7 minute read

cultura

Next Article
quer_que desenhe

quer_que desenhe

Da série Não à violência contra a mulher. Acrílica sobre papel telado. 40X60

A arte de Graça Craidy

Advertisement

cultura 25 Uma artista singular e essencial

Carlos Alberto de Souza é jornalista

Graça Craidy se diverte, ao mesmo tempo que se identifica, com a brincadeira de uma amiga que a enquadra como ocupante da “enfermaria” dos expressionistas. De fato, como os seguidores desse movimento, ela sublima a expressão da interioridade no seu fazer artístico, descompromissado de reproduzir aparências, mesmo que convencionalmente belas.

O destemor de Graça ao empunhar os pincéis resulta em gesto espontâneo e decidido, característica elogiada por mestres. Sua produção é intensa e diversificada. Rejeita tocar uma nota só. Da sua obra, destacam-se séries de cunho social como as que denunciam a violência contra a mulher, o abandono dos velhos, o êxodo dos refugiados, a rapinagem dos corruptos.

A série sobre violência contra a mulher, fruto da indignação da feminista engajada, foi exposta por instituições públicas para explicitar pictoricamente a praga do feminicídio a partir da tipificação do crime hediondo no Código Penal, em 2015. O momento coincidiu com a mostra Até que a morte nos separe, pintada em cores fortes por Graça com base em fotos de cenas de crimes cometidos por maridos e ex-companheiros.

Outra vertente importante do trabalho da artista visual são os retratos em que “rouba a alma” dos retratados, conforme diz. Ao longo da carreira já fez mais de 3 mil. Alguns viraram capa de livros, outros ilustraram estudos acadêmicos. Uma série sobre seus ancestrais italianos maternos ganhou exposição em Gualdo Tadino, na Úmbria (área central da Itália), em 2018, sob os cuidados da curadora romana Adelinda Alegretti. Sim, há um lado delicado na pintura de Graça, garantido por aquarelas florais, pássaros, gatos, cães.

G, forma abreviada como também assina seus trabalhos, participa de cinco coletivas, simultaneamente, neste maio: três em Porto Alegre (Materna, moderna, eterna, na Gravura Galeria; Fora da Cor, no IEAVi; e Instantes no Tempo, na Duque); uma no México, em Mazatlán (Clara Pechansky y sus amigas), e outra na Itália (convocatória de Avelino em memória dos 700 anos da morte de Dante Alighieri). Desde que começou a expor, Graça soma 45 coletivas e 34 individuais.

A aparição da pintora no cenário das artes visuais se deu depois de um mergulho de cinco anos no Atelier Livre de Porto Alegre no início da década de 2010, acrescido de aprendizados artísticos pontuais anteriores. Deixando para trás uma vida de publicitária e de professora de Processo Criativo na academia, ela passou a enriquecer seu novo mundo como alguém que se mostra “in progress” na internet, pesquisa, estuda, escreve, debate, faz cursos no Brasil e fora, compartilha conhecimento, estimula colegas, posiciona-se politicamente, anima sua enfermaria e o sanatório inteiro. Estabeleceu-se como uma artista singular e essencial, intérprete do seu tempo.

Sobre essa ijuiense de 69 anos, filha de um médico, João, e de uma professora, Sybilla, o saudoso mestre Antonio Soriano registrou para a posteridade: “Graça Craidy é uma das melhores pintoras que tem no Hemisfério Sul da América. Como sou polêmico, que se fodam os que não acham isso”.

Corrupto de rapina. Acrílica sobre papel 66x69

Da série Velhos na Janela. Acrílica sobre tela 60x40

Humor é uma visão do mundo

Abrão Slavutzki é psicanalista

Ser humorista é um ato de coragem. O humor desnuda as máscaras ao buscar o outro lado. O humor, antes de ser rebelde, pensa diferente, é livre para pensar, é irreverente, goza as proibições. Os dicionários definem a palavra rebelde como ser do contra, contra a ordem, as instituições, e aí revelam uma carga negativa. O humor expõe sua forma de ver o mundo, vê o outro lado da ordem e do progresso, goza qualquer poder, se diverte ao buscar o outro lado.

O humor é um jogo, como já escreveu Freud em 1927: “Vejam este mundo que parece tão perigoso. Um jogo de crianças, bom nada mais que para brincar com ele”. E no final de seu “Humor” elogia o sentido de humor ao escrever que ele é um dom precioso e raro.

Um dos livros menos lidos na obra de Freud é “A piada e sua relação com o inconsciente”. Título engraçado ao elevar a palavra piada à importância do inconsciente. Um dos méritos de Lacan foi ter recuperado o witz (a piada), e escreveu que a própria clínica tem um viés witzig, gracioso. Aliás, não faltam pesquisas hoje das neurociências sobre o sorriso do humor e do riso. O humor começa na infância, aos dezoito meses mais ou menos, devido à capacidade simbólica da criança.

