Antônio neves de mesquita estudo no livro de provérbios

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Ant么nio Neves de Mesquita

Prov茅rbios


APRECIAÇÃO DEVIDA UMA PALAVRA 1 - INTRODUÇÃO 2 - TÍTULO E PLANO DO LIVRO 3 - TREZE CONSELHOS A RESPEITO DA SABEDORIA (1:8-9:18) 4 - O PRIMEIRO LIVRO DOS PROVÉRBIOS DE SALOMÃO (10:1-22:16) 5 - O LIVRO DOS SÁBIOS (22:17-24:22) 6 - O SEGUNDO LIVRO DOS PROVÉRBIOS DE SALOMÃO (25:1-29:27) 7 - AS PALAVRAS DE AGUR (30:1-33)

8 - AS PALAVRAS DE LEMUEL (31:1-9) 9 - A ESPOSA PERFEITA (31:10-31)


1 - INTRODUÇÃO 1.1. QUEM ESCREVEU PROVÉRBIOS? 1.2. A ÉPOCA DE SALOMÃO 1.3. A SABEDORIA DOS ANTIGOS 1.3.1. Os Homens de Ezequias 1.3.2. Agur, Filho de Jaqué 1.3.3. Provérbios do Rei Lemuel 1.4. A FUNÇÃO DO LIVRO DE PROVÉRBIOS EM ISRAEL 1.5. JESUS E O ENSINO DOS PROVÉRBIOS 1.6. COMPOSIÇÃO DO LIVRO DE PROVÉRBIOS

1.7. DATA DO LIVRO


3 - TREZE CONSELHOS A RESPEITO DA SABEDORIA (1:8-9:18) 3.1. EVITA AS MAS COMPANHIAS (1:8-33) 3.1.1. Conselho de pai (1:8-19) 3.1.2. A Sabedoria clama nas ruas (1:20-23) 3.1.3 A Sabedoria reage (vv. 24-32) 3.2. BUSCA A SABEDORIA (2:1-22) 3.2.1. Filho meu, se aceitares as minhas palavras... (2:1-8) 3.2.2 Os benefícios da sabedoria (2:9-19)

3.2.3 Cuidado com a mulher adúltera (vv. 16-18) 3.2.4 Uma volta depois do desvio (2:20-22) 3.3. CONFIANÇA E OBEDIÊNCIA (3:1-10) 3.3.1 A Sabedoria chama o filho à ordem (3:1-4) 3.3.2 Confiança no Senhor (3:5-10) 3.4. DELEITA-TE NA DISCIPLINA DO SENHOR (3:11-20) 3.4.1 O deleite na lei do Senhor, o tema desta seção (3:11-15) 3.4.2 Algumas conseqüências da sabedoria (3:16-20)

3.5. OS EFEITOS DA SABEDORIA (3:21-35) 3.5.1 A sabedoria e a segurança da vida (3:20-29) 3.5.2 Algumas normas ditadas pela Sabedoria (3:30-35) 3.6. ADVERTÊNCIA AOS FILHOS (4:1-9) 3.7. ABOMINA O MAL 3.7.1. Os alunos são conclamados a ficarem firmes nas lições aprendidas (4:10-13). 3.7.2 Cuidado com as estradas dos perversos (4:14-19)

3.8. APEGA-TE AO QUE É BOM (4:20-27)


3.8.1 O apelo do pai ao filho (vv. 20-22) 3.8.2 Guarda o teu coração... (vv. 22-27) 3.9. VIGIA AS RELAÇÕES ENTRE OS SEXOS (5:1-23; 6: 24-27; Jó 31:1) 3.9.1 Um apelo de pai para filho (vv. 1-6) 3.9.2 Um apelo repetido (vv. 7-14) 3.9.3 Uma instrução a respeito da alegria de viver bem (vv. 15-20)

