A Simetria - Edição Piloto

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Ed it ori al

Essa zine foi o jeito que encontramos de criar um produto que é, ao mesmo tempo, fruto da publicidade e da arte, pra falar justamente sobre isso: publicidade e arte. Depois de ler, não deixa de fazer essa revista rodar por aí. Expandir esse discurso é importante pra gente. Esperamos que você aproveite a viagem.

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SUMARIO

• Quem somos

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• O que é publicidade?

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• Dinâmica multi artística

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• Dinâmica Laribas

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• O que é arte?

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• Pôster Lui Wiecz

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• Entrevista Giuglio Sertori

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• Dinâmica Ton Black

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• Intersecções - publicidade e arte

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• Dinâmica Carlos Moreira

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• Entrevista Lariane Casagrande

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QUem somos

Amanda de Souza Benatti tem 22 anos, é uma curitibana apaixonada pela música, pela escrita, por animais e pelo videogame. Amanda é uma pessoa divertida e alegre. Ela sempre amou cantar e ouvir músicas, além de escrever. Encontrou na escrita publicitária uma forma de expressar seus talentos e interesses.

Alisson de Souza Alves Luiz tem 23 anos e é artista, ilustrador e diretor de arte natural de Colombo, cheio de carisma, apaixonado por música e com um talento para tocar instrumentos. Ele é ativista do movimento negro e atualmente espalha sua arte pelo mundo através da publicidade, da universidade e artes digitais incríveis.

Luiz Gustavo Barros da Silva é ilustrador, diretor de arte, graduando em publicidade pela Universidade Federal do Paraná e um skatista e filmmaker dedicado. Nos seus 23 anos, teve contato com a arte principalmente através da música e do skate, e com a publicidade pela faculdade e no mercado de trabalho.

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P UB L I C I D A D E

O QUE É PUBLICIDADE? Comumente associados, os conceitos de “publicidade” e de “propaganda” são assuntos muito debatidos no âmbito teórico da Comunicação Social. Do latim propagare, “propaganda” significa “algo que deve ser espalhado”. O termo como existe hoje (2023) começou a ser utilizado no século XVII pela Igreja Católica, com o objetivo de propagar e supervisionar a disseminação da religião na época. Essa palavra, na sua essência, não necessariamente tem associação com o comércio.

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Publicidade, por sua vez, vem do latim publicus e é ação de propagar e divulgar uma ideia. Aqui, já estão envolvidos fins comerciais, porque é através da publicidade que é despertada em alguém a vontade de comprar. Ela é uma técnica dentro do universo da comunicação em massa. Mesmo com origens diferentes, essas palavras são utilizadas como sinônimos. Não faltam discussões sobre essas definições dentro do ambiente acadêmico. Nessa zine,


do que é considerado o primeiro produto vendido com sucesso na história: Adolf Hitler. Nessa época, já existiam agências de Propaganda no Brasil isso começou em 1841. vamos considerar as duas como uma só, se referindo a todas as estratégias de difusão de ideias com fins comerciais. Pode-se considerar que essas são utilizadas desde que o ser humano aprendeu a se comunicar. O mais perto do formato de Publicidade e Propaganda que temos no passado é o exemplo citado da Igreja Católica. Porém, na Segunda Guerra Mundial, as técnicas avançaram consideravelmente através da pesquisa extensa para o lançamento

Com vários conflitos geopolíticos borbulhando, a tecnologia e a indústria avançaram muito no século XX. Mas, é só no final da década de 60, lá em 1965, que a publicidade começa a ser levada a sério pela lei (LEI Nº 4.680, DE 18 DE JUNHO DE 1965) e regulamentada como carreira profissional. A gente precisa contextualizar o avanço desse setor na Segunda Guerra Mundial. Com a ascensão da burguesia e das políticas liberalistas que surgiram a partir do século XVII, o capitalismo começava

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P UB L I C I D A D E a se alastrar pelo mundo, estabelecendo força a partir da primeira revolução industrial e incentivando o avanço das técnicas publicitárias. Assim como a indústria bélica, a indústria da propaganda cresceu porque começou a ser uma ferramenta importante para as guerras. Era utilizada dentro do nazifascismo para disseminar ideias antissemitas, racistas, capacitistas, lgbtfóbicas, entre outros ideais do “arianismo”. Além disso, era utilizada em escala para mascarar os atos cometidos pelos nazistas nos campos de concentração, câmaras de gás e outros locais de tortura. O intuito dessa recapitulação é lembrar que o universo da Publicidade e da Propaganda já existe desde o começo das relações interpessoais, mas começou a crescer de fato

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quando foi desenvolvido para manipular massas, depois do estabelecimento do capitalismo e das grandes guerras. Não tem como fugir dessas origens exploratórias, colonizadoras e racistas. E, no sistema capitalista, o avanço da área continua conectado com a exploração da classe trabalhadora, com a precificação da felicidade e com a manipulação de massa. É importante perceber que essas origens refletem até hoje no mercado, principalmente quando reforçadas em uma sociedade estruturalmente racista. Desde o começo, a publicidade se apropria da arte em seus vários formatos para vender coisas.


D I N A M IC A MU L T I A R T I S T ICA

Não podíamos deixar de trazer aqui um tipo de curadoria de arte de artistas locais que a gente admira. Pra essa primeira edição, organizamos uma dinâmica que faz com que os universos desses artistas, que são distintos, se encontrem. Funciona assim: Trouxemos três artes, uma de cada convidado. Uma música, uma peça visual e um GIF. Nos reunimos, separadamente, com cada um deles, para mostrar as artes dos

outros dois. Por exemplo: mostramos, para o músico, a imagem e o GIF. Aí, pedimos pra cada um descrever a obra em três palavras e depois em uma frase - o que viesse na cabeça deles, sem certo e errado (que, na arte, nem existe). Ao longo da zine, você vai ver os resultados. E não esquece de dar uma atenção pra cada uma dessas pessoas, que ajudaram demais no conteúdo pra esse projeto e são artistas excepcionais. Dá uma olhada:

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Designer gráfica, natural de Santos, a Larissa tem seu próprio estilo e essa autenticidade tá escancarada nos seus projetos. Recentemente ela apresentou o trabalho de conclusão de curso, um projeto independente que traz a extração visual de elementos gráficos da cidade de Curitiba chamado “Rastro”. Para acompanhar o trabalho da lari acesse @laribbas no instagram ou behance.net/laribas

-

“analogico” “manual” “digital” “mistura de expressões buscando tempos diferentes.” - @moreiratattooer

“flor” “desenho” “colagem” “me lembrou de adolescência.” - @tonblackmusic_

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O Q UE E A R T E ?

O QUE É ARTE? Uma pergunta que parece simples e pode engatilhar uma resposta instintiva e instantânea, mas que provavelmente engloba só o começo de uma resposta complexa. A arte é algo intrínseco à nossa existência, que impacta a gente diariamente das mais variadas formas e, ainda sim - e talvez até por isso - é impossível chegar a um consenso sobre seu conceito. A definição de arte evoluiu ao longo dos séculos e foi alvo de debate de filósofos, artistas, críticos e apreciadores. A atual

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(2023) compreensão sobre a arte vem das artes clássicas, termo que ganhou força lá no século XVII, usado para se referir à arte do período greco-romano. Nesse período, a definição de arte estava diretamente ligada aos conceitos de beleza, harmonia e proporção. A partir disso, surge o termo “Belas Artes”, que representa a pintura, a escultura, a música, a literatura, a dança e a arquitetura. No século XX, mais especificamente em 1923, Ricciotto Canudo lança “O Manifesto das Sete Artes”, que inclui o cinema como uma forma de expressão artística e que nos aproxi-


ma do consenso mais atual sobre o que é arte. Essa associação da arte como belo é considerada antiquada e alvo de críticas. O jeito que a gente olha para a beleza está relacionado a padrões sócio-culturais. O que é belo pra gente pode não ser belo pra pessoas de outros cantos do mundo, em outras sociedades. As “Belas Artes” surgem da visão eurocêntrica de beleza, e ajudaram bastante no estabelecimento dos valores europeus como os “universais”. Nesse contexto, os museus, que surgiram como um espaço para

aproximar os cidadãos da cultura, passaram a servir como um mecanismo de validação e classificação estética do que é e era considerado belo pelo padrão europeu. Mas as obras fora dos padrões ocidentais podiam e ainda podem ser encontradas em museus. O “diferente” que agradava era visto como… exótico. A classificação dessa palavra, nesse contexto, é fruto do choque entre culturas ocidentais, colonizadas pelos europeus, e as culturas não eurocêntricas. Do dicionário “Não natural; que não nasceu no país nem na região onde habita; estrangeiro, importado” ou, em outras palavras: que desafia a normatividade branca. Ao cruzar oceanos, o “bran-

