SODRÉ, Paulo Roberto. Lita e o rato que gostava de manga [conto inédito para criança, 2012.]

Page 1

Lita e o rato que gostava de manga

PAULO ROBERTO SODRร Vitรณria, 2012



3

Para Júlia e Letícia, Rafaela e Daniela, Victória e a menina Livia.



5 O jardim

Que jardim magnífico, diria Lita, se seus dez anos tivessem lhe ensinado o que essa palavra quer falar tão, assim, dona de si. Que jardim fofo, disse ela, olhando os canteiros que acabara de regar, cheia de dedos e gotas e cuidados.

Na luz morna da manhã, Lita ficou feliz com o “Bom dia” das cravinas, gailárdias, margaridas, dálias, jasmins. Mais feliz ficou com o “Olá, minha flor do dia”, da senhora do jardim, a mangueira de manga-rosa, cheia de folhas, flores e frutos, alguns caídos de tão maduros e doces no chão.

Lita esperou os amigos para curtirem com ela aquele canto de cheiro e cor. Logo chegariam joaninhas, canários, rolinhas, periquitos e borboletas para um faz-de-conta de café da manhã. Um recanto, sim, de alegria.

Era realmente um encanto seu jardim.


6 O rato

Enquanto Lita se arrumava num dos cantos do jardim, apertando o laço de fita de seus cabelos castanhos, viu um rato chupando uma saborosa manga. Olhou aquilo e súbito soltou um longo e largo e longe grito de nojo. Um rato! Ele levou um quilo de susto na cabeça e saiu correndo rota afora para a toca, engasgado, espavorido ou apavorado, e mesmo atrapalhado, com medo do medo medroso da garota.

Paulus, o gato escuro que seu pai lhe dera de presente, chegou logo, pronto, seguro e vigilante, e perguntou: – O que aconteceu, minha menina? – Um rato feio teve a coragem de entrar aqui e chupar a manga-rosa no chão. Vá logo pegá-lo, Paulus!


7 O gato

Paulus fuçou e fungou e fuxicou os quantos cantos do jardim, procurando o rato feioso. Busca ali, busca acolá, e, antes que chegasse angorá à toca arrumada perto do capimrabo-de-raposa, de repente, Clayton, o gato vizinho que tocava sete cordas, apareceu e falou: – Que que ‘cê ‘tá caçando aí, Paulus? – O rato que gosta de manga que assustou a Lita. – Ora, ora, começou o cantor, dedilhando um acorde descontraído de sol na viola: – Então, de fato, o rato feiúra não é tão feiorento assim, afinal, meu caro. – Como não, Ton? É um rato e ponto! Estranhou Paulus, encucado, perto da toca. – Ora, ora, se ele gosta de manga como Lita gosta...

O gato de Lita, que já andava para lá de cansado de correr atrás de ratos e de novelos, mais de dois por dia, às vezes, dez, e dois depois, ficou pensando, quedou assuntando, parou perguntando o que o gato violeiro quis dizer lá com sua frase de quem diz não dizendo.


8 Lita

– Então, Paulus, o rato foi embora? – Lita, minha mina menina, será que o rato é tão “feiorento” assim? – Claro que é, Paulus. Embirrou a garota sem entender a pergunta. – Pois veja, Lita: por que você gosta tanto de manga-rosa? – Porque ela tem uma cor bonita por fora e uma cor formosa por dentro, cheia cheinha de sabor amarelo: por fora, lembra um entardecer; por dentro, uma manhã, respondeu Lita toda certa e poeta de si, assim, como que magnífica. – E por que o rato gosta também de manga? Disparou Paulus.

Lita então levou um susto tão assustado com a pergunta inesperada, que o laço de fita azul de seus cabelos se desfez no ato naquela manhã cheirosa a manga em amarelos. Ficou reparando, assuntando e rodopiando um pensamento que nunca tinha até agora pensado em pensar.


9 A mangueira

Ouvindo aquela conversa engraçada de menina e de gatos e de “ora, ora”, sob os galhos de suas sombras, a senhora mangueira de manga-rosa sorriu contente com sua folhagem enfolharada de verdes, aliviada bastante. Dessa manhã em diante, observou ela, podia soltar seus frutos sem desgosto.

Aquela hora bonita do dia, assim, logo ficou ainda mais clara; sim, mais perfumada; sim, ainda mais catita um tanto.

Todas as pétalas, percebendo a pá de alegria do pé de manga, festejaram também com suas cores em muitos e muitos cheiros.

Um recanto mesmo de harmonia.


10 O jardim

Que jardim generoso, pensaria Lita, se seus poucos anos jĂĄ tivessem lhe ensinado o que essa palavrinha grandona, sempre jogada num canto qualquer, gosta de cheirar. Que jardim legal, pensou ela, passeando pelos canteiros na luz matutina do dia, enquanto Paulus escrevia haicais longe dos novelos, e o violista Clayton cantava madrigais para Maria.

Mais contente ainda ficou Lita com o rato TuĂ­, curtindo tranquilo o som afinado das cordas e o sabor de sol da manga-rosa.

SerĂĄ mesmo fabuloso o jardim? Pensou o cansado urubu-da-mata, acabado de chegar.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.