3.9.4 Outra vez a admoestação (5:21-23) 3.10. GRANDES PRINCÍPIOS PARA A VIDA (6:1-19) 3.10.1 Ficar como fiador do companheiro (6:1-5) 3.10.2 Olha, ó preguiçoso (6:6-11) 3.10.3 O homem de Bolial (6:12-15) 3.10.4 As sete coisas que Deus aborrece são de Belial (6:16-19) 3.11. O SÉTIMO MANDAMENTO (6:20-35) 3.11.1 Conselho para a vida (6:20-22)

3.11.2 Uma recomendação solene (6:23-31) 3.11.3 Uma recomendação solene (6:32-35) 3.12. O PERIGO DO ADULTÉRIO (7:1-27) 3.12.1 Filho meu, guarda as minhas palavras (7:1-9) 3.12.2 Um que cal na rede (7:10-23) 3.12.3 Agora, filho meu, aprende a lição (7:24-27) 3.13. A SUPREMA SABEDORIA (8:1-36) 3.13.1 A Sabedoria fala entro os homens (8:1-21).

3.13.2 A Sabedoria mora com Deus. Ela é o mesmo Deus (8: 22-36) (1) A Sabedoria como arquiteto de Deus (8:22-31).


(2) Uma reafirmação doutrinária textual. (3) Ouçamos a Sabedoria - Fala aos filhos (8:32-36). 3.14. SUMARIO DOS TREZE CONSELHOS (9:1-18) 3.14.1 As sete colunas da Sabedoria (9:1-12) 3.14.2 A festa da loucura (vv. 13-18)


4 - O PRIMEIRO LIVRO DOS PROVÉRBIOS DE SALOMÃO (10:1-22:16) 4.1. AS DIFERENÇAS ENTRE UMA VIDA MA E UMA VIDA BOA (1 0:1 -32) 4.1.1 O consolo da família (w. 1-3) 4.1.2 Olha o trabalho (10:4, 5) 4.1.3 A bênção sobre a cabeça do justo (10:6-11) 4.1.4 o amor e o ódio (w. 12-14) 4.1.5 A riqueza e a pobreza (v. 15) 4.1.6 A vida e a vida (vv. 16 e 17)

4.1.7 Cuidado com a fala (vv. 18-21) 4.1.8 A bênção do Senhor (v. 22) 4.1.9 Uma volta a uma doutrina velha (vv. 23-26) 4.1.10 Um resumo de doutrina (vv. 27-32) 4.2. ALGUNS ASPECTOS DA INIQUIDADE (11:1-31) 4.2.1 Indícios de mau comércio (11:1-3) 4.2.2 A justiça o a Iniqüidade (vv. 4-8) 4.2.3 A supremacia do bem (vv. 9-13)

4.2.4 Um louvor ao bom senso (v. 14) 4.2.5 Cuidado com as fianças (v. 15) 4.2.6 Dois provérbios Isolados (vv. 16 e 17) 4.2.7 Uma variedade de doutrinas (vv. 17-21) 4.2.8 Uma mulher bela, mas sem valor (v. 22) 4.2.9 O desejo dos justos tende somente para o bem... (v. 23) 4.2.10 A bênção sobro os liberais (vv. 24-26) 4.2.11 Recompensas e castigos (vv. 27-30)


4.3. OS CONTRASTES NA CONDUTA (12:1-28) 4.3.1 Os contrastes (vv. 1 e 2) 4.3.2 A perversidade nada constrói (vv. 3 e 4) 4.3.3 A perversidade não compensa (vv.. 5-9) 4.3.4 O justo o laborioso (vv. 10-12) 4.3.5 Recompensas a punições (vv. 13-16). 4.3.6 Outros contrastes (vv. 17-21) 4.3.7 Mais contrastes sobro a verdade (vv. 22-24)