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O Q UE E A R T E ?

co explorador” se depara com sociedades, culturas e padrões de beleza diferentes dos seus. Obras de diferentes culturas foram roubadas e retiradas de seus contextos originais para serem expostas em museus como “exóticas”, “peculiares” para os padrões dados como universais. Essas peças, cheias de significado, eram roubadas, sequestradas de seu contexto original e apresentadas fora de seus lugares de origem com finalidade estética. Atualmente (2023), para compreender arte, é necessário desafiar paradigmas, levar em conta todo o contexto histórico, reconhecer o papel que ela teve na normalização

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do padrão europeu como belo, na expropriação de obras artísticas de grupos identitários e questionar a visão da arte apenas como peças em museus famosos, ressaltando os valores culturais por trás delas. A arte nasce de um problema, um sentimento, um incômodo - a arte é expressão. E também pode não ser. Ela pode vir da reflexão, do conhecimento, da emoção e até do vazio. Esse texto é arte, e essa zine também. Pode ser que seja uma perda de tempo tentar definir esse conceito. Mas a verdadeira parte mais bela da arte é que a gente sabe o que é para cada um de nós, mesmo que não dê pra colocar em palavras.


Lui desenha, projeta, tatua, pinta, cria cerâmicas, costura, constrói… tá estampado na própria cara que é artista, da cabeça aos pés. Pega esse pôster de um de seus projetos <3 @luiwiecz

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Giulio Sertori é artista, pintor, autor de telas psicodélicas e coloridas, videomaker e skatista. Nascido em Bérgamo, na Itália, se mudou para Curitiba em 2015 e, desde então, dedica seu tempo filmando skate para projetos como a “Yeah Skateboards” e “The Filmerd”, que abrange zines e projetos audiovisuais, gravando shows de bandas da cena underground e/ou produzindo capas de singles e álbuns. Também colabora com a sua parceira, Amanda Closs, no projeto “culto ao gato”. Ele já produziu três edições da zine “The Filmerd”, uma grande inspiração pra esse projeto que você está lendo. A Filmerd número 0 foi lançada em 2020. A 01, focada mais no skateboard, com artes, fotos e entrevistas, foi lançada em 2021. A terceira e última até agora, a 02, lançada em 2023, trouxe uma proposta artística, com uma curadoria de 13 artistas que colaboraram com pinturas feitas em shapes, além das entrevistas, imagens e obras de arte. Qual foi seu primeiro contato com zines? Meu primeiro contato com as zines foi quando comecei a andar de skate e a conhecer a cena artística dos skatistas. Nesse universo sempre teve zines, inspiradas no movimento punk, então, se você gosta realmente da cena que se cria em volta do skate, chega uma hora que você vai encontrar esse método de divulgação pós-moderno. Também participava de

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vez em quando com fotografias na zine “No Rules” criada por Kendall - foi aí que realmente me interessei pelo formato. Quando e como criou sua primeira zine? Em 2020 durante a pandemia; na verdade, foi o gatilho pra realizar de vez a zine. Fazia um tempo que queria criar uma com os meus desenhos, o problema sempre foi o custo, porque a zine envolve uma produção de baixo custo para poder distribuir a preços baixos ou por “ofertas”. Meus desenhos são bem coloridos e uma produção clássica no preto e branco não ia dar “justiça” a eles, então tive a ideia de pegar de volta meu blog Filmerd e trazer ele no impresso. Trouxe no papel as fotos relacionadas aos vídeos de skate que estava fazendo e juntei uns artistas pra participar, com a intenção de juntar e alcançar pessoas diferentes na mesma zine. Qual sua inspiração para fazer as zines? Minha inspiração é juntar a galera do underground com a galera do skate. Nada de novo, mas sempre quis ver a galera do skate viver o underground sem seguir “modinhas”, livres de verdades e confraternizando com a cena. Como você enxerga o impacto das zines no leitor? Se, depois de ler, o leitor vai procurar o vídeo relacionado a matéria, procura um artista, começa a ouvir ou presenciar alguns shows das bandas presentes nas trilhas dos vídeos, vai fazer uma tatuagem com a galera da zine... aí tá funcionando. Se não tiver essa troca, a zine falha.

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Qual o seu processo criativo na criação das zines da Filmerd? O processo é longo, a zine é toda feita por mim. Daí tem uma ótima galera que colabora comigo com as fotografias e as artes. Ao envolver várias pessoas cada um tem seu próprio tempo. O foco da zine Filmerd são os vídeos de skate. Para fazer uma matéria sobre o vídeo, ele deve estar finalizado, isso leva ao acúmulo de alguns vídeos para daí fazer o impresso. Em relação aos artistas convidados, coloco uma data pra entrega, calculando sempre um tempo a mais pra eventuais atrasos - enquanto isso, já deixo tudo no jeito. Uma vez acabada, ainda tem a questão financeira da impressão, que cria outros atrasos. A última zine, por exemplo, era pra sair em dezembro e só saiu em junho. Como a arte te impacta em todo o processo? Sem arte, sem zine. É possível utilizar a zine como um meio de comunicação democrático?

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A Filmerd vem de brinde em alguns shapes, então quem recebe são skatistas. Também tem umas pra vendas avulsas pra quem não anda de skate e/ou não tem interesse em comprar um shape. Mas é mais um magazine pelo custo dela. Por ser toda colorida, o preço dela é caro - ainda estou pensando em como deixar o preço de custo o menor possível sem perder o conceito. Eu gostaria chegar ao ponto das zines serem de graça, além do shape, e de


poder distribuí-las mais facilmente porque estou percebendo que o leitor do Filmerd gosta da cultura que envolve skate mas as vezes nem anda de skate. Esse é mais um dos motivos do porque junto arte e música ao skate. Considerando que a zine é fruto de uma cena underground, acredita que é possível furar bolhas com ela? É possível furar as bolhas sim, já estamos furando. Mas não é bem essa a minha intenção. Eu quero juntar o underground porque somos muitos marginalizados e julgados por “caras limpas” (que de limpos não tem nada). Se um dia virar algo de “mainstream”, seria legal ver o que acontece e ver se a essência permaneceu. Mas já vejo vários skatistas nos roles underground, galera nova, vários fanáticos do monolito surgindo por aí. Pode ser que a zine, os vídeos e os eventos relacionados a Filmerd estejam juntando uma galera. Querendo ou não, Filmerd é só a uma cena que está se juntando a uma cena que já existe, trazendo novas pessoas. Ou, pelo menos, acho massa acreditar nisso.

Acompanhe o trabalho do Giuglio pelo instagram @giugliodelia e @thefilmerd e também no youtube.com/@theFilmerd

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Everton Vieira - o Ton Black - é daqueles músicos que a gente vê tocar de boca aberta. Manja de cantar, tocar violão, de poesia e também tá no caminho pra se formar em publicidade. Respira fundo, relaxa e dá play no LADO BLACK, novo lançamento MPB do Ton Black no Spotify. Para acompanhar o trabalho do Ton acesse @tonblackmusic_ no instagram ou Ton Black no spotify

“harmonia” “melancolia” “sentimento” “a busca por entender a si.” - @laribbas

“questao” “calma” “impermanencia” “Uma sintetização de tudo isso.” - @moreiratattooer

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I n terse c c oes

N

essa revista, a gente já falou um pouco sobre arte, um pouco sobre publicidade e trouxemos pessoas que habitam ou já habitaram os dois universos para explorar várias perspectivas. Tem muita coisa envolvida nisso: dinheiro, conexões interpessoais, mercado de trabalho, o sistema de educação, a estrutura social, preconceito, interesse, coisas belas e coisas feias. Existem vários jeitos de olhar para a relação entre a publicidade e a arte. Apesar dessa relação ser um pouco conturbada e confusa, como a gente já mostrou nessas páginas, existe algo concreto nisso tudo: as instâncias em que a gente consegue ver a arte e a publicidade convergindo, conversando e interagindo. A gente pode pensar nelas desse jeito:

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P UBLICIDADE


ARTE

Dentro dessa intersecção, dá pra tirar várias conclusões, viajar em vários pensamentos. Isso a gente deixa pra você, pessoa que tá lendo, pensar no seu tempo. Aqui, os autores decidiram falar dela em 3 categorias distintas, e a gente chamou o professor, pesquisador, redator e escritor Fábio Hansen pra ajudar a gente a desenvolver essas ideias. Quando a frase for dele, você vai ver ela entre aspas e em itálico, beleza? Lá vai:

1. APROPRIAÇÃO Quando a publicidade e a arte tem uma relação de exploração Uma campanha publicitária sempre é criada com o mesmo objetivo final: vender. “A publicidade tem o papel primordial de informar através da

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I n terse c c oes persuasão e do convencimento” - por isso é tão difícil falar sobre arte dentro desse campo. A essência da arte é expressar, compartilhar, se conectar com cada um de maneira diferente. A publicidade usa elementos da arte - a ilustração, a pintura, a escrita, a fotografia, o teatro, entre tantos outros - para criar conteúdos que já são pensados, desde a concepção, para persuadir, convencer, vender. Quando esses conteúdos “recriam” uma obra que já existe é o que a gente está aqui chamando de apropriação. Existem exemplos inofensivos e nocivos nessa e em todas as categorias. A intertextualidade - usar outra peça como referência explícita ou implícita na nova que está sendo criada - é uma téc-

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nica utilizada por publicitários há muitos anos e não traz prejuízo quando feita de maneira correta. Aqui a gente pode citar a propaganda da Bom Bril lá de 1998, que utilizava a imagem do ator João Carlos Moreno (garoto propaganda da Bom Bril) no lugar do rosto da Mona Lisa, para vender o amaciante Mon Bijou - o título era “Mon Bijou deixa sua roupa uma perfeita Obra-prima”. A Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, é uma pintura de 1503, lá do período da renascença, e é uma das pinturas mais famosas no mundo inteiro. Como muitas das artes mais replicadas no mundo, seu domínio é público, ou seja, ela não é protegida pelas leis que envolvem os direitos autorais. Quando a


propaganda utiliza desse “benefício” para fazer reproduzir algo bem feito que envolva pesquisa, planejamento, profissionais capacitados, etc. - os resultados não devem prejudicar nenhum artista, nem impedi-los de ganhar fama ou reconhecimento. Teoricamente, tudo certo, né? A nossa constituição afirma que as obras de todos os artistas tão protegidas pelos direitos autorais. Então, teoricamente, qualquer artista plagiado em uma publicidade, independentemente do seu tamanho, pode recorrer à lei se achar que foi copiado de alguma maneira, desde que prove sua autoria. Mas lutar na justiça com uma marca grande é complicado, principalmente na pele de um artista independen-

te, local, que sobrevive da própria arte. Nem sempre a opção de lutar na justiça é realista. As denúncias precisam passar também pelo CONAR, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, e, de 2008 a 2017, somente 94 das denúncias ao conselho envolviam a violação de direitos autorais. Em 2022, só 2 dos 266 casos eram referentes a esse problema, ambos envolvendo marcas grandes acusando umas às outras - Seara X Sadia e Ceras Johnson (a marca do inseticida Raid) X Reckitt. O ponto é: até onde o poder judiciário e o CONAR podem ajudar as pessoas que não tem dinheiro para pagar um bom advogado e tempo para essas burocracias? E como isso faz com que as grandes

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I n terse c c oes empresas fechem os olhos para esses problemas? Por que, em 2023, uma empresa como a Bauducco se sente confortável o suficiente para chamar o Emicida para uma parceria que envolvia seu projeto de mais de doze anos, o AmarElo, e, depois de receber um não - por que o valor não justificava a quantidade de trabalho requisitado - chamar duas cantoras brancas para reproduzirem quase a mesma campanha (ajustando só a quantidade suficiente de detalhes para não poder ser chamado explicitamente de “cópia”)?. A apropriação, muitas vezes, passa despercebida. O Emicida é um artista gigante. Na internet, tem milhões de artistas independentes compartilhando suas criações de

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graça, o tempo todo - vídeos, músicas, fotos, ilustrações, textos e até ideias. “O campo da arte é muito mais aberto para essa pluralidade de vozes, essa diversidade de manifestações.” Pessoas que tem 100 seguidores e gente que não tem nenhum. O problema da apropriação é que ela entra na frente do reconhecimento e da remuneração de artistas pequenos que podem nunca ficar cientes da sua arte sendo replicada por empresas gigantescas, seu lucro e seu reconhecimento sendo tomados por baixo do tapete.


2. ORIGINALIDADE Quando a publicidade tenta ser mais generosa Se existe um jeito mais “otimista” de olhar pra essa relação, é isso que está representado nessa categoria: aquele momento em que a arte e a publicidade se encontram, mas de uma maneira que também pode trazer benefícios pro artista. Aqui, os artistas são convidados e, no mundo ideal, recebem uma remuneração justa além dos mais diversos tipos de contratos. Sim, o objetivo final ainda é ven-

der - isso é inseparável da publicidade. Mas o artista foi contratado para produzir algo através do processo criativo dele. A gente pode argumentar que, se a arte tivesse uma “escala”, talvez isso fosse mais artístico do que só replicar ou imitar uma obra sem direitos autorais. Além disso, traz reconhecimento pro artista e valoriza o trabalho dele, ao invés de uma campanha que só traz lucro para a marca. Como toda estratégia, tem jeito certo e errado de ser feita. Aquele exemplo do Emicida e da Bauducco, antes deles quase replicarem o AmarElo, também é um exemplo de marca tentando trabalhar com a originalidade do artista. O problema é que a equipe do Emicida não aceitou uma

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I n terse c c oes remuneração que não fazia sentido para a quantidade de trabalho que a marca pediu. O racismo estrutural e o capitalismo causam esse tipo de situação - principalmente quando a mesma campanha foi, depois disso, reestruturada para duas pessoas brancas. “A publicidade é muito conservadora ainda. O sistema [conservador] é a cadeia produtiva, são os profissionais, né? É quem está nos cargos de liderança e de gestão.” Não somos especialistas em finanças, mas acreditamos que o artista é o único que pode precificar sua arte, e que uma parceria justa deveria atender os requisitos do artista convidado. Afinal, sem arte, não tem campanha. Sem campanha,

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não tem parceria, e sem parceria a publicidade sofre para fugir do óbvio, do já replicado e muitas vezes vacila feio. “A publicidade tem uma crise de identidade. Ela vem de um discurso de mudança, enquanto o sistema muda muito pouco.” Igual a Lacoste, que ignorou a influência das letras do rap nacional para o reconhecimento da marca até ser cobrada pelo público e, quando resolveu fazer alguma coisa, tentou chamar o rapper Kyan (dono do hit “Tropa da Lacoste”) em troca de “mimos”, segundo o próprio no Twitter. Ele reiterou o nosso ponto, escrevendo: “Não sou um vira-lata, não vou aceitar que apenas me usem. Sou um artista que fecha contrato de acordo com a minha proporção [...]”.


A gente não gosta de elogiar empresa, mas temos um exemplo que deu certo nessa categoria de originalidade. Para a quarta e última temporada da série original “Sex Education”, a Netflix (ou Metflix, nessa ação), em parceria com a K-MED, chamou a Mc Naninha, ícone do funk proibidão, para falar sobre educação sexual e, ao mesmo tempo, anunciar o retorno da série. A escolha nichada, mas com embasamento - afinal, ela é conhecida pelo funk da formatura (“do que adianta ser bonita e ser analfabeta?”), que tem como audiência o público jovem e jovem adulto, e a temporada final é sobre formatura. O comercial traz a essência da música da Naninha, além de passar uma mensagem sobre sexo seguro e ter

alcançado mais de 1,8 milhões de visualizações no Twitter (com 4 mil reposts e 13 mil likes).

3. MERCADORIA Quando a arte já nasce com etiqueta de preço A terceira e última categoria que a gente estipulou é pra botar o pézinho no chão e lembrar que, mesmo que a arte seja expressão e a publicidade seja comércio, nenhuma área vai fugir das pessoas que só pensam no dinheiro. Nem sempre só a publicidade é a “vilã”. Vamos falar agora sobre “arte”: a arte entre aspas. Quando a arte é inconfundível com a mercadoria e o artista com um produto. Podemos dizer que a arte tem dois tipos de valor - o

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I n terse c c oes valor artístico, do significado, da expressão, e o valor monetário, seu preço no mercado. O preço no mercado é definido por vários critérios. Não é o objetivo aqui falar sobre e dizer se eles estão certos ou errados, nem sobre mercado da arte e lavagem de dinheiro. Mas, destacamos duas variáveis que a publicidade influencia diretamente e pode manipular: a relevância da obra e do seu contexto e a popularidade do artista. Quando a carreira de um artista se resume em produtos, o objetivo do seu sucesso é vender uma imagem, uma pessoa, e não compartilhar suas expressões artísticas com o mundo. Para criar e vender essa imagem, é preciso de profissionais de comunicação. Eles vão

