sso é Renan Santos, assessor j urí di co do Centro de Defesa da Cri ança e do Adol escente do Ceará ( Cedeca) . “O Centro Educaci onal Al daci Barbosa sempre foi o centro que era vi sual i zado como razoável . El e sempre consegui a executar as medi das mi ni mamente, mas i sso fazi a com que houvesse um certo di stanci amento quanto às pecul i ari dades do gênero femi ni no na execução soci oeducati va”, conta. As “pecul i ari dades” de que Renan fal a di zem respei to a doi s fatores pri nci pai s: a forma como meni nas são tratadas na hora da abordagem e as condi ções a que el as são expostas nessa uni dade. “Exi ste, no momento da apreensão, esse contexto de uma vi ol ênci a que é mai s que a vi ol ênci a comum. Exi ste uma vi ol ênci a contra o gênero femi ni no. El as rel atam mui to que a abordagem pol i ci al é sempre mui to mai s vi ol enta por el as serem meni nas, sempre mai s vi ol adora. ” Foi o que aconteceu com Ri ta na hora de sua apreensão. Di ná contou que a fi l ha sofreu vi ol ênci a por mai s de uma hora depoi s de ser l evada pel os pol i ci ai s. O assessor também vi sual i za as questões do gênero na forma como os centros apl i cam as medi das soci oeducati vas. No Al daci Barbosa, as ati vi dades pensadas para as meni nas são, geral mente, vol tadas às profi ssões l i gadas à estéti ca. El i sa afi rma que são as meni nas que demandam esses cursos, no que cabe à di reção real i zar.


Atual mente, o Cedeca atua em conj unto com o Fórum DCA denunci ando maus tratos de pol i ci ai s e condi ções i nadequadas dentro das uni dades. Renan, entretanto, rel ata demora nas respostas dos órgãos responsávei s. “Infel i zmente, nós não podemos ter recei o de di zer que nós não temos nenhum caso de responsabi l i dade de agentes pol i ci ai s nos úl ti mos tempos. Em 2017, real i zamos uma séri e de denúnci as, e só duas chegaram a vi rar i nquéri to”, denunci a.

SISTEMA TEVE SUPERLOTAÇÃO, TORTURA E MORTE EM 2015 O CEDECA FAZ um moni toramento tri enal de uni dades soci oeducati vas. Especi al mente em 2016 foram fei tos doi s rel atóri os i ndependentes, um em j anei ro e feverei ro e outro entre abri l e mai o. Segundo Renan, o perí odo foi mui to conturbado no contexto de vi ol ênci a do Ceará, pri nci pal mente no que di z respei to a rebel i ões. No rel atóri o, o Cedeca contabi l i zou 417 fugas de adol escentes do si stema soci oeducati vo, al ém da i nsal ubri dade da estrutura de al guns centros e até mesmo casos de morte, como a do adol escente Márci o Ferrei ra do Nasci mento em 2015. O meni no de 17 anos cumpri a medi da de i nternação-sanção no Centro Educaci onal São Franci sco e foi ati ngi do por di sparo de arma de fogo durante uma rebel i ão. Nesse contexto, o Cedeca entrou com uma ação ao ní vel i nternaci onal no âmbi to da Comi ssão Interameri cana de Di rei tos Humanos ( CIDH) , sol i ci tando medi das urgentes contra o si stema soci oeducati vo no Ceará. “O que você pode i magi nar de l otação, l ocai s i nsal ubres, degradados e até práti ca de tortura pel o soci oeducadores, contexto em que a própri a sobrevi vênci a desses adol escentes era a questão pri nci pal . Os adol escentes que, i nfel i zmente, cumpri ram medi das nessa época ti veram danos que são i rreparávei s”, l amenta Renan.


entenda o sistema socioeducativo Estabelecido pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), aplica medidas apenas para adolescentes

O sistema reúne órgãos e instituições responsáveis por gerir a execução das medidas socioeducativas, garantindo a

- saúde - educação - mercado de trabalho

inserção do adolescente em políticas públicas.