4.3.8 Sejamos simpáticos uns nos outros (vv. 26-28) 4.4. UM VIVER DISCIPLINADO (13:1-25) 4.4.1 A disciplina começa em casa (vv. 1-3) 4.4.2 A disciplina o o trabalho (vv. 4-8) 4.4.3 Outro contraste (vv. 9-13) 4.4.4 Contrastes entro sabedoria e estultícia (vv. 14-16) 4.4.5 Aceito a disciplina (vv. 17-22) 4.4.6 Outros contrastes (vv. 23-25)

4.5. ANDAR NO CAMINHO CERTO (14:1-35) 4.5.1 A mulher o a sua tarefa (v. 1) 4.5.2 É bom sempre dizer a verdade (vv. 5-9) 4.5.3 Uma série de ensino sobre juízo e sua ausêncla (vv.11-19) 4.5.4 O pobre a o rico (vv. 20-24) 4.5.5 O testemunho falso o o temor do Senhor (vv. 25-29) 4.5.6 Serenidade o paciência (vv. 30-32) 4.5.7 Prudência e justiça... (vv. 33-35)


4.6. OS CAMINHOS DA VIDA E OS SEGREDOS DE UM CORAÇÃO SINCERO (15:1-35) 4.6.1 Os olhos do Senhor estão sobre toda a terra e sobre todos os homens (II Crôn. 16:9; Prov. 15:1-7) 4.6.2 Os sacrifícios devem ser puros (vv. 8-10) 4.6.3 Os perigos do descaminho (vv. 10-14) 4.6.4 É melhor ficar contente que zangado (vv. 15-17) 4.6.5 Olha a vereda da vida (vv. 18-24)

4.6.6 O Senhor continua com os justos (vv. 25-29) 4.6.7 O temor do Senhor e a disciplina são o remédio da vida (vv. 30-33) 4.7. O SENHOR VIGIA A VIDA (16:1-33) 4.7.1 Os planos humanos o a direção divina (vv. 1-9) 4.7.2 A Justiça que Deus requer (vv. 10 e 11) 4.7.3 Cuidado com a impiedade (vv. 12-15) 4.7.4 Exortações para se adquirir a sabedoria (vv. 16-21)

4.7.5 As conseqüências da depravação (vv. 27-30) 4.7.6 Há recompensa para os bons (vv. 31-33) 4.8. BONS E MAUS CONVIVEM NESTE MUNDO (17:1-28) 4.8.1 A sabedoria da vida vale mais do que o ouro (vv. 1-5) 4.8.2 Preceitos úteis no vida prática (vv. 6-12) 4.8.3 O conflito com os perversos (vv. 13-16) 4.8.4 O valor de uma conduta sadia (vv. 17-20)

4.8.5 Há fatos que alegram (vv. 21-28) 4.9. HÁ PERIGOS E BÊNÇÃOS NO VIVER (18:1-24) 4.9.1 Uma série de normas para a conduta dos indivíduos e povos (vv. 1-8)


4.9.2 Desta série de conceitos, passa o texto ao trato dos justos (vv. 9-1 2) 4.9.3 A resposta na hora corta (vv. 13-16) 4.9.4 Diversas manifestações de sabedoria (vv.17-24) 4.10. O CARÁTER E A PESSOA (19:1-29)

4.10.1 Diversos assuntos em catálogo - os pobres (19:1-7) 4.10.2 O entendimento na vida é a coisa mais suave possível (vv. 8-1 0) 4.10.3 Outros assuntos correlatos (vv. 11-14) 4.10.4 Dar aos pobres é emprestar a Deus (vv. 15-18) 4.10.5 Fazer tudo com cuidado (vv. 19-22) 4.10.6 Temamos ao Senhor (vv. 23-27) 4.10.7 Os testemunhos falsos (vv. 28 e 29)

4.11. PRECEITOS E ADMOESTAÇÕES (20:1-30) 4.11.1 Cumpro o teu dever (vv. 1-5) 4.11.2 Há muitos propósitos bons (vv. 6-10) 4.11.3 Diversos preceitos (vv. 12-17) 4.11.4 É bom fazer planos (vv. 18-27) 4.12. A VIDA REAL E A LEI DE DEUS (21:1-31) 4.12.1 A má esposa o seus conseqüentes (vv. 9-15) 4.12.2 Boas normas são desejáveis para a vida (vv. 16-23)

4.13. CAUSAS E EFEITOS NA CONDUTA HUMANA (22:1-16) 4.13.1 O valor de um bom nome (vv. 1-6) 4.13.2 Conselhos úteis na vida (vv. 7-12) 4.13.3 Coitado do preguiçoso (vv. 13-16)


5 - O LIVRO DOS SÁBIOS (22:17-24:22) 5.1 O QUE CONVÉM SABER DA VIDA (22:17-23:11) 5.1.1 Coisas que o aluno deve evitar (vv. 22-29) 5.1.2 Sequem-se outros conselhos úteis (23:1-11) 5.2. O QUE DEVEMOS PROCURAR NA VIDA (23:12-25) 5.2.1 Atenção para o ensino o a disciplina (vv. 12-18) 5.2.2 Filho meu, sê sábio (vv. 19-25) 5.3. O CUIDADO COM AS ARMADILHAS DA VIDA (23:26-24:2)

5.4. CURRÍCULO SOBRE A SABEDORIA (24:3-22) 5.4.1 Efeitos da sabedoria (vv. 3-7) 5.4.2 Os efeitos do saber continuam (vv. 18-20) 5.5. FIM DO LIVRO DOS SÁBIOS (24:23-34)


6 - O SEGUNDO LIVRO DOS PROVÉRBIOS DE SALOMÃO (25:1-29:27) 6.1. COMPARAÇÕES INSTRUTIVAS PARA A VIDA (25:1-28) 6.1.1. Os caminhos de Deus (vv. 1-7) 6.1.2 O litígio (vv. 8-10) 6.1.3 Outras comparações (vv. 11-17). 6.1.4 Ainda os símiles (vv. 18-23) 6.1.5 Que coisas melhores poderá haver? (vv. 24-28) 6.2. UMA CIDADE GOVERNADA POR TOLOS (26:1-28)

6.3. ENSINOS SOBRE RELAÇÕES ENTRE INDIVÍDUOS (27:1-27) 6.3.1 O valor de um amigo (vv. 5-11) 6.3.2 Algumas observações interessantes (vv. 12-16) 6.3.3 Comparações importantes (vv. 17-22) 6.3.4 - Um tratado sobro a vida pastoril (vv. 23-27). 6.4. PROVÉRBIOS ANTITÉTICOS SOBRE A PUREZA DA RELIGIÃO (28:1-28) 6.4.1 Fidelidade à lei de Deus (v. 1-8)

6.4.2 Só a justiça é louvada (vv. 9-12) 6.4.3 Sinceridade na religião o conduta (vv. 13-20) 6.5. DEUS E A SOCIEDADE HUMANA (29:1-27) 6.5.1 O homem justo é o alvo desta seção (vv. 1-10) 6.5.2 Os efeitos de um mau governo (vv. 11-17) 6.5.3 Guardar a lei é certeza de felicidade (vv. 18-27)


7 - AS PALAVRAS DE AGUR (30:1-33) 7.1. O CONHECIMENTO (30:1-4) 7.2. A PALAVRA DE DEUS É PURA (30:5 e 6) 7.3. UMA GRANDE ORAÇÃO (30:7-9) 7.4. FIDELIDADE PARA COM OS OUTROS (30:10) 7.5. QUATRO CLASSES DE PESSOAS (30:11-14) 7.6. QUATRO COISAS INSACIÁVEIS (30:15 e 16) 7.7. O FILHO TURBULENTO E MAU (30:17) 7.8. QUATRO COISAS MARAVILHOSAS (30:18 e 19)

