2 ou 3 coisas que eu sei dele roteiro núcleo cinematográfico de dança

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2 OU 3 COISAS QUE EU SEI DELE

UMA DANÇA DE MARIANA SUCUPIRA E NÚCLEO CINEMATOGRÁFICO DE DANÇA

TRILHA SONORA DE FELIPE RIBEIRO À AGNES VARDA [para eletroacústicas e duas vozes]

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CENA 1>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> {PLANO GERAL – subjetiva da platéia} ... [PAISAGEM SONORA DE CIDADE MOVIMENTADA] O PÚBLICO ADENTRA A SALA //00'00 [CRÉDITOS NARRADOS POR MARCO ANTÔNIO GODOY] Bem vindos. Por favor, desliguem seus objetos sonoros: Pagers, bips e celulares. Não será permitido fotografar ou filmar este ensaio. Mas isso não é importante. Atenção aos avisos de segurança, saídas de emergência, extintores e rotas de fuga. Inspirado na obra de Jean-Luc Godard, Dançando Mariana Sucupira E também Anna Karina, André Boll realizou o desenho de luz, Felipe Ribeiro sonorizou, A voz do narrador é de Marco Antônio Godoy, Felipe Ribeiro e Mariana Sucupira Silvia Noronha desenhou a cenografia, Marina Duarte fez a produção, Maristela Estrela fez a orientação dramatúrgica e coreográfica E desenhou os figurinos Um ensaio coreográfico de Mariana Sucupira Núcleo Cinematográfico de Dança apresenta... [CLAQUETE] ELE: Você adentrou o teatro deixando para trás os ruídos do mundo. <FADE OUT LENTO DO SOM DA CIDADE>

ELA ENTRA EM CENA. DURANTE TODO O CAPÍTULO 1, ELA JOGA COM AS REPETIÇÕES DO VOCABULÁRIO E OS QUADROS DE LUZ //02'55 DIREÇÃO: "Por onde nós começamos? Mas começar o quê?" ELE: A rugosidade de seus passos sobre o piso. Seus pés em contato com os tecidos que tocam as borrachas. A cadeira acolheu teu corpo como o couro de um tímpano à inflexão da Mao. Respire fundo. Teu corpo toca a cadeira que ressoa o chão. Escute os outros corpos que povoam a sala com suas danças. Os cabelos decantando sobre os ombros, bolsas com chaves e outros mistérios. Te lembras do som da porta quando esta fechou? Cada corpo com suas delicadezas, distintas formas de caber-se numa veste.

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Ouça as roupas íntimas das pessoas na sala, suas viscosidades eróticas. Perceba-se em nudez coletiva. Talvez seja o último momento propício para abrir a embalagem do bom-bom. O rumor das lâmpadas mudando de sintonia enquanto a luz diminui na sala. A pulsação elétrica implodindo dentro dos cabos. Há sempre questionamento na tosse em recitais. A música com suas harmonias artificiais e assimétricas comove os ouvidos, ao ponto de fazer cócegas em todo o sistema otorrinolaríngico, assemelhando a descoberta de novas formas de escuta a necessidade de limpar a garganta. Respire fundo. Os dutos e a ventilação da sala, as respirações em diversas afinações, pulsações, dinâmicas. Escute-as. (PAUSA.) ELE: Lá fora, o ruído, mas já não o ouvimos. Os cílios de todas as pessoas na sala piscaram ao mesmo tempo. A voz do narrador lhe diz o que ouvir, duvide dela, tente ouvir outras coisas. //03'00 [PRIMEIRO SINAL TEATRAL] [projeção CAPÍTULO 1] //03'38 ELA: “sempre quis saber o que é o cinema, exatamente?” ELE: Em vão. A voz continua falando o que soa em tua escuta, criando os sons de dentro de tua própria imaginação. O narrador diz: Há uma banda. Há uma orquestra. E a partir de então, não há motivos para que não haja. [PRIMEIRA ENTRADA DE CARMEN DE GODARD – 4”] <CORTE SECO DA MÚSICA> [ENTRADA DE ANNA KARINA] //03'46 [projeção 2 OU 3 COISAS QUE EU SEI DELE] A banda está voando sobre a platéia, mas ainda não toca nada. A orquestra se esconde dentro das paredes. Ouça o timbre desta voz que vos fala, imagine um rosto para ela. Dê-lhe a feição de um diretor de cinema, talvez árabe. O ranger do palco sob os passos dela, película movediça. No camarim, ela deixou um rádio ligado, repetindo uma canção. //03'52 (PAUSA) ELE: Mas nós não conseguimos ouvi-la. Escute teu estômago vibrando ressoando teu coração de manter tua coluna, flauta vertebrada a soar uma postura.