O Governo Estadual reorgani zou a estrutura responsável por esses centros com a cri ação da Superi ntendênci a do Si stema Estadual de Atendi mento Soci oeducati vo ( Seas) em 2016. O moni toramento das uni dades e a responsabi l i dade pel a efeti vação das medi das soci oeducati vas, antes fei to por uma pequena coordenadori a da Secretari a de Proteção Soci al ( SPS) , passou a ser da Seas. Se o j ovem recebe al guma experi ênci a traumáti ca durante o perí odo de i nternação e pri vação da l i berdade, consequênci as podem atrapal há-l o pel o resto de sua vi da. Renan acredi ta que a fal ênci a do si stema soci oeducati vo também é a fal ênci a da soci edade: “Vai me i mpedi r de estudar, de i r trabal har, de eu ver mi nha famí l i a e tudo i sso tem consequênci as. E qual o l ocal que consegue, hoj e, estar mai s próxi mo desses j ovens e adol escentes quando o j ovem não consegue um trabal ho? Infel i zmente tem si do o cri me. ”


i. advertência AVISO REALIZADO POR ESCRITO QUE ALERTA SOBRE AÇÕES DO MESMO TIPO QUE PODEM RESULTAR EM UMA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA MAIS SEVERA

ii. reparo de danos A ADOLESCENTE REPARA O DANO CAUSADO À VÍTIMA,

SEJA FINANCEIRO

OU POR OUTRA ALTERNATIVA

iii. prestação de serviços EXECUÇÃO GRATUITA DE ATIVIDADES COMUNITÁRIAS QUE NÃO PODEM ULTRAPASSAR O PERÍODO DE SEIS MESES E NEM PREJUDICAR A FREQUÊNCIA ESCOLAR DA ADOLESCENTE

iv. liberdade assistida POR UM PERÍODO MÍNIMO DE SEIS MESES,

A ADOLESCENTE RECCEBE

ASSISTÊNCIA SOCIAL

QUE AJUDA EM

SUA REINTEGRAÇÃO EM SOCIEDADE

vi. internaçãosanção MEDIDA MAIS SEVERA APLICADA SOMENTE EM ATOS INFRACIONAIS QUE ENVOLVEM GRAVE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA.

A ADOLESCENTE

NÃO PODE FICAR MAIS DE TRÊS ANOS NA INTERNAÇÃO E DEVE SER AVALIADA A CADA SEIS MESES.

v. semiliberdade QUANDO A ADOLESCENTE REALIZA ATIVIDADES DE PROFISIONALIZAÇÃO OU ATIVIDADES ESCOLARES DURANTE O DIA E RETORNA PARA A UNIDADE NO PERÍODO DA NOITE


SUMÁRIO

RELATO I

“MINHA FILHA NUNCA SAIU ALGEMADA PARA NENHUM CANTO” ERA SÁBADO QUANDO uma bri ga entre grupos ri vai s mudou bruscamente o desti no de Ri ta. Doi s di as depoi s, Di ná, mãe da meni na, estava com a fi l ha quando pol i ci ai s adentraram a casa onde vi vem. Adol escente à época, el a foi apreendi da e l evada para uma del egaci a em Fortal eza, no Ceará.

Di ná rel embra que ao chegar no di stri to pol i ci al , não obteve permi ssão para ver a fi l ha. Apenas a vi u horas depoi s, j á machucada, quando estavam a cami nho da Del egaci a da Cri ança e do Adol escente ( DCA) . A mãe então foi avi sada pel a i nsti tui ção que a meni na não i ri a dormi r em casa naquel a noi te. No di a segui nte, Di ná retornou ao DCA para ouvi r o depoi mento da fi l ha di ante do j ui z, momento em que el a rel atou o ato i nfraci onal .

CAIXAS PRODUZIDAS POR Rita trazem mensagens que acolhem Diná


SUMÁRIO

Na ocasi ão, Di ná teve conheci mento do del i to cometi do pel a fi l ha e também da agressão por mai s de uma hora que Ri ta sofreu dos agentes do di stri to pol i ci al para o qual foi encami nhada antes de i r à DCA. A mãe rel ata: “Todo mundo j udi ou com el a, el a l evou choque, botaram um saco na cabeça del a. . . el a escapou de morrer sufocada”. Durante uma apreensão, uma adol escente deti da só pode ser l evada a uma del egaci a comum quando não há uma DCA na ci dade, o que não foi o caso de Ri ta. El a também deve ser manti da l onge dos adul tos que estej am presos e não podem passar por nenhum ti po de vi ol ênci a fí si ca ou emoci onal . A adol escente também não pode ser al gemada, apenas quando houver ri sco de fuga ou ri sco a i ntegri dade fí si ca de outras pessoas. O j ui z optou pel a i nternação de Ri ta, que atual mente está no Centro Educaci onal Al daci Barbosa Mota. " Quando um demai or faz as coi sas com um

de menor no meio, a culpa recai no de menor. E estão cumprindo até hoje", comenta a mãe. Por querer se sentir presente nessa etapa da vida da filha, Diná não está trabalhando com carteira assinada. “Eu tenho que estar lá [no Centro], porque eu posso tá trabalhando e do nada eles me chamarem. Eu fecho tudo aqui e saio correndo pra ir.” A menina contou ao médico perito a pressão policial que sofreu para não expor a violência na delegacia. Rita ainda sente as consequências das agressões. "Ela até hoje sofre com dores no olho e na barriga. Ela vai sair [do Aldaci] e ninguém foi punido”. Rita chegou ao centro socioeducativo na noite da segunda-feira e foi recebida pela diretora. “Aqui ninguém vai judiar de você” foram as primeiras palavras de Elisa à menina, conta a mãe. Rita terminou o ensino médio no Centro e está atualmente fazendo cursos e oficinas oferecidas dentro da instituição.


SUMÁRIO

No Al daci , as meni nas têm acesso a vári os proj etos e podem escol her o seu favori to para real i zar. El as também fazem ati vi dades fora do CEABM, vi si tando museus e exposi ções cul turai s. “Mi nha fi l ha nunca sai u al gemada para nenhum canto”, garante a mãe em rel ação ao tratamento do Centro com sua fi l ha. Al gumas meni nas até chegaram a vi aj ar ao exteri or para apresentar proj etos l i gados ao ci nema. Cursos vi ncul ados à estéti ca - como de cabel ei rei ra e maqui agem - j á foram concl uí dos por Ri ta, e seus certi fi cados são guardados cui dadosamente por Di ná em sua casa. Di ná conta que a mai or mudança no comportamento da fi l ha foi a mel hora no ví ncul o com suas i rmãs, antes i ni mi gas, como reconhece a mãe na qual mui tas vezes ti nha que fi car como um ‘ escudo’ entre as duas para evi tar confusões. Di ná só foi ter mai s proxi mi dade com a fi l ha após el a ser apreendi da. Antes dos aconteci mentos, a avó materna de Ri ta morava na mesma casa e era el a quem cui dava da meni na quando Di ná preci sava trabal har. Ri ta sempre manteve uma rel ação í nti ma com a avó - superprotetora, ao ol har da mãe. “Sofri mui to nessa época, porque você ter vári as fi l has e só uma te chamar de mãe. . . Agora depoi s que el a passou por tudo i sso, el a vi u quem era a mãe del a”. Di ná nunca teve proxi mi dade com os ami gos da fi l ha e, dos que pouco conheci a, ori entava Ri ta a se afastar. “Se el a ti vesse si do que nem as outras i rmãs”, l amenta. “Para el a ser cui dada, l á é o l ugar certo. Lá el as têm psi cól ogas, pedagogas, médi cas, tudo que preci sar”, descreve Di ná ao fal ar do CEABM. Durante a vi si ta, duas cadei ras são col ocadas: para o vi si tante e para a meni na. Segundo a mãe, recentemente foi i mpl ementado um detector no Centro, que exami na as comi das l evadas durante os encontros. " No começo ti nha mui to pai semvergonha que l evava droga para as meni nas na comi da. Depoi s que i sso passou a acontecer, el es col ocaram o detector”.