7.9. UMA COISA AINDA MAIS ENIGMÁTICA (30:20) 7.10. QUATRO COISAS INDESEJÁVEIS (30:21-23) 7.11. QUATRO PEQUENAS COISAS, CUJOS ENSINOS SÃO MUI GRANDES (30:24-28) 7.12. QUATRO SERES ALTANEIROS (30:29-31) 7.13. UMA ADMOESTAÇÃO FINAL (30:32 e 33)


9 - A ESPOSA PERFEITA (31:10-31) 9.1. MULHER VIRTUOSA, QUEM A ACHARA? (31:10 e 11) 9.2. ESSA MULHER É INDUSTRIOSA (31:12 e 13) 9.3. É UMA BOA COMERCIANTE (31:13) 9.4. ELA É COMO O NAVIO MERCANTE, QUE DE LONGE TRAZ MANTIMENTO (31:14 e 15) 9.5. ELA COMPRA E VENDE (31:16-18) 9.6. NÃO DORME A NOITE TODA (31:19-22) 9.7. TEM UM MARIDO FELIZ (31:23)

9.8. É MULHER DILIGENTE E LOUVADA POR TODOS (31:24-28) 9.9. ESSA MULHER É UM EXEMPLO A SER SEGUIDO E IMITADO (31:29-31)


Devo à Prof.a Waldemira Almeida de Mesquita a paciência de ler o manuscrito, palavra por palavra, vírgula por vírgula e, sempre que necessário, procurar no dicionário para qualquer dúvida semântica. Um trabalho de paciência beneditina. O leitor pode receber este livro com a maior segurança no que tange a pureza e segurança da língua; os senões doutrinários e exogéticos são de minha responsabilidade. A Prof.a Waldemira, pois, os agradecimentos muito sinceros do

Autor


UMA PALAVRA

Apresentando aos meus leitores um Estudo sobre Provérbios, tenho a presunção de oferecer alguma coisa de alta valia, não tanto quanto aos comentários, porque estes são de um pastor aposentado das lides eclesiásticas, mas, sim, pelo fato de estar tentando colocar a maravilhosa coleção de ditos clássicos mais à mão do povo. Uma tentativa de vulgarização de um livro quase ignorado. Esta é a minha despretensiosa contribuição. Convém dizer que, a bem da verdade, não se trata de um comentário, pois isso levaria o livro a proporções tais, que o tornariam inacessível à bolsa do povo. O que se pode chamar de comentário é apenas um ligeiro desdobramento do ensino proverbial, oferecendo umas tantas ampliações, e, vez por outra, uma opinião pessoal, tudo dentro de um escopo adrede determinado, pois nunca desejei escrever algo que não estivesse à altura da capacidade do leitor médio. Os que conhecem os meus livros já sabem que este é o meu ideal desde que me iniciei nas letras há mais de 40 anos. Escrevo para o povo.

Há provérbios cujo sentido escapa à observação do comentarista; adágios antigos, calcados dentro de uma sistemática coloquial, são de apreciação difícil. Não são muitos desse tipo. Outros, vários, relacionam-se com a vida hebraica ou provincial, com aplicações duvidosas ao nosso modo de pensar ocidental. De modo geral, há muito a lucrar nos ensinos que Salomão e seus cooperadores nos oferecem, mesmo descontando o que se deve atribuir a um pensamento oriental. O Livro dos Provérbios, feitos os descontos aqui referidos, tem uma mensagem para todos os tempos e todas as pessoas. É um repositório de sabedoria incalculável; bastaria dizer o que já é bem conhecido: Salomão, o seu principal autor e mesmo o total inspirador, foi o homem mais sábio da história humana, pois antes dele e depois dele nenhum outro se levantou com tamanhas credenciais. "Era mais sábio que todos os homens, mais sábio que Etã, do que Hemã, Calcol e Darda, filhos de Maol. Era mais sábio que todos os do Oriente e do que toda a sabedoria do Egito" (I Reis 4:30,31). Esta sabedoria lhe foi dada por Deus, ao declarar: " ... antes de ti não houve teu igual e nem depois de ti o haverá (I Reis 3:12). já então não há qualquer dúvida sobre a sabedoria de Salomão e os Provérbios são o que se poderia chamar a sabedoria cristalizada. O Livro dos Provérbios nem carece de interpretação; eles se interpretam por si.