Humor é erótico, abre portas, corações e mentes, o humor alivia, suaviza as derrotas, é um dietético ao diminuir o peso de viver. O humor é uma ética que elimina toda forma de hierarquia, seja ela econômica, política ou religiosa. Uma ética em que os ricos podem revelar-se pobres de espírito, milionários sem espirituosidade. Uma ética que suporta o inevitável, e pode, como Dom Quixote, sorrir diante dos fracassos.

Já os mal-humorados não acham graça, carecem de sentido de humor, amam as certezas e têm no ódio ao diferente uma razão de viver. O humor se arrisca ao brincar até com as Forças Armadas e a terrível Lei de Segurança Nacional. E foi o que fez Gregório Duvivier no seu recente Gregnews “A ideologia do General”, onde expôs sua visão da história militar. Assegura que não deseja ser acusado de infringir qualquer lei, e então, em vez de criticar, faz um programa em defesa dos armados, saúda a instituição ilibada, infalível, fundamental na República. Como exemplo exalta a capacidade do Exército de fazer grandes desfiles no dia sete de setembro. Revela ainda que a maioria das intervenções das Forças Armadas foi contra nós mesmos, como provam a intervenção militar em “Canudos” na Bahia, a guerra do “Contestado” em Santa Catarina, e as intervenções políticas em 64 e nas eleições de 2018. O humor e os humoristas são o oxigênio que nos protege da asfixia da mediocridade.

cultura 27 Música na pandemia

Thais Araujo é Jornalista

Mais de um ano depois do início da pandemia de Covid-19, nem todo mundo se adaptou às alterações impostas pela nova rotina. Mas nem tudo mudou: os músicos do estilo conhecido como sertanejo universitário continuam liderando, com folga, o ranking dos artistas mais ouvidos no Brasil pelo Spotify. Para se ter uma ideia, eles ocuparam as seis primeiras posições em 2020, na seguinte ordem: Marília Mendonça; Henrique & Juliano; Gusttavo Lima; Zé Neto & Cristiano; Jorge & Mateus e Os Barões da Pisadinha. O bolsonarista arrependido Lobão, ao menos em relação ao universo musical, parece ter razão: o Brasil ainda “está atolado num cafona agrobrega”.

Com letras superficiais e cheias de clichês, as músicas desse estilo, em geral, exaltam comportamentos retrógrados e nocivos. Estudo das pesquisadoras Mariah Gama e Valeska Zanello, da Universidade de Brasília, mostra que a maioria delas naturaliza e romantiza o machismo e a violência contra a mulher. O jornalista, crítico cultural e criador do site Esquina Musical, Raphael Vidigal, atribui o sucesso, em parte, à necessidade que as pessoas têm de esvaziar a cabeça quando o mundo do trabalho se torna cada vez mais exaustivo. Em entrevista ao Jornal Hoje em Dia, disse que essas músicas “funcionam como mero escape”.

Outra realidade é vivida pela maioria dos artistas brasileiros. É o caso do cantor e compositor capixaba Chico Alves, radicado no Rio de Janeiro por muitos anos, diretamente impactado pela interrupção da agenda de shows. O lançamento do seu terceiro CD, Paranauê, gravado pela Biscoito Fino, teve que ser adiado em razão da pandemia. Com mais de oitenta músicas compostas e parcerias com grandes nomes do samba, como Toninho Geraes, Moacyr Luz e Wilson das Neves, Chico encontrou nas lives uma forma de manter a interação com o público e aliviar a solidão do isolamento. “Com o passar do tempo, até isso ficou entediante, porque sem o contato físico a troca não é a mesma de um show presencial”, disse. Apesar de lamentar essa situação, ele afirma que, em geral, os instrumentistas foram os mais prejudicados. “Muitos artistas, mesmo de forma incipiente, fazem lives com cachês conscientes e conseguem algum retorno financeiro, o que os instrumentistas e músicos acompanhantes não conseguem”, acrescentou.

Chico, que também durante a pandemia pediu demissão do emprego formal na empresa onde trabalhava e investiu em uma casa de samba em São Paulo, o Traço de União, para se dedicar inteiramente à música, diz que, como a maioria dos artistas fora do esquema das grandes gravadoras, ainda não consegue viver só de suas composições. “Recentemente li que Paul McCartney convocou artistas para cobrarem dessas plataformas uma remuneração mais. Hoje, o valor repassado aos compositores é muito desproporcional aos ganhos delas. No Brasil, o Spotify, por exemplo, paga R$ 0,02 por execução. Para o artista ganhar R$ 20 a música precisa tocar 1.000 vezes e isso artista pequeno não consegue tão facilmente”, lamentou.

Cashmere bouquet. Aquarela 65x50

This article is from: