Proteção dos direitos humanos dos trabalhadores no Mercosul

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Luiz Otávio Ribas

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DOS TRABALHADORES NO MERCOSUL

Passo Fundo 2006


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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE DIREITO Luiz Otávio Ribas

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DOS TRABALHADORES NO MERCOSUL

Monografia Jurídica apresentada ao curso de Ciências Jurídicas e Sociais, da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, sob orientação do Professor Especialista Ipojucan Demétrius Vecchi.

Passo Fundo 2006


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Dedico esta monografia a todos trabalhadores e pensadores de um novo mundo: mais justo e humano.


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Agradeço a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para confecção deste trabalho: meus colegas, cúmplices da árdua tarefa de escrever; meu orientador Ipojucan Demétrius Vecchi, por me acompanhar em todo caminho da pesquisa; aos co-orientadores Elias Campelo Martins, Clarissa Franzoi Dri e Lucas Pizzolato Konzen; às

bibliotecas

da

Universidade

de

Passo

Fundo,

Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; aos apoiadores, aqueles que me emprestaram livros: Elisabete Algarve, Luís Christiano Aires e

à querida

Vivian; meu pai, pelas aulas, pelos livros, pelas dicas e pela parceria; minha mãe, pela presença que é incentivo e conforto.


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“Tão propenso anda o homem a dedicar-se ao que há de mais vulgar, com tanta facilidade se lhe embotam o espírito e os sentidos para as impressões do belo e do perfeito, que por todos os meios deveríamos conservar em nós essa faculdade de sentir. Pois não há quem possa passar completamente sem um prazer como esse, e só falta de costume de desfrutar algo de bom é a causa de muitos homens encontrarem prazer no frívolo e no insulto, contanto que seja novo. Deveríamos diariamente ouvir ao menos uma pequena canção, ler um belo poema, admirar um quadro magnífico, e, se possível, pronunciar algumas palavras sensatas”. Goethe, em “Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister”.


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RESUMO

Aborda-se um modelo universal de proteção de direitos humanos dos trabalhadores no Mercosul. Inicia-se a análise da globalização econômica e as conseqüências no mundo do trabalho. Aborda-se a regulação internacional do trabalho incluindo a regulação regional, como resposta aos efeitos da globalização por meio de uma ordem regional que garanta direitos humanos básicos. Analisa-se a dinâmica dos personagens sociais e alternativas ao trabalho para definir uma base legal mínima. Um ponto de partida para a reregulamentação das relações e condições de trabalho em nível regional. As perspectivas de efetividade e aplicação do modelo são no plano global, regional, e nacional. Palavras-chave: direitos humanos, globalização, humanização, proteção.


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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CCSCS – Coordenadoria de Centrais Sindicais do Cone Sul CE – Comunidade Européia CEDH – Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais CGT – Confederação Geral de Trabalhadores CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos CMT – Confederação Mundial do Trabalho CIOLS – Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres COB – Central Obreira Boliviana CPE – Contrato de Primeiro Emprego CSE – Carta Social Européia CUT – Central Única de Trabalhadores ETN’s – Empresas Transnacionais EUA – Estados Unidos da América FMI – Fundo Monetário Internacional FS – Força Sindical FSM – Fórum Social Mundial FSM – Federação Sindical Mundial G7 – Grupo dos Sete


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MERCOSUL – Mercado Comum do Sul OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico OEA – Organização dos Estados Americanos OIT – Organização Internacional do Trabalho OMC – Organização Mundial do Comércio ONU - Organização das Nações Unidas PIT–CTN – Plenário Intersindical de Trabalhadores e Conferência Nacional de Trabalhadores UNICE – União das Indústrias da Comunidade Européia


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 9 1 PROCESSOS DE REGIONALIZAÇÃO VERSUS GLOBALIZAÇÃO ...................... 11 1.1 A globalização da economia e a regulação internacional do trabalho................... 12 1.1.1 O capitalismo mundializado ......................................................................... 14 1.1.2 Normas internacionais .................................................................................. 21 1.2 Os processos de regionalização e o novo direito internacional do trabalho .......... 27 1.2.1 O direito comunitário do trabalho da União Européia ................................. 28 1.2.2 O direito de integração do trabalho do Mercosul ......................................... 33 2 O ATUAL MUNDO DO TRABALHO NUMA SOCIEDADE GLOBALIZADA ..... 43 2.1 Os efeitos da globalização e os organismos internacionais .................................... 44 2.1.1 Celeumas no mundo do trabalho .................................................................. 44 2.1.2 A organização internacional do trabalho ...................................................... 50 2.2 Um outro mundo do trabalho .................................................................................. 54 2.2.1 A dinâmica dos personagens sociais ............................................................ 55 2.2.2 Alternativas ao trabalho................................................................................ 69 3 DIREITOS HUMANOS DOS TRABALHADORES NO MERCOSUL ..................... 78 3.1 Direitos humanos dos trabalhadores ...................................................................... 79 3.1.1 Direitos sociais como direitos humanos ....................................................... 81 3.1.2 Transição por uma base legal mínima .......................................................... 85 3.2 Um modelo regional de proteção ........................................................................... 91 3.2.1 Reregulamentação ........................................................................................ 93 3.2.2 Efetividade e aplicação ................................................................................. 97 CONCLUSÃO ................................................................................................................ 111 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 113


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INTRODUÇÃO

O desafio, neste trabalho, é estudar o direito do trabalho na ótica dos direitos humanos e fazer a defesa de um modelo de proteção desses direitos através do direito de integração do Mercosul numa perspectiva internacionalista, isto é, defender um modelo universal de proteção de direitos humanos dos trabalhadores em que a transição seja feita pela criação de uma base legal mínima num modelo regional – Mercosul – e num âmbito regional, a América Latina; a qual reconheça os avanços protagonizados pelas conquistas populares em busca da efetivação de direitos e dos Estados em constituírem uma ordem econômica e política baseada na humanização. Ao abordar o tema, o primeiro desafio é apresentar conceitos dos institutos abordados por diferentes prismas e de diferentes áreas do conhecimento jurídico-social, quais sejam, o direito do trabalho, direitos humanos, direito de integração, processos de regionalização e globalização. Sobre o último analisam-se suas nuanças relativamente ao enfraquecimento do Estado-nação, ao papel das megacorporações e a outros efeitos da mundialização da economia no mundo do trabalho, como a precarização das relações e condições de trabalho provocada pela política neoliberal de flexibilização e desregulação. Justamente por se tratar de tema que envolve vários campos do direito adota-se o método de abordagem dialético, com o qual, a partir da contraposição de tese e antítese, chega-se à síntese/superação. Os métodos de procedimento adotados são o histórico, para uma compreensão da atualidade e projeção substanciada em bases fáticas passadas, e o comparativo, já que se trata de diferentes tipos de ordenamentos jurídicos, com diferentes campos de abrangência.


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No primeiro capítulo abordam-se os temas da globalização da economia e a regulação internacional do trabalho. Tratam-se os assuntos conjuntamente por entender-se que é preciso contemporizar o cenário internacional em relação à política e à economia com os instrumentos internacionais de regulação internacional, de forma a apurar seus elementos úteis para normatizar o processo até o momento alheio aos instrumentos clássicos do direito. Focam-se ainda os instrumentos modernos de regulação internacional, como o direito de integração e o direito comunitário. Assim, pretende-se contextualizar a proteção dos direitos humanos trabalhistas nos processos de regionalização, em especial, nos processos de regionalização da União Européia e do Mercosul. No segundo capítulo contemplam-se questões relativas aos efeitos da globalização e os organismos internacionais de regulação. Analisam-se as celeumas no mundo do trabalho provocadas pela mundialização do capital, referentes aos fenômenos dumping social, desregulação e flexibilização. Perpassa-se pela regulação internacional do trabalho, referente a normas e organismos internacionais em âmbito global, pelo estudo da rede mundial de proteção de direitos humanos dos trabalhadores feita pela ONU e seu órgão especializado em Direitos Sociais, a OIT. Enumeradas as modificações para o surgimento de um novo mundo do trabalho, aborda-se a dinâmica dos atores sociais (empresa, Estado, e trabalhador) nos processos de globalização e regionalização, situando alternativas ao trabalho para conter o avanço precarizante do capital. No terceiro capítulo trata-se dos direitos trabalhistas como direitos humanos. Os direitos humanos sociais envolvem conceitos de universalidade, indivisibilidade e complementaridade em relação aos demais direitos humanos. Podem-se tratar os direitos humanos dos trabalhadores como direitos fundamentais e, com isso, propõe-se um modelo regional de proteção fundado em direitos. Contemporizando o modelo normativo com o mundo dos fatos, a realidade do mundo do trabalho, analisa-se a proposta de transição a partir de uma base legal mínima, passando por uma reregulamentação das relações e condições de trabalho, para alcançar uma efetividade máxima e uma aplicação imediata. O estudo dos direitos fundamentais dos trabalhadores no direito de integração do trabalho no Mercosul pode representar a reflexão sobre a própria sociedade e o mundo do trabalho, assim como sobre o eterno conflito indissociável do capital/trabalho. Ainda contribui na escolha de abordagem entre o direito do trabalho como aparelho de amortecimento da luta de classes, ou como libertador, na busca da priorização do homem em função da máquina.


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1. PROCESSOS DE REGIONALIZAÇÃO VERSUS GLOBALIZAÇÃO

O fenômeno da globalização lança seus efeitos em todas esferas do mundo contemporâneo. Em especial, o mundo do trabalho vem sendo afetado por esse processo por seus meios mais implacáveis das últimas décadas, quais sejam, a diminuição de direitos e garantias dos trabalhadores, todos amparados nos fins do desenvolvimento e crescimento econômico. Entendendo-se um processo de mundialização como inevitável, pelos avanços da tecnologia aliados a necessidades globais do capital, surgem questionamentos de toda ordem, como por exemplo, as formas de diminuir o alcance de alguns de seus efeitos maléficos, com a criação de barreiras ao crescimento insaciável do progresso e prejuízo do trabalhador, e se haveriam caminhos alternativos para um desenvolvimento econômico com justiça social. Primeiramente, é preciso traçar um panorama geral do mundo globalizado, seus avanços e desdobramentos sobre o Estado-nação, a terceira Revolução Industrial, novas formas de regulação internacional e o surgimento de um novo direito internacional público para acompanhar os avanços na área da economia. Com a análise das megacorporações, que representam o principal eixo de medidas como a descentralização da produção e do consumo, busca-se entender o elo de ligação entre a nova política econômica mundial e o deslocamento da produção para países com mão-de-obra barata, como, por exemplo, o propagado dumping social, e outras formas de transformação do capital que afetam diretamente o trabalhador. Constata-se que o capital tem investido em táticas cada vez mais vorazes nos países com desenvolvimento atrasado, o que conduz a se refletir sobre a necessidade de mundialização do capital, na sua atuação para a diminuição de direitos e garantias dos trabalhadores e em seu espírito global e descomprometido com o progresso social. Encaminha-se, nesta parte, um estudo dos principais processos de regionalização na atualidade, quais sejam, a União Européia e o Mercosul. A América Latina, em especial, tem


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sentido mais diretamente os fenômenos da desregulação e da flexibilização dos direitos dos trabalhadores. Portanto, vê-se o processo de regionalização como resposta às mazelas da tendência precarizante do capital no processo de desenvolvimento dos “países do Sul”. Tomase o continente como território para preparar uma análise de alternativas viáveis de defesa de direitos sociais, isso por meio de instrumentos modernos de proteção aos direitos humanos em campos igualmente novos de pesquisa, como o direito comunitário na União Européia. Por fim, é importante frisar que o direito, sob a influência da globalização, tem passado por uma série de transformações para acompanhar o ritmo dos processos referidos. Em nível mundial, são exemplos os tratados e convenções possíveis pela atuação de entidades de proteção dos direitos humanos sociais, como a Organização das Nações Unidas e a Organização Internacional do Trabalho. Em nível regional, surgem mecanismos de proteção através do direito comunitário, no caso da União Européia, e do direito de integração, no caso do Mercosul. Esses podem ser importantes instrumentos de proteção dos direitos sociais dos trabalhadores em nível regional, mas com uma perspectiva universal na medida em que criam dificuldades ao capital internacional.

1.1 A globalização da economia e a regulação internacional do trabalho

As mudanças nas esferas onde repousa o poder econômico das megacorporações retiraram do Estado sua possibilidade de controle. Hoje, ao mesmo tempo em que há a necessidade do capital de deslocar seus meios de produção a um nível global, é necessário que os trabalhadores tenham seus direitos fundamentais respeitados. O malgrado dumping social, o deslocamento dos meios de produção a Estados com direito frágil e/ou matéria-prima generosa, atinge em especial os Estados terceiro-mundistas como os da América Latina e da África. O

processo

de

globalização

surgiu

como

modelo

econômico-político

de

desenvolvimento e seus fatores ideológicos afetam o mundo contemporâneo em suas mais variadas facetas, inclusive com causas e campo de atuação no direito internacional do trabalho. Ao mesmo tempo provocou o enfraquecimento do Estado, o responsável clássico pela atuação como sujeito de relações internacionais.


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O Estado, aquele que antigamente desempenhava o controle da economia também através do direito, hoje tem deslocado todo seu poder sobre as ineficientes esferas da política e democracia diante do poder econômico dominado pelas megacorporações. O Estado tem a opção de servir como garantidor da ordem mínima e segurança jurídica para os contratos das multinacionais ou, então, de desempenhar um papel internacionalista na busca de garantir um patamar mínimo de direitos fundamentais aos trabalhadores. Em relação ao termo e significado da palavra globalização, Seitenfus (2001, p. 180) refere que a expressão provém do meio jornalístico – portanto desprovida de sentido jurídico –, sendo utilizada para descrever o fenômeno econômico como conseqüência natural do liberalismo, de um mercado mundial interdependente. Juridicamente, o autor o concebe como um valor ideológico utilizado para justificar uma acracia governamental, já que traduz uma ordem mundial transcendente e contraposta ao Estado1. Ao definir o mundo globalizado, Seitenfus qualifica-o como um mundo desordenado e decentralizado, enfim, um mundo sem direitos, ou um mosaico de direitos. Para Barreto (1999, p. 149), a globalização do final do século XX consiste na automação industrial, na universalização da informática e de todos os instrumentos de produção e circulação de bens e riquezas da sociedade pós-industrial ou “tecnotrônica”. O viés dessa globalização é o da precarização dos direitos trabalhistas, tudo justificado pelo progresso econômico. Se, por um lado, existe um processo de globalização econômica com características eminentemente desreguladoras e flexibilizadoras das relações trabalhistas, em especial em relação aos trabalhadores, por outro, há propostas de regulação internacional. Assim, analisam-se seus mecanismos de proteção de direitos sociais perante o avanço precarizante do capital e, ainda, propostas reguladoras por meio de organizações supranacionais. Primeiramente, analisam-se as convenções internacionais do trabalho e pactos e declarações de direitos humanos, em nível global; a seguir, outros mecanismos de proteção no âmbito internacional, como as cartas sociais, cláusulas sociais e outros mecanismos unilaterais de cláusulas sociais. Isso como preparação para o estudo dos processos de regionalização e todos seus instrumentos de proteção regional para atuar política e juridicamente na regulação das relações de trabalho no mundo globalizado.

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A globalização, entendida como valor ideológico, compreende uma etapa recente da história das relações entre os homens e suas organizações coletivas.


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1.1.1 O capitalismo mundializado

A partir do panorama que se acabou de desenhar, é importante iniciar pela evolução histórica do período que sucedeu o processo de globalização, marcado principalmente pelo enfraquecimento do Estado-nação. Seitenfus (2001, p. 181) refere que a etapa atual de globalização sucedeu e superou as etapas onde o Estado desempenhava papel primordial − do bilateralismo, multilateralismo e transnacionalismo2 − e que, ao descartar o Estado3 em suas relações, busca unificar os espaços, eliminar os entraves à circulação, integrar os mercados, desregulamentar e uniformizar as regras, impor valores, fazer com que o capital se transforme em objetivo, criar estruturas de produção empresarial de forma transnacional – as megacorporações.4 Conforme expõe Cordeiro (2000, p. 34), a evolução histórica dos processos de expansão do capital ocorreu de tal maneira que as fases anteriores ao transnacionalismo (mercantilismo, colonialismo, imperialismo) privilegiavam o Estado-nação, ao passo que a atual fase de globalização privilegia somente a sociedade global. Embora os autores divirjam na divisão das etapas históricas, concordam no que diz respeito ao enfraquecimento do Estado-nação, pois a valorização da “sociedade global” permitiria a integração dos mercados e o desenvolvimento do capital em nível mundial. Não obstante, cumpre referir o avanço da tecnologia e suas implicações na economia global. A terceira Revolução Industrial possibilitou a globalização da economia em velocidade desproporcional à capacidade dos outros atores sociais acompanharem sua 2

O bilateralismo – século XVI até 1939 – compreende desde o mercantilismo, sistema colonial, até a primeira Revolução Industrial, onde a prática política era a guerra, com algumas tentativas de ordenamento internacional (Santa Aliança no século XIX e a Liga das Nações 1919-1939). O multilateralismo – 1940-1960 - compreende os esforços por organismos complexos e permanentes, na busca da paz mundial, onde os Estados conservam larga autonomia em relações apenas intergovernamentais. O transnacionalismo – 1960-1980 – compreende a cooperação internacional através de empresas transnacionais dos países desenvolvidos instaladas nos principais mercados consumidores. (SEITENFUS, 2001, p. 181). 3 É importante frisar que o Estado não é descartado por completo no transnacionalismo, uma vez que desempenha simplesmente o papel de garantir a liberdade econômica e a segurança dos contratos em nível nacional. 4 As megacorporações são entes privados dotados de poder econômico e com interesses igualmente privados, que hoje dominam a nova ordem socioeconômica mundial. São responsáveis por tentativas de acelerar a reprodução do capital com níveis cada vez maiores de lucro através da exploração da mão-de-obra e matériaprima de países com desenvolvimento atrasado.


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evolução. Segundo Rifkin (1995, p. 17), esta Revolução Industrial é a revolução tecnológica, marcada por novas tecnologias de informática e de comunicação, que substituem rapidamente seres humanos por máquinas em todos setores da indústria da economia global. Segundo Capella (2002, p. 240), a terceira Revolução Industrial não consiste só, nem principalmente, em novos materiais e informática, senão, sobretudo, nas novidades organizativas que se fazem possíveis em combinação com esses5, como estar acima das fronteiras estatais, atuação em diversos países, deslocalização dos processos produtivos, desmaterialização de certos mercados – criação de mercadorias imateriais –, enfim, a flexibilidade organizativa de que careciam as grandes empresas de tipo fordista6. O avanço da globalização econômica atingiu em cheio o modelo assistencialista utilizado principalmente na Europa: o Estado de bem-estar social7. Nesse sentido, Antunes (2005, p. 77) diz que o tempo histórico para a compreensão da globalização é o da “desestruturação” do welfare state nos países do Norte8 e o crescente desemprego estrutural, visto que os capitais transnacionais iniciaram um processo de desregulamentação das alternativas de trabalho, marcadas pela informalidade, com o advento da terceirização, por exemplo. Esse processo atinge, ainda que de maneira diferente, os países subordinados de industrialização intermediária, de que são exemplos o Brasil, a Argentina e outros tantos da América Latina. Esses países, que no passado enfrentaram uma expansão do proletariado fabril, experimentam processos de desindustrialização que provocam a expansão do trabalho precarizado, parcial, temporário, terceirizado, informalizado, além de altos níveis de desemprego.9 Para Bauman, “quando a distância percorrida numa unidade de tempo passou a depender da tecnologia, de meios artificiais de transporte, todos os limites à velocidade do movimento, existentes ou herdados, poderiam, em princípios, ser transgredidos”.(2001, p. 16). Ainda para o autor,

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Essas novidades organizativas serão analisadas no tópico 2.1.1 - “Celeumas do mundo do trabalho”. O fordismo é a produção em massa de bens que serão consumidos também pelos trabalhadores das metrópoles do sistema. (RIFKIN, 1995, p. 17). 7 O Estado de bem-estar social possuía fortes características burocráticas e despóticas, em detrimento da democracia, já que eram pequenas concessões propostas unilateralmente pelos detentores do poder político (o Estado), orientados pelos que detinham o poder econômico (as megacorporações) aos que não detêm nenhum poder: os trabalhadores. 8 Uriarte diz que “o Estado de bem-estar, que havia cumprido uma função de contenção do Comunismo e da promoção do consumo nacional, já não é considerado como necessário”.(2001, p. 71). No mesmo sentido, Claude Lefort afirma que “as políticas regressivas do capitalismo estão desmontando as conquistas sociais do Estado de Bem-Estar”. (apud RUSSOMANO, p. 77). 9 Nesse sentido ver SOTELO, Adrian. La reestruturación del mundo del trabajo. México: Itaca, 2003. 6


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graças a sua flexibilidade e expansividade recentemente adquiridas, o tempo moderno se tornou, antes e acima de tudo, a arma na conquista do espaço. [...] A velocidade do movimento e o acesso a meios mais rápidos de mobilidade chegaram nos tempos modernos à posição de principal ferramenta do poder e da dominação. (p. 16).

Uriarte (2001, p. 72) diz que a mobilidade do capital e das comunicações tem produzido uma compressão do espaço-tempo em tal medida que se poderia falar no fim da geografia, ao invés de se falar em fim da história10 Isso confere uma vantagem tremenda ao capital sobre o Estado e o trabalho.11 Dessa forma, a globalização contribui para que o poder político seja cada vez menos autônomo e que, em geral, os contrapesos nacionais percam parte de sua eficácia tanto no direito do trabalho em geral, quanto na ação sindical, pois são tidos como obstáculos ao desenvolvimento da empresa livre. Bauman alerta que os detentores do poder querem se livrar dos aspectos irritantes e atrasados, “o que importa nas relações de poder [...] seria que as pessoas que operam as alavancas do poder de que depende o destino dos parceiros menos voláteis na relação podem fugir do alcance a qualquer momento – para a pura inacessibilidade”.12 (2001, p. 18). Outro fenômeno, além do enfraquecimento do Estado-nação, é justamente o da desterritorialização. A proposta de um capitalismo “mundializado”, para Seitenfus (2001, p. 183), teria como características a desterritorialização das atividades de produção e de consumo – desconhecimento de fronteiras nacionais – e um poder cuja natureza transcende o tradicional poder dos Estados – as decisões decorrem de centros de interesses privados, independentes e autônomos. Afirma ainda que, “ao colocar em xeque o papel desempenhado tradicionalmente pelo Estado, a globalização questiona o direito internacional público e identifica seus limites”. (1999, p. 175). A desterritorialização das atividades de produção e de 10

O que levaria alguns autores a falarem no ”fim da história” é o fato de que o longo esforço para acelerar a velocidade do movimento chegou ao “limite natural”. O poder pode se mover com a velocidade do sinal eletrônico – e assim o tempo requerido para o movimento de seus ingredientes essenciais se reduz à instantaneidade. O poder se tornou extraterritorial, não mais limitado, nem mesmo desacelerado, pela resistência do espaço. (BAUMAN, 2001, p. 18). 11 O trabalho, por razões humanas, familiares e econômicas, é infinitamente mais sedentário e arraigado que o capital. (URIARTE, 2001, p. 72). 12 “[...] o que de fato está em jogo no novo tipo de guerra na era da modernidade líquida não é a conquista de novo território, mas a destruição das muralhas que impediam o fluxo dos novos e fluídos poderes globais; expulsar da cabeça do inimigo o desejo de formular suas próprias regras, abrindo assim o até então inacessível, defendido e protegido espaço para a operação dos outros ramos não militares do poder. A guerra hoje, pode-se dizer [...], parece cada vez mais uma promoção do livre comércio por outros meios”. (BAUMAN, 2001, p. 19).


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consumo é possível por meio das megacorporações, pelos fatores apontados por Chesnais: “[...] crescente internacionalização do capital financeiro, ausência de regulamentação da atuação do capital especulativo, incremento do investimento externo direto, e a formação de oligopólios internacionais objetivando a centralização concorrencial”. (apud CORDEIRO, 2000, p. 26). O fenômeno deve ser entendido como reflexo da política mundial de globalização econômica. Nessa perspectiva, existem inúmeros efeitos provindos das novas relações entre os Estados, tais como os referidos por Cordeiro:

[...] o principal é o declínio do modelo tradicional de Estado Soberano, assim como o acirramento da concorrência internacional, aumento dos processos de acumulação e das desigualdades regionais, alteração do perfil das relações de trabalho, diminuição do intervencionismo estatal e adoção de idéias neoliberais, declínio do ideal democrático clássico e tendência para o autoritarismo, acirramento dos processos de exclusão social, desemprego estrutural e queda dos salários reais, agravamento dos danos ecológicos e ocidentalização do mundo através da massificação da cultura americana. (2000, p. 37).

Segundo Capella (2002, p. 238), a mundialização é não uniforme, ou desigual, baseada num núcleo tripolar no Norte, constituído pelo Japão, União Européia e Estados Unidos, e um Sul, ou periferia, de países escassamente desenvolvidos. Em termos históricos, o Sul foi colonizado política ou só economicamente pelo capitalismo do Norte; logo, a colonização é uma importante causa do empobrecimento do Sul, que não é beneficiado pela inter-relação mundializadora. Lyra Filho refere-se à conjuntura internacional atual numa perspectiva histórica afirmando que

[...] existe uma sociedade internacional e, também nela, uma dialética. Sua estrutura modela-se, ademais, conforme a própria infra-estrutura sócioeconômica, cindida nas dominações imperialistas e nas lutas de libertação nacional dos povos colonizados e “semicolonizados”. É a partir deste núcleo que se recortam as “áreas de influência”, com as suas vizinhanças intrometidas. (1982, p. 93).


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Segundo José Luís Fiori, o caminho para a recomposição da supremacia norteamericana e a difusão, a partir do eixo anglo-saxão, das políticas neoliberais de desregulação dos mercados financeiros e do trabalho, de desmontagem das fronteiras econômicas nacionais e de privatização de empresas e dos serviços públicos são possíveis por meio da globalização da economia e, também, pela supressão da União Soviética do mapa das grandes potências. (apud RUSSOMANO, 1998, p. 62). Portanto, a dialética internacional atual, no mínimo, segue negando privilégios aos Estados independentes da América Latina, que, juntamente com os Estados africanos, em termos continentais, representam aqueles países que mais sofreram, e sofrem, as conseqüências dos processos de colonização. O processo de globalização econômico atual representa a continuidade da colonização em termos “contemporâneos”. A globalização segue uma lógica que envolve inúmeras esferas13 de revelação. Conforme Seitenfus, a partir da década de 1980, a globalização “revela-se nos domínios financeiros, das telecomunicações, do comércio, nas relações de trabalho, entre outras manifestações”. (1999, p. 171). Nessa esteira, as causas do processo de globalização econômica seriam, segundo Cordeiro, as seguintes:

[...] declínio do poderio soviético sobre a Europa Oriental, progresso tecnológico das telecomunicações e da informática, aumento do déficit público dos países desenvolvidos em virtude das políticas de bem-estar social, alteração do perfil populacional e a modernização e barateamento dos transportes intercontinentais. (2000, p. 30).

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A globalização financeira é marcada pela expansão da liquidez, autonomia dos fundos e dos operadores financeiros, diminuindo o poder de regulação dos governos. Atualmente, o movimento diário dos fundos é de um trilhão de dólares, sendo que 900 bilhões de dólares circulam de modo especulativo. A globalização das telecomunicações possibilita a integração dos mercados através das bolsas de valores, com transferências simultâneas de investimentos. A produção de bens com alto valor agregado, como os bens da informática, tornam-se elemento-chave nesse processo. A globalização comercial representa um aumento extraordinário do comércio mundial, mas de forma a excluir economias essencialmente agrícolas como o Brasil. A globalização das relações de trabalho é marcada pelos seguintes fenômenos: a) fim das correntes migratórias; b) impossibilidade de mobilização laboral, a não ser no âmbito do processo de integração europeu; c) controle extremo da mobilização dos trabalhadores; d) criação de uma elite trabalhadora apta a participar da nova tecnologia de produção; e) cristalização de altos índices de desemprego estrutural, inclusive nas economias avançadas e particularmente nas economias marginais; f) fortalecimento do mercado informal, sem a presença da força reguladora do Estado. (SEITENFUS, 1999, p. 171).


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Nessa parte do estudo cabe a delimitação teórica do que realmente representam as causas desse fenômeno. Se, por um lado, é fato que os avanços tecnológicos permitem facilidades no trânsito do capital pelo mundo, por outro, a principal causa do processo de mundialização do capital é o aumento do déficit público dos países desenvolvidos em virtude da ineficiência das políticas de bem-estar social, ou seja, alternativa para sobrevivência do regime capitalista, sempre mutável e adaptável a novas realidades. Para Chesnais (apud CORDEIRO, 2000, p. 26), não existe globalização real14 na medida em que a amplitude dos chamados “investimentos externos diretos” restringe-se aos países centrais, ao passo que os países periféricos têm participação residual. Não havendo um movimento global de capital, somente há a circulação de investimentos entre os chamados “países desenvolvidos”, tendo como alvo os Estados, não o mercado global. Para Uriarte, a globalização prejudica o sistema tradicional de relação de trabalho, por meio da colocação em primeiro plano da preocupação com a competitividade internacional da empresa e servida dos postulados neoliberais, tais como:

- não intervenção do Estado nas relações individuais, para que cada trabalhador negocie o preço do seu trabalho com o empregado, sem sujeição a patamares mínimos; - intervenção do Estado nas relações coletivas a efeitos de limitar, restringir e se fosse politicamente possível, eliminar a ação sindical, a negociação coletiva e a greve, fenômenos estes que, na doutrina neoliberal não são vistos como direitos fundamentais nem como instrumentos de equidade, senão como práticas monopolistas dos vendedores da força de trabalho, que obstacularizam o jogo livre de oferta e demanda de trabalho. (2001, p. 74).

No mesmo sentido, Uriarte (2001, p. 71) refere que a essência da globalização é a expansão e o aprofundamento da economia capitalista e de seus postulados teóricos, tais como a livre-concorrência, mercado, câmbio livre, incremento das exportações etc. Esse processo entranha três dramas aos trabalhadores, quais sejam: o relativo desinteresse pelo mercado interno, a limitação do poder estatal para governar as variantes econômicas e o predomínio de ideologias que não privilegiam o fator trabalho.15

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Conforme John Galbraith, “globalização é um vocábulo que eu não uso. Não é um conceito sério. Nós os norte-americanos, o inventamos para dissimular nossa política de invasão econômica em outros países” (apud RUSSOMANO, 1998, p. 63). 15 Nesse sentido ver “Mundo del trabajo”, disponível em: «http://www.mundodeltrabajo.org.ar/».


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As mais importantes conseqüências da política econômica neoliberal no mundo do trabalho são apontadas por Antunes:

- crescente redução do trabalho fabril estável; - crescente incremento do novo proletariado, formado pelo subproletariado fabril e de serviços − como os “terceirizados”, subcontratados, part-time, entre outros16 −, e remanescentes da era taylorista-fordista que presenciam a desaparição de suas profissões; - incremento dos assalariados médios e de serviços, ainda que com níveis de desemprego consideráveis; - exclusão dos jovens e dos idosos do mercado de trabalho; - inclusão precoce e criminosa de crianças no mercado de trabalho principalmente nos países de industrialização intermediária e subordinada, como os latino-americanos, mas que atingem também países centrais, como a Itália; - aumento significativo do trabalho feminino que já atinge 40% da força de trabalho nos países avançados, e que ocupam principalmente vagas do trabalho part-time, precarizado e desregulamentado;17 - expansão do trabalho no denominado “Terceiro Setor”, especialmente em países como os EUA, que cumpre um papel de funcionalidade ao incorporar parcelas de trabalhadores desempregados pelo capital; - expansão do trabalho em domicílio, propiciado pela desconcentração do processo produtivo, fazendo aflorar novamente a importância do trabalho feminino; - dimensão transnacionalizada do capital e seu processo produtivo, com desafios globais ao mundo do trabalho, em especial de organização também transnacional. Processo de re-territorialização e também de desterritorialização, novas regiões industriais emergem e outras desaparecem. (2005, p. 28).

Antunes refere que, “segundo a Organização Internacional do Trabalho, quase um terço da força humana mundial disponível para o ato laborativo está exercendo trabalhos parciais, precários, temporários, ou já vivencia as agruras do não trabalho, do desemprego estrutural”. (2005, p. 12). O autor enumera os efeitos do processo de tecnologização e descentralização, ligados diretamente à globalização, no mundo do trabalho: 16

Principalmente imigrantes, como os gastarbeiters, na Alemanha, o lavoro nero, na Itália, os chicanos, nos EUA, os dekasseguis, no Japão, etc. 17 Nesse sentido ver POLLERT, Anna. Team work on the Assembly Line. In: ACKERS, Peter; SMITH, Chris; SMITH, Paul (Org.). The New Worplace and trade Unionism. Londres: Routledge, 1996; SAFFIOTTI, Heleieth. Violência de gênero: lugar da práxis na construção da subjetividade. Lutas Sociais, São Paulo, PUC, n. 2, 1997; SEGNINI, Liliana. Mulheres no trabalho bancário. São Paulo: Edusp/Fapesp, 1991; HIRATA, Helena. Rapports sociaux de sexe et division du travail. In: BIDET, Jacques; TEXIER, Jacques (Org.). La crise du travail. Paris: PUF, 1995); _________. Paradigmes du travail: un point de vue transversal. Paradigmes du travail, futur antérieur, Paris, L’Harmattan, n. 16, 1993; __________. Nova divisão sexual do trabalho?. São Paulo: Boitempo, 2002


21

- atividades do setor de serviços passaram a serem consideradas produtivas, subordinadas à lógica exclusiva da “racionalidade” econômica e da valorização do capital; - exclusão dos jovens no Mercado de Trabalho; - exclusão dos trabalhadores “idosos” pelo capital, com idade próxima dos 40 anos; - utilização criminosa de trabalho infantil; - expansão do “Terceiro Setor” , como forma alternativa de ocupação pelo trabalho voluntário, provocada pela retração do mercado fabril; - expansão do trabalho em domicílio, provocada pela desconcrentação do processo produtivo; - desenvolvimento de uma classe trabalhadora que mescla dimensões local, regional e nacional com a esfera internacional. (2005, p. 78).

Refere ainda Antunes (2005, p. 28) que esse projeto, apesar de não ter ocorrido na realidade em sua totalidade, hoje concorre com outras tendências que, igualmente, possuem efeitos debilitadores do sistema tradicional de relações trabalhistas, em especial a inovação tecnológica. Esta substitui mão-de-obra e, assim, instala um sistema econômico que destrói o emprego e segmenta o emprego existente. Por fim, se o processo de globalização atinge inúmeras esferas, é necessário analisar mais detalhadamente a das relações de trabalho. Preliminarmente, é preciso averiguar como o direito regulamenta essas relações em nível mundial ou internacional.

1.1.2 Normas internacionais

Tratando-se de regulação das relações de trabalho em nível internacional, é preciso atenção especial aos direitos sociais. As normas internacionais18 que tratam dos direitos sociais estão distribuídas num rol de tratados, convenções e outros instrumentos que compõem o que se poderia chamar de rede de proteção mundial dos direitos dos trabalhadores.

18

Os tipos de normas internacionais são, dentre outras: convenções, tratados formadores de normas gerais; protocolos, atas de conferências, podem ser formadores de normas jurídicas; declarações, acordos formadores de princípios e não submetidos à ratificação; pactos em geral, são declarações de paz; acordos, geralmente de natureza econômica ou cultural.


22

Primeiramente, trata-se das normas internacionais que emanam do órgão especializado da ONU em direitos sociais, a OIT,19 da qual emanam convenções internacionais em matéria trabalhista. São as primeiras e mais desenvolvidas das intenções de gerar uma rede normativa universal, uma vez que são normas com dimensão global ou planetária,20 estabelecem normas mínimas para as condições de trabalho e relações trabalhistas, com base em quatro fundamentos: a justiça social, a constatação de que a paz é impossível sem eqüidade, os princípios de que trabalho não é mercadoria e a preocupação com o dumping social. (URIARTE, 2001, p. 83). Existem outros antecedentes em matéria de direitos humanos sociais, como os apontados por Uriarte (apud BELTRAN, 1998, p. 356), que devem ser levados em conta no cenário internacional, em especial na América Latina: a) Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU, de 1948; b) o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU, de 1966; c) o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, de 1966; d) a Declaração Americana de Direitos e Deveres do homem da OEA, de 1948; e) a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais da OEA, de 1948; f) a Carta da OEA, de 1948; g) a Convenção Americana de Direitos Humanos (ou Pacto de San José da Costa Rica), de 1969; h) o Protocolo de San Salvador (adicional ao anterior), de 1988; i) a Constituição da OIT (Preâmbulo e Declaração da Filadélfia); j) as convenções internacionais do trabalho e recomendações da OIT. A seguir, as cartas sociais21 seriam declarações solenes nas quais os Estados proclamam certos direitos e/ou reconhecem determinadas metas ou objetivos trabalhistas ou sociais comuns. Buscam edificar um espaço social de um grupo de países sobre um mínimo comum de direitos sociais, geralmente um conjunto de nações com perfil comum (caso da Carta Interamericana de Garantias Sociais de 1948), e, especialmente, nas que conformam blocos de integração econômica regional (caso da Carta Social Européia de 1961, Carta

19

A política desses órgãos será vista no tópico 2.1.2 – “A organização internacional do trabalho”. Além das convenções da OIT, com destaque à declaração de 1998, existe um conjunto de normas internacionais sobre direitos humanos, quais sejam, a Declaração Universal de Direitos Humanos e a Declaração Americana de Direitos Humanos de 1948, a Carta Interamericana de Garantias Sociais, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Protocolo de San Salvador, a Declaração Sociolaboral do Mercosul, entre outros. Na Europa existe a Carta Social Européia e a Carta de Direitos Humanos da Europa, entre outros. (URIARTE, 2004, p. 286). 21 O objetivo principal das cartas sociais é garantir o reconhecimento de determinados princípios e direitos considerados relevantes para os Estados signatários, isso para as relações entre os países signatários ou com terceiros. Neste último caso, pode ser condicionado o comércio com estes terceiros ao cumprimento dos níveis sociais respeitados pelo bloco em seu interior. (URIARTE, 2001, p. 85). 20


23

Comunitária de Direitos Fundamentais do Trabalhador de 1989 e, de certa forma, da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul de 1998). (URIARTE, 2001, p. 85). Ainda, as cláusulas sociais fazem partes de tratados, convênios ou acordos comerciais, pelos quais as partes se comprometem a respeitar e, eventualmente, fazer respeitar certos direitos sociais condicionando-os a preferências e vantagens comerciais. Essas cláusulas sociais podem compor cartas sociais de um grupo de países, ou serem impostas unilateralmente pelo país em suas relações comerciais internacionais. (URIARTE, 2001, p. 87). Também os sistemas unilaterais substitutivos das cláusulas sociais existem nos planos nacional, regional e privado. Esses mecanismos, por serem unilaterais e voluntários, têm questionada sua eficácia por tratar-se de um tema ambientado em nível global. (p. 88). Por fim,22 discute-se o surgimento de um direito, ou, mesmo, de um dever de intervenção nos assuntos que antes eram de competência exclusiva do Estado, baseado nos valores fundamentais da humanidade. Um dos exemplos é a tentativa do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial de introduzir o princípio da condicionalidade, que envolve questões como: a) reformulação do sistema de crédito interno; b) eliminação do déficit do setor público; c) manutenção de reservas internacionais; d) estabilidade da paridade cambial; e) pagamento da dívida externa; f) repartição da renda nacional e estrutura do sistema de emprego. (SEITENFUS, 1999, 173). A tentativa dos órgãos financeiros de regulamentar as relações trabalhistas tem cunho, no mínimo, irônico, uma vez que essas são responsáveis pela política econômica que não privilegia os direitos sociais.23 Aliás, o reflexo dessa ação está presente nos debates da implementação das normas internacionais que tratam dos direitos sociais. O debate sobre o tratamento diferenciado aos direitos econômicos, sociais e culturais24 esteve presente, conforme Trindade, desde os trabalhos preparatórios da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, para inserção desses com o mesmo tratamento dos direitos civis e políticos (1997, p. 356). Por outro lado, com o Protocolo de San Salvador 22

Esses mecanismos de proteção foram enumerados de modo ilustrativo, de forma que sua efetividade e aplicação serão referidos no tópico 3.2.2. 23 O processo de globalização afetou de forma drástica a dinâmica de atuação dos atores sociais, principalmente com a criação de um cenário internacional de atuação. Conforme afirma Uriarte, “a globalização e a regionalização criam novos cenários para as relações de trabalho, cenários extranacionais nos quais é preciso atuar com atores e segundo as regras dessa dimensão” (2002, p. 63). Nesse processo, o alcance dos Estados nacionais, de suas instituições (direito, governo), e de outras instituições (sindicatos nacionais) reduz-se paulatinamente, ao passo que o capital garante sua dinâmica eficaz de atuação por meio das megacorporações, por exemplo. 24 O tratamento diferenciado dos direitos econômicos, sociais e culturais será tratado no tópico 3.1.1. – “Direitos sociais como direitos humanos”.


24

de 1988 foi preenchida lacuna da proteção dos direitos coletivos ou sociais, que constatou a relação orgânica entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais. Sua proteção deveria tomar como ponto de partida o núcleo fundamental, constituído pelos direitos ao trabalho, à saúde e à educação. (p. 365). Para Trindade,

o Protocolo de San salvador de 1988 representou o ponto culminante de um movimento de conscientização no continente americano, paralelamente a evolução similar no âmbito das Nações unidas e no sistema europeu, em prol de proteção internacional mais eficaz dos direitos econômicos, sociais e culturais. (1997, p.368).

O protocolo previa a obrigação de os Estados-partes adotarem medidas (de ordem interna e por meio da cooperação internacional) até no máximo dos recursos disponíveis e levando em conta seu grau de desenvolvimento para alcançar, progressivamente e de acordo com a legislação interna, a plena efetividade dos direitos nele consagrados. (TRINDADE, 1997, p. 368). Dessa forma, o protocolo aderiu à mesma malograda realização progressiva. O protocolo é dotado de três mecanismos de implementação: a) sistema tradicional de relatórios; b) sistema de petições ou comunicações individuais, somente aos direitos de associação e liberdade sindical; c) observações e recomendações formuladas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). (p. 369). Na década de 1990, o Comitê encarregou-se de instituir o “conteúdo mínimo” dos direitos econômicos, sociais e culturais, afetados por problemas como a dívida externa, ajustes estruturais e empobrecimento. Sinalizou, portanto, com um estudo comparado da justiciabilidade desses direitos nos Estados-partes no pacto e observou que a base deveria ser a doutrina da interdependência e indivisibilidade de todos os direitos humanos.25 (TRINDADE, 1997, p. 373). Essas recomendações foram propostas com “ênfase na necessidade da implementação, exigibilidade e justiciabilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais”. Segue dizendo Trindade:

a denegação ou violação dos direitos econômicos, sociais e culturais, materializa, e.g., na pobreza extrema, afeta os seres humanos em todas as esferas de suas vidas (inclusive civil e política), revelando assim de modo marcante a inter-relação ou indivisibilidade de seus direitos. A pobreza 25

As características dos direitos humanos serão tratadas no tópico 3.1.1. – “Direitos sociais como direitos humanos.


25

extrema constitui, em última análise, a negação de todos os direitos humanos. (1997, p. 378).

Foi instituído em 1992 um Protocolo Facultativo que possibilitaria a exigência de medidas concretas pelos Estados-partes; fortaleceria a responsabilidade internacional dos Estados; daria precisão concreta à tese de indivisibilidade; propiciaria a formação de uma jurisprudência internacional e fortaleceria o sistema de investigação nesse domínio. É o chamado “sistema de petições”, no qual os direitos são perfeitamente justiciáveis pela interpretação equivalente à de “violação” de direitos, como a de “detrimento” ou “prejuízo” sofrido. (TRINDADE, 1997, p. 375). O protocolo representou o mínimo aceitável no continente americano. “O que não nos impede de esperar pelo dia em que se logrará a adoção de um mecanismo menos tímido e mais fortalecido e aperfeiçoado para a salvaguarda internacional daqueles direitos”. (p. 369). O autor destaca que foram adotadas obrigações mínimas para implementação do pacto. Seriam obrigações de efeito imediato, quais sejam: a) obrigação de adotar medidas após a entrada em vigor do pacto; b) garantia de exercício dos direitos sem discriminação; c) aplicabilidade imediata de determinadas disposições por órgãos judiciais e outros ordenamentos jurídicos internos (igualdade entre homens e mulheres; um salário eqüitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção, em especial entre homens e mulheres; direitos gerais de sindicalização e de greve; combate ao trabalho infantil); d) realização dos direitos consagrados sem retrocessos; e) aplicação do máximo de recursos disponíveis nas obrigações mínimas; f) em épocas de crise econômica proteger os setores e membros mais vulneráveis da sociedade por meio de programas específicos de relativamente baixo custo. (p. 377). No âmbito das Nações Unidas, o Comitê encarregado da “fiscalização” da aplicação das normas internacionais tem tomado decisões significativas, tais como o aperfeiçoamento do sistema de relatórios, com fontes alternativas de informação, como as emanadas das organizações não governamentais, e cuida da sua própria independência. Ainda trata de dar um conteúdo normativo semelhante ao dos direitos civis e políticos. (TRINDADE, 1997, p. 371). Ocorre que toda essa regulação internacional precisa ser estudada conjuntamente com o foco que provoca a desregulação. Nesse sentido, afirma Capella (2002, p. 244) que “a mundialização desigual dos intercâmbios, cujos principais agentes são as companhias


26

transnacionais, e a terceira revolução industrial operam uma grande transformação das condições do mundo”, em especial com a minoração da força de trabalho, isto é, a redução do espaço social ocupado pelos trabalhadores.26 Dentre as razões apontadas primeiro estão as inovações técnicas adotadas pelo empresariado para licenciar uma parte importante da mãode-obra e endurecer as condições laborais dos que permanecem empregados. A seguir, vêm as inovações organizativas – segmentação da produção, deslocalização, funcionamento em rede –, que contribuem para debilitar as posições negociadoras dos trabalhadores e, em outros casos, para reduzir o tempo de trabalho necessário nos processos produtivos. (CAPELLA, 2002, p. 244). No processo descrito por Capella (2002, p. 257), a denominação “soberano privado supra-estatal difuso” é atribuída ao titular privado de um poder supra-estatal que produz efeitos de natureza pública ou política. Está constituído pelo poder estratégico conjunto das grandes companhias transnacionais e, sobretudo, pelos conglomerados financeiros; impõe-se mediante instâncias convencionais interestatais, como o G7 (conferências do grupo dos países mais industrializados), central para a regulação do comércio mundial, de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que procedem aos acordos de Bretton Woods, ou da OCDE; ainda, de instâncias privadas de criação de direito, como as que se estabelecem para inter-relacionar-se os grandes grupos econômicos transnacionais e, finalmente, através da lex mercatoria. Assim, estabelecem-se o tipo e as condições da política econômica aceitável para ele em cada área do globo, assim como as principais opções do crescimento, e exige-se do sistema de Estados permeáveis pôr em prática as decisões políticas requeridas. Por fim, a análise das normas internacionais que compõem a rede de proteção mundial dos direitos sociais será estudada conjuntamente com os órgãos e entidades responsáveis pela sua implementação e observância. Com base no estudo dos organismos internacionais em âmbito global, passa-se, a estudar os processos de regionalização, entendendo as comunidades regionais e o conjunto de Estados em processo de integração como organismos também responsáveis pelo objetivo antes referido, identificando mecanismos importantes de proteção em nível regional, quais sejam, os da União Européia e do Mercosul.

26

Como afirma Capella (2002, p. 255), existe um novo campo de poder bipolar: de um lado, o soberano privado supra-estatal de caráter difuso; de outro, o sistema de Estados permeáveis. O primeiro não é totalmente independente e atua inter-relacionadamente com os Estados permeáveis integrando um campo de poder.


27

1.2 Os processos de regionalização e o novo direito internacional do trabalho

Na análise de como ficaria o direito do trabalho num panorama de regionalização é preciso traçar o trabalho ambientado nesse novo paradigma de internacionalização. Para tanto, inicia-se com a reflexão sobre as relações de trabalho influenciadas pelos processos de regionalização, o direito comunitário e o direito de integração do trabalho. A globalização não consiste somente num processo exclusivamente econômico: num primeiro momento, após a Segunda Guerra Mundial, quando surgiram as empresas transnacionais (ETNs),27 que representavam a mais radical forma de institucionalização das novas formas de produção e comercialização da história do Ocidente; num segundo momento, os Estados nacionais passaram a organizar-se em comunidades para resolverem os problemas econômicos surgidos com as ETNs e as transformações das relações econômicas e comerciais em geral. Este último momento passa por dois processos: o de regulação das relações econômicas e comerciais e, a seguir, o da fundação de um novo sistema político. (BARRETO, 1999, p. 150). Na

reflexão

sobre

um

direito

do

trabalho

nesse

novo

paradigma

da

internacionalização, Antunes (2005, p. 23) afirma que a proteção trabalhista e os processos de regionalização também precisam ser tratados no âmbito global, ou internacional. Embora existam divergências na terminologia, esses fenômenos lançam seus efeitos não somente na sociedade global, assim entendida, mas também nos Estados e blocos regionais. Portanto, o desafio da construção de um aparelho protetivo trabalhista passa por todas essas instâncias e prescinde de uma proposta internacionalista.28 Para se chegar à análise de um direito internacional do trabalho, trabalha-se com conceitos primários de direito comunitário e direito de integração. Passa-se, pois, a ver os processos de regionalização da União Européia e do Mercosul numa perspectiva crítica de tomada de realidade, para apontar intenções inovadoras e posições conservadoras ou ineficazes.

27 28

Empresas transnacionais aqui serão entendidas como sinônimos do termo “megacorporações”, antes referido. Utilizando o termo como incluindo âmbitos internacional e nacionais, no sentido da internacionalidade.


28

1.2.1 O direito comunitário do trabalho da União Européia

O direito comunitário europeu é caracterizado pela supremacia das normas comunitárias e por uma comunidade de direito. Neste item aborda-se a proteção dos direitos sociais por meio de importantes instrumentos, como a Carta Social Européia, e finaliza-se com a contribuição deste estudo para a proteção de direitos sociais na América Latina. Para Hohnerlein (2003, p. 266), na Europa a implementação dos direitos fundamentais sociais em nível internacional foi iniciada pelo Conselho da Europa (órgão fundado em 1949 por dez países europeus, distinto da Comunidade Européia, órgão que deu origem à União Européia), que funciona segundo as regras tradicionais de direito internacional; portanto, não pode promulgar nenhum direito supranacional que tenha validade imediata e prioridade hierárquica sobre o direito nacional dos Estados-membros.29 Esse modelo tinha como objetivos principais “a proteção dos direitos humanos, afirmação de uma democracia pluralista e a consolidação do primado do direito no sentido do princípio do Estado de Direito”. Seus instrumentos mais importantes foram a Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH) de 195030 e a Carta Social Européia (CSE), de 1961, que entrou em vigor em 1999 e deverá substituir, gradativamente, a CEDH. Como segunda organização de Estados surgiu a Comunidade Européia (CE),31 que adotou, em 2000, a Carta Européia dos Direitos Fundamentais, onde foram incluídos direitos fundamentais econômicos e sociais, a qual, contudo, não goza de efeito juridicamente vinculante. Paralelamente, a União Européia está aderindo à Carta Social Européia do Conselho

da

Europa,

dotada

de

caráter

primacial.

(HOHNERLEIN,

2003,

p. 268).

29

Esta que é a peculiaridade do direito comunitário europeu, ou seja, por meio de tratados foram criadas competências específicas à comunidade para promulgar direito supranacional/supra-estatal, que prevalece, em princípio, sobre o direito nacional dos Estados-membros. Este primado assegura a unidade na interpretação, aplicação e desenvolvimento do direito comunitário europeu. 30 Neste sentido ver «www.coe.int/T/E/Human_rights/». 31 Órgão fundado por seis países europeus em três tratados setoriais de integração: a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Tratado da CECA de 1951); a Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom), pelos Tratados de Roma de 1957. A seguir, o processo de integração foi intensificado pelo Ato Europeu Único de 1987, Tratado de Maastrich sobre a União Européia de 1992, Tratado de Amsterdã de 1999 e o Tratado de Nice de 2001.


29

Segundo Outeda (2001, p. 351), a Carta Social Européia protege os seguintes direitos sociais: direito à educação, a trabalhar, às prestações da seguridade social e aos serviços sociais, à negociação coletiva e a greve, entre outros. Rechsteiner (2005, p. 64) afirma que a União Européia, até a presente data, é a única organização supranacional existente no mundo, cuja ordem jurídica privativa constitui um sistema jurídico autônomo, denominado direito comunitário. O direito supranacional, isto é, as normas concebidas pela própria organização, é capaz de vincular, jurídica e diretamente, residentes nos Estados-membros da organização sem a necessidade de um ato específico do legislador nacional que transforme e incorpore esse direito ao direito interno. Inclusive o fato de a União Européia ter acumulado um grande acervo do direito comunitário conduz a que seja caracterizada como comunidade de direito. Quanto à soberania, Borges (2005, p. 112) registra que as relações internacionais são relações de coordenação, nas quais não há hierarquia, e decorrem do condicionamento político nas relações interestatais de transferência de parte da soberania estatal para a comunidade. Isso não significa dizer que essa comunidade será dotada de soberania, mas será uma soberania compartilhada, de forma que, pelo princípio da subsidiariedade, as funções tradicionalmente estatais são transferidas para a comunidade ou seus órgãos. Quando se trata da recepção de normas ao direito interno, cabe verificar questões que envolvam primazia de normas ou recepção. Segundo Bastos (apud VENTURA, 1997, p. 292), verifica-se que não há propriamente recepção ou ato de receber da norma comunitária pelas ordens nacionais. No conflito entre a norma comunitária e a norma interna, há a primazia absoluta e incondicional da ordem comunitária, inclusive no que respeita às normas constitucionais. No mesmo sentido, afirma Seitenfus que um Estado-membro não pode invocar a legislação nacional, seja ela qual for, para impedir a aplicação do direito comunitário em vigor. O principal acórdão atinente à matéria, conhecido como a “Decisão Simmenthal”, de 09 de março de 1978, autoriza o juiz nacional a não aplicar a lei nacional, de qualquer hierarquia, se contrariar a sua própria competência. (2001, p. 191). As normas trabalhistas supranacionais32, ainda que restritas ao espaço regional, existem somente na União Européia, única entidade verdadeiramente supranacional que tem 32

Essas normas ganharam efetividade especialmente depois que o Tribunal de Justiça da União Européia determinou a aplicação direta das diretivas (originalmente dirigidas somente aos Estados com a intenção de harmonizar as legislações nacionais), quando as disposições forem claras, precisas e auto-executáveis e desde


30

recebido transferência de soberania dos Estados-membros, incluindo o âmbito trabalhista. (URIARTE, 2001, p. 85). Seitenfus (2001, p. 191) afirma que o princípio basilar da ordem jurídica comunitária, segundo a farta jurisprudência do Tribunal de Justiça de Luxemburgo, é a aplicabilidade imediata a invocabilidade em justiça. Esses princípios se devem ao alto grau de efetividade do ordenamento das comunidades, assim como constituem a singularidade do sistema jurisdicional do qual se dotou a integração européia. Esse princípio da aplicabilidade imediata do direito comunitário leva a que as regras comunitárias integrem-se abstratamente às ordens internas sem a necessidade de nenhuma medida nacional de incorporação. Ocorre também, em conseqüência desse, que mais do que os Estados, todo ser dotado de personalidade jurídica de direito interno pode ser titular de direitos e obrigações fundados nas regras comunitárias em vigor. Sua eficácia jurídica pode ser invocada por qualquer sujeito em justiça perante autoridades nacionais, a norma comunitária, através da “teoria do efeito direto”.(SEITENFUS, 2001, p. 192). Segundo Campos (1999, p. 288), os tratados de integração e o direito comunitário derivado desses devem respeitar o direito internacional dos direitos humanos, como estabelece o Tratado de Maastricht, o qual determina que a União Européia tem de respeitar os direitos humanos tal como estão garantidos no Tratado de Roma de 1950 e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros como princípios gerais de direito comunitário. Em relação aos direitos humanos sociais dos trabalhadores protegidos pelos instrumentos comunitários, Hohnerlein (2003, p. 265) alerta que não são entendidos com a mesma dignidade que os direitos civis e políticos, ou seja, o reconhecimento desses direitos é relativizado pelo fraco alcance de suas garantias. Isso se deve a fatores como a dependência de deveres estatais de edição de atos normativos e a dependência de recursos disponíveis; também ao fato de serem definidos ou concebidos de modo pouco concreto, longe da eficácia conferida aos direitos subjetivos, apesar de serem, de certa forma, equiparados, no modelo europeu. Em razão disso, questiona-se sempre a nova possibilidade de invocá-los judicialmente, colocando-se em xeque a sua qualidade de direitos subjetivos ou direitos em termos genéricos.

que o Tratado de Amsterdã incorporou as Cartas (Carta Social Européia de 1961 e a Comunitária de Direito Fundamentais dos Trabalhadores de 1989) aos tratados fundamentais. (URIARTE, 2001, p. 85).


31

Não obstante, não há qualquer impossibilidade lógica ou jurídica de que se amplie o elenco dos direitos protegidos na Convenção Européia por meio de protocolos adicionais. Trata-se de um sistema de proteção regional aberto às transformações econômico-sociais. Existe um campo de ação próprio dos direitos trabalhistas e sociais no âmbito da União Européia, como disposições sobre a livre-circulação de trabalhadores e seus familiares, Fundo Social Europeu e harmonização de legislações e políticas sociais. (TRINDADE, 1997, p. 393). Para Trindade (1997, p. 356), havia uma diferenciação essencialmente ideológica no tratamento dado aos direitos civis e políticos em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais. Ressalta o autor que essa diferenciação ideológica foi sentida também nas experiências de sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, de que é exemplo a Carta Social Européia de 1961, a qual continha mecanismos de implementação distintos daqueles dos direitos civis e políticos, onde estava previsto um controle judicial ou quasejudicial. Ainda sobre a Carta Social Européia (CSE) do Conselho da Europa, Hohnerlein refere que partiu da indivisibilidade dos direitos humanos, ao incluir direitos fundamentais sociais, e que, desde o começo, a “eficácia e operacionalização de direitos fundamentais sociais ficaram nitidamente atrás da tutela prevista para as liberdades fundamentais civis e políticas”. O documento foi o resultado de um “compromisso entre um enfoque amplo, de cunho idealista, e um enfoque mais restrito e pragmático, de certo modo minimalista”.(HOHNERLEIN, 2003, p. 271). Foi inspirada principalmente por convenções da OIT e reuniu direitos que dizem respeito ao “universo do trabalho33 e fomento à coesão social de toda a população34”. Com isso, a CSE ocupa-se tanto dos “direitos trabalhistas no sentido mais amplo quanto a garantais na área de seguridade social e proteção social”. (p. 271). O segundo Protocolo à Carta Social Européia35 previa um procedimento de reclamações coletivas, visando à participação dos atores sociais e organizações não governamentais (organizações internacionais e nacionais de empregadores e sindicatos, e 33

Direito ao trabalho, direito a condições justas, saudáveis e seguras de trabalho, e direito à formação profissionalizante. 34 Direito à seguridade social, proteção de determinados grupos de pessoas, como crianças e adolescentes, deficientes, famílias, trabalhadores migrantes e seus familiares. 35 Na Europa expande-se a proteção dos direitos da Carta Social Européia com a adoção em 1995 do sistema de reclamações coletivas, além da expansão do elenco de direitos protegidos em 1987. Isto pautado na prudência por não adotar medidas mais amplas, mas a certeza de cumprir o acordado. Embora já existissem outros mecanismos de proteção internacional dos direitos humanos, como a aceitação “parcial” facultativa. (TRINDADE, 1997, p. 391).


32

outras ONGs internacionais e nacionais). Dessa forma, complementando o sistema de relatórios, permanece como o mecanismo básico de supervisão da aplicação da CSE para darlhe maior eficácia, inspirando-se nos mecanismos da OIT. (TRINDADE, 1997, p. 364). Vencida a etapa de conceituar o direito comunitário europeu e informar institutos úteis ao estudo, é importante analisar os instrumentos de proteção e entidades responsáveis pela sua efetividade. Conforme Trindade (1997, p. 361), concomitante às pressões de proteção eficaz dos direitos sociais ou coletivos, houve uma pressão para acompanhar a gradual cristalização, no plano nacional, da concepção dos chamados welfare rights, em meio a uma proliferação, sobretudo nos países europeus, dos tribunais lidando com “reclamações industriais e previdenciárias”. Assim, foi incluído na Carta Social Européia36 o sistema do direito de petição para o fortalecimento do sistema de supervisão. Por ocasião da ratificação da carta, cada país pode decidir reconhecer determinado número mínimo de direitos sociais como vinculantes; seria a barreira de eficácia aos demais direitos constantes na CSE. Como procedimentos de controle e possibilidades de imposição de sanções estão o sistema de relatório de países e o sistema de queixas coletivas. (HOHNERLEIN, 2003, p. 288). Por fim, é possível concluir que, na União Européia a máxima da supremacia de normas comunitárias sobre normas nacionais conduz à inaplicabilidade de normas nacionais que contrariem normas internacionais comunitárias, como que num efeito inverso ao nãoreconhecimento

de

aplicabilidade

por

contrariedade

à

norma

entendida

como

hierarquicamente superior. Ora, o aparelho comunitário proporciona a qualquer pessoa sob sua jurisdição invocar normas em defesa de seus direitos, o que significa a aplicabilidade imediata, conferindo efetividade a essas normas. 1.2.2 O direito de integração do trabalho do Mercosul

No que concerne ao Mercado Comum do Sul, analisam-se seus principais instrumentos de proteção de direitos sociais, para, a seguir, finalizar com uma abordagem

36

A garantia efetiva dos direitos sociais da CSE depende ora das barreiras de eficácia, ora dos procedimentos disponíveis de controle e das possibilidades disponíveis de imposição de sanções. (HOHNERLEIN, 2003, p. 273).


33

deste como uma resposta à globalização e como um aparelho protetor de direitos humanos dos trabalhadores. Na última década, houve uma tentativa de aplicação de uma “desregulamentação imposta” na América Latina,37 conforme modelo neoliberal, no limite do politicamente possível, com a eliminação ou redução da intervenção do Estado protetor do trabalhador individual e restrição da autonomia coletiva. (URIARTE, 2002, p. 28). Segundo Cordeiro (2000, p. 38), se o fim do Estado-Nação é resultado do desinteresse do capital internacional em basear suas atividades no Estado, em resposta a esse processo de deterioração do Estado surgem os blocos econômicos. Seitenfus (1997, p. 212) relata que, na década de 1980, Brasil e Argentina passavam por transformações, com a democratização e o afastamento do militarismo do comando de ambos países. Emergiu, então, uma preocupação com o Estado maximizado, as vultuosas taxas inflacionárias e o contínuo crescimento demográfico. Nesse contexto, surgiu o objetivo de crescimento conjunto, seguido de acordos políticos entre Estados, uma iniciativa de ação do poder civil e democrático.38 O primeiro interesse da integração é econômico, como afirma Seitenfus: “O processo de integração representa uma abertura maior das economias, com um aumento de competição nos dois mercados e, por via de conseqüência, uma rápida atualização tecnológica e uma maior eficiência”. (1997, p. 213). Para Barreto, “o Mercosul constituiu, inicialmente, uma reposta ao desafio econômico e comercial em que se encontram as economias em todos os quadrantes do planeta em virtude do processo de globalização”. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, por meio do Tratado de Assunção (1998), “propõem-se a realizar a integração dos mercados nacionais como condição fundamental para assegurar o desenvolvimento econômico com justiça social”.(1999, p. 151). Segundo a Secretaria do Mercosul:

37

Conforme afirma Antunes (2005, p. 26), dois terços da humanidade que trabalha encontram-se no chamado “Terceiro Mundo”, ou seja, na Ásia, no Oriente, na África e na América Latina. Isso somado à destrutividade da lógica do capital e de seu processo de acumulação e valorização, contribui para que um bilhão e duzentos milhões de pessoas encontram-se precarizados ou desempregados, segundo os dados da OIT. (apud ANTUNES, 2005, p. 28). 38 A década de 1990 foi caracterizada por políticas econômicas diversas entre os países embriões da integração para combater a hiperinflação. Enquanto o modelo argentino adotou diretrizes de liberalização econômica, privatizações das empresas públicas e vinculação cambial do peso ao dólar, o Brasil optou por diretrizes de repercussão marcadamente internas, como o confisco da poupança interna, a redução de proteção a setores da indústria, como dos bens duráveis, e não introduziu a paridade cambial. (SEITENFUS, 1997, p. 213).


34

A integração gera um nível de interdependência tal que o jogo de interesses cruzados leva, progressivamente, os atores públicos e privados a movimentar-se em um cenário político comum que excede às estruturas políticas nacionais. Com efeito, os avanços na construção do mercado comum implicaram necessariamente a conformação de um "espaço político comum" no qual vigora, implicitamente, uma "política MERCOSUL". (2006b, s.n.t.).

Nesse contexto, os Estados do Chile e da Bolívia têm assinado protocolos políticos conjuntamente com os países do Mercosul. Em 9 de dezembro de 2005, a República Bolivariana da Venezuela iniciou o processo de ingresso no Mercosul, que será concretizado com a assinatura de um protocolo de adesão. (MERCOSUL, 2006, s.n.t.). O surgimento do Mercosul foi marcado igualmente pela motivação política, seja de grupos econômicos e de governos, visando a oportunidades comerciais, inserção internacional e negociação com outros blocos econômicos, rompimento de protecionismo nacional, seja da sociedade civil, que via o bloco como oportunidade para negociação conjunta da dívida externa, recuperação econômica, inserção no mercado de consumo e outros interesses comunitários. Esse contexto de pluralidade de interesses provocou, surpreendentemente, um espírito integracionista que acelerou o processo de criação do bloco. (SEITENFUS, 1997, p. 214). Os processos de regionalização surgiram como contraponto à onda globalizadora que atingiu o século XIX. Juntamente com a criação de mercados regionais – que contribuem para a concretização da mundialização −, faz-se necessária a criação de um aparato normativo para regular novas relações que envolvem toda a complexidade do processo. Nesse momento histórico, cumpre sinalizar com o surgimento do Mercosul, que, dentre outras coisas, pretende atuar como resposta às mazelas trazidas pela globalização. É justamente nesse sentido que o tratado de Fundação do Mercosul − o Tratado de Assunção, de 199139 − registra:

[...] considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social. Tendo em conta a evolução dos acontecimentos internacionais, em especial a consolidação de grandes espaços econômicos e a importância de lograr uma adequada inserção internacional para seus países. 39

Tratado para la Constitucion de un Mercado Comúm entre la Republica Argentina, la Republica Federativa del Brasil, la Republica del Paraguay y la republica Oriental del Uruguay.


35

Expressando que este processo de integração constitui uma resposta adequada a tais acontecimentos.40 (MERCOSUR, 2006, p. 5).

Categoricamente, o surgimento de alguns blocos econômicos, dentre os quais o Mercosul, atua no refluxo41 de intenções privadas de desregulação e apropriação de poderes para manter a saúde do capital financeiro internacional. No mesmo sentido, Campos (1999, p. 290) afirma que, embora o Mercosul não tenha por finalidade a tutela dos direitos humanos, tem a obrigação de respeitá-los. Havendo assimetrias no direito interno dos Estados participantes do Mercosul, a transição a ser superada para alcançar o pleno nível de igualdade e reciprocidade e a etapa a ser alcançada, definitivamente, mantêm o dever de priorizar o sistema de direitos humanos. Conforme Trindade (1997, p. 391), a proteção garantida aos trabalhadores na Europa no âmbito global pelas Nações Unidas não foi a mesma na América do Sul. Aqui ocorreu a adoção, em 1988, de um Protocolo Adicional42 em Matéria de Direitos Econômicos, Social e Culturais à própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mantendo o caráter programático. Em face do catálogo de direitos constantes no Protocolo Adicional, que incluiu os direitos sociais, econômicos e culturais na Convenção Americana de Direitos Humanos, cabe ao Estado-parte a obrigação de respeitar e assegurar o livre e pleno exercício desses direitos e liberdades. Cabe, ainda, ao Estado adotar as medidas legislativas e de outra natureza que sejam necessárias para conferir efetividade aos direitos e liberdades enunciados. (PIOVESAN, 2000, p. 31).

40

“[...] considerando que la ampliación de las actuales dimensiones de sus mercados nacionales a través de la integración, constituye condición fundamental para acelerar sus procesos de desarollo económico com justicia social. Teniendo en cuenta la evolución de los acontecimentos internacionales, en especial la consolidación de grandes espacios económicos y la importancia de lograr una adecuada inserción internacional para sus países. Expresando que este proceso de integración constituye una respuesta adecuada a tales acontecimientos”. (Tradução nossa). 41 Além dos interesses econômicos, o Mercosul tem como objetivo harmonizar legislações e criar uma estrutura institucional definitiva e um sistema de tomada de decisões. Trata-se, uma vez concretizada, de uma nova e peculiar ordem jurídica regional. Com o Protocolo de Ouro Preto, o Mercosul adquiriu personalidade jurídica, mas conservou seu perfil tipicamente intergovernamental. (SEITENFUS, 1997, p. 217). 42 O Protocolo Adicional partiu da premissa de que os direitos econômicos, sociais e culturais são efetivamente direitos exigíveis. Tomou como ponto de partida um núcleo formado pelos direitos ao trabalho, à saúde e educação, assim como direitos relativos a três grupos: as crianças, idosos e os portadores de deficiência. Esses se tornaram o eixo normativo do Protocolo de 1988, que dotou os direitos coletivos de base convencional no sistema interamericano de proteção. (TRINDADE, 2000, 137)


36

No tratado de criação do bloco, o Tratado de Assunção43, de 1991, logo de início consta que os Estados-partes “decidem constituir um Mercado Comum, que deve estar conformado em 31 de dezembro de 1994, que se denominará Mercado Comum do Sul (Mercosul)”. A seguir, passa a enumerar suas implicações:

- a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos aduaneiros e restrições sem barreiras à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida equivalente; - o estabelecimento de uma barreira externa comum e a adoção de uma política comercial comum com relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições nos fóruns econômicos comerciais, regionais e internacionais; - a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, entre os Estados partes: de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambiária e de capitais, de serviços, aduaneira, de transportes e comunicações e outras que se acordem, a fim de assegurar condições adequadas de competição entre os Estados partes; - o compromisso dos Estados partes de harmonizar suas legislações nas áreas pertinentes, para o fortalecimento do processo de integração. (grifo nosso).44 (MERCOSUR, 2006, p. 6).

No tratado inicial, houve silêncio quanto aos direitos sociais, somente uma referência vaga em seus “considerandos” a um processo de desenvolvimento econômico com justiça social. O tratado faz referência aos princípios da gradualidade, da flexibilidade e do equilíbrio, para o aprofundamento das relações econômicas e comerciais, como a expressão de uma vontade política que estabeleça as bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos. Esse processo implica o “direito da integração”. (BARRETO, 1999, p. 151).

43

O Mercado Comum do Sul surgiu com o Tratado de Assunção, trazendo traços do desagravamento tarifário progressivo, linear e automático e a eliminação total das barreiras num prazo exíguo. Previa, ainda, que cada país deveria adotar voluntariamente medidas públicas que o aproximassem dos outros parceiros e dos objetivos comuns. (SEITENFUS, 1997, p. 215). 44 “- la libre circulación de bienes, servicios y factores productivos entre los países, a través, entre otros, de la eliminación de los derechos aduaneros y restriciones no arancelarias a la circulación de mercaderías y de cualquier outra medida equivalente; - el establecimiento de un arancel externo comúm y la adopción de una política comercial comúm com relación a terceros Estados o agrupaciones de Estados y la coordinación de posiciones en foros económicos comerciales regionales e internacionales; - la coordinación de políticas macroeconómicas y sectoriales entre los Estados partes: de comercio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetaria, cambiaria y de capitales, de servicios, aduanera, de transportes y comunicaciones y otras que se acuerden, a fin de asegurar condiciones adecuadas de competencia entre los Estados Partes; - el compromiso de los Estados Partes de armonizar sus legislacionaes en las áreas pertinentes, para lograr el fortalecimiento del proceso de integración. [...]”. (Grifo e tradução nossa).


37

Passa-se, agora, a analisar a Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, de 1998, que teve inspiração na Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, também de 1998, e nas recomendações da Organização Internacional do Trabalho orientadas para “promoção do emprego de qualidade, das condições saudáveis de trabalho, do diálogo social e do bem-estar dos trabalhadores”. 45 (MERCOSUR, 2006, p. 6). A declaração refere o compromisso dos "Estados-partes” com outros tratados, pactos, protocolos internacionais que integram o patrimônio jurídico da humanidade, entre os quais:

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Declaração Americana de Direitos e Obrigações do Homem (1948), a Carta Interamericana de Garantias Sociais (1948), a Carta da Organização dos Estados Americanos – OEA (1948), a Convenção Americana de Direitos Humanos sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988). (MERCOSUR, 2006, p. 6).

No mesmo documento, consta referência aos princípios da democracia política e ao Estado de direito, assim como ao respeito irrestrito aos direitos civis e políticos da pessoa humana como base irrenunciável do projeto de integração. Ainda há a afirmação de que a integração regional não pode se restringir à esfera comercial e econômica, mas deve alcançar a temática social, tanto na adequação de marcos regulatórios trabalhistas perante as novas realidades configuradas pela integração e pelo processo de globalização da economia, como no reconhecimento de um nível mínimo de direitos dos trabalhadores no âmbito do Mercosul. (MERCOSUR, 2006, p. 6). A Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, de 10 de dezembro de 1998, aborda os seguintes temas principais:

- não discriminação − igualdade efetiva de direitos, tratamento e oportunidades, no emprego e ocupação, sem discriminação em razão de raça, origem nacional, cor, sexo ou orientação sexual, idade, credo, opinião política ou sindical, ideologia, posição econômica ou qualquer outra condição social ou familiar; - igualdade – inserção social e laboral de deficientes físicos e mentais; igualdade de tratamento e oportunidade entre homens e mulheres; direito à ajuda, informação, proteção e igualdade de direitos e condições a 45

“Promoción del empleo de calidad, de las condiciones saludables de trabajo, del diálogo social y del bienestar de los trabajadores.” (Tradução nossa).


38

trabalhadores migrantes, inclusive pelo estabelecimento de normas e procedimentos comuns relativos à circulação de trabalhadores em zonas de fronteira; - trabalho livre – supressão de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório; - regulamentação do trabalho infantil e de menores – abolição do trabalho infantil e progressiva elevação da idade mínima para ingressas no mercado de trabalho; proteção especial do trabalho de menores, com a proibição de realização de horas extras e em horário noturno, em ambientes insalubres, perigoso ou imoral, até os 18 anos de idade; - liberdade de associação – não intervenção do Estado na criação e gestão das organizações constituídas, e reconhecimento da legitimidade na representação e defesa seja dos empregadores quanto dos trabalhadores; - liberdade sindical – garantia da liberdade de filiação, de participação nas atividades sindicais sem despedidas ou prejuízos no emprego, e de ser representado; - negociação coletiva – direito de negociar convenções e acordos coletivos para regulamentar as condições de trabalho; - greve – garantia a todos trabalhadores e organizações sindicais do exercício do direito de greve; os Estados se comprometem pela promoção e desenvolvimento de procedimentos preventivos e alternativos de autocomposição de conflitos individuais e coletivos do trabalho, independentes e imparciais, que não impeçam o exercício do direito de greve nem desvirtuem sua finalidade; - diálogo social – os Estados se comprometem em instituir mecanismos efetivos de consulta permanente entre os representantes do governo, dos empregadores e dos trabalhadores, a fim de garantir, mediante consenso social, condições favoráveis ao crescimento econômico sustentável e com justiça social; - fomento de emprego – os Estados se comprometem a promover o crescimento econômico, a ampliação do mercado interno e regional, e políticas ativas de fomento à criação de empregos, a fim de elevar o nível de vida e corrigir os desequilíbrios sociais e regionais; - proteção dos desempregados – a fim de garantir a subsistência dos trabalhadores afetados pela desocupação involuntária e facilitar o acesso a programas de re-colocação e programas de re-qualificação profissional; - formação profissional e desenvolvimento de recursos humanos – todo trabalhador tem direito à orientação, formação e capacitação profissional, de maneira a acompanhar o progresso técnico e melhorar as condições de inserção laboral; os Estados garantem a efetiva informação sobre os mercados de trabalho e sua difusão a nível nacional e regional; - saúde e seguridade no trabalho – ambiente de trabalho sadio e seguro, que preserve a saúde física e mental e estimule seu desenvolvimento e desempenho profissional; prevenção de acidentes de trabalho e enfermidades profissionais; - inspeção de trabalho – proteção adequada das condições e ambiente de trabalho; - seguridade social – garantia de uma rede mínima de amparo social que proteja contra os riscos sociais, enfermidades, velhice, invalidez e morte. (MERCOSUR, 2006, p. 7).


39

Enquanto isso, os empregadores têm direito de organizar e dirigir economicamente a empresa, em conformidade com as legislações e práticas nacionais. Em relação à aplicação da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, seu art. 20 esclarece que os Estados-partes se comprometem a respeitar os direitos fundamentais e promover sua aplicação. Ainda, institui a Comissão Sócio-Laboral, “órgão tripartido, auxiliar do Grupo Mercado Comum, que terá caráter promocional e não sancionador, dotado de instâncias nacionais e regionais” (MERCOSUR, 2006, p. 7). O órgão tem o objetivo de fomentar e acompanhar a aplicação do instrumento, por consenso dos três setores (Estado, empregadores, trabalhadores), e tem as seguintes atribuições e responsabilidades:

- examinar, comentar e canalizar as memórias preparadas pelos Estados Partes, resultantes dos compromissos da Declaração; - formular planos, programas de ação e recomendações de fomento à aplicação e o cumprimento da Declaração; - examinar observações e consultas sobre dificuldades e incorreções na aplicação e cumprimento das disposições da Declaração; - examinar dúvidas sobre a aplicação da declaração e propor esclarecimentos; - elaborar análises e informes sobre a aplicação e o cumprimento da Declaração; - examinar e apresentar as propostas de modificação do texto da Declaração. (MERCOSUR, 2006, p. 7).

O sistema adotado no Mercosul para a harmonização das normas é o de assimetrias. O conceito de assimetria é “toda vantagem ou desvantagem que um país tenha em relação aos demais parceiros do Mercosul, proveniente de regulamentação, subsídios, impostos ou outra intervenção do Estado que afete a competitividade de produtos ou de setores”. (BELTRAN, 1998, 359). O objetivo almejado é a harmonização, não a uniformização de normas, de forma a adotar um certo número de convenções da OIT ou criar uma “Carta Social” para o Mercosul. (p. 359). O direito do trabalho, nesse contexto de integração, em especial na América Latina, segue circunstâncias peculiares. Segundo Uriarte, “o Direito do Trabalho Clássico parte da constatação de uma desigualdade, de um desequilíbrio de poder entre o trabalhador individualmente considerado e seu empregador” (2002, p. 24). Assim, é impossível a “livre negociação individual do trabalho prestado em troca de remuneração sem criar péssimas


40

condições de trabalho” (2002, p. 24). Por isso, surge um direito do trabalho protetor da parte fraca da relação, tanto de fonte heterônoma como autônoma.46 Na América Latina tende a predominar a vertente heterônoma, ao passo que na Europa verifica-se um “predomínio da vertente autônoma e a preferência pela modalidade da legislação negociada, verdadeira combinação da heteronomia e de autonomia, na qual a heteronomia consolida (enrijece) e estende os efeitos da autonomia”. (URIARTE, 2002, p. 25). Não obstante, o autor afirma que, salvas poucas exceções, na América Latina o direito coletivo do trabalho é rígido e limitativo de direitos, e o direito individual do trabalho é de variável grau de rigidez e de pretensa, nem sempre bem-sucedida, proteção de direitos. Assim, as demandas flexibilizadoras orientam-se para a modificação de normas e institutos de direito individual de trabalho e muito pouco para o direito coletivo. (p.14). Para aproximar a análise do direito de integração do trabalho do Mercosul de um patamar mais eficaz, Campos sugere47 a conjugação dos princípios do âmbito do direito internacional dos direitos humanos e do âmbito do direito de integração, afirmando:

1) a prevalência do Direito Comunitário somente no que é de sua competência; 2) o Direito Internacional dos direitos humanos obriga o Direito de Integração a respeitá-lo; 3) a supremacia do Direito Comunitário sobre o direito interno não prevalece sobre o sistema de direitos que tem sua fonte no Direito Internacional de cada Estado (democrático) que é membro da comunidade supraestatal; 4) o sistema de direitos assim integrado pela dualidade concorrente da fonte internacional e a fonte interna, não é objeto de transferência de competência por parte dos Estados a favor da organização comunitária.48 (1999, p. 289).

Por fim, seja pela equiparação ao patamar que alcançou a União Européia, seja para, ao menos, garantir direitos fundamentais sociais, o certo é que o Mercosul ainda tem muito que avançar na defesa dos direitos humanos dos trabalhadores.

46

Heterônoma ou estatal é gerada pelos três poderes, ao passo que a autônoma se dá com o surgimento dos sindicatos, da negociação coletiva e da greve, instituições e ações coletivas de exercício da autotutela. 47 A proposta do autor citado é de que esse repertório seja aplicado no Mercosul, mesmo que exista um itinerário longo a percorrer até se alcançar o patamar da União Européia, que seria um modelo tomado como paradigma para a questão analisada. (CAMPOS, 1999, p. 289). 48 “1) la prevalencia del derecho comunitario solamente juega en lo que es de competencia suya; 2) el derecho internacional de los derechos humanos obliga as derecho de la integración a respetarlo; 3) la primacía del derecho comunitario sobre el derecho interno no prevalece sobre el sistema de derechos que tiene su fuente en el derecho internacional de cada estado (democrático) que es miembro de la comunidad supraestatal; 4) el sistema de derechos así integrado por la dualidad concurrente de fuente internacional y fuente interna, no es objeto de transferencia competencial por parte de los estados a favor de la organización comunitária”. (Tradução nossa)


41

1.3 Síntese do capítulo

A globalização surgiu da etapa histórica do transnacionalismo. Fortalecida pela terceira Revolução Industrial, afetou inúmeras esferas, como os Estados e as relações de trabalho. Os Estados foram enfraquecidos em relação a sua soberania. O Estado de bem-estar perdeu força como modelo político; a produção e o consumo sofreram com a desterritorialização pelo surgimento das megacorporações ou empresas transnacionais. A globalização econômica atual não favorece os Estados com o histórico de colonização e pouco desenvolvidos, apresentando-se como a continuidade de outras formas de colonização. A globalização revela-se nos domínios financeiros, das telecomunicações, do comércio, das relações de trabalho, dentre outros. Portanto, é importante analisar como o direito internacional regula essas relações. A rede mundial de proteção dos direitos humanos dos trabalhadores do Mercosul envolve um rol amplo de instrumentos de implementação. Os pactos e declarações da ONU, as convenções da OIT – em nível global –, a Declaração Sócio-Laboral, Protocolos e Tratado de Assunção do Mercosul - em nível regional. Existem outros exemplos de instrumentos de implementação como as cartas sociais, cláusulas sociais, entre outros. Num primeiro momento, destacaram-se os pactos e convenções internacionais sobre direitos humanos, que se referiam somente a direitos individuais e passaram a incluir os direitos sociais. Vistos historicamente como normas programáticas, não eram dotadas dos mesmos instrumentos de controle e implementação dos direitos individuais. Essa característica representa o espelho da conjuntura internacional da época. Se, de um lado, havia um bloco capitalista, que priorizava os direitos e liberdades individuais, de outro, havia o bloco socialista, que priorizava os direitos sociais. Tais tratados representavam a visão capitalista de regulação internacional e o descaso com os direitos trabalhistas, por preverem uma proteção mínima e programática. A seguir, surgiram estratégias mais eficientes de controle mínimo dos direitos sociais, tais quais as cartas sociais e as cláusulas sociais, no processo de regionalização desenvolvido na Europa. Essas são importantes na análise das normas supranacionais trabalhistas, assim como outros mecanismos que surgiram para enfrentar o desafio de proteger o trabalhador.


42

Historicamente, os direitos econômicos, sociais e culturais tiveram tratamento diferente, e menos eficaz, dos direitos civis e políticos nos protocolos da ONU e nos processos de regionalização da União Européia e do Mercosul. Foram encarados como categoria com caráter programático, declaratório, ao passo que os individuais foram dotados de mecanismos de auto-aplicabilidade e justiciabilidade. Houve uma pequena evolução no sentido de conferir o mesmo tratamento eficaz a um conteúdo mínimo de direitos coletivos. As políticas neoliberais são possíveis pelos efeitos gerados nesse processo e são predominantes atualmente. A globalização é o aprofundamento da política capitalista segundo a ideologia neoliberal. Para opor-se ao modelo de globalização neoliberal surgiram os processos de regionalização dos mercados, por meio, inclusive, dos processos de integração em comunidades que resgatassem o poder político-econômico. A União Européia é comunidade de direito e é dotada de normas supranacionais, ou seja, que prevalecem sobre o direito interno, inclusive. Outro instrumento regional de proteção dos direitos humanos sociais é a Carta Social, também com um conteúdo mínimo de direitos. O Mercosul é intergovernamental e conta com normas sujeitas à internalização para serem dotadas de aplicabilidade; além das intenções econômicas, pretende ser político e ser uma resposta ao conteúdo precarizante da globalização econômica. Um instrumento importante de proteção é a Declaração Sócio-Laboral, que envolve alguns direitos fundamentais, mas com conteúdo programático, cuja aplicação é acompanhada pela Comissão Sócio-Laboral. Uma das iniciativas do bloco é a de harmonização das legislações por assimetria com o objetivo de adotar um número mínimo de convenções da OIT e criar uma Carta Social para o Mercosul. O Mercosul tem a responsabilidade de se tornar uma comunidade latinoamericana que promova o progresso social e econômico do continente e encaminhe uma mudança político-social que desencadeie a ampliação da proteção dos direitos humanos até se chegar a um patamar digno de desenvolvimento.


43

2. O ATUAL MUNDO DO TRABALHO NA SOCIEDADE GLOBALIZADA

Imaginar um direito do trabalho ambientado nesse novo panorama que se acabou de pintar possibilita explorar seus limites e contradições, em especial, propor um novo sentido para o trabalho, ao mesmo tempo em que se visualiza um direito do trabalho que trate seu objeto de proteção como instrumento de libertação, não simplesmente como freio a avanços do capital que explora e oprime o lado mais fraco, o qual não detém os meios de produção e só conta com o poder de barganha de sua força de trabalho. Primeiramente, trata-se das celeumas do mundo do trabalho. Em especial, abordam-se os fenômenos da desregulação e da flexibilização, características marcantes do processo de precarização do trabalho. Ainda, vê-se como o processo de globalização econômica atua para fortalecer seu sujeito privilegiado na política neoliberal, o capital, e no enfraquecimento dos outros sujeitos, seja o Estado, seja o trabalho. Por fim, caracterizam-se detalhadamente esses personagens sociais e os seus respectivos papéis nesse processo de adaptação ou resistência à nova ordem socioeconômica. O capital, o Estado e o trabalho são estudados na perspectiva de suas limitações e restrições, questionáveis autonomias e sobreposições. Nessa perspectiva, traçam-se alternativas ao trabalho na eterna contraposição de forças e possibilidades de ruptura com esse sistema desigual.

2.1 Os efeitos da globalização e os organismos internacionais

Primeiramente, analisam-se os principais efeitos da globalização econômica nas relações de trabalho, quais sejam os fenômenos incluídos na precarização do trabalho: desregulação e flexibilização. Do ponto de vista político-econômico, trata-se do dumping social, conjugado com o estudo da regionalização, o que torna possível detectar as vantagens e desvantagens de um processo regulatório em nível regional.


44

A seguir, analisam-se organizações internacionais que atuam em dimensão global, quais sejam, a Organização das Nações Unidas e a Organização Internacional do Trabalho, especializada em direitos sociais. Por meio de uma análise dos mecanismos de controle da implementação das normas internacionais originárias das Nações Unidas traça-se um perfil crítico do papel da organização no contexto em que está inserida.

2.1.1 Celeumas no mundo do trabalho

É possível constatar que a globalização surgiu de um processo econômico, o transnacionalismo,

e

que

as

megacorporações

são

importantes

personagens

da

descentralização da produção e do consumo. Agora, cabe analisar as implicações desse processo, especificamente, sobre o “mundo do trabalho”. O primeiro efeito do processo de globalização econômica nas relações de trabalho a ser analisado é o dumping social.49 Afirma Uriarte (2001, p. 84) que o “Preâmbulo” da Constituição da OIT alerta, desde 1919, que, se qualquer nação não se adaptar a um regime de trabalho realmente humano, essa omissão constituirá um obstáculo aos esforços das outras nações que desejarem melhorar a sorte dos trabalhadores em seus próprios países. Segundo Luiz Robortella (apud BELTRAN, 1998, p. 87), o dumping social pode manifestar-se das seguintes maneiras nos países participantes do Mercosul: a) translado de empresas de um Estado para outro à procura de melhores custos de mão-de-obra ou de vantagens tributárias; b) estratégia deliberada de um ou mais participantes de fixação de salários baixos, para atrair empresas de outros Estados; c) translado de trabalhadores para o Estado que oferecer maior proteção e melhores salários, agravando a situação econômica e social em razão do desequilíbrio daí advindo. Conforme prevê Uriarte, um processo de regionalização de mercado, no caso de integração entre países pouco desenvolvidos, poderia facilitar o surgimento do fenômeno do dumping social em nível regional:

49

De um modo geral, dumping social é entendido como deslocamento das empresas transnacionais de acordo com as “condições de mercado”, ou seja, onde esta poderá explorar em condições máximas a força de trabalho e retirar o máximo de lucro.


45

A redução ou supressão das proteções tarifárias no comércio entre os países da região, tanto como a necessidade do bloco em seu conjunto de competir melhor com o resto do mundo, pode levar as empresas a buscar competitividade às expensas das condições de trabalho, e os governos a tolerar – ou até mesmo incentivar – tais práticas. (apud BELTRAN, 1998, p. 87).

A saída apontada por Beltran (1998, p. 88) é a harmonização das legislações, evitando diferenças mais agudas que causam o dumping social. Portanto, é possível implementar a regulação regional no sentido de proteger-se desse fenômeno, a fim de resguardar os direitos dos trabalhadores do bloco econômico. Por certo os processos de regionalização podem atuar no sentido contrário desse fenômeno econômico e encaminhar sua autonomia econômica. Outro efeito a ser analisado é a precarização das relações de trabalho, ocorrido também em conseqüência da maquinização e dos avanços tecnológicos, um complexo processo de interação entre trabalho e ciência produtiva, de retroalimentação. Com isso, há uma urgência de força de trabalho complexa, multifuncional, no mesmo sentido da demanda de uma exploração intensa e sofisticada. Este processo é responsável pela intensificação da precarização do trabalho,50 visto que cada vez menos pessoas trabalham menos e cada vez mais pessoas trabalham mais ou encontram-se desempregadas. (ANTUNES, 2005, p. 98). Para Capella (2002, p. 246), o trabalho, na “grande transformação” protagonizada pelas multinacionais, foi objeto das políticas que, do ponto de vista empresarial, denominamse flexibilização51 e desregulação52, as quais atuam diretamente no mesmo sentido da precarização das relações de trabalho e podem ser apontadas como uma de suas causas. Primeiramente, conforme Capella “a desregulação ou eliminação de obrigações estatalmente impostas aos sujeitos sociais fortes deixa espaço para novas normativas ou regulações”. (2002, p. 267). Na lógica da desregulação, as novas normativas jurídicas públicas hão de ser resultado de uma negociação entre partes. Ocorre a privatização das fontes

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Como exemplos da expansão do trabalho precarizado pelo mundo, Antunes (2005, p. 97) cita o trabalho intensificado do Japão, o trabalho contingente nos EUA, os imigrantes que chegam ao Ocidente avançado e ao “submundo do trabalho no pólo asiático” (China), as maquiladoras no México, na Europa Ocidental, da Nike, do McDonald’s, da General Motors, da Ford, da Toyota, as trabalhadoras de telemarketing, os motoboys das lojas da Wall Mart, entre outros tantos. 51 Por flexibilização aqui há que se entender as políticas que sujeitam o emprego às contingentes conveniências dos empregadores, em face da estabilidade dos postos de trabalho e do crescimento constante de seu número no período anterior. 52 Por desregulação há que se entender a crescente eliminação das obrigações impostas legalmente aos empresários em relação aos trabalhadores empregados por eles.


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materiais do direito não só privado, pois a desregulação conduz a uma definição contratual do público. (2002, p. 267). A seguir, a flexibilização dos direitos trabalhistas busca alargar a margem de lucro das empresas às custas do trabalho humano, subtraindo garantias e retirando direitos53. Trata-se da máxima aplicação do pensamento liberal, da apropriação do trabalho humano em função do capital, de usufruir a mais-valia para garantir o sucesso da produção e da saúde financeira do capital. No modelo atual, inúmeras formas de flexibilização coletivas já vêm sendo aplicadas em larga escala, alimentando a insaciável fome do mercado. Segundo Russomano:

A tese da redução quantitativa de leis trabalhistas mal esconde o intuito de diminuí-las, também, qualitativamente, ou seja, o que em verdade se pretende é minimizar o conteúdo das leis sociais abrandar-lhes os comandos imperativos, de modo a ampliar o poder de deliberação do empresário, no contexto das empresas. (1998, p. 64).

Enfim, se, de um lado, precisa-se compreender as variantes no complexo sistema dialética de produção do capital, cabe uma atenção maior ao processo de flexibilização. Na definição de Uriarte, em termos gerais, a flexibilidade, no âmbito do direito do trabalho, é a “eliminação, diminuição, afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica, com a finalidade – real ou pretensa – de aumentar o investimento, o emprego ou a competitividade da empresa”. (2002, p. 09). Conforme Uriarte, muitos culpam o direito do trabalho pela incapacidade, que é do sistema econômico, de criar ou manter emprego. Os direitos trabalhistas seriam um obstáculo à ação do sistema econômico, justificando a proteção mínima. Os objetivos da flexibilização são baratear o custo do trabalho para melhorar a competitividade da empresa e aumentar o emprego ou diminuir a desocupação. (2002, p. 55). Ocorre que o grau de proteção do trabalhador afeta muito pouco o custo total de produção e, menos ainda, o preço de venda do produto final. Ainda, a experiência demonstrou que a flexibilização gera desemprego; portanto, o problema do emprego não é o direito do trabalho, pois sua incidência no emprego é muito relativa. Para o autor, “o verdadeiro problema é um sistema econômico que destrói mais do que gera postos de trabalho”. (2002, p. 55). 53

O processo perverso da flexibilização também segue a lógica do paradoxo descrito por Coelho (2000, p. 543), de que a simples necessidade do direito do trabalho dentro da ordem jurídica sugere que o operário merece a proteção das leis trabalhistas, mas deve continuar operário. Certamente, esse processo vai muito além e compromete, inclusive, a proteção dos referidos direitos.


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Segundo Russomano (1998, p. 65), as influências sobre o direito do trabalho estão na automação provinda da Revolução Tecnológica, na flexibilização54 das leis trabalhistas, visando desregulamentar o sistema de proteção do trabalhador, e no desemprego.55 O autor diz que “essa globalização cria, entre os Estados, constante concorrência internacional, em que os custos da mão-de-obra estão sendo controlados, atribuindo-se pontos negativos aos países de avançada legislação trabalhista56 como são (ou foram) os Estados latinoamericanos”. (1998, p. 76). Sobre essa política responsável pelo aumento da precarização das relações de trabalho, pode-se apontar uma das suas contradições. Quando se olha para a (des)sociabilidade contemporânea no mundo produtivo, constata-se que é justamente a de que a intensidade da implantação do ideário da empresa moderna, a racionalização do modus operandi, a implantação de competências, qualificação, gestão do conhecimento operam juntamente com a degradação do trabalho. A empresa, para ser competitiva, deve reduzir o trabalho “vivo” e ampliar sua dimensão tecnocientífica, o trabalho “morto”, cujos resultados são, justamente, o aumento da informalidade,57 a terceirização, a precarização do trabalho e o desemprego estrutural em escala global. (ANTUNES, 2005, p. 19). No mesmo sentido, Bialakowski58 diz que, na apropriação da dimensão cognitiva do trabalho, de sua dimensão intelectual, os capitais ampliam suas formas e mecanismos de geração de valor e, com esses, os modos de controle e subordinação dos sujeitos do trabalho, por utilizarem mecanismos mais coativos, necessitando cada vez mais de cooperação ou envolvimento

subjetivo

e

social

do

trabalhador.

(apud

ANTUNES,

2005,

p. 19). Essa foi a tônica do modelo produtivo denominado “toyotismo”, que, segundo Antunes, procurava envolver a classe trabalhadora japonesa no projeto “Família Toyota”, cujo

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A flexibilização é a redução de direitos dos trabalhadores sempre que haja o consentimento livre do trabalhador e prova certa da causa determinante da nova condição de serviço – mudança de técnica da produção ou variação das condições de mercado, por exemplo. 55 A falta de trabalho tem como consequências diretas a baixa dos salários, o estímulo às fraudes patronais, a ineficácia das negociações coletivas, o enfraquecimento do sindicalismo. 56 É necessário referir que legislação avançada não é sinônimo de uma classe trabalhadora que tenha os direitos básicos, mesmo trabalhistas, atendidos. Enfim, o já precário e ineficiente aparelho de proteção do trabalhador sofre tentativas repetidas de flexibilização na Amércia Latina, sob o argumento de que uma legislação forte afasta os investimentos privados de mercado. 57 Informa Valente que, “segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, as relações informais de trabalho hoje chegam à casa dos 50% da população economicamente ativa (PEA) da América Latina, que totaliza cerca de 230 milhões de pessoas”. (2006, s.d.). 58 Nesse sentido ver BIALAKOWSKY, Alberto et al. Diluición y mutación del trabajo en la dominación social local. Revista Herramienta, Buenos Aires, n. 23, 2003, p. 135.


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lema, em 1950, era “proteja a empresa para proteger sua vida.” (2005, p. 26). Tal modelo susbstituiu o modelo “fordista”, que sucedeu o modelo “taylorista”.59 O tema foi abordado, inicialmente, por Satoshi Kamata60 e, mais recentemente, pelo crítico Thomas Gounet61 e pelo pouco crítico Benjamim Coriat.62 Antunes esclarece que

[...] o apregoado desenvolvimento dos processos de “qualidade total” converte-se na expressão fenomênica, involucral, aparente e supérflua de um mecanismo produtivo gerador do descartável e do supérfluo, condição para a reprodução ampliada do capital e seus imperativos expansionistas e destrutivos. (2005, p. 43).

Sobre o assunto, Antunes (2005, p. 44) registra o que seria um avanço tecnocientífico pautado nos reais imperativos humano-societais, o que não ocorre hoje. O que é convertido em descartável e supérfluo poderia ser preservado e reorientado tanto para o atendimento efetivo dos valores de uso sociais quanto para se evitar uma relação metabólica entre o homem e a natureza, pautada em destruição incontrolável e degradante da natureza e do meioambiente. Quanto ao tema das relações de trabalho entendidas nesse patamar “pós-moderno”, Uriarte (2001, p. 75) descreve suas características, a saber: descentralização do trabalho, segmentação da mão-de-obra, não-estabilidade do emprego, individualização, barateamento do custo do trabalho. No mesmo sentido segue Antunes:

[...] o que vem ocorrendo no mundo contemporâneo é uma maior interrelação, maior interpenetração entre as atividades produtivas e as improdutivas, entre as atividades fabris e de serviços, entre atividades laborativas e as atividades de concepção, entre produção e conhecimento científico, que se expandem fortemente [...] (2005, p. 38).

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O modelo taylorista ou racionalizado do trabalho, com grandes fábricas, onde trabalhavam milhares de trabalhadores, visava compor analiticamente, no prazo mais breve possível, toda sua atividade. (RIFKIN, 1995, p. 17). 60 Nesse sentido ver KAMATA, Satoshi. Japan in the Passing Lane: na insider’s Accout of Life in a Japanise Auto Factory. Nova York: Pantheon Books, 1982. 61 Ver GOUNET, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999. 62 Ver ainda CORIAT, Benjamim. Pensar al revés: trabajo y organización en la empresa japonesa. México; Madrid: Siglo XXI, 1992.


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Ainda Uriarte (2001, p. 74) diz que o programa de destruição metódica do coletivo tem como objetivo provocar a total individualização das relações de trabalho. O projeto neoliberal criaria uma relação individual e desregulada, regida pelo direito civil ou comercial, tal como no século XIX, tudo para baratear os custos do trabalho e incrementar a competividade e lucro do empresário. Aplicado na sua plenitude, levaria à abolição do sistema de relações de trabalho e à sua substituição por múltiplas relações privadas de cada pessoa que trabalha para outra que compra seu trabalho num mercado livre. Um ponto de análise revelador do processo de mudança na realidade das relações de trabalho é o que se refere ao tempo de trabalho. Segundo Marx,63 o tempo de trabalho social necessário para produzir uma mercadoria determina seu valor. O valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho nela cristalizado, ou seja, o trabalho necessário para sua produção num determinado estado da sociedade, sob certas condições sociais médias de produção, com uma determinada intensidade social média e uma habilidade média do trabalhador empregado. (apud HUBERMAN, 1974, p. 229). Esse raciocínio leva à conclusão de que, nos países de economia marginal, os empregados possuem um tempo de serviço distinto dos empregados de economias centrais. Dessa forma, uma legislação flexível, que permita um tempo de serviço maior do empregado da economia marginal, garante a mesma quantidade de mais-valia retirada na economia central em menor tempo. Daí a lógica da flexibilização da legislação trabalhista nos países da América Latina, ou seja, para garantir, ao mínimo, reduzir a diferença de lucro retirada por um tempo de serviço maior, simplesmente se autoriza um tempo maior de serviço sem que isso implique um maior salário, ou mais custos, por exemplo. Tal constatação demonstra o grau perverso de exploração do empregado pelo capital. Como diz Huberman (1974, p. 227), presumidamente, o operário é um agente livre; ao contrário do escravo ou do servo, ele não tem de trabalhar para seu dono ou senhor. Presumidamente, ele pode trabalhar ou não, como queira. Citando Marx, afirma que a exploração da sociedade capitalista é oculta, mascarada, mas é revelada pela teoria da maisvalia.64 (apud HUBERMAN, 1974, p. 227). 63

Nesse sentido ver MARX, Karl. Valor, preço e lucro. Nova Iorque: International, 1865, p. 35. Vejamos as conclusões de Huberman (1974, p. 232) sobre a teoria da mais-valia de Marx: o sistema capitalista se ocupa da produção de artigos para a venda, ou de mercadorias. O valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário encerrado na sua produção. O trabalhador não possui os meios de produção (terra, ferramentas, fábricas, etc.). Para viver, ele tem de vender a única mercadoria de que é dono, sua força de trabalho. O valor de sua força de trabalho, como o de qualquer mercadoria, é o total necessário à sua reprodução – no caso, a soma necessária para mantê-lo vivo. Os salários que lhe são pagos, portanto, serão iguais

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Concluindo, é certo que os trabalhadores sofrem inúmeras limitações e perdas em razão da política neoliberal predominante na globalização econômica, mas é certo, também, que os efeitos podem ser combatidos por meio de uma compreensão do processo dialético das relações de trabalho, para se alcançar um patamar de contenção da precarização e ruptura para um outro direito do trabalho, com a harmonização das legislações no âmbito regional, por exemplo.

2.1.2 A organização internacional do trabalho

No âmbito global, o único órgão que atua especializado em direitos sociais é a OIT. Contudo, de alguma forma, a Organização das Nações Unidas também desempenha, por si só, um papel importante na defesa das normas internacionais de direitos humanos. Uma vez que se encaram os direitos humanos dos trabalhadores de um modo amplo, os mecanismos de proteção da ONU, por si só, também serão vistos com atenção aos direitos humanos amplamente considerados, primeiro, pela necessidade ampla dos trabalhadores e, segundo, pelo caráter amplo dos direitos humanos. O desnível de desenvolvimento dos países membros da ONU e as dificuldades para a organização estar no centro dos trabalhos com vista à manutenção da paz levaram as Nações Unidas a se dedicarem à “promoção do desenvolvimento das sociedades consideradas economicamente atrasadas”. Sob o princípio da cooperação técnica entre os Estados, cria-se um novo direito internacional, o direito da cooperação internacional ou o direito do desenvolvimento, cujas funções essenciais são operacionalização, normatização e racionalidade das iniciativas para o desenvolvimento. (SEITENFUS, 1997, p. 144). O processo de descolonização e a aspiração ao desenvolvimento, aliados ao sentimento de solidariedade entre os países pobres, fazem predominar na ONU uma preocupação com o desenvolvimento desses países pobres, o que orientou a política das

apenas ao que é necessário à sua manutenção. Mas esse total que recebe, o trabalhador pode produzir em parte de um dia de trabalho. Isso significa que apenas parte do tempo estará trabalhando para si. O resto do tempo, estará trabalhando para o patrão. A diferença entre o que o trabalhador recebe de salário e o valor da mercadoria que produz, é a mais-valia. A mais-valia fica com o empregador – o dono dos meios de produção. É a fonte do lucro, juro, renda – as rendas das classes que são donas. A mais-valia é a medida da exploração do trabalho no sistema capitalista.


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instituições especializadas das Nações Unidas, em especial, as envolvidas com a cooperação na área social. (SEITENFUS, 1997, p. 146). Em 1890, numa conferência em Berlim, surgiu o princípio do tripartismo65, pelo qual nenhuma decisão impositiva deveria ser tomada. Após a conferência de Paris, em 1900, com a criação da Associação Internacional para a Proteção Legal dos Trabalhadores, o Tratado de Versalhes colocou um ponto final na Primeira Guerra Mundial e contemplou o Pacto da Liga das Nações e o projeto de criação de uma instituição permanente voltada às questões laborais. Assim, em 1919, numa reunião em Washington foi realizada a primeira Conferência da Organização Internacional do Trabalho, que foi a primeira organização especializada de caráter universal. Os custos de funcionamento do órgão foram incluídos no orçamento da Liga das Nações e, portanto, existe uma ligação direta entre os órgãos. (SEITENFUS, 1997, p. 161). Num primeiro momento, em nível global, vê-se a tentativa da ONU de contrapor o fenômeno da globalização do capital pela criação de um órgão especializado66 em direitos sociais: a Organização Internacional do Trabalho. Para Russomano, “a fundação da OIT constitui o fator mais importante no século XX para o desenvolvimento do Direito do Trabalho” (1998, p. 47). Afirma o autor que a constitucionalização do direito do trabalho ficou definitivamente consagrada a partir das Cartas do México, de 1917, e de Weimar, na Alemanha, em 1919, mas sua internacionalização ficou consolidada pela atuação da OIT. Os convênios da OIT revelam a tendência à universalização ou à globalização das normas trabalhistas pelas vias legislativas internacionais. (p. 48). Os mais importantes propósitos e princípios da OIT são:

- o trabalho não deve ser tratado como uma mercadoria; - a liberdade de expressão e de associação consiste condição indispensável para o progresso; - a pobreza, onde quer que esteja, consiste uma ameaça para a prosperidade de todos; - a luta contra as necessidades deve ser feita com o máximo de energia no seio de cada nação através de um contínuo e concertado esforço internacional onde os representantes dos trabalhadores e os empregadores, 65

O Conselho de Administração da OIT tem a participação de Estados, empregados e empregadores. (SEITENFUS, 1997, p. 164). 66 Conforme Seitenfus (1997, p. 143), as instituições especializadas da ONU têm as seguintes características: a) origem num acordo entre Estados; b) dotadas de amplas e reconhecidas atribuições no que diz respeito a sua especialidade; c) a vinculação às Nações Unidas através de um acordo específico. Esses laços formais não as colocam como órgãos, já que conservam uma independência jurídica e de conteúdo.


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cooperando em pé de igualdade com os Governos, participem de discussões livres e de decisões de caráter democrático com o objetivo de promover o bem comum; - todos os seres humanos, de qualquer raça, religião ou sexo tem o direito de conseguir o seu progresso material e seu desenvolvimento espiritual em liberdade, dignidade, em segurança econômica e comum igualdade de chances. (SEITENFUS, 1997, p. 162).

Os pressupostos básicos da atuação trabalhista são pleno emprego, aumento do nível de vida, formação profissional dos trabalhadores, remuneração digna com piso salarial mínimo, negociação coletiva, seguridade social e previdenciária, participação de empregados e empregadores na elaboração e implementação de medidas socioeconômicas, proteção da infância e da maternidade e um adequado sistema de saúde. (SEITENFUS, 1997, 162). Segundo Seitenfus (1997, p. 164), os principais temas abordados pelas convenções67 e recomendações68 da OIT são, dentre outros, direitos humanos fundamentais, condições de trabalho, seguridade social, trabalho de mulheres, crianças, migrantes e indígenas e categorias especiais de trabalhadores. Nos direitos humanos fundamentais se incluem a liberdade sindical, o trabalho forçado e a igualdade de tratamento e oportunidade. (Anexo 1) Na década de 1990, em resposta à globalização, a OIT lançou uma campanha mundial de ratificação de algumas convenções tidas como protetoras de direitos fundamentais dos trabalhadores, tais como a liberdade sindical e negociação coletiva (87 e 98), nãodiscriminação (100 e 110), trabalho forçado (29 e 105) e trabalho infantil (138 e 182). Na Conferência69 Internacional do Trabalho de 1998 aprovou-se a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, segundo a qual todo país membro da OIT se comprometeria a cumprir os princípios constantes nas convenções anteriormente citadas, independentemente de ratificação. (URIARTE, 2001, p. 84). Isso foi encarado de maneira crítica, visto que, se, por um lado, representa um salto qualitativo na universalização ou globalização dos princípios referidos, por outro, mostra-se como uma opção minimalista da OIT para encarar as mazelas da desregulação e flexibilização. Dessa forma, pode ser questionado se essa decisão significa o início de um 67

As convenções são instrumentos jurídicos dotados da obrigatoriedade de colocar a discussão, além da obrigação de definição sobre a via de internalização das normas. (SEITENFUS, 1997, p. 163). 68 As recomendações não têm efeito vinculante e, tampouco, obrigatoriedade para os Estados; são manifestações equiparadas a aconselhamentos e originam-se na vontade dos Estados. (SEITENFUS, 1997, p. 163). 69 As conferências são essencialmente normativas e de controle. As normas emitidas podem ser convenções ou recomendações. (SEITENFUS, 1997, p. 163).


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processo de universalização da rede normativa, independentemente de ratificação nacional, ou uma desregulação encoberta. Segundo Fontoura, “as convenções e recomendações da OIT, ainda que com diferentes graus de cogência, possuem sua importância maximizada no atual contexto internacional das relações do trabalho”.(2002, p. 39). Tem-se em vista que na globalização a efetivação dessas regras está na pronta e correta adesão que a comunidade internacional vier a lhes conferir. Para Seitenfus (1997, p. 165), “a obrigatoriedade imposta aos Estados de submeter o texto das convenções aos seus Parlamentos não implica uma automática ratificação”. Após a ratificação existe um controle pela OIT por meio de visitas técnicas e elaboração de relatórios; o teor dos relatórios é comunicado ao Estado interessado. Somente em situações em que exista má-fé dos Estados o relatório é levado à discussão na Conferência da OIT. Por fim, o autor diz que “a forma mais adequada encontrada pela OIT, com vista a melhorar as condições sócio-laborais no mundo, consiste no trabalho técnico e na progressiva tomada de consciência para a defesa da dignidade do trabalhador”. (1997, p. 165). Concluindo, a organização especializada em direitos sociais das Nações Unidas estaria caminhando em direção a uma proteção baseada em direitos humanos. Os famigerados efeitos relacionados como as celeumas no mundo do trabalho, por si só, justificam o estágio avançado de distanciamento entre os interesses econômicos e as necessidades sociais. No mesmo sentido, o enfraquecimento do Estado-nação, aliado ao fenômeno do dumping social utilizado pelas megacorporações, contribuiu para a crise do direito internacional do trabalho tradicional.

2.2 Um outro mundo do trabalho

Como ocorreram mudanças no plano de regulação internacional do direito internacional do trabalho, outras transformações no plano material marcaram um panorama desolador das condições e relações de trabalho. Em especial, as relações de trabalho precisam ser analisadas segundo algumas constatações de conjuntura, tais como as trazidas por Guilhermo Campero, que apresenta propostas de cunho marcadamente neoliberal para as relações trabalhistas na atual conjuntura:


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a) dotar sua institucionalidade de um caráter mais econômico e técnico do que apenas político ou jurídico – isto pela descentralização do âmbito político-estatal, tornando a participação de atores de intermediação de reivindicação ante o governo e o parlamento menor, enquanto que é maior o papel dos atores trabalhistas diretos, tanto no nível coletivo como no individual; b) orientação das relações trabalhistas da empresa – deslocamento do centro de gravidade para a empresa, isto é, um espaço de negociação das mudanças, com novos conceitos e métodos em negociação coletiva; c) cenário de um debate intelectual e ideológico – a controvérsia está sobre dois pontos fundamentais. Quais sejam a natureza e o papel do direito do trabalho em processos de profunda mudança econômica e técnica, assim como se o modelo clássico utilizado na América Latina produz efetivamente os resultados do emprego, crescimento e distribuição. (1994, p. 50).

Essas tendências levariam a mudanças conceituais, mais do que instrumentais, por isso a urgência de se discutir um modelo com alcance teórico substantivo capaz de resolver os temas da flexibilização, da individualização das normas, das regulações coletivas, do papel tutelar das legislações e outros temas no contexto atual. (CAMPERO, 1994, p. 53). As esferas afetadas por essas tendências também têm de ser especificadas. As relações trabalhistas estão em transição, num processo caracterizado pela multidimensionalidade em diversos níveis:

- nos espaços centrais onde existe uma substituição do nível macro pelo micro; - na lógica de ação dos atores, onde se parte do nível coletivo como tipo de ação central para uma ação no nível da individualidade; - os instrumentos jurídico-institucionais tendem a compatibilizar proteção com flexibilização; - os métodos de gestão de recursos humanos e de organização. (CAMPERO, 1994, p. 56).

Por fim, em virtude da pretensão de propor um modelo de proteção aos direitos humanos dos trabalhadores, há que ser estudado o objeto de proteção. Como é no plano dos fatos que ocorrem as transformações substanciais que o direito terá de regular, é preciso pensar em alternativas ao trabalho.

2.2.1 A dinâmica dos personagens sociais


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O conflito entre capital e trabalho pauta o mundo dos fatos de todo o processo até aqui abordado. Um dos desafios do direito, antigamente centrado na figura do Estado, sempre foi regular as relações provindas desse conflito. Ressalta-se que, nesse processo, a parte mais forte sempre foi o capital, tanto que, como o Estado está em estágio avançado de enfraquecimento, surge a necessidade, cada vez maior, de organizar-se em comunidades de Estados para enfrentar esse novo paradigma de internacionalização da economia. No mesmo sentido, alguns prevêem o desaparecimento do trabalho, como se este pudesse ser subtraído sem que isso representasse qualquer prejuízo social. Quanto ao desaparecimento do Estado, de certa forma, já foi previsto por teóricos como Karl Marx,70 Friederic Engels,71 Vladimir Ilich Lênin,72 Pachukanis,73 entre outros. E assim como a teoria do comunismo científico74 previu o fim das classes, previu o fim da exploração do homem pelo homem, principalmente em relação à exploração da força de trabalho para extrair a mais-valia, conseqüentemente, previu o fim do burguês ou do empresário. Atualmente, todos esses sujeitos descritos fazem parte do mundo do trabalho. Apesar das tentativas de supressão de um ou outro, existe hoje um processo de democratização do cenário internacional, no qual os indivíduos e organizações não governamentais atuam como sujeitos75 de direito internacional. (PIOVESAN, 2000, p. 28). Para Beltran (1998, p. 243), um dos mais importantes papéis desempenhados pelos sujeitos coletivos é a participação no diálogo social em determinadas situações, denominadas de “concertação social”76 e de “pacto social”.77 Refere o autor que “é a prática do diálogo

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Nesse sentido ver MARX, Karl. Das Kapital: kritik der politischen okonomie – 1894. O Capital: crítica da economia política. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: 1981. 71 Ver ainda MARX, Karl; ENGELS, Frederich. Obras Escogidas en Dos Tomos. Moscú: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1955. 72 Ver LENIN, Vladimir Ilich. Obras completas. Moscú: Progreso, 1955-1965. 55. T 73 Ver PACHUKANIS, E. Ekonomika i pravovoe regulirovanie. In: Revoliutsiia Prava, n. 4, 1929. 74 Ver MARX, K.; ENGELS, F.; LENIN, V. I. Sobre el comunismo cientifico. Moscou: Progresso, 1976. 75 Estão previstos mecanismos como a petição ou comunicação individual, pelos quais podem ser oferecidas denúncias de violações a direitos previstos nas normas internacionais. 76 Concertação social é o procedimento negocial que visa à obtenção de um pacto social em sentido próprio. A concertação consiste na participação das forças fundamentais da sociedade civil na definição das grandes linhas da política social do governo e na fixação dos parâmetros de negociação coletiva. (BELTRAN, 1998, p. 243). 77 O pacto social é o negócio jurídico resultante do entendimento de caráter político ou social, substantivos ou procedimentais, que tenham o propósito de estabelecer regras genéricas para políticas públicas e para o comportamento dos atores sociais. (BELTRAN, 1998, p. 243).


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social em que os grupos sociais organizados em matéria de relações de trabalho têm marcante presença na atualidade, sobretudo na manifestação da autonomia coletiva”.78 (p. 243). Monteiro Fernandes traz uma definição de diálogo social no contexto de integração da União Européia, afirmando que “a enfatização do papel dos parceiros sociais, em nível comunitário e no plano nacional, apresenta-se como um adensamento e concretização, no domínio dos instrumentos jurídicos disponíveis, da idéia de diálogo social”. (apud BELTRAN, 1998, p. 245). Em seqüência abordam-se esses personagens, com especial atenção ao âmbito regional do Mercosul, objeto que se pretende explorar inclusive em relação aos processos de adaptação ou não-adaptação ao processo de globalização. Pela análise de tentativas teóricas e práticas de subtração dos atores sociais, poderá restar configurada a amplitude do conflito relatado e poder-se-ão retirar conclusões sobre circunstâncias político-ideológicas que permeiam, inclusive, os processos de humanização dos direitos sociais. a) O capital A dinâmica da empresa, enquanto ator do processo social, poderá configurar a personificação do ente abstrato do capital para a abordagem dialética com os outros personagens sociais. Este ator já foi abordado quando se falava em megacorporações, assim como quando se tratou das empresas transnacionais, sob o termo usado por Capella de “soberano privado supra-estatal de caráter difuso”. Os termos não são, necessariamente, sinônimos, mas aliados a organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial concentram grande parte do conceito de globalização econômica por uma necessidade do capital. A estratégia das empresas multinacionais consiste justamente na busca de outros mercados para ampliar sua capacidade exploratória da força de trabalho e garantir mais lucro, se possível evitando a regulação do Estado, ou qualquer outra regulação que possa impedir a concretização desses objetivos. Mais do que a ampliação da fome exploratória de força de trabalho em países com proteção trabalhista fraca, Estados “fracos”, a busca é por países ou regiões ricas em matéria-prima. Além disso, as megacorporações estão em busca de Estados com uma legislação ambiental flexível, com impostos baixos sobre a produção e subsídios 78

A autonomia coletiva consiste no reconhecimento que a ordem jurídica outorga aos grupos sociais organizados de regular seus próprios interesses. (BELTRAN, 1998, p. 243).


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estatais. Não por acaso, o conjunto de antigas colônias de exploração da América Latina, cenário do Mercosul, comumente atendem a esses requisitos perfeitamente para a atuação do capital internacionalizado. Huberman (1974, p. 260) lembra que, na época das colônias, essas podiam servir tanto como mercado para os artigos excedentes como para suprir a necessidade de fontes de matérias-primas, além, é claro, da razão mais importante, de servir de mercado adequado ao excesso de capital. Essa afirmação contribui para a idéia das necessidades do capital de se mundializar desde tempo antigos; a mudança apenas está nos personagens: antes era uma necessidade dos Estados, hoje é das empresas. Conforme Capella (2002, p. 164), numerosas empresas multinacionais iniciaram o trânsito em direção à globalização econômica real e lançaram-se à terceira Revolução Industrial reformulando o consumismo com fortíssimos dotes de coerção econômica. A empresa que surge como protagonista central da nova ordem socioeconômica é caracterizada por:

- combinação cada vez mais fluída entre salários fixos e flexíveis ligados à evolução da produtividade; - estabilidade relativa dos empregos ligadas às condições de mercado e da mudança técnica; - complementação entre lotações estáveis de trabalhadores e lotação temporárias e parciais, de acordo com as variações de atividade, com a situação dos mercados de trabalho e, em geral, com as decisões de flexibilidade necessárias à competição; - maior mobilidade interna da mão-de-obra; - maior possibilidade de intercâmbio das tarefas, conforme a tendência para formação de equipes polivalentes; - conseqüente transformação da carreira profissional e da estrutura de hierarquias técnicas. (CAMPERO, 1994, p. 63).

Em relação à adaptação das empresas à globalização referida, é facilitada na medida em que atua como protagonista. Assim, terá de simplesmente enfrentar desafios como:

- assegurar a competitividade, adaptar-se às condições variáveis de mercado e à incerteza, decorrentes da abertura para uma economia internacional em transformação com inovação tecnológica; - adequar seus métodos de gestão a fim de que a tomada de decisões na empresa se desenvolva efetivamente nos âmbitos correspondentes, de forma participativa. (CAMPERO, 1994, p. 61).


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Aqui está detectada a vantagem estrutural das empresas transnacionais em atuar nesse novo cenário, certamente por condições geradas por sua atuação em nível internacional, pressionando os Estados-nacionais a aceitarem-nas para continuarem “participando” do mercado globalizado. Conforme aponta Beltran (1998, p. 189), as empresas transnacionais são dotadas de extrema mobilidade, pois acompanham o fluxo de circulação dos capitais e oferecem inúmeras dificuldades ao movimento sindical e o Estado de acompanhá-las. Campero (1994, p. 62) propõe que o modelo neoliberal de atuação no campo da empresa contribui com a flexibilização das leis trabalhistas. Afirma que as decisões de forma participativa merecem atenção especial, referindo-se à modalidade de autocontrole e autodisciplina, que podem contribuir para que a legislação trabalhista se produza de baixo para cima. Da mesma forma, as ações de negociação e de acordo supra-empresarial (setorial, regional, nacional) podem alimentar-se de informações e experiências em nível de empresa, de forma a compatibilizar um papel contratual geral com as necessidades de competição no nível das empresas. Como diz o autor (p. 64), será necessário que o empresário tome a iniciativa principal nesse campo e gere as instâncias de apropriada negociação coletiva e individual. É claro que as empresas de maior porte possuem melhores condições de enfrentar esse processo de maneira contratual, por sua qualidade organizacional e sua contrapartida trabalhista. Nesse cenário exploratório voraz, a empresa precisa lançar mão de estratégias eficazes para garantir sua perfeita adequação à regulamentação dos Estados e trabalho explorados. Nesse sentido, Campero refere que as empresas e o empresário, nesse novo cenário, têm um papel social mais ativo, que associa todas as dimensões do processo de mudanças econômica, técnica e cultural em curso, incluindo um papel no tratamento e superação dos custos sociais ligados a tais transformações. O empresário, assim, vê-se cada vez mais obrigado a desempenhar papéis sociais e políticos de agente modernizador e capaz de gerar crescimento econômico socialmente eqüitativo. (1994, p. 60). E na relação entre empresários e sindicatos, a dinâmica empresarial deve começar a se comportar seguindo uma teoria de validação social, não só como uma racionalização dos interesses patrimoniais ou meramente privados. (p. 54). Em relação à participação no âmbito da empresa pelos trabalhadores, diretamente com o empresário, cabe exemplificar seu caráter de flexibilização dos direitos trabalhistas para garantir a estabilidade do capital. Para exemplificar, o sistema de salários flexíveis pode funcionar como variável de ajuste, ao invés de substituição de empregos em situações de


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graves restrições à atividade das empresas, tudo negociado em relação bipartite entre empresa e trabalhadores. Soluções negociáveis como esta são apontadas por Campero (1994, p. 63) como um incentivo à participação e à identificação com a empresa, garantindo a estabilidade. Entretanto, esse modelo começa a ser desmantelado quando abordado do prisma do avanço tecnológico, com suas características nocivas em relação ao trabalho. Nessa esteira, Uriarte (2001, p. 72) diz que as novas tecnologias seguem substituindo mão-de-obra, com o que o empresário deixa de cumprir a sua função social: a de gerar empregos. Complementa dizendo que “a denominação empregador, que identifica a parte empresária nas relações de trabalho, quer dizer aquele que dá emprego, o que emprega a outro, ou seja, o dador de trabalho”. (p. 72). Como já apontado, o processo de flexibilização e desregulação gera conseqüências drásticas no tocante à geração e à manutenção de empregos. Estaria, assim, o empresário descumprindo sua função social, pela comprovada ineficiência em resolver as questões sociais.

b) O Estado Os Estados latino-americanos apresentam semelhanças que remontam a épocas em que eram um conjunto de colônias européias. Hoje, com o processo de globalização da economia, aliada às conseqüências da política colonizadora, empobrecimento “estrutural” e outras condicionadoras, esses países são reféns da fome exploratória do capital. Isso sem falar nas razões já apontadas do “interesse” das megacorporações em mercados “marginais”. Em especial, quanto aos empregos, na América Latina a política estatal sempre foi em busca do pleno emprego. Ocorre que o desempenho da economia global foi no sentido de que o esforço pelo pleno emprego se traduziu na geração do subemprego e do mercado informal.79 (CAMPERO, 1994, p. 67). Além dessas semelhanças conjunturais, os regimes constitucionais 79

A regulação no setor informal enfrentaria problemas como a integração gradual e progressiva dos afetados pela marginalização. Isso através da melhoria das condições de vida, com redes de seguridade, por exemplo, regulação mínima no que diz respeito aos direitos fundamentais internacionalmente reconhecidos, capacitação e educação para gerar uma mobilidade ou expectativa de mobilidade social. (CAMPERO, 1994, p. 40). A regulação do setor formal reservaria três setores de incidência, quais sejam: nível nacional (regulação geral que exige uma iniciativa do protagonismo governamental na promoção do tripartismo), nível da empresa (autoregulação entre sindicatos de trabalhadores e executivos) e no nível de contrato individual de trabalho (o Estado é o único fiador possível para processos de adaptação às mutáveis circunstâncias econômicas, assim como fortalecer as instituições de fiscalização e fomentar a lógica de reivindicações dos trabalhadores). (CAMPERO, 1994, p. 40).


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vigentes nos países do Mercosul apontam para uma semelhança político-institucional. (BARRETO, 1999, p. 158). São todos Estados democráticos, que passaram por processos profundos de autoritarismo político, tendo suas autonomias governamentais afetadas pelo endividamento com o capital internacional. A globalização, como valor ideológico, “pretende eliminar o protecionismo das economias nacionais e instaurar a livre circulação de bens, serviços e capitais” (SEITENFUS, 1999, p. 174), ao passo que os outros fatores da produção, como a tecnologia e a mão-de-obra, são excluídos da liberalização e transformam-se em objeto de rígido controle, coletivo e individual por parte dos Estados. Conforme Seitenfus (1999, p. 174), “o aumento dos juros para atrair os capitais voláteis implica a diminuição da atividade produtiva e o aumento do desemprego”. Esse círculo vicioso faz com que o Estado restrinja sua independência secundária ou operacional. Enquanto, internamente, a globalização contesta a exclusividade do exercício da soberania do Estado sobre um território delimitado, externamente, obriga o Estado a adotar uma agenda distinta para suas atividades internacionais. (p. 176). Novamente, aqui, traz-se a posição de cunho neoliberal de Campero, que elucida bem a posicionamento exigido do Estado pelo soberano privado supra-estatal de caráter difuso.80 Segundo o autor (1994, p. 31), as novas condições econômicas põem para o Estado três desafios que devem ser encarados conjuntamente ou simultaneamente: obter condições de governabilidade, transformar seu próprio papel e assegurar a estabilidade a longo prazo das transformações que encampam. Para superar os desafios de governabilidade, baseiam-se numa estratégia de canalização e de regulação de reivindicações e conflitos, assegurando, desse modo, ao Estado a legitimidade necessária para consolidar a nova ordem negociada. Campero (1994, p. 36) aponta que uma das condições que a estratégia de canalização e regulação de reivindicações e conflitos utiliza é a negociação, com um significativo grau de participação do conjunto de atores organizados. São exemplos os acordos tripartites e sua função sociopolítica. A segunda condição estaria em contemplar importantes incentivos aos atores, que os levem a aceitar e cumprir as decisões, tais como ganhos efetivos, expectativa de benefícios futuros a respeito de quais são instrumentais ou sacrifícios atuais, e a percepção de 80

Em suma, diz Campero (1994, p. 38) que se trata de um Estado regulador, em detrimento da alternativa do Estado mínimo. Este último seria responsável pela desregulação e só se sustentaria num regime autoritário, ao passo que o Estado regulador seria responsável por novas formas de regulação, aliada à estratégia de negociação antes referida, um Estado regulador particularmente no setor formal e informal da economia. Neste último repousariam os efeitos de marginalização ou de exclusão socioeconômica.


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que os custos de oportunidade associados à opção pela negociação são mais pesados do que os sacrifícios impostos pela negociação, ainda que isso seja preferível ao confronto. Para Campero (1994, p. 76), a regulação dos sindicatos pelo Estado deve sintonizar-se adequadamente com a produtividade e a competitividade da empresa e semelhantes. Obviamente, não deixa de ser um modelo protetivo, porém busca associar o direito às necessidades reais que surgem de novas formas de organização do trabalho e ao instável desempenho econômico e técnico, dos quais resultam relações trabalhistas novas que devem ser protegidas por novos meios. Esse modelo de negociação proposto por Campero encerra uma concepção de condicionamento da atuação do trabalho enquanto ator social, assim como condiciona o Estado a atender a interesses do capital globalizado. Conforme Capella (2002, p. 257), em crítica ao modelo neoliberal, o Estado (Estado-nação) aberto assume o poder público explícito e manifesto da sociedade e tem de instrumentar as políticas que lhe vêm assinaladas pela instância supra-ordenada do “soberano difuso”. Essas posições reguladoras daqueles que deveriam ser protegidos, no sentido de tutelar e limitar sua atuação, são posições marcadamente prejudiciais ao trabalhador e devem ser afastadas. Uma melhor posição poderia ser a que conferisse ao Estado um papel de garantidor dos avanços sociais, provenientes, em especial, da atuação do ator social trabalho. Nesse sentido, o processo de regulação dessas relações entre capital, trabalho e Estado é descrito por Lyra Filho81 (1982, p. 08), que compara lei e direito destacando que, mesmo que a lei não o admita, o direito subsiste. Segue dizendo que a lei sempre emana do Estado e permanece, em última análise, ligada à classe dominante, pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade politicamente organizada, fica sob o controle daqueles que comandam o processo econômico na qualidade de proprietários dos meios de produção. Por outro lado, Lyra Filho refere que a legislação abrange direito e antidireito e que a identificação entre direito e lei pertence ao repertório ideológico do Estado, optando-se por não haver direito fora da lei. Dessa forma, o “Direito resulta aprisionado em conjunto de normas estatais, isto é, de padrões de conduta impostos pelo Estado, com a ameaça de sanções organizadas” (1982, p. 9). No entanto, segundo Gramsci, a visão dialética do direito alarga o foco do direito, abrangendo as pressões coletivas (apud LYRA FILHO, 1982, p. 9). 81

Destaca-se que o autor remete-se ao Estado compreendido no momento histórico em que a América Latina estava submetida, de um modo geral, a regimes autoritários ditatoriais não democráticos, apesar de a análise, de certa forma, apresentar-se surpreendemente atual, quando transportada e adaptada à realidade contemporânea.


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Dessa forma, a idéia de subsunção do Estado aos interesses dos detentores dos meios de produção não seria um conceito fechado e abarcaria concepções em que a participação da sociedade influi na atuação do Estado e na gênese das leis. Num contexto internacional, os desafios do Estado estão, sobretudo, na adequação ou regulação das transformações das condições econômicas. Por fim, traz-se a análise de Naves, que explica o processo de tomada do poder estatal e a relação entre proletários e burgueses no século XIX no cenário da União Soviética, no modelo de transição do socialismo ao comunismo:

O processo de extinção do Estado é um processo no qual as massas, por intermédio de suas organizações que existem fora do Estado – e na medida em que são capazes de simultaneamente transformar revolucionariamente as relações de produção -, vão se apropriando do poder político e exercendo a sua dominação sobre a classe burguesa (de Estado) que se constitui no decorrer do processo de transição. Ora, uma vez que essas organizações sejam fundidas no Estado, toda a possibilidade de uma transformação efetiva das relações de poder – e das relações de produção – está interditada. (2000, p. 156).

Conclui dizendo:

Se é o Estado “proletário” o detentor dos meios de produção, e se é por essa razão que se pode caracterizar a sociedade soviética como uma sociedade socialista, é evidente que o direito só pode ser concebido como norma emanada desse Estado. O direito precisa ser subordinado ao Estado, verdadeiro sujeito das transformações “socialistas”, recebendo dele sua “natureza socialista”. Assim, completa-se o “fetichismo” do direito com o “fetichismo” do Estado. (2000, p. 166).

Se a extinção do Estado representa a tomada do poder político pelos trabalhadores, por outro lado, ainda haverá um Estado “proletário”, que emana um novo direito, o qual, a princípio, prioriza os interesses e necessidades dos trabalhadores e respeita, em último grau, os direitos humanos desses. Pelo menos era o que se esperava naquele momento histórico. c) O trabalho


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Finalmente, o trabalhador, como ator social, é representativo de toda a classe-quevive-do-trabalho, que seriam todos aqueles que sofrem as conseqüências diretas e indiretas do capitalismo como modo de produção e circulação de riquezas na conjuntura globalizada desenhada até o momento. O trabalho é o conceito que encerra a idéia de conferir ao trabalhador a possibilidade de uma análise deste frente ao modelo político-econômico e de traçar um perfil autônomo e independente. Para Antunes (2005, p. 93), o trabalho não é criação do capitalismo, mas o resultado de um movimento dialético de positividade e negatividade, criação e servidão, humanidade e desumanidade, autoconstituição e desrealização. A classe-que-vive-do-trabalho pode constituir-se no segmento social dotado de maior potencialidade anticapitalista. Antunes (2005, p. 51) diz que a classe trabalhadora – a classe-que-vive-do-trabalho82 – inclui, além dos trabalhadores produtivos, o conjunto de trabalhadores improdutivos, os de serviços para uso público, assim como os de serviços públicos tradicionais e para uso privado. Esses, ainda que não sejam elemento direto no processo de valorização do capital e de criação da mais-valia, são necessários para a sobrevivência do sistema capitalista. A dinâmica das relações de trabalho segue um ritmo com efeitos nocivos à pessoa do trabalhador. Conforme Uriarte (2001, p. 73), na relação de trabalho clássica existem a continuidade, a remuneração fixa, tarefas determinadas, reguladas pelo Estado e pelo sindicato, com a finalidade de proteger o trabalhador por meio de um direito do trabalho unilateralmente protetor, que, na América Latina, é preponderantemente heterônomo. Esse sistema tradicional se dá numa sociedade onde o trabalho ocupa lugar central, é meio de vida do trabalhador e sua família. Além disso, o trabalho representa um meio de identificação e inclusão social do indivíduo, este dependente da rede de proteção social que o faz um membro da sociedade e da nação (aposentadorias, pensões, seguro social por doença ou acidente, etc.). No mesmo sentido operam os serviços sociais de algumas empresas e sindicatos. (URIARTE, 2001, p. 73). Os sindicatos, por sua vez, estão entre a resistência e a adaptação, em busca da tríade de aumento de salários, estabilidade no emprego e melhoria nas condições de trabalho. Essas foram sempre tratadas como variáveis independentes, dada a vontade e o poder suficiente para chegar à efetividade. Numa realidade na qual o Estado era capaz de fazer cumprir por meio da 82

São aqueles que vendem sua força de trabalho em troca de salário – trabalhadores precarizados, terceirizados, fabris e de serviços, part-time, aqueles com vínculo de trabalho temporário, o proletariado rural, os desempregados –, exército industrial de reserva.


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fiscalização e sanção, pelo menos na economia formal, aplica-se no nível da empresa a legislação trabalhista. (CAMPERO, 1994, p. 65). O sindicalismo, na América Latina, sempre participou de uma economia política triangular, com o empresariado e a dupla Estado-partidos, com forte eixo estatal, ao passo que o empresariado conta com a vontade e negociação política, seja no tripartismo, seja no lobby. A política governamental sempre foi no sentido de controlar o sindicalismo mediante cooptação em instituições tripartites ou bipartites geridas pelo Estado. (CAMPERO, 1994, p. 69). É importante considerar que o sindicalismo sempre desempenhou um papel de ator político em nível global. A América Latina é caracterizada pelo sindicalismo de prestação de serviços, de benefícios particularizados, bem distintos dos bens públicos universalistas, ligados aos objetivos do emprego, salário e condições de trabalho, no âmbito de uma sociedade como um todo. (CAMPERO, 1994, p. 70). Nesse sentido vai a afirmação de Robortella, de que “a situação socioeconômica da América Latina, com indicadores alarmantes, além de uma gigantesca economia informal, não favorece a realização do diálogo social autêntico, apesar de suas virtudes”.(1996, p. 91). No século XX, o direito do trabalho foi utilizado como oportunidade de aliciamento das massas populares e operárias ao invés de funcionar como capítulo de reivindicação social formulada por vias políticas. (RUSSOMANO, 1998, p. 49). Segundo o autor, “na esfera do Direito Coletivo, a globalização econômica tende a acarretar a globalização sindical”. (p. 70).83 Numa relação global surgem desafios quanto a como resolver a relação entre os trabalhadores do Norte e do Sul:

É óbvio que os trabalhadores do norte podem beneficiar-se objetivamente de hipotéticas conquistas de direitos laborais pelos trabalhadores do sul, da 83

As principais organizações sindicais internacionais são: a) Federação Sindical Mundial (FSM); b) Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOLS); c) Confederação Mundial do Trabalho (CMT). (BELTRAN, 1998, p. 367). Foi criada em Foz do Iguaçu, em 1991, a Coordenadoria de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS) com a participação das seguintes entidades: as três centrais sindicais brasileiras, CUT (Central Única de Trabalhadores), CGT (Confederação Geral de Trabalhadores) e FS (Força Sindical); a CGT da Argentina; o PITCNT do Uruguai (Plenário Intersindical de Trabajadores y Conferencia Nacional de Trabajadores); a CUT do Paraguai; a CUT do Chile e a COB (Central Obrera Boliviana) da Bolívia. Do lado dos empregadores foram constituídas posteriormente o Conselho Industrial do Mercosul e o Conselho de Câmaras de Comércio do Mercosul. (BELTRAN, 1998, p. 360).


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mesma maneira que hoje prejudica aos trabalhadores do norte a falta de direitos dos do sul – obviamente, os realmente lesados por esta falta de direitos são os trabalhadores do sul. (CAPELLA, 2002, p. 246).

Para o mesmo autor (p. 249), o sindicalismo perdeu força e capacidade negociadora. No período de desregulação os sindicalistas restringiam-se à elite obreira, aqueles com empregos fixos, que se achavam, em grande número, na administração pública e nos extensos serviços públicos relacionados como a saúde e a educação. Por outro lado, afirma o autor que: “os sindicatos, apesar da sua óbvia perda de capacidade de mobilização e de negociação, tratam de congestionar as políticas que liberam de obrigações ao empresariado em relação com os assalariados para minorar ou dosificar seu impacto”. (p. 249). O programa de destruição metódica do coletivo tem como objetivo provocar a total individualização das relações de trabalho. O projeto neoliberal criaria uma relação individual e desregulada, regida pelo direito civil ou comercial, tal como no século XIX, tudo para baratear os custos do trabalho e incrementar a competitividade e lucro do empresário. Aplicado na sua plenitude, levaria à abolição do sistema de relações de trabalho e à sua substituição por múltiplas relações privadas de cada pessoa que trabalha para outra que compra seu trabalho, num mercado livre. (URIARTE, 2001, p. 73). Esse projeto, apesar de não ter ocorrido na realidade em sua totalidade, hoje concorre com outras tendências que igualmente possuem efeitos debilitantes do sistema tradicional de relações trabalhistas, em especial a inovação tecnológica, que substitui mão-de-obra e, assim, instala um sistema econômico que destrói o emprego e segmenta o emprego existente. (URIARTE, 2001, p. 73). Há quem defenda que uma das conseqüências naturais do processo de globalização será o fim do trabalho. Antunes faz referência aos autores que considera os mais expressivos críticos da centralidade do trabalho, os quais abordam a crise da sociedade do trabalho e temas como a “desaparição do trabalho”, quais sejam:

- André Gorz, em Adeus ao proletariado – 1980,84 um dos mais contundentes críticos da sociedade do trabalho; - Claus Offe, em Trabalho: categoria sociológica-chave? - 198085, sobre a sociedade de serviços e a perda da centralidade do trabalho;

84

Nesse sentido ver GORZ, Andre. Adeus ao proletariado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. Nesse sentido ver OFFE, Claus. Trabalho como categoria sociológica fundamental?. Trabalho e sociedade, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. v. 1

85


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- Habermas, em Theory of Communicative Action,86 substitui a esfera da razão instrumental do trabalho assalariado pela esfera da razão comunicativa, da intersubjetividade. Fala sobre as lacunas da teoria do valor de Marx;· - Dominique Méda, em Le travail: une valeur en voie de disparition – O Trabalho: um valor em vias de desaparição,87 retoma o universo habermasiano aliado ao espírito weberiano de “desencanto do mundo”, para um “desencanto do trabalho”. Além do controle da esfera instrumental e a ampliação do espaço público; - Jeremy Rifkin, em The end of Work – O fim dos emprego,88 também faz o seu “requiém para a classe trabalhadora”, vislumbrando romanticamente como salvação societal a ampliação alternativa do Terceiro Setor; - Robert Kurz, em O colapso da modernizaçao89 e Os últimos combates90, onde concebe os trabalhadores como parte constitutiva do mundo da mercadoria e sua lógica, que os leva a serem prisioneiros e partícipes da forma-mercadoria; - Robert Castel, em As metamorfoses da questão social,91 onde oferece novos elementos sobre a centralidade do trabalho com base na defesa contratualista e estruturante da sociedade salarial; - e outros como Jacob Gorender, em “Marxismo sem utopia”.92 (2005, p. 54).

Antunes (2005, p. 54) afirma que o tangenciamento da problemática do fim do trabalho levou Habermas a hiperdimensionar o papel da ciência e a subdimensionar o papel do trabalho. Assim, visualizou um processo de cientificização da tecnologia, quando o que há é a tecnologização da ciência, que não levou ao fim do trabalho vivo, e, sim, a novas formas de interação no trabalho. Ocorre que a crítica a Habermas não pode ser encarada sem reservas, pois, em relação à completude de sua obra, está bastante distante da base ideológica de todos os outros autores citados. Por outro lado, ao encarar a problemática do sistema comunicativo, aborda como conseqüência natural o fim do trabalho e, portanto, pode ser enquadrado na lista antes referida. Rifkin afirma:

86

Ver HABERMAS, Jurgen. The theory of communication action: reason and the rationalization of society. Londres: Polity Press, 1991. v. 1. _________. The theory of communication action: The critique of Funcionalist Reason. Londres: Polity Press, 1991. v. 2 87 Ver MEDA, Dominique. Le travail: une valeur en voie de disparition. Paris: Aubier, 1995. 88 Ver RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos. São Paulo: Makron Books, 1995. 89 Ver KURZ, Robert. O colapso da modernização. São Paulo: Paz e Terra, 1992. 90 Ver KURZ, Robert. Os últimos combates. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. 91 Ver CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. 92 Ver GORENDER, Jacob. Marxismo sem utopia. São Paulo: Ática, 1999.


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Estamos entrando em um novo período da História em que as máquinas, cada vez mais, substituirão o trabalho humano na produção de bens e serviços. Embora prazos sejam difíceis de prever, estamos nos encaminhando sistematicamente para um futuro automatizado e provavelmente chegaremos a uma era sem trabalhadores. (1995, p. 313).

Em relação ao trabalho, além de uma “monumental precarização do trabalho em escala global”, na sociedade contemporânea há uma amplificação das atividades de dimensão intelectual, seja nas indústrias, seja nas esferas de serviços ou nas comunicações, ou seja, onde há uma “forte ampliação e mercadorização do trabalho”. (ANTUNES, 2005, p. 95). Para o autor, no atual mundo do trabalho surgiu, em escala menor, o trabalhador “polivalente e multifuncional” da Era Informacional, que é capaz de operar máquinas com sua dimensão “intelectual”. De outro lado, uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, ocupa as vagas nas formas de part-time, emprego temporário, parcial, precarizado, ou no desemprego estrutural. Esse é o eixo da crise da sociedade do trabalho, muito distinta do fim do trabalho ou do fim da centralidade do trabalho. O fenômeno de afastamento do trabalhador da compreensão da totalidade do processo produtivo é conseguida pelo afastamento do trabalhador da sua própria concepção de totalidade. É por isso que as palavras de Kosic (1976, p. 25) encontram eco quando diz que, no mundo do fisicalismo – que o positivismo moderno considera como única realidade –, o homem pode existir apenas como uma determinada atividade abstrata, isto é, como físico, estatístico, matemático, lingüista, mas jamais com todas as suas virtualidades, jamais como homem inteiro. Numa análise com base nos direitos humanos ficam latentes as conseqüências prejudiciais à pessoa humana. Para Trindade, “a integridade do ser humano corresponde em definitivo à integridade de seus direitos”.(1997, p. 391). Antunes (2005, p. 33) afirma que o capital hoje se apropria também da dimensão cognitiva do trabalho, isto é, do trabalho intelectual. Esse fator, conjugado com sua dimensão tecnocientífica e subtração do trabalho “vivo”, amplia as formas e os mecanismos da geração do valor, aumentando também as formas de controle e de subordinação dos sujeitos do trabalho. Em última análise, a gestão do “conhecimento e da competência”, apregoada pelo novo “mundo do trabalho”, tem como resultado o aumento da informalidade, da terceirização, da precarização do trabalho e do desemprego estrutural em escala global.


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Nesse mesmo sentido são os dois termos empregados por Marx para configurar a dimensão ampla do trabalho – work e labour. O trabalho é entendido como work, como “expressão de uma atividade genérico-social, voltada para a produção social de valores de uso” predomina, portanto o trabalho concreto. Por sua vez, no termo labour “a ênfase se volta para as atividades estranhadas e fetichizadas, que configuram o trabalho assalariado”.93 (apud ANTUNES, 2005, p. 74). Enfim, como se vê, mesmo Marx já previa a distinção ou categorias de trabalho, e a teoria do fim do trabalho aproxima-se somente na extinção de uma determinada categoria de trabalho: a do trabalho abstrato. Ricardo Antunes conclui dizendo:

A desconsideração dessa dupla dimensão presente no mundo do trabalho, que lhe dá complexidade, vem fazendo que muitos autores entendam equivocadamente a crise da sociedade do trabalho abstrato como expressão da crise da sociedade do trabalho concreto. E, desse modo, faz que defendam equivocadamente o fim do trabalho. (2005, p. 74).

Segundo a OIT, em pesquisa divulgada em 1994, o desemprego global atingiu o nível mais alto desde a década de 30, com a cifra de oitocentos milhões de pessoas desempregadas ou subempregadas. (apud RIFKIN, 1995, p. 17). A questão social não é enfrentada pela política neoliberal alardeada pelos autores citados como a do fim do trabalho, sendo, inclusive, agravada, no sentido de que retira cada vez mais pessoas do mercado formal e substitui mão-de-obra humana, isso sem citar o esforço para retirar todo aparato de proteção necessário ao trabalhador e explorá-lo em condições desumanas e sem sentido. Para Robortella (1996, p. 91), a falta de resultados no processo de concertação estaria ligada à participação estatal intervencionista no processo de desenvolvimento e à falta de democracia nas relações de trabalho. Essa posição marcadamente neoliberal, por propor um Estado que não intervenha na livre-iniciativa e que regule o trabalhador para que não influa nas decisões político-econômicas, está encoberta nas afirmações de falta de resultados por uma participação estatal intervencionista. A afirmação de falta de democracia nas relações de trabalho pode ser aproveitada no sentido de que se defende uma participação maior do trabalhador no processo de tomada de decisões.

93

Ver HELLER, Agnes. Sociología de la vida cotidiana. Barcelona: Península, 1977.


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Finalmente, feitas as considerações sobre a dinâmica dos atores sociais no processo de globalização

econômica

e

suas

conseqüências,

constata-se

um

distanciamento

e

enfrentamento permanentes. Empresários e trabalhadores traduzem a metáfora da dinâmica do capital e trabalho, ao passo que o Estado traduz a metáfora do direito. A possibilidade do fim do trabalho possui fundamentos profundamente ideológicos, pois o empresário internacional não tem interesse em garantir a proteção do trabalhador, e o Estado-nação é incapaz de regular as relações internacionais e oferecer respostas à degradação do trabalho. O trabalho é elemento indispensável no processo de geração do capital; logo, é ele que poderá dar uma resposta à altura do modelo perverso do neoliberalismo, que até o momento tem dado a direção da política globalizante.

2.2.2 Alternativas ao trabalho

Cumpre referir que o trabalho não é elemento estático, assim como o Estado-nação, que tem iniciado uma globalização por processos de regionalização da economia para alcançar a institucionalização de comunidades políticas. Os trabalhadores têm, no mínimo, resistido às tentativas de estrangulamento protagonizadas pela política neoliberal presente no processo de globalização da economia incorporada nas megacorporações. Lembre-se que, com a Revolução Francesa do século XIX, o direito do trabalho, de certo modo, representou um esquema normativo e de princípios que poderia, ao menos em parte, pela criação de um sistema de proteção efetiva à classe trabalhadora, manter a sociedade em clima de paz e livre das ameaças nascidas de reivindicações violentas e desordenadas. (RUSSOMANO, 1998, p. 40). Beltran afirma que na democracia pluralista, em oposição ao monopólio do Estado na produção jurídica (monismo), “ocorre a diversificação de fontes de produção do Direito (pluralismo). Em tal conceito, a autonomia sindical é fundamentada nos princípios da liberdade e da democracia”. (1998, p. 252). O pacto social, considerado como espécie do gênero concertação social, conduz a que os atores sociais assumam um compromisso com o objetivo de tornar possível a realização de certas políticas adotadas consensualmente em face de exigências econômicas e sociais. (BELTRAN, 1998, p. 253).


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Ainda, segundo Capella (2002, p. 159), ao longo da segunda metade do século XIX, os trabalhadores mobilizaram-se para conseguir a limitação legal da jornada de trabalho, para o reconhecimento do direito de greve e de filiação sindical e para legalizar seus partidos políticos. A questão social, que é a exploração humana reproduzida socialmente e levada a extremos insuportáveis, passou a ser a luta da consciência pública como o principal dos problemas coletivos. O capitalismo deixou de ser autenticamente concorrencial e começou a organizar-se. Em relação à dinâmica sindical, que representa somente uma das frentes de resistência dos trabalhadores, traz para análise a posição neoliberal de Campero94 (1994, p. 54), segundo o qual os sindicatos devem persistir como um ator político de visibilidade nacional numa versão atualizada, ou alternativa, ou de transição. Outra possibilidade da dinâmica sindical é a de se constituir num ator puramente contestador da nova ordem econômica, com identidade defensiva. O “sindicalismo de serviços” pode ser uma resposta desagregadora, mas também pode ser uma resposta diferente se associada a uma visão global do desempenho econômico e político. No caso da América Latina, existiria a questão de o sindicalismo ter-se construído por uma estratégia não de consolidação de baixo para cima, mas de consolidação de cima para baixo, o que leva a que as transformações no nível de empresa não sejam fonte suficiente para gerar, por si só, uma nova estratégia sindical. (CAMPERO, 1994, p. 73). Numa economia triangular, o sindicalismo cumpriria uma manifesta e positiva função social, que lhe permitiria consolidar sua legitimidade social e contribuir também para a legitimidade geral do processo de transformações. Por meio de meios de negociação e de acordo, tornar-se-ia um ator constitutivo da mudança e da modernização. Afirma Campero ainda que “é necessário adiantar-se na formulação de uma estratégia de negociação social que contribua para limitar o campo das incertezas, numa noção contratualista do processo de mudanças”. (1994, p. 56). Para o autor, o novo senso comum econômico exige uma relação de dependência do sindicalismo, ou, pelo menos, rigorosamente relacionada, em sua gestão, com fatores como a competividade, a eficiência, a produtividade e o grau de equilíbrio

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Em suma, propõe a definição de um novo tripartismo, no qual os trabalhadores, empresários e o Estado definiriam um papel para o entendimento social no nível macro, na esfera da negociação das grandes políticas, combinado a um bipartismo no nível das empresas. Assim, a dimensão política estratégica situar-se-ia num nível de maior centralização e a dimensão da negociação de empresas, num nível descentralizado. (CAMPERO, 1994, p. 92).


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macroeconômico (p.74). Essa posição que defende a relação de dependência dos sindicatos dificulta a sua atuação, visto que, no máximo, podem atuar em posição defensiva. Outra alternativa95 é defendida por Campero (1994, p. 71), segundo a qual os desafios da estratégia sindical colocam a necessidade de uma modalidade de inserção social adaptada às novas condições da economia e um modelo de crescimento sustentado em equilíbrios globais, na competição internacional e na regulação de mercado, em especial, na organização sindical a redefinir suas estratégias e modalidades de ação no nível da empresa.96 Mais uma vez, essas soluções apontadas por Campero não resolvem a questão principal, de barrar o avanço precarizante da globalização. Sugerem, sim, uma posição defensiva aos trabalhadores em sua militância sindical e gradual adaptação à nova ordem econômica. Sobre a resistência dos trabalhadores, Antunes (2005, p. 38) refere a explosão social dos negros em Los Angeles, em 1992; a rebelião de Chiapas no México; a emergência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Brasil; as greves ampliadas dos empregados das empresas públicas na França, em novembro e dezembro de 1995; a greve de três anos dos trabalhadores portuários em Liverpool de 1995 a 1998; a greve de cerca de dois milhões de metalúrgicos na Coréia do Sul, em 1997, contra a flexibilização e precarização do trabalho; a greve dos transportadores da United Parcel Service, em agosto de 1997, com 185 mil paralisados, numa ação conjunta dos trabalhadores full e part-time; a greve dos trabalhadores da General Motors, nos EUA, em 1998, contra a terceirização e precarização do trabalho, que paralisou praticamente o sistema mundial de produção da empresa; a batalha de Seattle contra a Organização Mundial do Comércio, de Washington contra o Banco Mundial, ambas nos EUA. Essas negaram a “pacificação dos conflitos sociais” afirmada por Habermas, 95

Além de uma resposta meramente defensiva, caberia ao sindicalismo evitar uma posição de isolamento provocado pela “guerra social de fricção”. Os três pontos fracos que o sindicalismo deve superar são: a) a fraqueza corporativa da organização sindical no nível da empresa – para possibilitar uma construção de baixo para cima; b) a fraqueza como ator com relevância nacional – pela superação da fragmentação e alianças com outros movimentos sociais; c) uma ilegitimidade societária mais difusa e limitada – superando “radicalismos”. (CAMPERO, 1994, p. 79). 96 A proposta de estratégia apontada pelo autor é dividida em pontos, tais como: a) fortalecimento no nível da empresa ou no plano microcorporativo – maior ênfase numa ação sindical que assegure o papel de agência de acesso à prestação de benefícios individuais e coletivos aos filiados; uso ativo das oportunidades abertas pela inovação tecnológica, pelas mudanças de métodos gerenciais e de organização do trabalho e da empresa; utilizar a empresa como espaço de integração e não de conflito; b) uma nova visão da institucionalidade das relações trabalhistas – preeminência da negociação coletiva como criação de normas, adaptação progressiva do tipo de ideologia, conservar o caráter universalista de suas orientações, adaptar o conteúdo específico e prático de suas orientações ou valores de outro período, ação sindical representativa pela luta através do instrumento da reivindicação; c) uma articulação entre descentralização e centralização: unir o nível micro e o nível macro – fortalecimento, microcorporativo articulado com um semelhante desenvolvimento de um sindicalismo setorial e nacional. (CAMPERO, 1994, p. 84).


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e recuperaram a busca de vida cheia de sentido dentro e fora do trabalho, mostrando a força e centralidade contemporânea do trabalho.97 O autor ainda esclarece:

A sociedade do consumo destrutivo e supérfluo, ao mesmo tempo em que cria necessidades múltiplas de consumo fetichizado e estranhado, impede que os verdadeiros produtores da riqueza social participem até mesmo do universo (restrito e manipulado) do consumo. Parece que os homens e mulheres sem-trabalho, os despossuídos do campo e das cidades, os assalariados e precarizados em geral, as chamadas “classes perigosas”, começam a questionar a lógica que preside a sociedade atual. Vieram para mostrar à sociedade sua injustiça, desigualdade, iniquidade e sua superfluidade. E para (re)conquistar seu sentido de humanidade e de dignidade. (ANTUNES, 2005, p. 41 – grifo do autor).

Outros exemplos são as manifestações antiglobalização e anticapitalismo em Seattle, nos Estados Unidos, contra a Organização Mundial do Comércio, e outras em encontros intergovenarmentais, como o ocorrido em Nice, na França, além das ocorridas em todo o mundo em 1º de maio de 2000. (ANTUNES, 2005, p. 42). No ano de 2006, também na França, milhares de estudantes, trabalhadores, militantes políticos e dirigentes sindicais protestaram contra a precarização do trabalho, conseguindo, com isso, a derrubada do Contrato de Primeiro Emprego (CPE – Contrat Primiére Embauche), que “retirava uma série de direitos trabalhistas dos jovens franceses, livrando os patrões do pagamento da justa causa nas demissões, entre outras medidas impopulares”. (JINKINGS, 2006, s.n.t.). Ainda há as ações populares ao longo da década de 1990 e início do século XXI, como as explosões de Praga e a confrontação acirrada em Gênova, as ações do Fórum Social Mundial e rebeliões sociais que derrubaram o presidente da Argentina, em dezembro de 2001. Essas iniciativas e protestos demonstram que “as lutas sociais vão se acentuar muito neste novo século”98 (ANTUNES, 2005, p. 55), e fazem parte de um movimento mundial contra a precarização das relações e condições de trabalho e contra a globalização de cunho neoliberal, de um modo geral.

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Para Russomano, “o neoliberalismo agride o Direito do Trabalho por vingança histórica”. (1998, p. 79). Nesse sentido ver SEOANE, José; TADDEI, Emilio. De Seattle a Porto Alegre: pasado, presente y futuro del movimiento anti-mundialización neoliberal. In: Resistências mundiales: de Seattle a Porto Alegre. Buenos Aires: Clacso, 2001 (ed. bras. Resistências mundiais: de Seattle a Porto Alegre. Rio de Janeiro: Vozes, 2001).

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Para Antunes, a crítica radical ao Estado ganha sentido somente se incluir uma ação que tenha como centro a destruição do sistema de sociometabolismo do capital. A conclusão está na seguinte afirmação de Antunes:

O desafio maior do mundo do trabalho e dos movimentos sociais que têm como núcleo fundante a classe trabalhadora é criar e inventar novas formas de atuação autônomas capazes de articular intimamente as lutas sociais, eliminando a separação, introduzida pelo capital, entre ação econômica, de um lado (realizada pelos sindicatos), e ação político-parlamentar, do outro pólo (realizada pelos partidos). Essa divisão favorece o capital, fraturando e fragmentando ainda mais o movimento político dos trabalhadores. (2005, p. 121).

A internacionalização das estruturas dos atores tem se produzido com maior intensidade nos espaços de integração econômica regional, tal como a União Européia e o Mercosul. Na União Européia funcionam a Confederação Européia de Sindicatos e sua contrapartida patronal, a UNICE. Já, no Mercosul, existe, por parte dos trabalhadores, a Coordenação de Centrais Sindicais do Conesul, criada em 1986, que conta em seu interior com a Comissão Sindical do Mercosul, que desde 1991 opera como estrutura sindical do e no Mercosul; do lado dos empregadores, a partir de 1994, o Conselho Industrial do Mercosul, em 1995, criou o Conselho de Câmaras de Comércio do Mercosul e, em 1997, a Confederação Agrícola do Mercosul. Contudo, a presença e ação das instituições patronais têm sido muito menores que a da sindical trabalhista. (URIARTE, 2001, p. 80). Num sentido mais amplo, Antunes (2005, p. 20) propõe que os desafios do trabalho são superar o destrutivo processo iniciado na Revolução Industrial e sua lógica maquínica, superando regimes como o do toyotismo, que pregava o “envolvimento” e a irracionalidade societal – dirigida prioritariamente à acumulação privada do excedente pelo patrão. O objetivo é “tornar a atividade humana laborativa direcionada para a produção de bens socialmente necessários, em que o valor de uso intrínseco dos produtos não mais se subordine (mas de fato elimine) os imperativos do valor de troca presentes no universo das mercadorias”.(2005, p. 20).99 Ainda o autor diz que poderá ser alcançado o sentido original de economizar: utilizar racionalmente os recursos oriundos da natureza e da sociedade, tendo o trabalho com sua

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Nesse sentido MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Tradução de Paulo César Catanheira e Sérgio Lessa, São Paulo: Boitempo; Campinas: Unicamp, 2002. 1.102 p. Título Original: Beyond Capital: Towards a Theory of Transition. Londres: Merlin Press, 1995.


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“autonomia, autocontrole e autocomando, cuja fruição seja pautada pelo tempo disponível para a sociedade” (ANTUNES, 2005, p. 20). Para Márcio Naves (2000, p. 83), o cidadão100 é o indivíduo despojado de seus liames de classe, despojado de sua “particularidade”, o indivíduo “universal” que participa do Estado. Essa determinação corresponde integralmente à representação jurídica do indivíduo, isto é, a sua base, o seu fundamento, é a categoria de sujeito de direito; o indivíduo ao qual o direito atribuiu as determinações da liberdade, da igualdade e da propriedade; o sujeitoproprietário, que, no mercado, pode oferecer a si mesmo como mercadoria; pode oferecer, na qualidade de vendedor, a sua força de trabalho em troca de um equivalente. Uma greve que questiona o poder burguês é uma greve “abusiva”; a greve “política” é vedada porque o terreno da política é reservado à manifestação dos cidadãos na esfera do Estado; a classe operária é interditada a ir além do que prescreve a legalidade burguesa, que nada mais representa do que o poder de classe da burguesia. Uma greve legalizada realiza-se dentro dos limites ou da ordem burguesa. (NAVES, 2000, p. 85). Portanto, pode-se abstrair da crítica feita pelo autor uma alternativa grevista aos trabalhadores como forma de resistência. Essa greve se insurgiria não somente contra pontos específicos da classe trabalhadora, mas, mesmo, contra a ordem econômica e outros pontos relevantes para a ruptura do modelo contestado. Outra alternativa, trazida por Uriarte (2001, p. 79), sugere que quem decide e influi deve estar dotado de mobilidade e possibilidade de comunicação instantânea. Os processos de globalização e integração regional exigem o redimensionamento do sistema de relações trabalhistas, uma vez que “exigem e/ou provocam a internacionalização das estruturas sindicais e da ação sindical, em especial, da negociação coletiva e da greve”. (p. 79). Por fim, para Russomano (1998, p. 70), a tendência predominante no ocaso do século XX, perante o impacto neoliberal, é propor uma alternativa que conjugue a lei como base mínima dos direitos dos trabalhadores e, acima disso, possa ser alcançada por meio da negociação coletiva101. O autor defende a tese de “um ajustamento entre as novas perspectivas

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Para Edelman, “a operação que o direito promove, transformando o homem em cidadão, torna os trabalhadores desprovidos de sua condição de membros de uma classe, impossibilitando-os como classe de perceber e de lutar por seus interesses estratégicos”. (apud NAVES, 2000, p. 85). Complementa dizendo que “tornam-se os prisioneiros da ideologia jurídica e da política de classe burguesa, fazendo com que reproduzam as formas políticas de sua própria dominação”. (EDELMAN apud NAVES, 2000, p. 85). 101 Quanto ao sindicalismo, afirma que é indispensável que o movimento sindical tome consciência de seus riscos e de suas responsabilidades, de acordo com velhas tradições, que, embora tenham deixado de ser


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do desenvolvimento econômico e os novos ideais do desenvolvimento social, para o qual a lei do Estado, de natureza protecionista, é e continuará sendo instrumento indispensável”. (1998, p. 77). Finalmente, as alternativas ao trabalho podem passar por uma posição de resistência simplesmente defensiva, triangular, numa posição legitimadora do processo de globalização, atuante numa democracia dentro da empresa, com um redimensionamento total para adequarse ao novo cenário ou trilhar o caminho da resistência propriamente dita. Ou, então, os desafios propostos aos trabalhadores podem ser encarados por estes, os quais, dotados de autonomia, podem oferecer uma alternativa próxima da realidade do seu cotidiano, numa perspectiva internacional e justa baseada em direitos humanos, por exemplo. As verdadeiras alternativas propostas não são antagônicas e contribuem para traçar o futuro da classe-quevive-do-trabalho.

2.3 Síntese do capítulo

As conseqüências da globalização nas relações de trabalho são prejudiciais no tocante ao progresso social. O fenômeno do dumping social e a automação da produção contribuem com a precarização do trabalho. O dumping social afeta especialmente Estados com economias pouco desenvolvidas e pode ser facilitado por políticas de integração, que devem ser encaradas conjuntamente com a harmonização das legislações para evitá-lo. A precarização do trabalho envolve o fenômeno da desregulação das relações trabalhistas, restringindo as obrigações das empresas, assim como o fenômeno da flexibilização da legislação no mesmo sentido antes descrito, de flexibilizar somente as leis que protegem o trabalhador. Essa política mostrou-se ineficaz para a criação de postos de trabalho, assim como para conter o avanço do desemprego. O processo de mudança no modo de gestão das empresas também contribuiu para a precarização do trabalho, sendo justificado simplesmente pela adequação à competividade do mercado. Esses, de um modo geral, compõem os elementos da política neoliberal de globalização econômica.

revolucionárias, devem continuar sento marcadas por forte espírito de coragem. (RUSSOMANO, 1998, p. 77).


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O tempo de trabalho social da teoria econômica de Karl Marx pode explicar algumas das intervenções do capital no mundo contemporâneo, como a necessidade de flexibilização da legislação trabalhista e a exploração e dominação do trabalhador. A ONU é responsável pelos mecanismos de proteção dos direitos humanos em nível mundial. Em nível regional, conta-se com a Comissão Interamericana de Proteção dos Direitos Humanos, que cuida, em especial, da aplicação do Protocolo de San Salvador e de outras normas da organização. A OIT é um órgão especializado em direitos sociais e tem abrangência igualmente global; cuida dos direitos humanos ditos “fundamentais” aos trabalhadores, de um conteúdo mínimo. Esses órgãos são responsáveis, juntamente com os processos de regionalização, pela globalização ou universalização dos direitos humanos. As megacorporações são instrumentos úteis de concretização da política neoliberal de globalização, responsável pelo dumping social, pela flexibilização e desregulação das relações e condições de trabalho. Instituições financeiras como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional atuam para, ao menos, observar o fluxo de capital movimentado pelos centros privados. Para barrar o avanço precarizante da globalização são necessários instrumentos que estejam ambientados no mesmo patamar de atuação mundial, como os processos de regionalização no continente americano, formado de Estados marginalizados do processo de globalização e interessados em contrapor-se no regime mundial com uma política socioeconômica fundada nos direitos humanos. Todos os personagens sociais passaram por profundas transformações com a globalização econômica. O capital, a partir do transnacionalismo e com a terceira Revolução Industrial, passou a denominar-se “soberano privado supra-estatal com caráter difuso”. Presente no mundo todo em múltiplas formas de aparição, revela sua política por meio de intervenções por organismos internacionais (FMI, BID, G7, entre outros) e intervém diretamente nos territórios em Estados porosos, sendo responsável por toda política neoliberal utilizada para sua implementação. Os Estados, a partir da globalização econômica e da conseqüente perda de soberania como nação, passaram a organizar-se em comunidades econômicas com objetivos político-econômicos. O trabalho viu-se perante a necessidade de globalizar-se, enfrentando desafios quase intransponíveis para acompanhar os outros personagens sociais. A verdadeira alternativa ao trabalho é aquela que representa uma recuperação da posição ativa do trabalhador. Primeiramente, é necessária a resistência através dos institutos clássicos utilizados historicamente, como no exemplo da greve contestadora do regime


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econômico, não simplesmente instrumento de negociação de questões pontuais de classe; a seguir, globalizar-se no mesmo ritmo do iniciado no século XIX.

3. DIREITOS HUMANOS DOS TRABALHADORES NO MERCOSUL

Traçado o campo internacional e delimitada a área de abrangência regional em relação ao Mercosul, cabe agora analisar a possibilidade de um modelo de proteção dos direitos humanos dos trabalhadores no campo regional, considerada a defesa da indivisibilidade ou


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complementaridade das várias “dimensões” dos direitos humanos, assim como de seu caráter universal. Os direitos sociais como direitos humanos equivalem aos consagrados direitos individuais, como a liberdade, por exemplo. Assim, enumera-se o rol de direitos sociais fundamentais dos trabalhadores para chegar a um patamar mínimo de proteção, quiçá, à nova comunidade latino-americana. A seguir, no tratamento dos direitos humanos dos trabalhadores, propõe-se o rompimento do patamar mínimo, criando a expectativa de evolução a patamares máximos de proteção e ruptura com a lógica de flexibilização somente dos direitos dos trabalhadores. Finalmente, analisa-se a proposta de um modelo regional de proteção de direitos humanos dos trabalhadores no Mercosul, que sirva de exemplo de efetividade no século que ora se inicia, em resposta às mazelas sociais que assolam o mundo, compondo uma política internacional com a prevalência do justo e humano.

3.1. Direitos humanos dos trabalhadores

Toda essa reflexão a respeito da contraposição entre capital e trabalho e sua superação remete a alternativas ao trabalho no campo do direito. Para tanto, remete-se ao campo dos direitos humanos para abordar o objeto de análise. Com a divisão do mundo após a Segunda Guerra Mundial em ocidente capitalista e bloco socialista, os direitos humanos viraram também campo de batalha, transmitindo em seus tratados toda uma contraposição de forças. Com a queda do muro de Berlim, em 1989, o modelo socialista perdeu força e abriu espaço para formas mais vorazes de capitalismo explorador da força de trabalho sem distribuição de renda. Após a queda das torres gêmeas de Nova Iorque, em 2001, o modelo capitalista neoliberal tem sofrido duras críticas, abrindo caminho para a discussão de outras propostas, como a de pensar um mundo do trabalho com base na proteção dos direitos humanos.


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Para Pachukanis, o socialismo102 significa o mais amplo respeito aos direitos individuais, que são os direitos de cada membro da sociedade de trabalhadores livres. (apud NAVES, 2000, p. 147). O direito soviético surge como uma forma de política do Estado proletário. “O caráter 'ativo' e instrumental do direito, ou seja, sua 'utilização consciente', é acentuado, o que reforça o seu caráter normativo a tal ponto que Pachukanis passa a considerar o direito uma forma de organização da sociedade socialista”. O direito passa a ser organizador das relações sociais. (apud NAVES, 2000, p. 152). Lyra Filho diz que, “de qualquer maneira, em sistema capitalista ou socialista, a questão classista não esgota a problemática do Direito: permanecem aspectos de opressão dos grupos, cujos Direitos Humanos são postergados, por normas, inclusive legais”. (1982, p. 102). Segue afirmando que na Declaração dos Direitos Humanos repercute a luta social avançada, em que a igualdade formal dos homens perante o direito estatal se corrige com as remodelações jurídicas inspiradas pelo socialismo, de igualdade substancial, sem a espoliação do trabalhador pelo capitalista, ou a opressão dos grupos minoritários pelo poder instituído. (p. 109). Conforme Bonavides (2003, p. 170), o neoliberalismo103 cria mais problemas do que os que intenta resolver. Com sua filosofia de poder negativa, caminha rumo à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de soberania, assim como doutrinando uma falsa despolitização da sociedade. Por outro lado, afirma que existe uma globalização política sobre o qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal, radicada na teoria dos direitos fundamentais. Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no campo institucional, dessa forma auferindo a humanização e legitimidade. Lyra Filho104, citando o marxista alemão Ernst Bloch, refere que “a dignidade é impossível sem a libertação econômica, mas a libertação econômica é impossível também, se desaparece a causa dos Direitos do Homem”. Diz ainda que “não há verdadeiro estabelecimento dos Direitos Humanos, sem o fim da exploração, não há fim verdadeira da exploração, sem o estabelecimento dos Direitos Humanos”. (apud LYRA FILHO, 1982,

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A Revolução Russa de 1917 mostrou ao mundo que os textos fundamentais de cada país não mais poderiam limitar-se a fazer declaração de princípios gerais, através do poder extraordinário das multidões e dos movimentos operários. (RUSSOMANO, 1998, p. 43). 103 O neoliberalismo é a ressurreição do liberalismo clássico sob as luzes de um cenário moderno. 104 Para Lyra Filho (1982, p. 11), “o Direito autêntico e global não pode ser isolado em campos de concentração legislativa, pois indica os princípios e normas libertadoras, considerando a lei um simples acidente no processo jurídico, e que pode, ou não, transportar as melhores conquistas”. Refere-se aos direitos humanos como supraestatais, ou seja, com validade anterior e superior a qualquer lei e ao Estado.


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p. 13). A afirmação encerra as diferenças ideológicas na concepção de proteção aos direitos humanos: a primeira marcadamente neoliberal, a segunda marcadamente socialista. Comparato (1989, p. 38) afirma que os direitos humanos apresentam duas características essenciais: em primeiro lugar, de direitos comuns a todos os homens; a seguir, independentes, para existir, de qualquer reconhecimento pelos poderes públicos. A primeira concepção permite a idéia de distinguir direitos próprios de determinada classe ou grupo social e que não se encontram em outras classes ou grupos sociais. Esses direitos próprios de alguns são privilégios. Os direitos humanos são públicos, são direitos pertencentes a todos, não a certos indivíduos em particular. Há, assim, direitos humanos individuais e sociais. Vendo-se os direitos humanos sociais com tratamento idêntico a qualquer outro direito humano, na concepção da indivisibilidade e universalidade, discorre-se, em seqüência, sobre os direitos sociais fundamentais no campo de análise proposto, qual seja, a ordem da integração no Mercosul relativamente ao plano global.

3.1.1 Direitos sociais como direitos humanos

Os direitos sociais estão compreendidos no conceito de direitos humanos, com todas as suas características de indivisibilidade e universalidade. O tratamento que diferencia os mecanismos de proteção dos direitos sociais dos direitos civis, por exemplo, teria fundo plenamente ideológico e reafirmaria as questões provindas do confronto já referido. A necessidade de um tratamento justo desses direitos está justamente nas concepções que fundam qualquer conceito jurídico, quais sejam, as do mundo dos fatos. O próprio conceito de complementaridade ou interdependência, a ser desenvolvido, auxilia nesse sentido. A Declaração de Direitos do Homem das Nações Unidas de 1948 declarou que “o ponto de partida para a construção de uma comunidade internacional encontrava-se na dignidade e na segurança dos seres humanos”.(BARRETO, 1999, p. 155). Para Russomano, o ponto culminante do direito do trabalho no século XX foi “a inclusão das prerrogativas essenciais ou básicas dos trabalhadores no elenco dos direitos humanos definidos em atos internacionais”. (1998, p. 49).


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A origem do tratamento de direitos sociais com implementação programática precisa ser analisada. Para Trindade (1997, p. 354), esses direitos são tidos como postergados e, em face da atual deterioração das condições de vida de vastos segmentos da população em numerosos países, assumem especial projeção nos nossos dias. Registra a importância renovada e perene de que se revestem os direitos civis e políticos, a formar, com os direitos econômicos, sociais e culturais, um todo harmônico e indivisível. As raízes dessa discussão remontam à elaboração dos instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos, como na Assembléia Geral das Nações Unidas em 1951, na elaboração dos dois pactos internacionais de direitos humanos adotados em 1966, voltados, respectivamente, às duas categorias de direitos, dotados de medidas de implementação distintas, a comporem juntamente com a Declaração Universal de 1948 a chamada “Carta Internacional dos Direitos Humanos”. (TRINDADE, 1997, p. 354). Na época, entendia-se que enquanto os direitos civis e políticos eram suscetíveis de aplicação imediata, requerendo obrigações de abstenção por parte do Estado, isto é, os direitos negativos, os direitos econômicos, sociais e culturais eram passíveis de aplicação apenas progressiva, requerendo obrigações positivas (atuação) do Estado, os direitos positivos.105 (p. 354). Por sua vez, os Estados socialistas, concebendo os direitos humanos não como categoria abstrata e inalterável, mas, antes, como fenômeno histórico, concordaram com a inserção dos direitos humanos consoante os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direito Humanos, no Ato Final de Helsinqui em 1975. (TRINDADE, 1997, p. 359). Como já dito, essa diferenciação entre categorias de direitos também foi sentida em experiências de regionalização, como a Carta Social Européia de 1961 e na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. É importante ressaltar que as duas categorias já constavam na Declaração Universal. Para René Cassin, sem os direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos tinham pouco sentido para a maioria das pessoas.106 (apud TRINDADE, 1997, p. 355). 105

Essa distinção era reflexo de uma profunda divisão ideológica do mundo do início da década de 1950, quando existiam o grupo ocidental, que enfatizava os direitos civis e políticos, e o bloco socialista, que privilegiava os direitos econômicos, sociais e culturais. (TRINDADE, 1997, p. 355). 106 Assim como a expansão e generalização dos direitos humanos testemunhou tentativas ou propostas de categorização de direitos, também esse avanço possibilitou a atenção a distintas categorias de pessoas protegidas, tidas com necessidades especiais, dos quais são exemplos os direitos dos trabalhadores. É necessário referir que são medidas complementares aos tratados gerais de proteção dos direitos humanos. (TRINDADE, 1997, p. 358). Com o tempo, percebeu-se a necessidade de equiparação de alguns direitos sociais a direitos civis e políticos, os que requeriam implementação semelhante, de ação positiva do Estado, tais quais o direito à greve,


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O divisor de águas foi a I Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Teerã em 1968, que proclamou a indivisibilidade dos direitos humanos, pois seria impossível a realização plena dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais. (TRINDADE, 1997, p. 359). A perspectiva globalizante da proclamação de Teerã remeteu a uma nova visão das Nações Unidas em promover o desenvolvimento econômicosocial e ao reconhecimento da necessidade de se proceder a uma análise global dos problemas existentes no campo dos direitos humanos. (p. 360). No mesmo sentido, aproveitando momentos históricos para marcar o avanço nas conquistas de direitos humanos, Comparato (2003, p. 65) define os princípios dos direitos humanos, como sendo os da irrevocabilidade e da complementariedade107 solidária. O princípio da irrevocabilidade significa que os direitos humanos se impõem pela sua própria natureza [...], é juridicamente inválido suprimir direitos fundamentais, por via de novas regras constitucionais ou convenções internacionais. O princípio da complementariedade solidária dos direitos humanos de qualquer espécie foi proclamado na Conferência de Viena em 1993, que referiu que esses são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. (p. 65).

Mesmo com a mudança de concepção em relação aos direitos sociais, autores como Outeda (2001, p. 174), referindo-se sobre o direto constitucional europeu, afirmam que existem diferenças consideráveis entre os direitos fundamentais nas constituições européias. Outeda expõe uma classificação de direitos, distinguidos pela doutrina entre os que tratam de configurar parcelas inacessíveis ao poder, de inspiração liberal, e os direitos que apontam à legitimação, participação e controle de poder pelos cidadãos, de inspiração democrática. Finaliza dizendo que, de fato, diferenciam-se direitos de liberdade e direitos políticos e, existiria uma terceira categoria, os chamados “direitos sociais”, ou de prestação, com caráter fundamental duvidoso. Diz ainda o autor (p. 177) que, ao contrário dos direitos “clássicos”, os direitos sociais incitam os poderes públicos a atuarem com o objetivo de conseguir a igualdade material. Os principais problemas desses consistem na difícil aplicabilidade judicial

a não ser submetido à escravidão, entre outros, o que veio ressaltar a unidade fundamental de concepção dos direitos humanos. Todos esses estão ligados à própria existência, dignidade e liberdade da pessoa humana. (p. 358). 107 “A justificativa desse princípio encontra-se no postulado ontológico de que a essência do ser humano é uma só, não obstante a multiplicidade de diferenças, individuais e sociais, biológicas e culturais, que existem na humanidade. É exatamente por isso que todos os seres humanos merecem igual respeito e proteção, a todo tempo e em todas as partes do mundo em que se encontram”. (COMPARATO, 2003, p. 67).


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e na materialização prática, o que repercute em sua consideração como fundamentais e, em última análise, como autênticos direitos. Por isso, aqui, não serão abordados os direitos humanos em categorias, tampouco em dimensões históricas e relativas, como previa Norberto Bobbio.108 Trabalha-se com os conceitos

de

indivisibilidade,109

universalidade,110

complementariedade

ou

interdependência.111 Trindade diz que “entre as duas ‘categorias’ de direitos – individuais e sociais ou coletivos – não pode haver senão complementaridade e interação, e não compartimentalização e antinomia”.(1997, p. 360). Nesse sentido, conjuntamente ao tratamento de aplicabilidade imediata, é preciso agregar uma nova concepção do mundo do trabalho. Para Antunes (2005, p. 20), o objetivo da economia poderá, efetivamente, recuperar seu sentido original de economizar, ou seja, de utilizar racionalmente recursos provindos da natureza e da sociedade. Isso significa

(re)conceber o trabalho como sendo dotado de autonomia, autocontrole e autocomando, cuja fruição seja pautada pelo tempo disponível para a sociedade, ao contrário da heteronomia, da sujeição e da alienação regida pelo tempo excedente voltado para a acumulação privada do excedente, típica da sociedade fetichizada em que vivemos. (p. 20).

Sobre o mesmo assunto, vale trazer duas citações literais do sociólogo:

A sociedade contemporânea é ou não predominantemente movida pela lógica do capital, pelo sistema produtor de mercadorias, pelo processo de valorização do capital? Se a resposta for afirmativa, a crise do trabalho abstrato somente poderá ser entendida como a redução do trabalho vivo e a ampliação do trabalho morto, além, é claro, de uma maior ou menor dimensão intelectual ou manual presente no trabalho abstrato. Estabelece-se, então, um complexo processo interativo entre trabalho e ciência produtiva, que não leva à extinção do trabalho, mas a um processo de retroalimentação que gera a necessidade de encontrar uma força de trabalho ainda mais complexa, multifuncional, que deve ser explorada de maneira 108

Neste sentido ver BOBBIO, Norberto. 1909 - A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992. Titulo original: L’etá dei Diritti. s. l.: Giukio Einaudi, 1990. 109 Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais, e vice-versa. 110 Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos. 111 Complementaridade ou interdependência completa o conceito de indivisibilidade, no sentido de que não há antagonismos entre direitos humanos, os quais não se afastam, nem se repelem, um não pode ser privilegiado em detrimento do outro.


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mais intensa e sofisticada, ao menos nos ramos produtivos dotados de maior incremento tecnológico. (ANTUNES, 2005, p. 33).

Segundo as lições de João Mangabeira, o princípio de “dar a cada um o que é seu” seria ultrapassado pela máxima “a cada um segundo seu trabalho”, enquanto não se alcança a máxima “a cada um segundo a sua necessidade”. (apud LYRA FILHO, 1982, p. 28). Segue propondo como resolução ao problema que

a essência do jurídico há de abranger todo um conjunto de dados, em movimento, sem amputar nenhum dos aspectos (como fazem as ideologias jurídicas), nem situar a dialética nas nuvens idealistas – ou na oposição insolúvel (não-dialética), tomando Direito e antidireito como blocos estanques e omitindo a negação da negação. (p. 28)

São as contradições de direito e antidireito que fazem explodir (com mediação da práxis jurídica progressista) a ostra normativa para que se extraia a pérola da superação.112 LYRA FILHO, 1982, p. 110). Já Antunes (2005, p. 11), a respeito do sentido do trabalho, introduz o assunto referindo que num certo momento histórico o termo “trabalho” converteu-se em tripaliare – originário de tripalium, instrumento de tortura –, momento de punição e sofrimento, ao passo que “o ócio torna-se parte do caminho para realização humana” – libertação. Refere ainda que, seja qual for o termo – arbeit, lavoro, travail, labour ou work –, a sociedade do trabalho chegou ao “mundo da mercadoria”. Hegel escreve sobre a dialética do senhor e seu servo dizendo que o senhor só se torna para si por meio do outro. (apud ANTUNES, 2005, p. 11). Karl Marx (apud ANTUNES, 2005, p. 12) afirmou que é pelo ato laborativo que o homem se diferencia dos animais. O trabalho seria uma necessidade eterna para manter o metabolismo social entre a humanidade e a natureza. Ainda, “sob o império (e o fetiche) da mercadoria, a atividade vital metamorfoseava-se em atividade imposta, extrínseca e exterior, forçada e compulsória”. (ANTUNES, 2005, p. 12) Para este autor, completando a dimensão

112

Sobre a justiça diz o autor: “Justiça é Justiça Social, antes de tudo: é atualização dos princípios condutores, emergindo nas lutas sociais, para levar à criação duma sociedade em que cessem a exploração e opressão do homem pelo homem; e o Direito não é mais, nem menos, do que a expressão daqueles princípios supremos, enquanto modelo avançado da legítima organização social da liberdade”. (LYRA FILHO, 1982, p. 120).


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dúplice e contraditória do trabalho, o nosso desafio no século XXI é dar sentido ao trabalho, tornando também a vida fora dele dotada de sentido.113 (p.12) Finalmente, o caminho para conferir aos direitos sociais uma nova forma de implementação passa pela reanálise do conceito de trabalho e pela busca de um sentido fora do trabalho. Resta claro que os direitos sociais necessitam de aplicabilidade imediata para que se alcance o objetivo de imaginar outras formas de relações e condições de trabalho.

3.1.2 Transição por uma base legal mínima

Paralelamente às tentativas da doutrina e de se imaginarem outras formas de tratamento aos direitos sociais, como implementáveis de imediato, houve avanços no sentido de dotar alguns direitos sociais como direitos essenciais, indispensáveis e, portanto, respeitados na lógica do modelo de proteção dos direitos humanos atual. Essa interpretação pode representar uma abertura provocada pelas pressões coletivas e que pode ser alargada à medida que as pressões aumentem, uma vez que as necessidades humanas sempre precedem e condicionam direitos humanos. Justamente por isso, propõe-se uma base legal mínima para a transição ao modelo de proteção regional de direitos humanos dos trabalhadores, a ser desenvolvida. A preocupação com o mínimo e essencial remete à questão da preocupação com a pobreza. Para Trindade, a dificuldade em medir a dimensão da pobreza decorre de fatores incomensuráveis, como “a perda do sentimento de dignidade, a diluição do sistema de valores, a quebra da confiança em si mesmo, o desaparecimento da consciência de pertencer a uma sociedade global”. (1997, p. 380). Esses efeitos acabam por prejudicar o verdadeiro processo de integração, que não se inicia propriamente sem que antes as pessoas tenham seus direitos básicos atendidos. O fenômeno da flexibilização já analisado, por certo, atua na contramão dessa posição. Segundo Russomano (1998, p. 65), não se deve admitir a redução dos direitos fundamentais do trabalhador pela via da flexibilização. Dessa forma, somada à questão da necessidade de consciência de pertencer a uma sociedade global está a proposta de uma transição por uma 113

Neste sentido ver HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia del espiritu. Ciudad del Mexico: Fondo de Cultura económica, 1966, p. 113-118 (ed. Bras: Fenomenologia do espírito. 22. ed. São Paulo: Vozes, 2003).


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base legal mínima baseada nos direitos fundamentais dos trabalhadores, a fim de iniciar a busca de um patamar de proteção regional mais amplo. Barreto diz que “os direitos fundamentais [...] constituem o único patamar político e jurídico sobre o qual poderá ser construída uma ordem comunitária regional, que expresse no âmbito do Mercosul uma forma de organização político-institucional característica da globalização”.(1999, p. 147). Se são direitos humanos fundamentais, reconhecidos no mais alto nível, são a essência da nossa comunidade social e jurídica, devendo ser a base para se desenvolver um pensamento fundado em direito. Logo, o raciocínio deve partir de seus direitos e procurar potencializá-los. (URIARTE, 2004, p. 285). Uma boa definição da distinta origem e significado dos termos “direitos do homem” e “direitos fundamentais” é feita por Canotilho (apud COUTINHO, 2003, p. 39). Para este, os primeiros são direitos válidos para todos os povos em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista), provêm da própria natureza humana e têm caráter inviolável, intemporal e universal; por sua vez, os direitos fundamentais são os direitos do homem jurídico-institucionalmente garantidos e limitados em espaço e tempo, sendo objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. Para Comparato:

Os direitos humanos vinculam-se à própria condição humana e, por isso, foram em várias épocas históricas interpretados como direitos naturais anteriores e superiores ao seu reconhecimento normativo pelo soberano. O direito imposto pelo Estado, mesmo de caráter constitucional, não cria os direitos humanos, mas deve limitar-se a reconhecê-los. E quando os ignora ou repudia, carece de toda legitimidade. (1989, p. 38).

Portanto, embora seja importante diferenciar teoricamente os termos direitos fundamentais e direitos humanos, é preciso ter cuidado com as conseqüências de um tratamento diferenciado. Nesse sentido está a afirmação de Uriarte, que, em relação aos termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, diz que os primeiros são aqueles direitos inerentes, próprios da personalidade humana, por isso chamados “direitos humanos”. Esses mesmos direitos humanos são direitos fundamentais, e porque são direitos humanos são fundamentais na medida em que são essenciais à personalidade humana. (2004, p. 280).


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Pode-se dizer que a vigência jurídica numa ordem constitucional não encerra o caráter progressivo de ampliação dessa ordem com outros direitos humanos “fundamentais”. Se se adotar a posição positivista de que o que é fundamental é o que está constitucionalizado, cairse-á na armadilha de negar o caráter complementar e interdependente dos direitos humanos e de abstrair-lhes a eficácia. Por outro lado, a constitucionalização de direitos humanos contribui para a efetivação de alguns direitos humanos. Tradicionalmente, os direitos fundamentais são protegidos pela ordem constitucional. Para Tavares, na esfera constitucional “as normas que elucidam direitos fundamentais possuem notadamente cunho principiológico em virtude da importância que assumem no ordenamento constitucional” (2003, p. 45). Dessa forma, terão diversos níveis de aplicabilidade, mas sempre se devendo ter a compreensão para o máximo patamar possível de aplicação, o que depende de diversos elementos. Além disso, é claro que, inexistindo restrições no mesmo patamar normativo, serão dotados de aplicabilidade imediata. A constitucionalização do direito do trabalho114 teve origem nas constituições francesas, sobretudo a partir de 1848. A tese de internacionalização tem raiz histórica nas “fermentações” sociais do século XIX. (RUSSOMANO, 1998, p. 45). Relata Uriarte (2004, p. 283) que todas as constituições latino-americanas contêm elenco de direitos fundamentais e, dentro deles, uma enumeração de direitos trabalhistas com característica de direitos humanos. Direitos como proteção ao trabalho ou direito ao trabalho, a limitação da jornada, descansos semanais, salário, férias, proteção contra despedida ou demissão injustificada, liberdade sindical, negociação coletiva, greve, aparecem em quase todas constituições latinoamericanas. Conforme Barreto:

A questão dos direitos fundamentais por não estar referida de forma imediata ao quotidiano das economias que se integram, não se tornou ainda uma questão fundamental no processo de globalização, principalmente no quadro da integração de economias regionais, como é o caso do Mercosul. (1999, p. 147).

114

Conforme aponta Uriarte, o direito do trabalho quebrou o axioma do direito do século XIX por utilizar a autonomia coletiva, que é uma fonte de direito não estatal. (2004, p. 281). Diz ainda que “o Direito do Trabalho nasceu constitucional, e os direitos trabalhistas são constitucionais e, portanto, direitos humanos e fundamentais, na ordem jurídica, desde o momento”. (2004, p. 281). A internacionalidade do direito do trabalho nasceu em 1919 com a criação da OIT, quando, na América Latina, não tínhamos direito do trabalho. Os direitos fundamentais datam desse momento.


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A Constituição do México de 1917 enunciou pela primeira vez115, com objetividade, os direitos fundamentais do trabalhador116, elevando-os ao altiplano do reconhecimento constitucional. (RUSSOMANO, 1998, p. 43). O “núcleo fundamental” dos direitos econômicos, sociais e culturais está, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, constituído pelos direitos ao trabalho, à saúde e à educação, pois seriam os direitos de subsistência. (TRINDADE, 1997, p. 395). Segundo Beltran (1998, p. 91), os princípios até então relacionados como “direitos humanos fundamentais” dos trabalhadores na ordem internacional são a liberdade de organização sindical, a negociação coletiva, a eliminação da exploração do trabalho infantil, a proibição do trabalho forçado e a não-discriminação de trabalhadores, seja por raça, sexo ou qualquer outro fator. Como já referido, a OIT aborda como principais temas nas convenções e recomendações direitos humanos fundamentais117, que seriam a liberdade sindical, erradicação do trabalho forçado e a igualdade de tratamento e oportunidade. (SEITENFUS, 1997, p. 164). Esse seria o mínimo protegido pela organização relativamente a direitos sociais em nível global. Esses seriam direitos trabalhistas específicos, que são aqueles direitos humanos que só podem ser exercidos por um trabalhador (quais sejam, a liberdade sindical, proteção do salário, limite da jornada, férias). Os direitos humanos inespecíficos, neste caso, seriam a liberdade de expressão, direito à intimidade, dignidade da pessoa humana, direito à saúde, entre outros. (URIARTE, 2004, p. 283). Dessa forma, afirma Uriarte:

O trabalhador tem duas classes de direitos humanos: os direitos trabalhistas específicos, os que todos conhecemos e com os quais trabalhamos, e os demais direitos do cidadão, inespecíficos, não específicos do trabalhador, mas que ele conserva, como cidadão, na relação de trabalho. (2004, p. 283).

115

No mesmo sentido, outra Constituição importante historicamente foi a Russa, de 1918. A expressão “direitos fundamentais dos trabalhadores” abrange uma gama infindável de direitos humanos. O número de direitos humanos garantidos na ordem jurídica, efetivamente, depende justamente do nível de progresso social do Estado. Aqui está sendo feito o corte epistemológico de direitos mínimos, justamente para cumprir o objetivo de propor uma transição por uma base mínima, baseada em direitos fundamentais. 117 Segundo Sarlet (1998, p. 31), direitos fundamentais, de certa forma, também são direitos humanos. Direitos fundamentais seriam os reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, e os direitos humanos seriam relativos ao direito internacional, que aspiram à validade supranacional e universal. 116


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E conclui dizendo que “o acréscimo dos direitos fundamentais do trabalhador, além dos tipicamente trabalhistas, por esses inespecíficos, provoca o incremento dos direitos humanos de que é titular o trabalhador”. (2004, p. 283). Veja-se, agora, a realidade global na proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores, específicos e inespecíficos. No plano substantivo, o Protocolo de San Salvador incorporou ao sistema interamericano de proteção o direito ao trabalho, a condições justas, eqüitativas e satisfatórias de trabalho, os direitos sindicais, o direito à seguridade social, entre outros. Além disso, “abriu a possibilidade de incorporar outros direitos ou ampliar os já reconhecidos”.(TRINDADE, 1997, p. 370). Na ocasião em que se queria dar uma efetividade maior aos direitos sociais ou coletivos na União Européia118 surgiu o questionamento sobre quais direitos sociais ou coletivos eram verdadeiramente fundamentais para responder às exigências da justiciabilidade da Convenção Européia, de modo a criar verdadeiras obrigações para os Estados. Haveriam de ser selecionados os direitos que pudessem ser estendidos a todas as pessoas, devendo ser implementáveis, como certos direitos em matéria trabalhista e previdenciária. (TRINDADE, 1997, p. 362). Assim, foram consagradas medidas positivas por parte dos Estados pela jurisprudência européia, como o direito de acesso à justiça, o direito a reunião pacífica, entre outros. (TRINDADE, 1997, p. 365). Conforme Barreto (1999, p. 148), a evolução histórica da União Européia demonstra que os fatores econômicos e comerciais constituem fatores preliminares a uma ordem política e jurídica supranacional. Essa ordem deita suas raízes nas relações sociais e econômicas subjetivas. Como na globalização atuam forças econômicas centrífugas, existe a necessidade de um referencial comum, de modo a assegurar a transição da etapa inicial ao patamar da construção das instituições políticas e jurídicas. Ainda diz Barreto que

a questão central do processo de globalização, sob o aspecto de institucionalização reside precisamente na superação das formas atuais de organização estatal por uma ordem peculiar, que incorpore as conquistas da autonomia das comunidades e do estado democrático de direito, como projeto político hegemômico na contemporaneidade. (1999, p. 149).

118

A Comunidade Européia nasceu em torno da idéia de “limitar o poder crescente do Estado, assegurando-se o reconhecimento no seio do Estado de direito da existência de um poder normativo pré-estatal, que se encontrava em todo o ser humano”. (BARRETO, 1999, p. 155).


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Barreto refere-se à “integração das duas dimensões da globalização, quais sejam a afirmação de autonomias e culturas locais, de um lado, e a globalização de direitos e instituições, de outro”. (1999, p. 148). Isso supõe a aceitação de valores e princípios políticos universais, que poderão ter como fundamentação os direitos fundamentais. Em razão da pluralidade complexa das realidades locais dos Estados-membros, é preciso refundar a idéia de democracia para um conceito de democracia cosmopolita. Esta democracia estaria baseada nos princípios da autonomia, da idéia do Estado democrático de direito e no conceito de democracia cosmopolita, com raízes na participação do cidadão e das organizações primárias da sociedade. (BARRETO, 1999, p. 148). Para Trindade:

Não há qualquer impossibilidade lógica ou jurídica de continuar avançando rumo à consagração, no plano substantivo, de um núcleo universal mais enriquecido de direitos inderrogáveis, e rumo a uma proteção, no plano processual, cada vez mais eficaz e aperfeiçoada de todos os direitos humanos, inclusive os direitos econômicos, sociais e culturais. (1997, p. 395).

Segundo, ainda, Trindade, “a experiência na promoção e proteção dos direitos humanos não se tem confinado à satisfação das necessidades humanas básicas, que constitui tão somente o mínimo, o passo inicial; tem ela vislumbrado um horizonte bem mais amplo”. Isso é possível “através da capacitação em matéria de direitos humanos, do exercício pleno do direito de participação em todos os domínios da atividade humana”.(1997, p. 396). Os mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos pouco lograrão sem “modificações profundas concomitantes no seio das sociedades nacionais, ditadas pelos imperativos da justiça social, para que todos posam se beneficiar do progresso social”.(TRINDADE, 1997, p. 396). O autor diz que

cabe situar a pessoa humana no centro de todo o processo de desenvolvimento, o que requer um espírito de maior solidariedade em cada sociedade nacional, e a consciência de que a sorte de cada um está inexoravelmente ligada à sorte de todos.(TRINDADE, 1997, p. 396).

Situar a pessoa humana no centro de todo o aparato protetivo pode representar, portanto, o alargamento de um modelo de proteção mínimo para um modelo de proteção que


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avance no sentido de garantir aos trabalhadores todos os direitos sociais que estariam presentes num modelo justo.

3.2 Um modelo regional de proteção

Conforme o processo de regionalização já analisado, no Mercosul há campo aberto para discussão de um modelo regional de proteção dos direitos humanos dos trabalhadores. Ambientado no direito de integração, este modelo enfrenta dificuldades por não contar com mecanismos de regulação supranacional e pela precariedade dos seus sistemas políticoinstitucionais, como o Comitê Interamericano de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Isso porque a proteção dos direitos sociais constantes em tratados internacionais e em convenções regionais do Mercosul não possui aplicabilidade imediata e está muito distante de se tornar uma realidade ao trabalhador. O Pacto de San José da Costa Rica situa a temática dos direitos humanos como central, sistematizados nos deveres dos Estados e dos direitos protegidos; faz a divisão entre direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais, por um lado, e organiza o sistema de proteção aos direitos estabelecidos através da Comissão Interamericana de Direito Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por outro. (BARRETO, 1999, p. 156). Justamente por isso existe a proposta de uma reregulamentação internacional. Para a compreensão desse contexto aponta Campero que a dinâmica das relações trabalhistas na América Latina é afetada pelos seguintes fenômenos globais:

- planos de desenvolvimento definidos por uma crescente integração na economia mundial, por políticas de abertura externa e competitividade de mercado, prioridade aos equilíbrios macroeconômicos e a lógica de crescimento global, que tendem a subordinar os critérios redistributivos; - mudança tecnológica por necessidades de competição e acesso às ofertas disponíveis no mercado; - novas relações entre Estado, sistema político e sociedade civil, voltadas para uma maior distinção de papéis e relativas autonomias entre eles. (1994, p. 49).


92

Para Uriarte (2002, p. 60), as novas tecnologias geram a possibilidade de introduzir novas formas de organização do trabalho, crescendo a importância do conhecimento na produção e no trabalho. Continua dizendo que um modelo alternativo do direito do trabalho e de relações de trabalho atento às necessidades de adaptação flexível às novas tecnologias, sem desproteger o trabalhador, poderia conter os seguintes elementos:

continuidade da relação individual de trabalho, formação profissional e mobilidade funcional, redução e flexibilidade do tempo de trabalho, liberdade sindical e negociação coletiva, rede de previdência social ou de mecanismos de proteção social e de inclusão, acompanhados de uma inevitável re-regulamentação internacional. (2002, p. 60 – grifo do autor).

Esse processo de reregulamentação internacional já foi iniciado por meio de uma dimensão regional, tanto pela União Européia quanto pelo Mercosul, e de uma dimensão extranacional, em especial por normas internacionais do trabalho, declarações e pactos de direitos humanos – inclusive direito dos trabalhadores, cláusulas sociais e outros. Esses mecanismos não tratam de substituir os direitos e sistemas nacionais, pelo menos no médio prazo, mas de os sobrepor, convivendo e interagindo com eles. (URIARTE, 2002, p. 63). O ponto de partida já foi proposto, que seria a base legal mínima que proteja direitos fundamentais dos trabalhadores. Nesse sentido, Barreto119 diz que o estágio embrionário em que se encontra o Mercosul exige uma preocupação com os direitos fundamentais, como sendo a formalização jurídica dos valores da democracia e de construção de uma sociedade justa, referidos no texto do Tratado de Assunção. Os direitos fundamentais encontrados nos tratados e acordos internacionais não são suficientes para que se possam projetar as características e possibilidades da construção de uma ordem política comum aos países da região. (1999, p. 153). As constituições dos países integrantes do Mercosul já consagram direitos fundamentais. Além disso, os países que o constituem já assinaram a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – o Pacto de San José da Costa Rica (1969). Esses tiveram como princípios fundamentais a aceitação do regime

119

O primeiro obstáculo para a construção da comunidade latina é a incorporação de direitos fundamentais – fundamentos de uma ordem jurídica democrática – “ao quadro normativo nacional dos países participantes e, principalmente, como esses direitos são interpretados pelo poder judiciário”.(BARRETO, 1999, p. 153).


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democrático, do regime da liberdade pessoal e de justiça social, fundados nos direitos essenciais do homem. (BARRETO, 1999, p. 156). Constata-se, pois, que já existem várias formas de regulação internacional das relações trabalhistas internacionais. Um modelo regional passaria por uma reregulamentação de todos os mecanismos internacionais de proteção de direitos humanos sociais, no sentido de sua ampliação.

3.2.1 Reregulamentação

Uma proposta de reregulamentação120 passa pela análise crítica de todos os planos abordados e esmiuçados já referidos neste trabalho. Surgem questionamentos de toda ordem, tais quais se essa é uma proposta globalizante ou regional, que segue um modelo de ordem inter ou supranacional, o qual prevê a supressão ou libertação de algum dos atores sociais, resguarda os direitos sociais com normas programáticas ou implementáveis de imediato; se será um modelo de proteção mínimo ou máximo e, por fim, se somente protege o trabalhador ou lhe confere a possibilidade de superar a exploração em formas alternativas. Para Uriarte, a globalização e a regionalização fazem parte de um processo no qual o alcance dos Estados nacionais e de suas instituições (direito, governo), assim como de todas as instituições estritamente nacionais (sindicatos nacionais), reduz-se persistentemente; é, portanto, indispensável “re-regulamentar” o nível em que se travam as relações e onde efetivamente residem os fatores de poder. (2002, p. 64). Ora, se esses blocos econômicos surgem em resposta à desregulação, impreterivelmente, terão como papel principal reregulamentar direitos, inclusive, e principalmente, dos trabalhadores no âmbito regional. Uma das iniciativas de reregulamentação significa opor-se à lex mercatoria, entendida como conjunto de normas acordadas explícita ou implicitamente pelos grandes agentes econômicos, com independência dos poderes públicos, para regular suas relações recíprocas, para regrar suas relações com os Estados abertos e para determinar as políticas destes.

120

Conforme Uriarte (2001, p. 83), as razões apontadas como motivadoras de uma reregulação internacional são: a) inanidade dos sistemas nacionais de relações trabalhistas e, em especial, da sua rede normativa; b) legislações nacionais menos eficazes para regular fenômenos que se desenvolvem ou têm causa em outro nível; c) situações como precarização e exclusão; d) desenvolvimento de relações trabalhistas supranacionais.


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(CAPELLA, 2002, p. 270), enfim, garantir que a política estatal não esteja “aberta” para essa intervenção “alienígena”. Conforme Capella:

O direito econômico dos estados abertos, ainda sendo muito extenso, passa a uma posição de Segunda Ordem ou residual: uma parte do novo direito econômico e tecnológico, etc., é o auto-imposto pelo soberano difuso em forma de nova lex mercatoria supra-estatal. O direito estatal recebe esta lex mercatoria e a instrumenta mediante normas próprias quando isso é necessário. (2002, p. 266).

Outra iniciativa é trazida por Antunes, o qual diz que uma vida cheia de sentido em todas as esferas do ser social somente será efetivada sobre bases inteiramente novas, a partir de uma atividade vital cheia de sentido, autodeterminada, onde possa se desenvolver uma nova sociabilidade, na qual a ética, a arte, a filosofia, o tempo verdadeiramente livre e o ócio, a liberdade e a necessidade se realizem mutuamente. Se o trabalho se torna dotado de sentido, por meio da arte, da literatura, da música, do tempo livre, do ócio, o ser social poderá humanizar-se e emancipar-se no seu sentido mais profundo. (2005, p. 65). No caso, dá-se um novo sentido para o trabalho. As iniciativas têm de passar pela reregulamentação do direito para uma concepção dialética. Lyra Filho propõe que, “para uma concepção dialética do Direito, teremos de rever, antes de tudo, a concepção dialética da sociedade, onde o Estado e o direito estatal são, a bem dizer,

um

elemento

não

desprezível,

mas

secundário”.

(LYRA

FILHO,

1982,

p. 65). Busca-se no processo histórico-social o aspecto peculiar da práxis jurídica como algo que surge na vida social, logo, fora dela não tem qualquer fundamento ou sentido. O fator humano de legislar está presente e deve ser considerado no mesmo sentido de progressividade até agora exposto. Exatamente nesse sentido, Russomano afirma que “a preocupação do legislador se movimenta, ao redigir normas trabalhistas, segundo o conhecido princípio da progressão racional: primeiro o urgentemente indispensável; depois, o necessário; mais tarde, o supérfluo ou secundário” (1998, p. 41). Outra alternativa está na constatação de que a Carta Social da União Européia e a Declaração

Sócio-Laboral

do

Mercosul

não

fazem

menção

a

mecanismos

de

condicionamentos em relação a terceiros, mas somente a relações internas do bloco. (URIARTE, 2001, p. 86). Essa poderia ser uma alternativa para a reregulamentação para um modelo regional, ou seja, dotar o modelo de mecanismos de condicionamento de terceiros.


95

Esse sistema internacional de relações trabalhistas exige uma rede normativa internacional no nível de desenvolvimento dos fenômenos que regula, por meio de instrumentos como convenções internacionais, pactos, declarações de direitos humanos, cartas sociais, cláusulas sociais e outros. (URIARTE, 2001, p. 83). Para Uriarte, o redimensionamento dos atores sociais no mundo do trabalho leva à constatação de que é “indispensável re-regulamentar o nível em que se travam as relações e onde efetivamente residem os fatores de poder”. (2002, p. 63). Os fenômenos de integração, sejam a regionalização, como é o caso do Mercosul, seja a globalização, buscam a criação de um aparato supranacional com possibilidade de versar sobre os mais variados temas e produzir efeitos inclusive no âmbito nacional. Piovesan, tratando sobre o Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos (2000, p. 19), afirma se que fortalece a idéia de que a proteção dos direitos humanos não deve se restringir ao domínio do Estado, mas também permitir formas de monitoramento e responsabilização internacional no caso de violação, assim como há a cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera internacional, em virtude de sua condição de sujeito de direitos. Outro desafio do modelo regional, para Barreto (1999, p. 152), será de que o Mercosul ordene diferentes vocações políticas e culturais, tornando-se imperativo que se encontre um patamar normativo comum que possibilite a convivência de diferentes culturas cívicas, uma vez que suas razões extrapolam os objetivos econômicos de inserção no mercado internacional, de uma economia latina até então “excluída”, para uma análise mais abrangente de um sistema econômico com justiça social. Refere ainda Piovesan (2000, p. 24) que os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas complementares121. As duas sistemáticas podem ser conciliáveis numa base funcional, pois o conteúdo normativo de ambas é similar e fundado da Declaração Universal de Direitos Humanos. O instrumento global tem um standart normativo mínimo, ao passo que o instrumento regional deve ir além, adicionando e complementando direitos, adequando-os às peculiaridades regionais. O que importa é o grau de eficácia da proteção que deve ser aplicada à norma que no caso concreto melhor proteja a pessoa humana.

121

Cabe salientar que a sistemática internacional funciona como uma garantia adicional de proteção, já que desempenha um papel de monitoramento internacional, instituindo mecanismos de responsabilização e controle, acionáveis quando o Estado se mostra falho ou omisso na tarefa de implementar direitos e liberdades fundamentais. (PIOVESAN, 2000, p. 26).


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Ainda há a alternativa de tratar o direito internacional como vinculante a partir do conceito do jus cogens.122 De toda forma, as declarações e pactos sobre direitos humanos formam parte do patrimônio jurídico da humanidade e pode-se considerá-os parte do jus cogens, ou seriam meras declarações éticas de princípios e bons propósitos. (URIARTE, 2001, p. 86). Considerá-los como pertencentes ao jus cogens, ou um aparato internacional de proteção internacional e supranacional, colabora na compreensão de um modelo regional com perspectiva de proteção universal, servido dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos de âmbito global. Nesse sentido, Lyra Filho entende que “o Direito não se limita a aspecto interno do processo histórico. Ele tem raiz internacional123, pois é nesta perspectiva que se definem os padrões de atualização jurídica, segundo os critérios mais avançados”. (1982, p. 100). Diz ainda que “os princípios de autodeterminação dos povos e as soberanias nacionais (que, aliás, o imperialismo a todo instante ofende escandalosamente) não impedem a atuação, até, das sanções internacionais, na hipótese das mais graves violações do Direito”. (p. 100). Para Lyra Filho (1982, p. 12), dogmática ocorre quando o direito é reduzido à pura legalidade, o que representaria uma dominação ilegítima e o qualificaria como uma pseudociência. Como bem refere Piovesan (1997, p. 332), o aparato internacional permite intensificar as respostas jurídicas de casos de violação de direitos humanos e, conseqüentemente, ao reforçar a sistemática de proteção de direitos, o aparato internacional permite o aperfeiçoamento do próprio regime democrático. Não obstante, a reregulamentação para alcançar um modelo regional de proteção dos direitos humanos passa por uma análise menos dogmática do direito, assim como pela inovação dos mecanismos de dimensionamento das relações trabalhistas. Esse modelo precisa ser analisado em relação aos campos de efetividade e aplicação, uma vez que se trata de normas internacionais conjugadas com normas constitucionais internas.

3.2.2 Efetividade e aplicação

122

Segundo Russomano, “o ponto final dessa evolução há de ser o princípio do primado do Direito das Gentes sobre leis internas. Tese polêmica, pode, não obstante, dar às normas internacionais maior eficácia”. (1998, p. 48). 123 A respeito das normas internacionais possuírem vida dupla, Uriarte refere que “possui independência por pertencer ao plano internacional; mas também está integrada ao direito interno das nações”. (2005, p. 01).


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O Mercosul poderia preencher uma lacuna histórica de um sistema regional de proteção com proteção efetiva de direitos sociais ou coletivos e que expandisse o elenco de direitos garantidos. Se existe a inter-relação, indivisibilidade ou complementaridade dos direitos humanos, é preciso evoluir para a identificação, no plano normativo, de um núcleo comum universal de direitos fundamentais inderrogáveis. Primeiramente, cumpre referir que numa Reunião de Ministros da Justiça do Mercosul iniciou-se a cooperação jurisdicional, com o Protocolo de Cooperação em Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa (Protocolo de Las Leñas). (SEITENFUS, 1997, p. 220). Essa assertiva contribuiu para o estreitamento dos laços de integração jurídica. Para Beltran, o Tratado de Assunção enumera como princípios: gradualidade, em relação ao ajustamento dos Estados; flexibilidade, em relação ao procedimento e velocidade da integração; equilíbrio, em relação à aplicação das regras do tratado em relação aos Estados. (1998, p. 163). Portanto, esses devem ser observados na compreensão do processo em análise. Em relação à interpretação das já trabalhadas normas internacionais de integração, refere Piovesan que “a interpretação a ser adotada no campo do Direito dos direitos humanos é a interpretação axiológica e teleológica, que conduza sempre à prevalência da norma que melhor e mais eficazmente proteja a dignidade humana”. (2000, p. 26). Segundo Trindade (1997, 394), a ausência de hierarquia entre os diferentes mecanismos de proteção seja global ou regional deve-se à própria evolução histórica desses mecanismos como resposta a distintas violações de direitos humanos.124 Para Barreto:

O problema central na incorporação dos direitos humanos como base da integração não somente econômica, mas também política dos países da região reside nas dificuldades que se encontram no estabelecimento de uma hierarquia constitucional no qual se reconheçam os direitos humanos como constitutivos da ordem constitucional. (1999, p. 157).

124

Segundo Barreto, “a integração dos direitos humanos na futura estrutura comunitária dos países do Mercosul é consequência da própria organização política adotada pelos mesmos”. (1999, p. 158).


98

A concepção de que um Estado legítimo deve ser um Estado democrático sustenta certos valores comuns e é o caminho teórico para se analisar os direitos humanos como fundamentos de uma ordem política regional no Mercosul. (BARRETO, 1999, p. 158).125 A implementação do novo modelo de proteção dos direitos humanos dos trabalhadores no Mercosul passa pela análise de todos os planos até encontrar a efetividade do cotidiano do trabalhador, quais sejam os planos global, regional e nacional. a) Plano global No plano global estão os pactos e declarações da ONU, em especial do seu órgão especializado em direitos sociais, a OIT. Esses precisam avançar na inclusão de mais direitos protegidos pela aplicabilidade imediata, com mecanismos de acionamento coletivo direto pelas organizações não governamentais. Além dos direitos de “aplicabilidade imediata” (os já citados direitos sindicais, de igualdade de remuneração por trabalho igual, entre outros direitos sociais e culturais), existem outras formulações doutrinárias, que seriam as obrigações distintas (de respeitar, de proteger, de assegurar, de promover), e os “componentes justiciáveis” dos direitos econômicos, sociais e culturais. (TRINDADE, 1997, p. 381). Os direitos com componentes justiciáveis seriam identificados como o direito à educação primária, à moradia adequada, à saúde e outros, como o da não-discriminação. Este último ganhou completa implementação do tocante aos direitos civis e políticos, mas já existem decisões do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre uma proteção mais eficaz dos direitos econômicos, sociais e culturais, pela aplicação da cláusula de nãodiscriminação consagrada nos tratados de direitos humanos (a exemplo do artigo 26 do Pacto de

direitos

Civis

e

Políticos

das

Nações

Unidas).

(TRINDADE,

1997,

p. 382). Cabe citar na íntegra os exemplos trazidos pelo autor:

[...] em dois ou três casos holandeses relativos à previdência social, concluiu o Comitê de Direitos Humanos que havia ocorrido uma violação da cláusula de não-discriminação no artigo 26 do Pacto de Direitos Civis e Políticos: nos casos Zwaan de Vries versus Holanda e Broeks versus Holanda (ambos de 1987), as queixas voltavam-se à legislação holandesa que negava às mulheres casadas certos benefícios de desemprego, que eram concedidos a 125

Diz Barreto ainda que “o princípio de que a natureza, a forma e o exercício do poder político são partes de um processo legitimados, que deverá ser objetivado num sistema jurídico que assegure direitos básicos comuns aos cidadãos”. (1999, p. 158).


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mulheres solteiras e a todos os homens (casados ou não). O Comitê ponderou que o artigo 26 do Pacto não exigia dos Estados a adoção de legislação sobre previdência social, mas quando tomava o Estado a iniciativa de adotá-la, devia esta cumprir com o artigo 26 do Pacto. Desse modo, entendeu o Comitê que a cláusula de não-discriminação no artigo 26 do Pacto de Direitos Civis e Políticos também se aplicava em relação ao gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais. (1997, p. 384).

Para Trindade (1997, p. 385), outros direitos civis e políticos podem abrir caminho para uma proteção mais eficaz dos direitos sociais ou coletivos, como, por exemplo, o direito à privacidade e à vida familiar e o próprio direito fundamental à vida. Inclusive, no Pacto de Direitos Civis e Políticos existem direitos com relevância para o gozo dos direitos sociais ou coletivos, como os atinentes à igualdade perante a lei (artigo 26), o direito de acesso indiscriminado aos serviços públicos e o direito à vida, abarcando o direito a condições dignas de vida. No tocante à interpretação do pacto, as expressões como “denegações” ou “nãoobservância” deveriam substituir o termo “violações”, por se ajustar aos direitos sociais ou coletivos; ainda, a expressão “vítima” poderia ser substituída por “detrimento”, para serem alcançados outros patamares de proteção. (TRINDADE, 1997, p. 386). Para uma proteção mais eficaz dos direitos econômicos, sociais e culturais caberia “endossar o enfoque das 'violações' desses direitos, de modo a estabelecer um padrão no cumprimento das obrigações nessa área e fomentar a formação de uma jurisprudência internacional que favoreça o monitoramento desses direitos”.(p. 389). Para aplicar esse enfoque tem-se sugerido categorizar possíveis violações, tais quais: a) atos ou atividades dos Estados violatórios das normas do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ou leis ou práticas que criem condições antagônicas à realização dos direitos nele consagrados; b) violações relativas a padrões de discriminação em violação do Pacto; c) violações resultantes de falhas em cumprir as obrigações convencionais mínimas. (TRINDADE, 1997, p. 389). Nas Nações Unidas, há que ser adotado, e entrar prontamente em vigor, um sistema de petições ou reclamações ou denúncias em relação a determinados direitos. Ainda, há que se aperfeiçoar o sistema de relatórios para alcançar um maior equilíbrio na implementação internacional dos direitos humanos. (p. 397). Os pactos e declarações de direitos humanos da ONU levantam a discussão sobre a eficácia desses instrumentos, que, a rigor, dependem de ratificação pelos Estados para conferir-lhes eficácia jurídica concreta. Por outro lado, afirma Uriarte que “os direitos


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humanos reconhecidos como tal pela comunidade internacional [...] integram a ordem pública internacional e, portanto, gozam de imperium além de todo ato de ratificação, convalidação ou recepção nacional” (2001, p. 84). O mesmo se poderia dizer das declarações e cartas americanas, ainda que circunscritas ao plano hemisférico. (p. 84). Segundo o autor, para visualizar esses pactos, tratados e declarações de direitos humanos como normas jurídicas, fontes do direito positivo, a primeira forma é a que considera que são de aplicação obrigatória pela superioridade do direito internacional, tese controvertida entre os aplicadores do direito nacional, mas consenso entre os jusinternacionalistas. A segunda forma é a de que os tratados internacionais que estão sujeitos à ratificação dependem de ratificação para aplicação, porém aqueles que não estão sujeitos à ratificação não dependem desta para serem aplicados (como a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948), regra máxima do direito internacional nem sempre observada na aplicação no direito nacional. (2004, p. 286). Esta última interpretação de que normas internacionais não sujeitas à ratificação têm aplicabilidade no direito nacional é o que se chama de jus cogens, ou ordem pública internacional, que seria um conjunto de bases mínimas da convivência internacional. Esta tese está reconhecida na Declaração de Viena de Direito dos Tratados, art. 53, assim como na jurisprudência da Corte Internacional de Justiça – Corte de Haia – e da Corte Interamericana de Direitos Humanos de São José da Costa Rica, que reconhece como integrantes do jus cogens126 os tratados e declarações de direitos humanos, os princípios gerais do direito e os costumes internacionais (as declarações não ratificáveis são uma simples consolidação dos constumes internacionais). (URIARTE, 2004, p. 287). Os critérios de interpretação ou integração de normas internacionais de direitos humanos são os seguintes:

- princípio da aplicação direta ou a presunção de aplicabilidade das normas que reconhecem direitos fundamentais; - interpretação mais favorável à pessoa humana, que é titular do direito, ou interpretação favorável a potencialização do direito, ao exercício do direito, pois se tratam de direitos fundamentais, essenciais; - independência dos tratados, as normas internacionais formam parte de um conjunto e é possível uma interpretação que complemente uma com outra; - norma mais favorável ao exercício do direito da pessoa humana; 126

O jus cogens, ou ordem pública internacional, do qual nenhum Estado ou nenhuma pessoa pode fugir, é basicamente a boa-fé nas relações internacionais, o pacta sunt servanda, cumprimento da palavra empenhada, que é uma variante da anterior, e os direitos humanos.


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- conformidade com a jurisprudência dos órgãos internacionais encarregados do controle das normas. (URIARTE, 2004, p. 287).

O direito constitucional dos países civilizados forma parte de um círculo virtuoso, uma vez que se alimenta de normas internacionais e abre espaço para a incorporação de outros direitos e, assim, compõe os princípios gerais do direito internacional. (URIARTE, 2004, p. 287). Para Piovesan (2003, p. 243), a proteção internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais passa pelos seguintes desafios: a) consolidar, fortalecer e ampliar o processo de afirmação desses direitos como direitos humanos; b) criar políticas específicas para a tutela desses direitos mediante a especificação de sujeitos de direitos; c) assegurar a participação da sociedade civil no processo de elaboração dos relatórios previstos no Pacto Adicional de Direitos da Convenção Americana; d) assegurar a visita de relatores especiais sobre temas afeitos a esses direitos; e) adotar um protocolo facultativo ao Pacto Adicional, que introduza o sistema de petição para a tutela desses direitos, bem como fomente a elaboração de indicadores técnico-científicos para avaliar o cumprimento e observância desses direitos; f) incorporar a agenda social de direitos humanos nas organizações e instituições econômicas regionais e globais. Piovesan afirma:

Em suma, para a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais, emerge o desafio da construção de um novo paradigma, pautado por uma agenda de inclusão, que seja capaz de assegurar um desenvolvimento sustentável, mais igualitário e democrático, nos planos local, regional e global. Ao imperativo da eficácia econômica deve ser conjugada a exigência ética de justiça social, inspirada em uma ordem democrática que garanta o pleno exercício dos direitos humanos. (2003, p. 261).

Em relação à aplicação dessas normas internacionais, para Uriarte (2004, p. 286), algumas normas internacionais têm vida dupla, têm independência, mas integram a Constituição também. Essas normas internacionais em matéria de direitos humanos trabalhistas eram emanadas somente pela OIT. Enfim, precisa-se avançar nos modelos de interpretação dos pactos internacionais de proteção dos direitos humanos no âmbito global, assim como de seus mecanismos de


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acionamento. Assim, desempenhariam um importante papel, conjuntamente com os aparatos regionais de proteção. b) Plano regional No plano regional, seja por meio do direito da integração, seja pelo comunitário, existem mecanismos importantes de proteção de direitos humanos, como as “cartas sociais” e as “cláusulas sociais”, além, é claro, das normas supranacionais presentes simplesmente no modelo comunitário. As cartas sociais, de que são exemplo a Carta Social Européia e, de certa forma, a Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, precisam ser cumulativas e prever sanções. Neste caso, somente quando as sanções forem econômicas e se vincularem com o comércio internacional, a carta social poderá funcionar como cláusula social. Essas cláusulas deverão dirigir-se aos governos que reconheçam direitos subjetivos de cidadãos. As sanções poderão ser observações, recomendações, multas, cancelamento ou supressão de benefícios, além de sentenças declarativas ou consultivas, no caso de existir um tribunal ou corte inter ou supranacional. (URIARTE, 2001, p. 86). A cláusula social pode remeter ao controle do cumprimento do acordado de toda ou de parte das legislações nacionais. Destaca-se a inevitabilidade deste mecanismo ou de mecanismos alternativos para evitar o referido dumping social. (URIARTE, 2001, p. 87). No plano regional, um exemplo de implementação está na proteção devida às garantias do devido processo legal (a exemplo do artigo 6 da Convenção Européia de Direitos Humanos), estendida aos direitos sociais ou coletivos. A Corte Européia de Direitos Humanos reconheceu, no caso Ayres versus Irlanda (1979), o direito de assistência judiciária gratuita com uma dimensão social do direito a um processo justo. (TRINDADE, 1997, p. 384). Por outro lado, a Comissão Interamericana destacou que a década de 1980 era tida como “década perdida” no plano econômico-social para os países latino-americanos, em razão do agravamento da crise econômica, do endividamento externo, do empobrecimento, que afetam consideravelmente os direitos sociais ou coletivos. Em seu relatório anual de 19921993, a mesma comissão conclui que “a situação econômico-financeira por que vem passando o hemisfério torna ‘muito difícil’ que os Estados cumpram cabalmente o estabelecido pelos instrumentos internacionais de proteção”. (COMISSÃO INTERAMERICANA apud TRINDADE, 1997, p. 371).


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A Convenção Interamericana estabelece um aparato de monitoramento e implementação dos direitos que enuncia, integrado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana. (PIOVESAN, 2000, p. 32). O mecanismo de implementação compreende o sistema de relatórios, com o sistema de petições ou comunicações individuais, reservado ao direito de associação e liberdade sindical e ao direito à educação. (TRINDADE, 2000, p. 139). Segundo Beltran (1998, p. 358), os órgãos existentes no Mercosul para tratar das questões trabalhistas e questões sociais são o Subgrupo de Trabalho n. 10 e o Foro Consultivo Econômico-Social. O Mercosul lançou mão apenas de uma Declaração Sociolaboral com tratamento dos direitos sociais de normas programáticas. Para Seitenfus, sendo o Mercosul uma organização de natureza intergovernamental, a “vigência das regras resultantes do funcionamento das instituições com poder decisório depende da internalização dessas decisões pelas ordens jurídicas internas dos Estados partes”. (1997, p. 221). Para Hohnerlein, “um aperfeiçoamento da efetividade da proteção dos direitos fundamentais sociais poderia resultar da vinculação com o direito comunitário supranacional”. (2003, p. 299). Dessa forma, haveria avanços significativos na elevação do Mercosul ao patamar de comunidade internacional se garantidos os direitos humanos por instituições políticas dotadas dos poderes supranacionais necessários à implementação imediata de reclamações coletivas ou individuais; se o Mercosul estendesse às instituições já existentes, como o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a proteção idêntica entre direitos sociais e individuais, isso sem falar na proteção por meio de mecanismos marcadamente regionais já existentes, como a Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, dotando-a de instituições políticas eficazes e de mecanismos de implementação imediata. c) Plano nacional Para alcançar o plano nacional um longo caminho foi percorrido. Toda essa análise teve o objetivo de aproximar os direitos humanos ao cotidiano dos trabalhadores. É preciso analisar formas de implementação e de internalização dos tratados internacionais nas ordens nacionais para garantir sua efetividade. Conforme Uriarte, “a Constituição é a norma jurídica de mais alta hierarquia, onde constam os direitos fundamentais, aos quais ninguém renuncia, a parte que estamos


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reservando para todos nós neste pacto de vida em comum” (2004, p. 285). Portanto, tem de haver a máxima eficácia, pois não está posto à casualidade. A tendência do direito moderno é o princípio da aplicação direta das normas constitucionais ou a presunção de autoaplicação.127 (p. 285). Em suma, sobre o significado e efeitos da constitucionalidade dos direitos trabalhistas, pode-se dizer:

1º - importância e valorização dos direitos trabalhistas reconhecidos na Constituição; 2º - alta hierarquia da ordem jurídica nacional; 3º - são de aplicação imediata, direito auto-aplicáveis; 4º - estão supra-ordenados ao legislador ordinário. [...] Por isso mesmo podem funcionar como limite a desregulação e à flexibilização. (URIARTE, 2004, p. 285).

Como expõe Uriarte (2004, p. 282), as convenções internacionais do trabalho são normas jurídicas e formam parte do instrumental do jurista. Quase todas as reformas constitucionais da América Latina da década de 1990 incrementaram o número de direitos trabalhistas reconhecidos como direitos fundamentais ou direitos humanos. Sendo essas normas supra-ordenadas, podem ser importantes instrumentos para barrar a flexibilização e a desregulação. Ainda, conforme Uriarte quase todas as constituições modernas latino-americanas contêm um dispositivo que amplia enormemente o número de direitos humanos. Em algumas, os tratados de direitos humanos formam parte da constituição, ao passo que em outras, existe a remissão genérica, aberta, de que a enumeração de direitos da constituição não exclui outros direitos inerentes à personalidade humana reconhecidos nas grandes declarações e pactos de direitos humanos da comunidade internacional. Afirma o autor que, “em matéria de direitos humanos, há um conjunto de normas consagratórias de direitos fundamentais, com conteúdo diretamente constitucional, e outras constitucionalizadas, ainda que de origem internacional”. (2004, p. 284). Tavares refere-se ainda a uma eficácia horizontal dos direitos humanos, que significaria, sem prejudicar a eficácia vertical, tradicionalmente conferida aos direitos civis e políticos, uma incidência dos direitos humanos no âmbito das relações sociais, entre os

127

De que é exemplo o art. 5º, par. 1º, da Constituição brasileira, o qual estabelece que as normas da Constituição que definem direitos e garantias fundamentais são de aplicação imediata. A Constituição uruguaia vai além, definindo que essas normas não podem ser escusadas de aplicação, mesmo que incompletas, quando deve ser lançado mão dos princípios gerais, das doutrinas mais recebidas para completar a norma.


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próprios particulares. Trata-se da eficácia privada dos direitos consagrados ao homem. (2003, p. 47). Em relação a um direito do Mercosul já existem exemplos de tentativas de aplicação efetiva. No tocante à vigência dos tratados e acordos assinados com Estados associados, é exemplo o Brasil, que ratificou os princípios que regem o mecanismo de aprovação e vigência dessas normas internacionais que derivam do Mercosul e aplicou-os a casos concretos, através do Supremo Tribunal Federal, num caso de extradição, assim como em casos de cooperação em matéria processual. No tocante a normas nacionais ditadas em conseqüência de normas do Mercosul, é exemplo o Paraguai, relativo à matéria de controle integrado de fronteiras e matéria de validade e alcance dos atos ditados em sua conseqüência. (MERCOSUR, 2005, p. 194). Segundo Uriarte, a Constituição brasileira de 1988 contém válvulas de escape flexibilizadoras, pelas quais se permite flexibilizar, por convenção ou acordo coletivo, a jornada e o salário. Tem havido também um desenvolvimento importante da flexibilidade coletiva, que em muitas vezes “excede os limites constitucionais e gera, por isso, problemas de licitude”. (2002, p. 36). Uriarte (2004, p. 02), ao tratar do tema da “Aplicação judicial das normas constitucionais e internacionais sobre os direitos humanos trabalhistas”, afirma, numa de suas conclusões, a necessidade de superação da velha oposição entre monismo e dualismo, que envolvia a discussão entre prevalência da ordem internacional sobre a nacional, ou o contrário. Na medida em que a Constituição remete a tratados internacionais, como ocorre no art. 5º, par. 2º, a discussão torna-se obsoleta.128 Conforme o art. 60, par. 4º, inciso IV, da Constituição brasileira, os direitos e garantias individuais não são objeto de emenda. Este dispositivo referente às cláusulas pétreas remete ao princípio da “vedação ao retrocesso social”, visivelmente atingido pela matéria em estudo. Para Eros Roberto Grau (apud COUTINHO, 2003), o normativismo constitucional revolucionário e a programaticidade constitucional (vinculação do legislador à constituição) estão sobrepostos, já que a eliminação do primeiro não significa a necessária eliminação da idéia de constituição dirigente – defendida por Canotilho. Por outro lado, defende que a vinculação do legislador é condição indispensável para a conservação da República. Parece

128

Esse comentário refere-se à interpretação do par. 2º, do art. 5º da Constituição brasileira antes da reforma provinda da emenda n. 45.


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que essa posição de abandono da possibilidade de normativismo constitucional revolucionário está presente na reforma da constituição. O dispositivo brasileiro (art. 5º, par. 2º, antes da emenda constitucional n. 45) gerava a situação de que a Constituição estaria “grávida” de normas internacionais de direitos humanos. Neste caso, quando os juízes aplicam um desses tratados internacionais, não estão aplicando direito estrangeiro, direito internacional, mas direito nacional. (URIARTE, 2004, p. 284). Uma boa estratégia de efetividade dos direitos humanos dos trabalhadores através do aparato nacional seria, justamente, estabelecer normas abertas, pelas quais os tratados internacionais sobre direitos humanos tivessem aplicabilidade imediata, com status constitucional, tal qual o par. 2º reformado da Constituição brasileira, que não chegou a lograr a interpretação que inspirou o legislador. Uma cláusula aberta possibilitaria jogar ao campo de atuação do Mercosul a proteção efetiva dos direitos humanos dos trabalhadores abrangidos em seu âmbito da América Latina. Cabem, por fim, algumas importantes constatações e idéias trazidas pelos autores neste trabalho. Nas conclusões ou propostas de Uriarte:

- a constituição é norma máxima da ordem jurídica nacional, deveria ter mais eficácia, deveria ser sempre de aplicação direta pelo juiz, inclusive as normas internacionais constitucionalizadas (seja por reforma constitucional ou outro procedimento previsto na constituição); - as normas internacionais sobre direitos humanos são da máxima hierarquia, são de aplicação direta e formam parte das constituições, e também formam parte de uma ordem pública internacional, do jus cogens; - universalização dos direitos humanos, não são um problema do direito internacional, do direito interestados, internações, é um problema universal. Um problema da espécie humana, portanto carente de uma evolução da internacionalidade à universalidade desses direitos; - superação da antinomia, da oposição jusnaturalismo e positivismo, pois encontramos uma remissão a direitos próprios da pessoa humana no direito positivo; - superação da oposição entre monismo e dualismo. A ordem jurídica é uma só; - indisponibilidade dos direitos humanos, supra-ordenado à lei ordinária, é intangível, não é alcançável pelo legislador infraconstitucional. Constitui um limite a desregulação, à flexibilização, e permite tentar uma reconstrução do Direito do Trabalho, tendo como base essas normas de ordem pública internacional e de ordem pública constitucional; - reconstrução conceitual, doutrinária e jurisprudencial. (2004, p. 287).


107

A reconstrução conceitual consiste na necessidade de se desenvolver um pensamento fundado em direitos, proposta pela economista Amartya Sen, a qual afirma que, “se a essência da ordem pública internacional e de nosso Direito Constitucional são esse elenco de direitos humanos fundamentais, então, esse é o coração do Direito, e nosso raciocínio tem de partir daí e potencializar isso”. (apud URIARTE, 2004, p. 291). Segundo Trindade, “o reconhecimento da dimensão social dos direitos humanos, a partir do próprio direito fundamental à vida, abre amplas possibilidades no combate à pobreza extrema mediante a afirmação e vigência dos direitos humanos”.(1997, p. 386). O empobrecimento constitui um grave atentado aos direitos humanos. Para Seitenfus:

Deve-se esperar que o século que se inicia não se transforme numa vitória definitiva do egoísmo sobre a solidariedade. É preciso decodificar os fatores da globalização para que estes elementos que romperam as barreiras da distância para uma parte privilegiada dos seres humanos. A capacidade de criar, de comunicar e de interagir deve ser posta a serviço de um novo humanismo, cuja construção é urgente. (1999, p. 177).

É importante ressaltar que a evolução dos direitos humanos provém da reivindicação de direitos, os quais se articulam como verdadeiros direitos a partir da formação de uma consciência social nesse sentido, atribuindo um valor fundamental (além de considerações programáticas). Os avanços ocorrem se contam com o concurso de todos – instituições públicas e sociedade civil – e, de modo especial, dos poderes Legislativos e Judiciário, tratando-os como verdadeiros direitos. (TRINDADE, 1997, p. 389). O caminho da exigibilidade e da justiciabilidade está na identificação dos direitos de aplicabilidade imediata com seus componentes justiciáveis, na identificação das distintas obrigações mínimas – de respeitar, proteger, assegurar e promover – e no entendimento da proibição da discriminação a todos os direitos humanos. (TRINDADE, 1997, p. 396). Os jusinternacionalistas devem seguir na “exploração de vias que propiciem assegurar a esses direitos a mesma proteção de que hoje desfrutam os direitos civis e políticos, condizente com a tese da indivisibilidade de todos os direitos humanos”. O fenômeno que hoje se testemunha é o “da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados,

consoante

uma

visão

humanos”.(TRINDADE, 1997, p. 390).

necessariamente

integrada

de

todos

direitos


108

Por fim, Seitenfus afirma que “o próximo século certamente verá nascer uma verdadeira e profunda cooperação econômica nas Américas, formando, com a política e a segurança, o tripé das organizações internacionais no Novo Mundo”.(1997, p. 222). Já Comparato defende que

a reversão desse clima desfavorável à vivência dos direitos humanos, na América Latina, só pode iniciar-se, a meu ver, com o estabelecimento de um processo – necessariamente lento e não isento de percalços – de instituições adequadas de democracia participativa. (1989, p. 43).

Nas lições de Lyon-Caen, pode-se tratar “o Direito do Trabalho como disciplina que legaliza a exploração capitalista”, cloroformizando “a ação operária”, ou, então, “o direito do trabalho como disciplina que supera a luta de classes e põe termo à questão social, através de normas tutelares”. Lyra Filho rejeita ambas as concepções, admitindo que a legislação trabalhista, nos países onde impera o capitalismo, mistura esses dois aspectos justamente em suas contradições. (apud LYRA FILHO, 1982b, p. 16). Isso, somado à contribuição de Dalmo Dallari, de que “o direito usado para dominação e injustiça é um direito ilegítimo, um falso direito” (apud LYRA FILHO, 1982, p. 32), leva à reflexão sobre a possibilidade de alternativas para um novo direito do trabalho. Segundo a teoria crítica, de Luiz Fernando Coelho (2000, p. 544), o direito do trabalho representa uma ruptura com o direito comum, porque, ao assumir a desigualdade real da sociedade, contesta o princípio da igualdade formal, fundamento de todo sistema de direito positivo liberal e racionalista, e propõe como tese basilar sua reorientação para uma função transformadora das estruturas sociais e a sua auto-superação como ordem de proteção. Isso implica o seu desaparecimento, na medida em que as conquistas trabalhistas tornam desnecessária sua intervenção no sistema geral do direito positivo. A posição de Coelho parte da ruptura do direito como instrumento de dominação e, por outro lado, reconhece o direito do trabalho como meio de proteção no sistema atual. Encaminha um conceito abolicionista do direito do trabalho, na medida em que as transformações sociais atinjam um grau avançado e a sua auto-superação como ordem de proteção torne o direito do trabalho desnecessário.


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As posições expostas avançam no sentido de garantir aos trabalhadores da América Latina um novo direito do trabalho, que proteja os direitos sociais de forma efetiva através de uma comunidade regional: o Mercosul.

3.3 Síntese do capítulo

Cabe conferir aos direitos humanos sociais o mesmo tratamento de outros direitos humanos, uma vez que são complementares; a proteção parcial de nada adianta. Primeiramente, é preciso encarar os direitos sociais como dotados de aplicabilidade imediata com base num novo sentido dado ao trabalho. Se as pessoas vissem sentido fora do trabalho, a proteção dos direitos sociais caminharia para o rompimento de “patamar mínimo”, numa verdadeira universalização dos direitos humanos. Um modelo de proteção dos direitos humanos dos trabalhadores, para ser implementável, deve passar pela transição por uma base legal mínima, que contemple os direitos ditos “fundamentais” aos trabalhadores do Mercosul. Para tanto, é preciso situar a pessoa humana no centro de todo o processo e resguardar seus direitos mínimos com mecanismos eficazes de implementação e proteção em nível regional, a princípio. O período de internacionalização dos direitos humanos, iniciado a partir da Segunda Guerra Mundial, tinha como princípio garantir a paz mundial e evitar absurdos como o genocídio dos judeus pelos nazistas alemães. Contudo, além de evitar atrocidades mundiais, os direitos humanos cumprem um papel importante na formação de aparato mundial de proteção de direitos sociais. Apesar de estar mais atrasado e contar com mecanismos de implementação de forma programática, pelo conteúdo ideológico dos aplicadores do direito, um sistema de proteção de direitos humanos sociais poderia contrapor-se ao avanço precarizante da globalização em relação ao trabalho. Um modelo regional de proteção dos direitos dos trabalhadores (sociais, econômicos, culturais, civis e políticos; específicos e não específicos) pode ser alcançado pelo progresso na constituição do Mercosul em comunidade de direito. Enquanto isso não ocorre, podem ser somadas iniciativas como a ampliação da proteção através dos intrumentos de efetivaçãos dos protocolos da ONU, da Corte Interamericana, dando tratamento similar a todos os direitos


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humanos e encaminhando, a partir de uma base mínima, a ampliação da gama de direitos protegidos até se alcançar a efetivação completa.

CONCLUSÃO

Um Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos só alcançará a plenitude no plano normativo com a jurisdicionalização do mecanismo de proteção. Para tanto, seria necessária, além da ratificação de tratados internacionais, a incorporação da normativa nos respectivos ordenamentos jurídicos, afastando-se as tentações da politização.


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O Mercosul pode representar uma resposta ao avanço precarizante da globalização baseada na ideologia neoliberal. A própria inclusão de mais Estados como seus membros pode contribuir para a proteção, no mínimo, da adoção ou assinatura dos tratados internacionais e regionais. A globalização remete à falácia de uma universalização da economia, que reproduz seus mecanismos de exploração selvagem em países pouco desenvolvidos enquanto acelera o processo de deterioração das relações trabalhistas. É preciso incentivar um modelo regional para barrar esse processo perverso e promover a libertação, a autonomia, no plano econômicosocial. O modelo regional inspirado no modelo europeu pode promover a tutela dos direitos sociais através da Corte Interamericana de Direitos Humanos, assim como no que se refere às normas supranacionais. Normas trabalhistas flexíveis favorecem a exploração pelo capital visto que prejudicam os trabalhadores. Numa cultura transnacional o que ocorre é a prevalência da exploração do trabalho pelo capital multinacional, portanto, sem regulação de qualquer Estado-nação. Esse processo pode ser combatido pela regulação regional considerando as características prevalentes no território integrado, visando ao desenvolvimento e ao progresso econômico-social deste, não de outros mercados ou do capital internacional e de megacorporações. Num território onde exista desenvolvimento é possível um modelo de proteção mínima; em oposição, num território pouco desenvolvido é preciso proteção máxima. Na América Latina, esses interesses poderiam ser propostos por uma política econômico-social integracionista fundada na proteção dos direitos dos trabalhadores. Por enquanto, têm prevalecido somente os interesses do capital multinacional, das megacorporações e de outros mercados regionais interessados em explorar o mercado latino. Falar em proteção regional na América Latina na perspectiva da proteção dos direitos dos trabalhadores é falar na proteção universal de seus direitos, uma vez que esses se contrapõem a toda a lógica da globalização econômica vigente. Esse modelo abre caminho para a verdadeira integração, com a participação de todos Estados da América Latina e Central e outros territórios pouco desenvolvidos. Um modelo universal de proteção teria de prever uma integração da África e outros territórios para evitar a simples transferência ou intensificação da exploração pelo capital nessas regiões e o dumping social.


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A discussão de um novo modelo de proteção de direitos humanos abre espaço para a proposição de um novo direito do trabalho, que surja com uma reformulação das relações e condições de trabalho, a partir de um novo sentido para o trabalho, e contribua para a plena satisfação das necessidades ou direitos humanos. Esses virão somente com outro modelo político-econômico, pela reformulação daquele vigente. O modelo político-econômico capitalista atual está esgotado, na medida em que não oferece saídas para a antinomia de negar proteção aos trabalhadores da América Latina por ser pouco desenvolvida economicamente, ou composta por nações pobres. A universalização dos direitos humanos somente será possível em outra ordem político-econômica, a partir de uma mudança de fundo nas estruturas econômico-sociais. Esse pode ser o caminho para a transformação, inclusive viabilizando instrumentos de participação popular. Na verdade, a mudança das estruturas econômico-sociais pode ser superada se houver a união de todos aqueles que são explorados pelo capital e se esses atuarem no mesmo âmbito em que atua o seu opressor, ou seja, internacionalmente. Sejam os trabalhadores fabris, terceirizados, subempregados, desempregados, sem-terra, sem-teto, movimentos populares de defesa da mulher, de gênero, ambiental, e tantos outros; todos juntos formam a classe-que-vive-do-trabalho e, são dotados de um potencial anticapitalista no seu sentido mais libertário, mais antidogmático e revolucionário.


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ANEXO 01 Principais temas abordados pelas convenções e recomendações da OIT: a) Direitos humanos fundamentais b) emprego

c) política social d) administração do trabalho e) relações de trabalho f) condições de trabalho

g) seguridade social

h) trabalho das mulheres i) trabalho das crianças j) trabalhadores migrantes e indígenas k) categorias especiais de trabalhadores

a.1 liberdade sindical a.2 trabalho forçado a.3 igualdade de tratamento e de oportunidade b. 1 política de emprego b.2 serviços e emprego temporário b.3 readaptação e empregos de pessoas deficientes b.4 Seguridade d.1 inspeção do trabalho d.2 estatísticas d.3 consultas tripartites e.1 negociação coletiva e.2 contrato coletivo f. 1 salários f.2 jornada de trabalho f.3 trabalho noturno f.4 repouso semanal f.5 remuneração de férias f.6 Segurança e higiene do trabalho f. 7 proteção contra riscos específicos f. 8 proteção por setor de atividades g. 1 assistência médica e cobertura financeira das doenças g. 2 assistência aos idosos, inválidos e sobreviventes g. 3 assistência nos casos de acidentes de trabalho e doenças profissionais g. 4 seguro desemprego h. 1 maternidade h. 2 trabalho noturno e subterrâneo i. 1 idade mínima i. 2 trabalho noturno e subterrâneo

k. 1 marítimos k. 2 portuários k. 3 arrendatários e parceiros

SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 164


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