A primeira parte do livro, que trata da Sabedoria e sua origem, vale por tudo quanto se possa dizer ou imaginar. Conforme a interpretação geral, é o próprio Cristo quem fala. Ele é a Sabedoria em pessoa. O capítulo 8 é a cristalização desse saber. Isso por si só recomenda o Um, e este autor, se outras vantagens não provierem deste Estudo, senão a vulgarização dos primeiros capítulos, já se sente compensado das horas longas que gastou nesta obra. Os que conhecem o meu livro sobre Doutrina da Trindade no Velho Testamento, já sabem que eu adoro Jesus Cristo na sua sabedoria dos primeiros capítulos de Provérbios. Assim, se aprouve a


Jesus oferecer uma introdução a este livro, como a que temos nos referidos oito capítulos, é porque o livro vale por uma revelação da sabedoria divina, transposta para os domínios humanos.

Os jovens que desejam uma vida feliz e equilibrada, que almejam um manual que os instrua sobre os perigos da prostituição, têm aqui uma resposta. Os que pretendem casar e saber escolher uma companheira, têm aqui o conselho. O rico e o pobre, o sábio e o de menos saber, todos podem encontrar no Livro em estudo a norma de conduta e equilíbrio para a vivência na família humana. Se eu tivesse recursos, mandaria fazer uma publicação do tipo de livro de bolso e ofereceria um exemplar a cada rapaz e a cada moça da minha terra. Falo com sinceridade. Assim, ponho este Estudo popular na mão dos leitores, com a oração a Deus para que sejam proveitosos os momentos que gastarem na sua apreciação.

Não posso esquecer a valiosa cooperação que a minha esposa-secretária me deu, até mesmo em consultas feitas, no preparo do livro. A ela ,o agradecimento meu e de todos os que amam a Bíblia.

Rio de janeiro, setembro de 1972

Antônio N. de Mesquita


1 - INTRODUÇÃO 1.1. QUEM ESCREVEU PROVÉRBIOS.?

O livro começa com a declaração: Provérbios de Salomão, filho de Davi, Rei de Israel (1:1). Está então declarado que o autor foi Salomão? Nem tanto assim, porque em diversos lugares se afirma que há seções que não foram escritas por Salomão, como 22:17, onde se aconselha, se deve ouvir as palavras dos sábios. Em 24:23 ainda se declara: são também estes provérbios dos sábios. Em 25:1 afirma-se os provérbios seguintes serem de Salomão, mas escritos pelos homens de Ezequias. O capítulo 30 introduz uma seção atribuída a Agur, filho de Jaqué, de Massã. O capítulo 31 diz o seguinte: Palavras do rei Lemuel, de Massá, as quais lho ensinou sua mão. Os rabinos ensinam que Ezequias e seus homens escreveram Isaías, Provérbios, Cantares e Eclesiastes.1 Isso não significa que estes homens tenham escrito esses livros, mas, sim, que os editaram ou puseram em ordem. Sabemos que o livro de Isaías não está na forma em que as profecias foram apresentadas ao povo, nem mesmo as de Jeremias, pois há muitas que foram proferidas depois de outras registradas, isto é, não estão na ordem cronológica em que foram ditas. Houve, então, compiladores das obras clássicas dos judeus, e, quando fizeram esta compilação, não se detiveram em colocar as obras na sequência em que foram escritas.

Então, quem escreveu Provérbios? Salomão escreveu muitos, e até o Eclesiastes concorda com isso quando diz: e, atentando e esquadrinhando, compôs muitos provérbios, isto é, o Pregador Salomão (Ecl. 12:9; veja I Reis 4:32). Parece, então, que Salomão escreveu muitos provérbios, talvez muitos mais do que atualmente temos, embora isso não signifique que tenha composto o Livro dos Provérbios. Dá-se-lhe o nome porque ele foi, sem dúvida, o maior produtor, mas não propriamente o organizador do livro. Isso, todavia, não tira ao livro qualquer dos seus valores, pois o que interessa é a doutrina, e não o livro como tal. Um grande número de livros do Velho Testamento chegou às nossas mãos sem sabermos quem os teria escrito. Quem escreveu Josué, Juizes, Rute, Samuel, Reis e Crônicas? Não se sabe; e tudo o que se diz ou se escreve não passa de suposição. Nem por isso esses livros têm menos valia para nós. O que nos interessa é saber que foram aceitos como inspirados e reunidos à sagrada coleção, independente de quem teriam sido os seus autores. Antigamente não havia o que atualmente se chama de "direitos autorais", isto é, um homem ou mulher escreve um livro e ninguém pode dar-lhe outra autoria; é um direito reconhecido pelas leis modernas. Não era assim noutros tempos. lsaías escreveu as suas profecias; outro depois as reuniu em forma de um rolo (livro), e assim passaram à posteridade. Salomão proferiu muitos provérbios e teria escrito mesmo muitos que andariam disperses, como ditos oficiais, o que era normal entre os sábios antigos. Depois alguém colecionou estes provérbios e lhes deu a forma de livro (rolo); e foi assim que passaram de geração à geração. Haverá qualquer prejuízo em admitirmos que Salomão não preparou este livro? De modo algum. Vale tanto tendo sido compilado por outrem, como se por ele mesmo.


O Prof. E.J. Young elaborou profundamente um trabalho em que chega à conclusão de que o Livro dos Provérbios como o temos atualmente deve vir da época pós-exílica.2 Esta é a posição humilde deste escritor. Os Provérbios e muitos outros escritos andariam disperses, como seria o caso dos livros de Esdras, Neemias e outros. Então os mestres de Israel teriam sentido a necessidade, levados pelo Espírito Santo, o Guardião das sagradas "letras, de coligirem e porem em forma de rolos esta história. Esta é uma das razões por que tantos fatos da história se encontram um tanto fora da cronologia, pois os colecionadores ou escritores dos livros não teriam tido a preocupação de fazer os seus registros obedecendo rigorosamente à ordem quando ditos fatos ocorreram. Esta opinião é também corroborada em outros termos por H.H. Rowley. 3 Os atuais rolos, descritos na linguagem canônica como Ketuyhlm, escritos denominados hagiógrafos pelos autores da Septuaginta, sempre fizeram parte da sagrada coleção, pois em 185 (?) a.C. o autor do Eclesiástico (não Eclesiastes) já os incluía no rol dos livros sagrados, ao todo 22 ou 24, segundo o número de letras do alfabeto hebraico. Se Lamentações de Jeremias for contado separado do livro do mesmo autor, e Rute de Juízes, teremos 22; porém, se os contarmos conjuntamente, teremos 24. Josefo, na sua contenda contra Apião, um escritor grego, alega que os judeus não tinham uma fábula de livros sem nexo como os gregos, mas apenas 22. Portanto, os livros que temos foram preparados ou por seus autores ou por seus amanuenses, muito antes de 185 a.C. A Septuaginta inclui apenas e justamente os livros que constam do Cânone hebraico, divididos em três seções: Lei, Profetas e hagiógrafos; e esta obra é dada como de 285 a.C., mais ou menos. Não temos, na sagrada coleção, qualquer livro do período grego, como pretendem alguns críticos. Todos os livros estavam catalogados muito antes deste período (333 a.C.).

1 Tratado Baba Batra, 15. 2 E. J. Young, An Introduction to the Old Testament, p. 328. 3 H. H. Rowley (editor), The Old Testament and Modern Study, P. 212-216.