SUMÁRIO

“Se você entrar l á e di zer que é uma pri são, você l eva um carão do pessoal ”, l embra Di ná. No si stema soci oeducati vo, a expressão correta para ser uti l i zada é “apreendi do” no l ugar de “preso”, termo que se refere aos adul tos. Di ná parti ci pa de um col eti vo de mães de adol escentes que estão cumpri ndo medi das soci oeducati vas. “Eu nunca fui em reuni ão, só quando el es vão para o Al daci . Mas é sempre só pra conversar, negóci o de adol escente, famí l i a. Mas eu gosto”, conta. El a se autoafi rma como ‘ a col una da casa’ onde vi ve atual mente com a fi l ha mai s nova. A resi dênci a passava por reformas fi nanci adas pel o anti go emprego de Di ná, i nterrompi das por conta dos gastos extras após a apreensão de Ri ta. El a conta que sempre l eva i tens necessári os para a fi l ha, poi s o governo ‘ tá mei o assi m [ na hora, faz um gesto com a mão fechada, gesto popul ar usado para se referi r à al guém “pão-duro”], né’ . No centro, os fami l i ares são autori zados a l evarem uma vez por mês: três cal ci nhas, doi s suti ãs tops femi ni nos, um creme de tratamento, descol orante e água oxi genada. Todas as comi das l evadas para as vi si tas devem ser transportadas em embal agens transparentes e consumi das i medi atamente. A casa conti nua espaçosa, mas com um vazi o. Roupas da fi l ha conti nuam nos cabi des do guarda-roupa j unto às cai xas de papel ão artesanai s fei tas por el a no Centro. Ri ta faz questão de datar o obj eto e escrever frases expressando seu amor. A mãe também guarda pi l has de cartas com rel atos escri tos pel a meni na sobre a roti na no centro soci oeducati vo. A mãe reconhece os erros da fi l ha e conta que Ri ta não quer vol tar para a mesma vi da que ti nha antes de adentrar no si stema soci oeducaci onal . Ao l ado da fi l ha mai s nova durante toda a entrevi sta, Di ná conversou com a equi pe por mai s de duas horas. Manteve sempre um ol har mui to fi rme, chei o de esperança de que um di a as vi si tas acabarão e o abraço da fi l ha será roti na. “A vi da é assi m mesmo. El a passa, ‘ barroa’ , mas a gente tem que se l evantar. Mi nha fi l ha agora reconhece que tá errada. Dei xa el a pagar”, encerra.


RELATO II

“EU NÃO VOU SER A ÚLTIMA DALI” MARIA MADALENA É parte da porcentagem de meni nas do Centro Soci oeducati vo Al daci Barbosa que não nasceu em Fortal eza. A meni na foi apreendi da em sua casa depoi s de parti ci par de uma assal to sobre o qual rel atou não saber do pl anej amento. El a j á não morava mai s com a famí l i a desde os 14 anos. Madal ena vi u o pai ser assassi nado quando ti nha essa i dade, ao mesmo tempo que descobri a, naquel e momento, o envol vi mento del e com o com tráfi co de drogas. El a mesmo conta que " ti nha tudo" , mas o curso da vi da mudari a a parti r dal i .

Com 16 anos, conheceu seu pri mei ro parcei ro, j ovem também envol vi do no cri me. Como não podi a frequentar o bai rro de sua mãe devi do à di sputa de terri tóri o entre as facções da ci dade, o afastamento foi i nevi tável . “A mi nha famí l i a me abandonou porque di zem que eu qui s fi car com el e”. A rel ação j á esgarçada com a famí l i a


pi orou quando Madal ena foi apreendi da. El a ai nda passou ci nco di as em sua ci dade natal antes de i r para o centro soci oeducati vo. Ao contrári o de Ri ta, Madal ena rel ata não ter sofri do vi ol ênci a durante o desl ocamento para a Del egaci a da Cri ança e do Adol escente ( DCA) . A roti na de Mari a Madal ena no Al daci Barbosa se repeti a. Os corredores onde os dormi tóri os fi cam contam com si stema de som. São três corredores e três cai xas de som. As própri as adol escentes fazem uma espéci e de di vi são i nterna e i ndependente. “O pri mei ro corredor era das meni nas que ti nha o cabel o cortado, que a gente chamava de cabrão. O segundo era das cocota, que a gente di z que é as mai s meni ni nhas. E, no tercei ro, eram as meni nas que arrumavam bri gas na casa [ forma como el a chama o Centro] . Era di vi di do, porque podi am causar bri gas se el as saí ssem [ de seus dormi tóri os] ”, rel ata Madal ena. Essa organi zação é pensada pel as própri as meni nas. É com o passar do tempo e das vári as adol escentes pel o Centro que el as se adequam à real i dade do espaço. “ A gente [ meni nas do centro] recebe as mai s novas como mãe”, afi rma Madal ena. A frase da j ovem demonstra a potênci a dos l aços cri ados naquel e espaço, ao mesmo tempo em que retrata as rel ações fami l i ares dessas meni nas. Às 7h30mi n, as soci oeducandas têm de estar prontas para as ati vi dades do di a. “Aí a gente acordava e i a todo mundo tomar café na canti na. Aí , as namoradi nha tudo se encontrava l á e os i nstrutor fi cava l ouco separando”. As ati vi dades são di versi fi cadas, segundo Madal ena. As adol escentes podem escol her aquel as que querem desenvol ver dentro daqui l o que é ofereci do. No Al daci Barbosa, el a parti ci pou de mui tos proj etos. “El es sempre i ncenti vam essa questão de fi l me, teatro. Tem um proj eto na Seas de arte e cul tura. Cheguei a dar aul a de teatro, i nterpretação e rotei ro”, conta.


