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PÚBLICO FEMININO SOFRE COM ASSÉDIO NO METRÔ DE SÃO PAULO
Situações de assédio fazem parte do cotidiano de quase todas as usuárias do transporte coletivo
Guilherme Leitão e Mariana Bello
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Pesquisas indicam que 97% das mulheres já sofreram assédio no metrô
Como se não bastasse a luta contra o machismo e preconceito, as mulheres ainda precisam enfrentar o assédio sexual no cotidiano. De acordo com um levantamento feito em 2019 pelo Metrô de São Paulo, 5,3 milhões de pessoas utilizam o transporte todos os dias, sendo 57% do sexo feminino. Uma pesquisa dos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, em parceria com a Uber, mostra que 97% das brasileiras com mais de 18 anos já sofreram importunação sexual no transporte público, por aplicativo ou em táxis. E 71% delas conhecem alguém que também já foi assediada. Vitória dos Santos Coutinho, 18 anos, estudante, conta que vivenciou diversos casos de assédio no metrô, dentro do vagão, nas linhas 1-Azul e 2-Verde. “Os homens ficavam me olhando com desejo e mordendo a boca. Já foram várias vezes, mais de dez. Isso piora quando estou usando blusa curta ou calças apertadas”, afirma. Ela diz também que fica insegura para utilizar o transporte, principalmente quando está sozinha, e que nunca denunciou as ações. Segundo a pesquisa dos Institutos Locomotiva e Patrícia Galvão, 46% das mulheres não sentem confiança em usar o metrô sem sofrer importunação. A pesquisa Voz Feminina, de 2021, solicitada pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), afirma que, quando houve assédio dentro do trem, apenas 11% das entrevistadas denunciaram. Quando houve na plataforma, esse número aumentou para 25%. Aline Miyaki, 25 anos, psicóloga, sofreu encaradas e comentários de um grupo de homens dentro de um dos trens da linha 7-Rubi da CPTM. Foi num final de semana, às 11 horas da manhã, e quando ela se afastou, o assédio parou. Ela comenta que os homens estavam alterados por bebida alcoólica. Não houve denúncia, mas Aline afirma que, caso ocorresse toque físico, ela iria aos guardas fazer uma queixa. “É algo que não pode ficar impune, porque já ficou por muito tempo”, diz. Além disso, várias de suas amigas passaram por assédios no metrô, inclusive com toque. Mesmo depois de sofrerem importunação sexual, os próprios assediadores acusaram-nas
de “estarem imaginando coisas”. As denúncias dos casos não ocorreram por medo das vítimas. As formas de assédio que as mulheres mais passam dentro do transporte público são receber olhares insistentes (41%), receber cantadas indesejadas (33%), ser encoxada (35%) e passarem a mão em seu corpo (22%), de acordo com a pesquisa dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva. Antonella Liza Herrera, 21 anos, arquiteta, evita usar o metrô por precaução, pois já enfrentou e presenciou diversas vezes assédios no transporte e conhece muitas outras mulheres que já sofreram do mesmo. Ela aponta que os assediadores normalmente se aproveitam quando estão em um trem lotado. “Eles fingem que não tem muito espaço e então começam a te tocar”, diz. Das vezes que ela sofreu importunação no metrô, não reportou por saber que não seria uma atitude relevante e, dificilmente, teria alguma consequência ao agressor. “Normalmente as mulheres não são escutadas”, afirma. Além disso, ela disse que lembra ter passado por situações como essas na Linha 7-Rubi da CPTM e na Linha 4-Amarela do metrô. Vitória e Antonella falam que uma das formas de evitar o assédio sexual é usar roupas que não chamam atenção e que cubram grande parte do corpo. Aline também menciona jeitos de se defender da violência, usando uma chave entre os dedos. Há dois locais onde a mulher que sofreu importunação pode recorrer para denunciar e ser amparada psicologicamente: o Espaço Acolher, que fica nas linhas da CPTM, como 11-Coral, e 12-Safira, e o Posto Avançado de Apoio à Mulher, que fica nas estações Luz e Santa Cecília e no terminal Sacomã. A assistente social Marisa de Oliveira Conde, 40 anos, e a administradora Neide Santos, 57 anos, trabalham no posto da Luz, e afirmam que as queixas recebidas são apenas de violência doméstica. Quando ocorre o assédio sexual, normalmente as vítimas são encaminhadas direto para o Delpom (Delegacia de Polícia do Metropolitano).

Mulheres apaixonadas pelo futebol lutam por mais espaço nos estádios
Júlia Fernanda Vicente
Ofutebol ainda é um esporte muito dominado pelos homens. Muitas vezes, pelo machismo, as mulheres são impedidas ou não se sentem seguras para acompanhar o seu time do coração de perto. Em alguns países, como no Irã, a presença feminina nos estádios já chegou a ser proibida, e no Brasil, as mulheres já foram impedidas por lei, durante 38 anos, de praticarem futebol e “desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”, como dizia o artigo 54 do decreto lei 3.199, de 1941. Nos últimos anos, mesmo que aos poucos, a aceitação das mulheres nas arquibancadas vem crescendo. Em 2020, a Federação Paulista de Futebol, junto com os 16 clubes que disputaram o Campeonato Paulista, lançaram a campanha #ElasNoEstádio. Com a visibilidade de Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo, eles ressaltaram que apenas 14 % do público do Paulistão é feminino. A campanha teve o objetivo de incentivar a ida das torcedoras ao estádio e, também, dar acolhimento e suporte para as mulheres. Visando à presença e a segurança das mulheres nos estádios, em 2016, foi criado o “Loucas Por Ti”, um movimento com torcedoras Corinthianas que se unem e vão juntas aos jogos do Timão. Monique Simão Pires, 21 anos, integrante do movimento, conta que, antes de conhecer as meninas, frequentava o Parque São Jorge com sua mãe, mas, com o passar do tempo, conheceu o movimento e se juntou a elas. “Quando eu venho ao estádio com companhia, eu me sinto mais à vontade, mas eu nunca tive medo de vir sozinha. Acredito que pelo fato de não ter acontecido nenhum episódio comigo. E, também, o movimento sempre abraça muito quando vê alguém nova”, conta a torcedora. Com o crescimento da presença feminina nos estádios, acaba se tornando mais fácil para a nova geração de torcedoras se sentirem mais segu-

Elas ainda são apenas 14% do público dos estádios (Freepik)
ras e representadas na bancada. Larissa Gadelha Mendes Carvalho, 15 anos, associada na Torcida Jovem do Santos, conta que sua história com o futebol e com o Peixe começou desde pequena. “Com mais ou menos uns 3 para 4 anos meu pai me levava para os jogos no Pacaembu, e dali em diante eu comecei a gostar de tudo aquilo”, conta a santista. “Quando eu era criança, falava para o meu pai que queria ficar na arquibancada, na bagunça, e essa bagunça era a Torcida Jovem”, completa. Em 8 de março de 2022, Dia Internacional da Mulher, o Mineirão divulgou dados sobre a presença feminina no estádio e sobre o assédio sofrido pelas mulheres. Com a campanha “Repense. Por mais mulheres nos estádios”, foram ouvidas 200 torcedoras. O perfil oficial do estádio revelou números que revelam a situação da mulher brasileira no futebol. Segundo o levantamento, 97% delas acompanham seu time no estádio, entretanto, apenas 6% das entrevistadas vão às partidas sozinhas. A pesquisa também mostrou que 55% dessas mulheres já foram vítimas ou presenciaram um ato de importunação sexual durante os jogos. Além do assédio e da sexualização da mulher no esporte, elas também enfrentam o questionamento de serem tão apaixonadas e de saberem tanto de futebol quanto os homens. A proibição do futebol feminino contribuiu muito para o atraso no desenvolvimento da modalidade e, também, colaborou para a não aceitação da presença feminina no esporte. Monique conta que sempre foi apaixonada por futebol e tinha o apoio da sua mãe. Quando era criança, jogava bola, porém, por conta do preconceito, acabou parando. “Eu jogava com os meninos, mas eles começaram a jogar com muita maldade para cima de mim, dando carrinho e jogo pesado, por isso, minha mãe achou melhor eu parar”, relata ela. Pela busca de segurança e apoio nos jogos, torcedoras São Paulinas e Palmeirenses criaram o São PraElas e o VerDonnas. O nome do movimento do Palmeiras é uma junção do feminino de “Verdão” e “Donnas” que significa “mulheres” em italiano. Foi fundado em 2018 por 11 torcedoras alviverdes. Já o São PraElas começou, também, em 2018, tendo seu início na internet, quando algumas torcedoras tricolores criaram a hashtag #SãoPaulinasUniformizadas, em busca de mais opções femininas de camisas e materiais esportivos, e em 2019 teve seu nome mudado para “Movimento São PraElas”.