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ser os responsáveis por entender o cenário do que é popular e adaptar as campanhas e a imagem do artista às tendências. É importante ressaltar que não temos como saber definitivamente quando uma obra é “sincera” ou quando ela é produto de uma equipe profissional e dinheiro. E que todo o processo artístico, na nossa sociedade, é mão de obra - o capitalismo impõe isso - e é o próprio artista que deve definir o valor do seu trabalho. É que, quando a arte nasce com


etiqueta de preço, não é o caso das pessoas que tão ralando pra divulgar seu trabalho e viver disso. E muitas vezes não é difícil de perceber: “[a arte] tem esse sentido mais puro - a gente consegue trazer por meio da arte coisas que a publicidade não traz”. Não estamos aqui pra apontar dedos. Mas, a gente pode dar umas dicas. Aquele pintor brasileiro que mora em Miami, por exemplo, que a gente conhece mais por ver estampado em absolutamente todo e qualquer

produto desde 2013 (ano da campanha da Absolut) do que por suas obras de fato. Até descobrir o nome dele, pode ser que você ache que é um tipo de estampa popular no mundo inteiro, e não o desdobramento de várias pinturas (colagens?) diferentes. Aí, pode vir na sua mente vários artistas que um dia você tentou apreciar e pensou: “nossa, isso parece muito genérico/ comercial.” E isso também é subjetivo - como a gente disse, é impossível provar isso, então, o que é produto antes de ser arte é particular pra você. Mas isso se aplica para todas as formas de arte: música, teatro, pintura, ilustração, design, etc. (pode confessar que alguém veio na sua cabeça, vai).

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Essa peça é um GIF. Para vê-la animada acesse:

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Carlos Moreira, 30 anos, trabalha como tatuador há nove, e busca trabalhar com a expressão artística e viver disso desde os dezesseis. Atualmente, Moreira tatua no estúdio @brotherhoodtattoo. Pra ele falar é a parte mais difícil, então a arte é a maneira de falar sem palavras. Para acompanhar o trabalho do Moreira acesse @moreiratattoer no instagram

“mistico” “Portal” “psicodelico” “tem uma fita de equilíbrio e ao mesmo tempo não. equilibrio e desequilibrio. - @tonblackmusic_

“triade”

“abstrato” “dinamico”

“no fundo do olho.” - @laribbas

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Antes de se interessar pela Publicidade, Lariane Casagrande entrou no curso de Design Gráfico da UEL. Depois de muita pesquisa e autoconhecimento, ela descobriu a vocação que tinha também pra publicidade e marketing. Além disso, a Lari é referência dentro da ilustração infantil editorial, estilosa e, não menos importante: uma querida!!! A Lari divulga o trabalho dela pelo instagram @lariilustrada

Na sua vida profissional, qual foi seu contato com a publicidade? Me graduei em Design Gráfico pela UEL para trabalhar com ilustração literária, mas entrando no curso descobri um universo de possibilidades. Pra além do lado profissional, me descobri como mulher negra e comecei a perceber que as representações dentro da comunicação eram inexistentes ou, se existiam, eram problemáticas. Então o que me trouxe para o campo do marketing e da publicidade foi este incômodo. Em uma das equipes de marketing, na qual fiz parte, procurei aliar minha pesquisa de mestrado à prática. No período estava desenvolvendo pesquisas sobre a trajetória da imagem da mulher negra em revista. Aos poucos tínhamos mais de um modelo nas campanhas publicitárias, incluindo pessoas de diversas etnias.

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Como você definiria a arte? A arte é fundamental; mesmo quem não tem essa percepção consciente, não consegue viver sem ela. Nosso mundo tem um sistema de produção robotizado e isso nos leva a viver rotinas “não-humanas”. O que nos traz de volta à vida é a arte, de maneiras que muitas vezes não conseguimos explicar. Acho que justamente o inexplicável é muito humano. A arte, pra mim, é a vida. É tudo o que acontece em volta do que nos faz mais robôs. Não se vive sem arte. É aquilo que incomoda, que desloca, não é necessariamente o que é bonito e agradável. O picho, por exemplo, é o que tira do automático, uma palavra no meio de uma pintura, ou uma poesia em um muro. Essa é a arte que tira a empregada doméstica do automático quando ela está fazendo sua longa jornada de ônibus para ir e voltar do trabalho. [...] E como você definiria a publicidade? É uma relação de amor e ódio. A publicidade está atrelada ao capitalismo, porque só existe para vender. Ela nasceu com esse princípio. Ao mesmo tempo, está ligada aos sentidos e está próxima da arte, porque também faz sair do automático. Ela promove discursos e estéticas relevantes com a dualidade da cooptação de questões sociais para venda. Quem trabalha com publicidade precisa transformar a cooptação de causas de maneira que ela também sirva para contribuir com soluções reais. É preciso fazer isso simultaneamente, porque as duas coisas estão imbricadas.

