Lua caolha - POETRIX

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LUA CAOLHA POETRIX © Copyright: Marilda Confortin Direitos reservados da autora Versão Impressa: Editor: José Marins (MTb 4531) Projeto gráfico: Araucária Cultural Diagramação: Erick Osmar Ferreira Curitiba – 2008 Versão digital: Pela autora Pode ser usado sem fins lucrativos, desde que citada a fonte e a autoria.

Contato com a autora: marildaconfortin@yahoo.com.br http://iscapoetica.blogspot.com


Apresentação Por Goulart Gomes Marilda é fiel discípula dos versos curtos. Curitibana por opção, segue a tradição minimalista paranaense que tantos poetas talentosos gerou. Menina grande, brinca com as palavras, planta girassóis em cabeças de alfinetes: Não há espaço tão exíguo onde não faça brotar beleza. Sabe espichar versos e compor o mundo em não mais que trinta sílabas. Sua poesia tem seu jeito, seu cheiro, sua cor, firme e feminina, audaz e delicada, Coralina e Maria Bonita. Implode palavras e, de um quebra-cabeças de sílabas, compõe novas imagens, dá novo sentido, reinventa a fonética. Esse jeito nosso de escrever tercetos, ao qual chamamos poetrix, tem somente dez aninhos. É um bebê que ainda engantinha na trilha da sua história. Mas, se já podemos falar de uma memória (ainda que pueril) do poetrix, o nome de Marilda Confortin sempre será citado. Não apenas por ser uma das precursoras e coordenadoras do MIP – Movimento Internacional Poetrix, mas por ter a ousadia de plantar essas sementes no árido cânone literário nacional.

Goulart Gomes, escritor, criador do Poetrix


Do Terceto poético à erótica do terceto Por José Marins Li em algum lugar: Cecília Meireles escrevera haicais. Busquei na obra poética completa (em torno de 1.500 páginas e não encontrei haicai. Mas descobri ser ela a rainha dos tercetos. Dante Alighieri, consagrou o terceto como forma poética há 700 anos, com a Divina Comédia (escrita com 4.745 tercetos), ele adoraria ler Cecília. É um prazer ver a caminhada do poetrix. Fez escola, firmou-se como um dos mais graciosos tercetos de nossa poesia. O poetrix avançou, ganhou leveza (ainda que se leia muito poetrix intelectualizado), é a simplicidade sua nota mais bela. Os criativos tercetos de Marilda Confortin fluem nessa tendência. Quando Marilda, aos 15 anos, empregou-se para tirar o pó dos livros da biblioteca de uma escola diocesana, ela intuiu que o livro entrava em sua vida para sempre. Esse gesto inaugural permitiu a ela encantar-se pela poesia, pela literatura, a alma dos livros. Ao editar este Lua Caolha, fiquei seduzido pelos tercetos da poeta. Ela consegue ir de versos ingênuos, jogos de carinho, aos filhos, aos amigos, à poesia, até convidar para a reflexão com tercetos filosóficos, sem fazer aforismos. Ah, ao chega aos tercetos eróticos, a surpresa brilha no humor fino, na graça sem banalizar. Sortilégio de uma linguagem poética que coloca Marilda Confortin entre as grandes artistas deste gênero. José Marins, poeta, escritor e editor.


(Gr)ávida Pensa que tem o rei na barriga ... e tem!

Filhos Trilhos que partem de nós. Nós que nos unem. Partos que nos parem.

F(r)esta na janela Gerânios enroscam na cortina para espiar a menina a cor dando


Raiva Cuidado que escapa! Plaft! Um tapa. (esse é da minha filha Nayara)

Beleza natural Minha mãe se pinta pra ficar mais bonita. Mas, não fica. (esse é do meu filho Ébano)



Conflito de gerações Essa porra de sistema é incompatível com a minha mother focker board! - Ta falando comigo, filho?

Estio Exilada da palavra colho a colheita alheia: (f)ilha pródiga.

Cenas de um casamento Sobretudo repousa cúmplice sobre o criado ... mudo


A outra Hoje, uva Amanhã, passa Eu, vinha

Olhar (ma)terno A menina dos seus olhos envelheceu sem rus(s)gás

Fotoguerra Em trapos soçobram mães. Dos filhos só sobram retratos.