As meni nas no Centro, conforme Madal ena, têm l i berdade para programar as ati vi dades que querem na semana. Para el a, essa é uma das grandes di ferenças dos centros mascul i nos que chegou a vi si tar al gumas vezes devi do aos proj etos. Foi no Al daci que Madal ena conheceu uma soci oeducadora cuj a presença na sua vi da causou grande transformação. A pedagoga i ncenti vou Madal ena a l er mai s l i vros e foi por esse cami nho que a j ovem segui u até o fi m de sua i nternação, dei xando “uma pi l ha de l i vros” no Centro que, orgul hosamente, conta ter l i do. Os dormi tóri os das meni nas são si mpl es. Um quarto e um banhei ro estão à di sposi ção dessas adol escentes, sendo quatro o número i deal de ocupantes. São el as que fazem a l i mpeza dos dormi tóri os a parti r de uma di vi são combi nada pel os soci oeducadores. Madal ena contou que j á chegaram a dormi r oi to meni nas dentro de um mesmo quarto, pri nci pal mente em datas como festas do fi m de ano. El as mesmas “dão um j ei to” quando i sso acontece: “A gente j unta uns col chões e dá certo”, compl eta. Em vi si ta real i zada ao Al daci Barbosa Mota no di a 27 de abri l de 2016, representantes do Fórum DCA e da Defensori a Públ i ca do Ceará detectaram que o centro apresentava aspecto de sal ubri dade e l i mpeza. À época, a Equi pe Técni ca da Uni dade era composta por uma psi cól oga, duas assi stentes soci ai s, duas pedagogas, uma advogada e duas auxi l i ares de enfermagem - números que permanecem, segundo a di retora. A egressa conta que todas as meni nas recebem os atendi mentos peri odi camente. “Todo di a passava uma l i sta pel os dormi tóri os, as meni nas botavam o nome e era chamado pel a ordem de dormi tóri o”, rel ata. Madal ena nunca recebeu vi si ta da famí l i a. El a evi tava o contato, poi s acredi tava que a mãe “não mereci a” vê-l a “naquel a si tuação”. As úni cas ami zades que fez, al ém de Ri ta, foi com a i rmã de outra i nterna - com quem di vi de um ki tnet em uma das peri feri as de Fortal eza. Recebeu com tri steza a notí ci a de que sai ri a do Al daci ,


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l ugar que l he causou posi ti vas transformações, como reconhece: “Anti gamente, eu não ti nha perspecti va de nada. Eu di zi a mui to que não i a passar dos dezoi to anos”. Atual mente desempregada, a j ovem trabal hou com ci nema após sai r do centro soci oeducati vo. Mas reconhece que a vi da do l ado de fora di fi cul ta uma compl eta transformação. Apesar di sso, entende a i mportânci a do Al daci Barbosa na sua vi da e na de outras meni nas. “Eu não fui a pri mei ra [a estar no Centro], também não vou ser a úl ti ma. Eu não vou ser a úl ti ma dal i . O que eu quero pras meni nas é que el as mudem. O que as meni nas mai s preci sam é de atenção, serem ouvi das. O meu mai or sonho é mostrar que eu vou fazer di ferente”, fi nal i za.

REPORTAGEM Gabriela Feitosa Marília Freitas

ILUSTRAÇÕES Natali Carvalho

DISCIPLINA Jornalismo Impresso I - 2019.1

ORIENTAÇÕES Cláudio Ribeiro Edgard Patrício

PRODUÇÃO Maio e Junho de 2019


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