livro: poéticas digitais

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crises se dão porque, naqueles processos retroativos, “de feedback com a realidade”, que mencionamos anteriormente, os dispositivos mediadores que deveriam explicar o real tornam-se opacos, passando a se confundirem com ele. Ou seja: o que deveria ser meio vira fim, e, por conseguinte, perde sua finalidade originária. Por exemplo: as primeiras imagens, as pinturas parietais teriam, na visão de Flusser, a função de produzir um recuo em relação à circunstância para tornar possível perceber seus contornos, “as relações entre objetos. [...] A intenção é dupla: fixar visão fugaz” — ou seja, abstrair a dimensão temporal — “e tornar tal visão acessível a outros”, o que se atinge através da fixação das relações espaciais evidenciadas pela abstração da terceira e da quarta dimensão. “Imagem é (portanto) “visão tornada fixa e intersubjetiva [que pode ser partilhada por vários sujeitos]” (FLUSSER, 1996, p. 66). Assim, o que no mundo é móvel e tridimensional (uma manada de bisões, por exemplo), encontra num equivalente pintado na parede da caverna uma forma imóvel e plana, passível de ser compartilhada pelo grupo. Para Flusser, enquanto isto serve para manter a coesão social, sendo acessível a todos os membros, permanece. A crise se dá quando um determinado grupo específico desta sociedade usurpa para si a capacidade de acessar tais imagens, passando a ter a intenção de dominar seus significados e interditando aos demais a possibilidade de usufruí-las como formas de mediação com o mundo. Surgem então as sociedades de castas e aqueles que dominam o significado dessas imagens — que agora adquirem o estatuto de sagradas, exigindo um processo de iniciação para ser decodificadas — os sacerdotes - aliam-se ao poder militar e passam a intimidar os outros com este canal com o divino que detém com exclusividade.

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