Suicida Com agulhas de crochê a velha senhora mata horas

Feliz idade Terceiridade, melhoridade Barbaridade! Quanta médio(cr)idade!

Enleio Daqui, dali, na lida não li nada


Ensimesmada NĂŁo sabe se nubla, se abre em sol ou se fecha em si.

Num piscar de olhos Meu olhar que viajar. Se nĂŁo o aprisiono, foge sem pestanejar.

Sina Nasci ostra cismo liberdade


Dissimulada Tem dias que a vida passa por mim e nem liga. Faz de conta que não me conhece.

an passant Com sorte a morte me encontra tão distraída quanto a vida

“ando tão a flor da pele” Que até papel de bala Zequinha me faz lembrar d´ocê.


Azedume Nรฃo me fale de amor. Estou no melhor mau humor e odeio rima pobre.

Hรก tormenta Adestro desejos sinistros a estibordo

htTPM// dispense o cabo, General Failure. meu slot estรก ocupado por um mode(ss)m banda larga.



DelineaDor Contorno olhares rebuscando no rosto a inocĂŞncia perdida

Estorvo Quero que morra! Mas o maldito corno nerver, never more.

PrĂŠ natal Dilato, contraio, ardo. Estou prestes a parir mais um ano bastardo.


Vá, idade... Dobra os joelhos, doma a vaidade aceita os conselhos do espelho.

Ménage à trois Papa, Bocage e Dalai Lama amontoados na cabeceira da minha cama

Lembrança Flash Foto Síntese


Inversão de valores Um cachorro e seu mendigo. Olhares de compaixão: para o cão.

Por do sol Melhor filme de todos os tempos. É de graça, passa diariamente. Tem gente que nunca assistiu.

A noite sendo Uma lua (ca)olha um sapo coaxa e a poesia “se acha”



A rosa de Hiroshima não era flor que se cheire Atendia por Litlle Boy Vestia ultra-violeta Queria acabar com o planeta.

Só escrevo quando a palavra me sobra me falta e basta!

Poeta Tortura as palavras Até que digam O que não querem dizer


Aborto Ainda era um feto um poema incompleto o coração já batia

Não sofra... Poeta só capta Poeta só mente Sua... sua mentecapta!

Bagagem literária? Bobagem. Nessa viagem, leve um coração leve e sobretudo um olhar de veludo


Paulos

O “cachorro louco” tanto provocou os deuses que foi transformado em pedreira.

O outro Paulo Também usou de magia: Transformou-se em coelho. Entrou pra Academia.


Paranauê, Paraná Curitiba, céu cinzento. Não agüento dias assim Quero Domingos pintados de azul-Marins. (lendo os livros Tempero do tempo de Domingos Pelegrini e Fazendo o dia de José Marins)

Vidal Quanto mais te menosprezo menos preso te aprecio

Haicai Ikabana de três versos. Imortal, quando bom sai.



Madurez O apuro do vinho, se dá sozinho. Em escuros, repousos, Reclusos, recu(s)as.

Oni(m)potência Creio em Deus, mas Temo que ele Seja ateu

(c)oração Atéia inventei um deus e (ch)orei por ti


Fé Livro-me dos livros, dos mito, ritos, estátuas e estepes. Divina dúvida, ainda estás aí?

Altruísmo Arar o campo plantar sementes não esperar pela sombra

Al dente Não há futuro ao ponto Se o presente É mal passado


Horário prolixo Melhor seriado humorístico Não fosse R$eal.

Demagogo Entre o que diz e faz tem no meio um mar


Contornos Ah! Essas veredas que margeiam a vida Seria a forรงa das รกguas que as desenha Ou jรก estariam definidas?

(in)seguro Temendo ser roubado escondeu seus valores onde jamais foram encontrados.

Esconde(rijo) Nos escondemos tanto nas armaduras que jรก nem enxergamos mais quem mora lรก dentro


E o amor? Ah! O amor não existe! Quem quiser tem que fazer.