modo

a

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[SOM ESTOMACAL LEVE] ELE: Não se pode definir ao certo a origem das vozes. O que se pode afirmar é que cruzam a câmara escura dos altofalantes, e chegam até tua escuta. Talvez os alto-falantes sejam portas por onde se possa entrar no mundo do cinema. Consegues ouvir as conversas dos técnicos na cabine de operação? O corpo dela faz o palco aquecer vibrando as vigas da edificação, tremulando o chão, arrepiando tua espinha. A sala toda está apoiada na dança. [SEGUNDA ENTRADA DE CARMEN DE GODARD – 8”] <CORTE SECO DA MÚSICA> (PAUSA) //04'22 [FILME 16MM INICIA ALTO E ESVAI ATÉ FICAR QUASE IMPERCEPTÍVEL] ELE: Cada movimento dela talvez desenhe uma melodia na partitura do palco, que modifica o movimento do edifício solto no ar. Ouça o silêncio antes da cidade daqui, o vazio antes dos seus animais, a vastidão das pradarias, os silvos das encostas e vales. Ouça os fogos e as chuvas, as lavas escorrendo. Ouça os pensamentos da platéia: "Eu deveria ter ido ao banheiro." "De novo, dança contemporânea." "Ah, ta. Sei." Ouça os animais daqui, seus v√¥os e rastejares através de eras. Ouça os humanos chegando, os animais morrendo, a cidade sendo erguida. [ENTRADA DE ALPHAVILLE – 2’] <CORTE SECO DA MÚSICA> Chocalhos. Ouça a precisão com a qual os aviões passam. Ouça o longo caminho dos materiais que forjaram esta edificação. Machados sobre lenha, retro escavadeiras soerguendo minérios, filtros, químicas borbulhantes, fornalhas cosendo tijolos, trens, caminhões, britadeiras, solos de serras elétricas. Há também inveja na tosse, como urubus frente a canários. As moléculas em decomposição do teu corpo, como soam estas? Para qualquer lado que te voltes, há um mar a ser ouvido. Os rios de sangue borbulhando os corpos na sala, querendo transbordar as peles, expelir unhas e dentes, se unir sobre o chão do palco por esta cor. "Quantas vezes isto tudo te passou despercebido?" N√£o escute esta voz. Ela vibra esta cor. Escute atentamente esta cor: carmesim. Preste atenção. Tente ver como estes sons carmesim saem dos poros dela enquanto dança. Nem escarlate, nem rubro: carmesim. Lances e mais lances de dados, a sala nas mãos dela, dança. [CLAQUETE]

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ELE: Corta. Escute o som sendo gravado pelo fogo químico do filme. As laminas da ilha de edição à sua direita, guilhotinando a cabeça da diva da ópera e do maestro, o ritmo arrítmico. Espelho quebrado, vÉu rasgado, bater de asas. Árvores farfalham. Chocalhos. Ouça como seus neurônios explodem como uma teia elétrica, tentando em vão compreender o que se passa. Sempre que tocar um telefone celular, escute as mãozinhas pequenas das criancinhas chinesas montando seus componentes. O peso destas explosões atirando a atenção dos teus sentidos para todos os lados. Embora haja uma voz dentro de você dizendo: "É tudo uma grande ilusão." ELA: O cinema é só a impressão do movimento. //05’23 [projeção CAPÍTULO 1] Uma multidão de rostos conhecidos surge detrás do corpo dela dizendo em um musical coro: "Por favor, nos diga o que ouvir." Façamos uma pausa de dois ou três segundos. //05'33 [projeção O CINEMA] [TERCEIRA ENTRADA DE CARMEN DE GODARD – 35”] <CORTE SECO DA MÚSICA>