As dificuldades encontradas pelas mães na inserção no mercado de trabalho no Brasil
Luana Levasier
Omercado de trabalho evita ao máximo contratar mães e mulheres grávidas, por acreditar que estas darão mais problemas do que soluções no local de trabalho. Segundo o estudo Estatísticas de Gênero, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em março de 2021, apenas 54,6% das mães de 25 a 49 anos que têm crianças de até três anos em casa estão empregadas. A maternidade negra, nesta mesma situação, representa uma taxa ainda menor: menos da metade está no mercado de trabalho (49,7%). As mães precisam de um emprego para sustentar seus filhos e, para isso, muitas precisam deixá-las na creche durante o turno de trabalho. O problema é que a falta de emprego é, muitas vezes, um impeditivo para que as vagas nas creches sejam obtidas. Cria-se, portanto, um ciclo vicioso. Essa é a realidade de uma enorme parcela das brasileiras, especialmente as que não têm apoio do pai da criança. “Os desafios das mulheres no mercado de trabalho são, sem dúvida, muito maiores que dos homens e iniciar a carreira profissional aos 22 anos, com uma bebê de poucos meses, não foi tarefa fácil”, diz Juliani Arimura, engenheira de alimentos formada pela Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. “Engravidei no quarto ano da faculdade de engenharia de alimentos, justamente quando deveria iniciar os estágios obrigatórios e buscar uma colocação no mercado”, lembra a paulistana. Além disso, ela estava longe de sua família, tendo em vista que residia em Campinas e seu apoio familiar permanecia na cidade de São Paulo. Atualmente, Juliani é gerente de comidas e alimentos na DNV GL, empresa norueguesa do setor alimentício. Ela ainda menciona que precisou ter muito mais dedicação e esforço do que colegas de classe para

Muitas mulheres voltam a trabalhar antes do fim da licença-maternidade (Foto: Freepik)
chegar aonde desejava, e com muita garra, ela conseguiu. “Acredito que hoje, principalmente nas grandes organizações, políticas de diversidade, equidade e inclusão trarão mais abertura e empatia para as jovens mães e espero que, cada vez mais, as oportunidades sejam iguais para todos e todas”, torce a engenheira. A filha de Juliani, Gabriela, é formada em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, mas preferiu não dar entrevista para o jornal Acontece. Segundo levantamento feito pela Catho, empresa do setor de recrutamento profissional, 45% das mulheres demoram cerca de três meses para retornar às suas atividades profissionais depois do parto. Apesar de a lei possibilitar que elas fiquem até seis meses afastadas, o tempo curto se justifica pelo receio que elas têm de perder os seus cargos. Vale destacar que, ainda de acordo com a Catho, mais de 61% das mães solo no Brasil são mulheres negras, que enfrentam barreiras de acesso a direitos básicos e que estão, em sua grande parte, abaixo da linha da pobreza. Contrate Uma Mãe” é o primeiro banco de currículos com acesso totalmente gratuito do Brasil para recolocação profissional de mães, e oferece assistência e mentoria para aquelas que estão com dificuldade para serem contratadas. “A sociedade ainda não aceita que uma mulher pode ser uma grande profissional e ao mesmo tempo, mãe”, alega Camila Coelho, que deu início ao projeto. “Mães de todas as idades que buscam recolocação profissional podem cadastrar seu currículo no site em nível nacional, incluindo um texto para destacar suas habilidades adquiridas como mãe e como profissional ao longo da sua vida”, explica.