Praguejando Quem com ferro computa com puta ferro será ferrado

Vítima Presa na tua vida morri de amor em legítima defesa


Per ver tendo te Disseco-te verso per verso

(d)efeitos Teus enfeites não me distraem. Te conheço pelo avesso

Santo sudário Nos lençóis de cetim marcas da paixão. Em mim, extrema-unção



Disse-me: no te trago mucho, pero te traigo siempre. Fiquei bem quieta. Ele, um poeta. Eu, aguardente.

(P)asmo PĂ´e-me Ă mesa Parte-me ao meio Santa ceia!


Nos bares Às terças e quintas todos os pares são ímpares.


ArTesão Tua língua cinzel em riste restaurando-me Pietà!

Garoto tolo Se não fosse pra tê-lo por que eu iria pô-lo no colo nuzinho em pêlo?

Brincadeira nada infantil Tira, bota, deixa ficar... ele brincava de escravos de Jó, ela aprendia a namorar



Será que ele é? Quer ter-me a seu lado. Mas, não quer me ter em cima nem embaixo

Dá, ou desce! Ele é diabético. Não adianta fazer cu doce.

Santa do pau oco Ajoelhada aos seus pés absorvo seu pecado e o condeno ao céu


Eterno inferno Se me chamas ascendo aos cĂŠus ardo em chamas


BULA POETRIX O hai-kai é uma pérola; o poetrix é uma pílula (Goulart Gomes)

Em 2009 o POETRIX completou 10 anos de criação. Nesse período ele obteve uma significativa propagação no Brasil, Portugal e em outros países de língua latina.

Com o objetivo de melhor defini-lo, estabelecendo critérios quanto à sua forma e conteúdo que possam orientar mais precisamente os seus autores os poetrixtas – a Coordenação Geral do Movimento Internacional Poetrix (MIP) divulga, agora, esta BULA POETRIX, conjunto de orientações para o aperfeiçoamento e uniformização desse gênero literário.

1 POETRIX – Informações Técnicas CONCEITO Poetrix (s.m.): poema com um máximo de trinta sílabas métricas, distribuídas em apenas uma estrofe, com três versos (terceto) e título. FORMAS MÚLTIPLAS São criadas em contextos comunicativos e constituídas como derivações do POETRIX; sua elaboração tem como características básicas o dialogismo, a intertextualidade e a polissemia da linguagem. Identificadas e reconhecidas pelo MIP como Duplix, Triplix e Multiplix são mesclagens de dois ou mais poetrix que se compõem com a participação obrigatória de variados autores e com suas poéticas formando sentidos complementares entre si (individualidade-interação-universalidade).

2 CARACTERÍSTICAS DO POETRIX


2.1 O poetrix é minimalista, ou seja, procura transmitir a mais completa mensagem em um menor número possível de palavras e sílabas. 2.2 O título é indispensável. Ele complementa e dá significado ao texto. Por não entrar na contagem de sílabas, permite diversas possibilidades ao autor. 2.3 Não existe rigor quanto à métrica ou rimas, mas o ritmo e a exploração da sonoridade das sílabas é desejável. 2.4 Metáforas e outras figuras de linguagem, assim como neologismos, devem ser elementos constitutivos do poetrix. 2.5 É essencial que haja uma interação autor/leitor provocada por mensagens subliminares ou lacunas textuais. 2.6 Os tempos verbais – pretérito, presente e futuro - podem ser utilizados indistintamente. 2.7 O autor, as personagens e o fato observado podem interagir criando, inclusive, condições supra-reais, cômicas ou ilógicas (nonsense). 2.8 O poetrix deve promover a multiplicidade de sentidos e/ou emoções, não se atendo necessariamente a um único significado.

3 COMPOSIÇÃO O POETRIX deve ser composto por ao menos um dos seguintes elementos, inspirados nas Seis Propostas para o Próximo Milênio, de Ítalo Calvino: 3.1 CONCISÃO: o mínimo é o máximo. O importante é dizer muito, falando pouco. O poetrix é uma pílula, que tem seu propósito determinado; é um projétil em direção ao alvo;


3.2 SALTO: é a metamorfose da idéia inicial, provocada no segundo ou terceiro verso da estrofe, acrescida de outros significados, permitindo uma nova perspectiva de compreensão do poetrix; 3.3 SUSTO: é o elemento inusitado e imprevisível que provoca surpresa ao leitor; é a fuga do lugar-comum, da obviedade, que desconstrói e amplia horizontes, mostrando outros caminhos, possibilidades, contextos; 3.4 SEMÂNTICA: exploração da polissemia de determinadas palavras ou expressões, permitindo a possibilidade de variadas leituras ou interpretações; 3.5 LEVEZA: jeito multifacetado de utilização da linguagem. Nesse sentido, o uso de imagens sutis deve trazer leveza, precisão e determinação ao poetrix e, com isso, provocar, no leitor, a abertura de renovadas construções mentais impregnadas de imprecisões e indeterminações, de novas possibilidades de interpretar a realidade, de desanuviar a opacidade do mundo. 3.6 RAPIDEZ: máxima concentração da poesia e do pensamento; agilidade, mobilidade, desenvoltura; busca da frase em que todos os elementos sejam insubstituíveis, do encontro de sons e conceitos que sejam os mais eficazes e densos de significado; 3.7 EXATIDÃO: busca de uma linguagem que seja a mais precisa possível como léxico e em sua capacidade de traduzir as nuanças do pensamento e da imaginação; 3.8 VISIBILIDADE: qualidade de expressar e pensar imagens, colocando visões em foco; reflexo da qualidade imagética do poetrix, em cor, sombra, contorno e perspectiva; é o substantivar da poesia; 3.9 MULTIPLICIDADE: expressão da pluralidade de possibilidades intertextuais e polissêmicas, provocando interações e criando novas formas; 3.10 CONSISTÊNCIA: através da fuga das obviedades, dos lugares-


comuns, buscando expressar-se de forma original. O poetrix rompe, naturalmente, com antigos esquemas simplificantes e reducionistas e investe num sistema complexo, cujas categorias são opostas à simplicidade: a complexidade, a desordem e a caoticidade, próprias de sistemas nãolineares, capazes de realizar trocas com o meio envolvente.

4 INDICAÇÕES: 4.1 EXPLORAR O PODER DO TÍTULO,. para o qual não há limite de sílabas. Uma das grandes vantagens do poetrix é a existência do título, que habitualmente não existe no hai-kai. 4.2 MINIMALIZAR. Eliminar todas as palavras que estão sobrando. Escrever um poetrix é lapidar um diamante. Raramente um texto está pronto em sua primeira versão. É necessário, sempre, aprimorá-lo. 4.3 PESQUISAR. Uma idéia original pode ser enriquecida com informações complementares, ampliando-a em conteúdo e significado. 4.4 UTILIZAR FIGURAS DE LINGUAGEM. Em todas as formas poéticas, o uso de figuras de linguagem, metáforas, tropos e imagens enriquecem bastante o texto. 4.5 PERMITIR QUE O NÃO-DITO FALE. Evite menosprezar a inteligência e a perspicácia do leitor. O poetrix deve instigá-lo a buscar significados nas entrelinhas, a descobrir outros contextos e sentidos. 5 CONTRA-INDICAÇÕES: 5.1 EVITAR AS ORAÇÕES COORDENADAS. Um poetrix não é uma frase fragmentada em três partes. 5.2 NÃO CONFUNDIR POETRIX COM HAI-KAI. Para isso, é importante conhecer, também, os fundamentos do hai-kai, que tem suas próprias características.


5.3 CONJUNÇÕES EMPOBRECEM O POETRIX: mas, contudo, porém, todavia, não obstante, entretanto, no entanto, pois, geralmente não servem para nada em um poetrix, podendo ser eliminadas sem prejudicar o texto. 5.4 NÃO FORÇAR RIMAS. Poetrix não é trova. Às vezes pode-se dispensar completamente uma rima utilizando-se bem o ritmo, a sonoridade e a riqueza semântica das palavras. 5.5 POETRIX NÃO É PROVÉRBIO, MUITO MENOS DEFINIÇÃO. Muito menos, frase de parachoque de caminhão. Coordenação Geral do Movimento Internacional Poetrix http://www.movimentopoetrix.com


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