PRIMEIRA CORRIDA EM CÍRCULO. (PAUSA DE CINCO SEGUNDOS) ELE: O vento passando entre as folhas de papel. As folhas caindo da arvore cujas raízes começam sobre o teto. Não é neve este som, é fuligem do rio morto. Esta nuvem que rufa trovoada sem derrubar gota. Escute a boca que surge na tua nuca. Que canta ela? Ouça a terra se acomodando sobre si mesma. Descascam cebolas mãos velhas, legume em gamela quente afinada em sol. Chocalhos... Chocalhos... De todos os lados, chocalhos. ELE: Voltemos um pouco no tempo. Escute os panos umidificados com produtos químicos tencionando a textura das cadeiras. Chocalhos... Chocalhos... De todos os lados, chocalhos. A orquestra é composta por índias, ciganas, africanas, tibetanas, mulheres. Mulheres nuas, velhas e belas. Tambores. Violinos em presto furioso. Tocam chocalhos que fazem a sala inteira tremer. ELA: O cinema é só a impressão do movimento. //06'33 [FILME 35MM, TREMOR DE CHOCALHO QUÂNTICO E GALOPE] ELE <SOMBRIO>: O teatro é uma câmera filmadora chacoalhando nas mãos da dança, suas peças de carne.

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Todo o peso de todas as imagens do mundo impelem sobre estas paredes com a leveza das coisas invisíveis. Ouça a tensão que passa por este filtro em ondas sutis e vão de encontro ao corpo dela. Cada pessoa na platéia mantem uma parte do corpo dela, com as notas musicais que emanam de seus olhos. Nada, afora a tua vontade, impede que o teatro torne-se uma ruína agora mesmo. //06’50 DIREÇÃO/ELA: “A criação de um movimento sobre outro movimento. A possibilidade de construir uma totalidade a partir de um todo já feito. Os planos são agrupáveis sob certos regimes que os relacionam com um determinado estado de percepção, e é isso que os distingue. Daí que o filme não é feito linearmente mas aos pedaços e a percepção construída na montagem desses “pedaços” //07’00 ELE: Ouça a voz dela. ELA: Nunca se conversa realmente em filmes. //07’37 (PAUSA DE TRÊS SEGUNDOS) [projeção PALAVRAS NUNCA DIZEM O QUE REALMENTE QUERO DIZER] ELE: O que realmente diz tua voz no palco do movimento? Ouves os desenhos dos ideogramas vertidos dos fonemas? Sedas e o solo mais triste e emocionante. //07'52 [projeção NESSE MOMENTO TIVE UMA IDÉIA] ELE: Este teu pensamento foi ouvido por todas as pessoas na sala. //07'58 [QUARTA ENTRADA DE CARMEN DE GODARD – 1’06”] <CORTE SECO DA MÚSICA> //09'13 ELE: Fim do primeiro movimento da banda sonora. Escute a sombra tentando fugir do corpo. Ouça os dentes do ouvido devorando a própria orelha. A bigorna martelando os nervos, a memória perdida no labirinto. Ouça os nervos enraizando nos ossos que trincam em si bemol e... //09'24 ELA: O cinema é um ato de escolha entre imagens? ELE: A banda sonora é um ato de imagem entre escolhas? DIREÇÃO: Ela é Marina Vlady. Uma atriz. ELE: Ouves o neon da sala de cinema e pensa suspirante: "Ah, a Beleza!"

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DIREÇÃO: Ela esta usando um vestido branco. ELE: Talvez sim, talvez não. DIREÇÃO: Ela é de origem italiana. ELE: Teus ouvidos cansados não estão aptos a formar uma imagem adequada da beleza. DIREÇÃO: Seus cabelos são pretos ou castanhos escuro, se não me engano.Agora ela vira a cabeça para a direita, mas isto não é importante. ELE: Ah! A Beleza... <Em êxtase que se esvai.> É só uma palavra. Ouves uma fita antiga com risos de todo um auditório vicioso, ouves até as babas que lhes escorrem. Enquanto prosseguem os risos vindos da galeria, os tules e os paetês da bailarina raspam na crina do cavalo. A besta arfa, fazem dias que seguem sem cessar esta rotina. Ouça o coração dos dois parando ao mesmo tempo enquanto desmoronam seus corpos contra o chão, abrindo um buraco no palco. (PAUSA DE DOIS SEGUNDOS) ELE: Ouça o abismo no meio do palco. CENA 2 – revelação das palavras>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> {PLANO GERAL – subjetiva da platéia} [ENTRADA DO PROJETOR 35MM] ELA VAI ATÉ AS FOLHAS E COMEÇA A TIRÁ-LAS DA TELA. REVELAM - SE AS PALAVRAS “GOD“ E “ART“ [projeção CAPÍTULO 2] //11'00 [JINGLES DA INDUSTRIA CINEMATOGRÁFICA + “...VER UM FILME DO GODARD“...] //11'20 [projeção PAUSA] SEGUNDA CORRIDA EM CÍRCULOS //12'11 ELA TROCA O VESTIDO BRANCO POR UMA BLUSA PRETA. TIRA OS SAPATOS. [projeção UM FILME EM CONSTRUÇÃO + WARNING] //12'34 ELA: A situação estava clara. ELE <SUSSURRADA>: Escute o silencio forçado de uma sala de cinema. Escute os cantos inflamados pelo filme e calados pela situação social. ELA: Mas o que não estava claro era o papel que eu pessoalmente teria de fazer.”