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Uma das conclusões da minha pesquisa sobre a imagem da mulher negra, é que essas pessoas precisam estar inseridas nos processos de desenvolvimento de campanhas, e não só na imagem final da capa da revista. Se a representação não acontece internamente, então a imagem publicitária é apenas uma simulação. Na sua visão, o campo publicitário é, de fato, criativo? Acredito que a publicidade seja mais sensível e atenta que criativa. Ela consegue capturar coisas no início e visualizar o potencial daquilo - é uma sensibilidade de ver o que está movimentando as pessoas e o que tem potencial. Já a criatividade parte do incômodo, da raiva, da margem, algo que a publicidade não pode ter. Nesse sentido, trabalhar com liberdade e em ambientes flexíveis é essencial para os profissionais da área. Como a publicidade influencia a cultura e a sociedade? Entrando em todas as casas. Antes era feito pela televisão aberta, que é gratuita, e hoje em dia é pelo smartphone. É algo que os movimentos sociais, os artistas, os museus, etc. não conseguem, que é permear todos os lares. Nesse sentido, a publicidade é muito potente, porque acessa tudo e todos. Assim, ela produz mudanças - não necessariamente boas. Ela movimenta a cultura e a sociedade por acessa todo mundo, afinal todo mundo tem que comprar e vender. A publicidade é um canal muito potente, ela toca e acessa tudo, e individualmente cada pessoa.

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Por isso, ela produz mudanças em cada um - não necessariamente boas. Ela movimenta a cultura e a sociedade porque ela acessa todo mundo, todo mundo tem que comprar e vender. Como você vê o futuro da relação entre publicidade e arte? Para o futuro, desejo que a publicidade se desloque do discurso e se guie cada vez mais pelo caminho do que é paupável. Muitas empresas grandes têm equipes de consultoria em “diversidade” e continuam errando feio em discursos e ações. Isso acontece porque essas consultorias são anexos das empresas - os cargos de poder ainda são ocupados pelo padrão homen, branco, cis hétero, conservador. Por fim, publicidade é, ou pode ser, arte? Não. A arte pode ser comercializada e pode virar publicidade. Mas a publicidade não pode fazer esse caminho. Para mim, tudo depende do ponto de partida. O ponto de partida da publicidade, exclui a essência do fazer artístico.

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Diz pra gente o que achou da edição piloto?

A SIMETRIA


Ufa. Falamos de muita coisa. E, no fim, a conclusão continua sendo: a arte é subjetiva e, tudo isso que foi escrito parte da visão do mundo de quem tá escrevendo e produzindo essa zine. Pode ser que você discorde, concorde ou se encontre no meio das duas alternativas. Tudo bem. É por isso que existe arte pra todo o tipo de gente e gosto e ninguém precisa concordar. Afinal, o objetivo de falar sobre um tema que a gente já sabe que não tem resposta concreta não é fazer você sair com uma opinião formada - “é uma discussão clássica, e esse projeto é para renovar pensamentos, explicitar essa intersecção permanente [entre publicidade e arte], trazer novas perspectivas”. A publicidade e a arte tem muita coisa em

comum. Simetrias e assimetrias, relações de todos os tipos. Que nosso texto e exemplos abram as suas portas pra esse universo e suas complexidades. A gente espera que a nossa obra de arte tenha influenciado um pouquinho o jeito que você olha pra publicidade e pra arte. “A arte tem sido muito importante para mostrar aquilo que fica à margem do grande capital, dos grandes espaços, pra mostrar a voz da periferia. Talvez a publicidade tenha que aprender com o campo artístico. O ideal para o futuro é que a gente b e b a mais dessa fonte.” Prof. Dr. Fábio Hansen

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Trabalho de Conclusão de Curso dos graduandos Alisson Luiz, Amanda Benatti e Luiz Gustavo


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