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[ENTRADA DE FILM SOCIALISM] ELA VOLTA A TIRAR A FOLHAS, MUITAS. VÊ-SE AGORA VÁRIAS LETRAS E FRASES COMO “VIDA REAL É OUTRA COISA“, “TUDO SE MOVE“, “AS COISAS”, “UMA PALAVRA“. LÊ-SE FINALMENTE “GOD ARD“ ELE <SUSSURRADA>: Escute a maquina de escrever do roteirista, tipo a tipo, marcando teus passos, tuas falas, controlando a dança das câmeras voadoras que cruzam os membros da orquestra flutuando sob a raiz da arvore que derruba suas folhas. //13'50 [projeção 2 OU 3 COISAS QUE EU SEI DELE] CENA 3 – Anna Karina e Band à part>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> {PRIMEIRO PLANO - rosto} //13’58 [projeção IMAGEM MADE IN USA – “NE PAS TRANSPASSER“] ELA: Ele é Jean-Luc Godard, ele não vive aqui. ELE: Ele poderia ter qualquer outro nome. ELA: Ele tem pouco cabelo, se não me falhe a memória. ELA PARA EM FRENTE A IMAGEM OLHANDO PARA A ESQUERDA //14'00 ELE: Escute todos os rostos do cinema se transmutando no dela ate se tornar o dele. ELA: Ele é de origem franco-suiça. Agora, ele vira a cabeça para a esquerda... ELA VIRA A CABEÇA PARA A DIREITA {PLANO GERAL – subjetiva da platéia} ELE: Mas isto não é importante. Escute a indecisão da dança, os choques elétricos de ordens da coreografia. ELA COMEÇA A REPRODUZIR GESTOS DE FILMES DE GODARD //14'28 DIREÇÃO Em silêncio, ela dança Banda à parte, faz gesto de Karina, Belmondo. Socos desconexos. Tem que parecer real? Isso não é um filme. É desajeitado. Tem que parecer falso. Parecer falso torna-se o signo de um novo realismo. O falso é para o além. ELE: Ouça as cores se esvaindo, as cadeiras sendo arrastadas, as louças caindo sobre a mesa e dentro aos copos uma cachoeira de liquido cinza. Um bar se monta perante teus ouvidos.

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Ouça a mecanização da dança deles, que não ouvem a música durante a filmagem. Ouça como os filmes se recombinam nela. //15’ [ENTRADA DE BANDA À PARTE] ELA CONTINUA COM OS GESTOS E DIZ: Para os atrasados que agora chegam, oferecemos algumas palavras escolhidas aleatoriamente: Depois do jantar vamos ver um filme. Vai me dar idéias. Mas você devia usar suas próprias idéias ao invés de roubá-las de outros. Isso È o que me deixa triste: a vida È tão diferente clara,

dos

livros.

lógica,

colocando

Gostaria

organizada...

minha

mão

em

que Mas

seu

fossem não

joelho.

iguais:

é. Eu

Estou também,

Marianne. Não posso explicar tudo. em silêncio... em silêncio,

em

silêncio.

Mas

ele

disse

para

nunca

perguntar o que veio primeiro, palavras ou coisas...ou o que vem depois. Tem que parecer real. Isto não È um filme. Perdi totalmente os sentidos... O que eu vou fazer? Não sei o que fazer! O que vou fazer? Je ne sais pas quoi faire!Tenho uma idéia para um livro. Ao invés de ser sobre a vida das pessoas... seria sobre a vida, a vida como uma coisa própria, o que está entre as pessoas... espaço, som, e cores. Isso valeria a pena.

Cabia

a

mim

decidir

quando

o

personagem

imaginário tinha dado lugar ao real, se È que o real já existiu. Vou contar até... 137...

1, 2, 3, 4, 5,

6... È aquela música………… est ce que vous m’aimer? Eu estou

bem,

obrigada,

...contanto

que

significados... vantagem

de

diariamente proibidas. expressam meses...

de

nada.

palavras

...e

estar

palavras São

trocadas

idéias

novas.

é

foi

não

significados

morto

...algumas

Tudo

não

mudem

suas morrer

desaparecem, por Nos

palavras

dito...

palavras

seus

palavras. mais.

Quase

porque

são

novas

últimos

dois

que

gostava

eu

A

ou

que três muito

desapareceram. Só mais sete minutos. Sim, eu sei como falar. Vamos falar junto. Junto È uma palavra que eu gosto. Junto significa milhares de pessoas, talvez uma cidade inteira. Nunca se conversa realmente em filmes.

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Gostaria

de

tentar

com

você.

Gosto

de

falar

com

estranhos. Quer que eu lhe conte o que estou fazendo? Onde, então, está a verdade? De frente ou de perfil? 35,

36,

37,

38....

Est

ce

que

vous

m’aimer?

Em

imagens, qualquer coisa serve: O melhor e o pior. Você só pode pensar em algo se você pensar em outra coisa. Por exemplo, você vê uma paisagem nova para você. Mas ela é nova para você

se você compará-la mentalmente

com outra paisagem que você já conhecia. A maioria das pessoas tem a coragem de viver a sua vida,

mas não de

imaginá-la. Então, como posso fazer isso por elas? Nós contratamos

um

escritor

americano

para

fazer

esse

roteiro. É estranho, na verdade, como as coisas fazem sentido quando a história termina. Est ce que vous m’aimer? Vocês estão se divertindo com isso. Como se estivessem brincando com o filme, porque estou rodeada de técnicos. Qu'est ce que je faire? Je ne sais pas quoi faire! Qu'est ce que je faire? Je ne sais pas quoi faire! Não È por causa da câmera. Estou sendo sincera.

88,

89,

90,

91..

Você

pode

enganar

as

platéias

de cinema, mas não a mim. Ver o invisível é

exaustivo. Uma nova linguagem È necessária. Nessa sala há um pouco de azul, vermelho e verde. Eu tenho uma máquina de ver, chamada olhos. Para escutar, tenho ouvidos. Para falar, uma boca. Mas parecem máquinas separadas, não há unidade. Uma pessoa deve se sentir unificada. Me sinto dividida. 137. Isso È tudo que tenho, mas na próxima semana farei melhor.

[projeção CENA BAR BAND À PART com TRILHA] ELA DANÇA BAND À PART EM UNÍSSONO COM ANNA KARINA //17’28 <CORTE SECO DA PROJEÇÃO E DA TRILHA> CENA 4 – o silêncio >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> {PLANO GERAL – subjetiva da platéia} [projeção BLACK] ELA VAI ATÉ O FUNDO, TIRA “GOD ARD“ E REVELA O “SILÊNCIO“

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ELE: Ruído. Ouça o que se desvela por detrás dos pensamentos de seu corpo, mais além ainda das palavras dela, onde as cordas vocais são como harpas. Ouça os dentes do ouvido devorando a própria orelha. A bigorna martelando os nervos, a memória perdida no labirinto. Ouça os nervos enraizando nos ossos que trincam em si bemol e. //17’35 [ENTRADA DO RUÍDO CODEC MPEG – SEGUE ATÉ 26’50] ELA: O que é uma palavra? TERCEIRA CORRIDA EM CÍRCULOS ELE <ALGO MUITO IMPORTANTE NÃO SERÁ DITO>: dentro de um pote. Ouça! A escuta é este abismo onde... ELA: É aquilo que não é dito. É aquilo que...

Ouça

o

rodamoinho

//17'35 [RUÍDO DE PAPEL QUE INTERROMPE AS FALAS E ABRE O ABISMO DA TELA] [ENTRADA DE CINEMA DIGITAL + UNNE FEMME] ELA: “A cada repetição, um acréscimo, uma mudança de velocidade, uma difração. A cada repetição, uma interrupção para que um novo segmento narrativo se acrescente.” ELA PEGA UMA FOLHA, AMASSA. MOVIMENTA-SE COMO SE AMASSE A SI MESMA. //23’25 DIREÇÃO/ELA: “No cinema, o tempo não tem uma dimensão concreta, é simplesmente aquilo que as coisas duram.” QUARTA CORRIDA EM CÍRCULOS + GESTOS DO CAPÍTULO 1 //23'34 [PAPEIS ESCRITOS, AMASSADOS, RASGADOS – SEGUE ATÉ 26’50] {PLANO GERAL – travelling para frente} ELA RECOLHE OS PAPÉIS DO CHÃO. COLOCA-OS SOBRE O ROSTO APROXIMA DA BOCA DE CENA. AOS POUCOS AS FOLHAS NOVAMENTE.SUSPENSÃO.

E SE CAEM

[projeção LA DANSE EST MORT? /LA DANSE EST MORT/ ?] //26'46 DIREÇÃO: “E o que fazemos agora? O que fazemos? Eu não sei. Ou melhor, eu digo que não sei, mas eu sei. Se não há nada para se dizer, vamos ter um minuto de silêncio. Um minuto de silêncio

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pode ser um longo tempo. Um minuto de silêncio de verdade pode durar para sempre.” ELA FAZ 36 SEGUNDOS DE SILÊNCIO. //27'46 (FIM DO ABISMO DA TELA) ELA: Isso é o suficiente. Vou por um disco. ELE: Isto é como, duzentos e dezesseis quadros depois, ela vai até o fundo e tira o silencio. ELA VAI ATÉ O FUNDO E TIRA O SILÊNCIO SILÊNCIO. [ENTRADA DE MEL] CENA 5 – preparação do ensaio>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> {PLANO GERAL – subjetiva da platéia} //28'49 [SEGUNDO SINAL] [projeção UM FILME EM CONSTRUÇÃO/ UM ENSAIO] //29'23 DIREÇÃO: Ela é Marina Vlady, uma atriz. Ela está vestindo uma roupa preta. ELE: Ela dança sem parar. DIREÇÃO: Ela é de origem italiana. ELE: Há uma música. Ela a ouve. DIREÇÃO: Seu cabelo é preto ou castanho escuro, se não me engano. ELE: Você ouve, todos ouvem. DIREÇÃO: Agora ela vira a cabeça para a esquerda, mas isto não é importante. ELA SE DESLOCA PELO ESPAÇO, ENSAIANDO //30'30 [CLAQUETE] [projeção CAPÍTULO 3] //30'40 ELE: Uma imagem não teme a próxima que a substituirá. Um som indescritível a leva a ouvir a morte-cinema. A dança que corpo, ensaia ouvindo suas escutas. A voz do ensaio, programa a coreografia para seus ouvidos. O ensaio, surgira duas ou três vezes, caso se lembrem... [ENTRADA DE NOSSA MUSICA] CENA 6 – ensaio azul/pierrot le fou>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> {PLANO GERAL – subjetiva da platéia}

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//32'37 [projeção CAPÍTULO 3] //32'50 ELA: O problema básico, como naquele filme que você não viu. Você está me esperando. Não estou la. Eu chego. Adentro o espaço. Então começo a realmente existir para você. Mas eu existia antes disto. Então como me mostrar viva e me ver viva, pela virtude desse mesmo fato. E quando eu sair, ainda assim, continuar viva. [projeção DA TELA AZUL] //33'03 [ENTRADA YENOH YENOH – TSIEF 3’24”] ELA ENTRA COM UMA LATA DE TINTA E PINTA O ROSTO. DANÇA. //QUANDO ACABA A MUSICA A PRIMEIRA VEZ ELA: Estou somente olhando para o chão. Isto é tudo. //36'30 [VOLTA ENTRADA YENOH YENOH – TSIEF. VAI ATÉ 38’33”] <CORTE SECO DA MUSICA> ELA: Se alguém me entende, então eu não estava sendo clara. //38'36 [projeção AGORA ELA SAI DO ESPAÇO. MAS ISSO NÃO É IMPORTANTE] CENA 7 – ela dança sem parar>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> {PLANO GERAL – subjetiva da platéia} [ENTRA TERCEIRO SINAL DO TEATRO] [SILÊNCIO / LUZ GERAL] ELA CONTINUA DANÇANDO. VÊ-SE AGORA O ROSTO COBERTO DE TINTA AZUL. ELA SAI DE CENA.

-- INÍCIO DO ESPETÁCULO --

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