1. 2. A ÉPOCA DE SALOMÃO

Salomão foi o maior sábio da antigüidade. Disto não temos qualquer dúvida, pois é o que as Sagradas Escrituras nos informam. Andava nos caminhos do Senhor e amava ao Senhor (I Reis 3:3, 9, 12), e por isso Deus o encheu de saber. Esta sabedoria foi devidamente testada no caso das duas mulheres que disputavam a maternidade de uma criança (I Reis 3:16-28). A sua sabedoria provinha de Deus, era sabedoria profusa como a areia do mar (I Reis 4:29). A sua sabedoria excedia a de todos os sábios do Oriente, incluindo os egípcios, conhecidos como os mais cultos entre os povos antigos (I Reis 4:30); e entre esses sábios são mencionados alguns dos mais famosos, como Etã, Hemã, Calcol e Darda, filho de Maol. A sua fama atingiu os limites de todo o Oriente, e todos vinham a ele para o ouvir. Até a famosa rainha da Arábia, por nós conhecida pelo nome de Rainha de Sabá, veio das longínquas areias escaldantes, com os seus camelos carregados de especiarias para presentear Salomão e ouvir o seu saber, ao final exclamando: Eu, contudo, não cria naquelas palavras (que tinha ouvido a respeito de Salomão) até que vim e vi com os meus próprios olhos. Eis que não me contaram a metade... (I Reis 10:6-8). Esta mulher, pelo que sabemos atualmente da sua então desconhecida terra, era uma das mais cultas do mundo, e até a famosa Hatshepsut, mãe adotiva de Moisés, mandou as suas naus à Arábia, a terra da Rainha de Sabá. Pela sua laconicidade, os sagrados escritos não nos contam as coisas como se passaram; dizem apenas o suficiente, embora queiramos mais. Salomão compôs três mil provérbios o foram os seus cânticos mil e cinco. Discorreu sobre todas as plantas (botânico), desde o cedro do Líbano até o hissopo, que brota do muro; também falou dos animais (zoólogo), e das aves, dos répteis e dos peixes (I Reis 4:32, 33). De todos os povos vinha gente a ouvir a sabedoria de Salomão (I Reis 4:34). Este notável homem foi o primeiro cientista do mundo antes que houvesse ciência no sentido moderno. Falar sobre as plantas, sobre os animais e até sobre os peixes do mar é qualquer coisa de que os reis daqueles tempos se maravilhavam (I Reis 4:34). Portanto, não temos qualquer dúvida sobre a capacidade de Salomão de escrever um livro como o de Provérbios. Lamentamos, sim, que não tenham sido preservados os outros conhecimentos de que nos fala o Livro de Reis. Além dos seus conhecimentos da natureza, era psicólogo e decifrador de enigmas (I Reis 10:1). Quais seriam estas perguntas cabalísticas, não se diz, mas podemos conjeturar que esta mulher veio mesmo disposta a pôr à prova o que tinha ouvido. e teria mesmo consultado os sábios do seu reino, para que lhe dessem enigmas para ela apresentar ao sábio Salomão.

Portanto, concluímos esta seção afirmando que Salomão poderia ter escrito o Livro dos Provérbios e muito mais do que isso. Não é, pois, a questão de seu poder e saber, mas de outras razões, que não estão ao nosso alcance explicar.


1.3. A SABEDORIA DOS ANTIGOS

Que sabemos da sabedoria dos antigos? Muito pouco ou quase nada. A sabedoria dos egípcios, com os seus sábios (magos), decifradores de sonhos (Gên. 41:8); os caldeus, que tanto trabalho deram a Daniel (Dan. 2:1-49; 5:1-27). Até os edomitas, conforme Obadias 8, um povo relativamente humilde. Que sabemos da ereção das pirâmides egípcias, especialmente a de Queops com o seu telescópio no vértice, para estudo das estrelas e dos astros; de Ptolomeu, o cartógrafo e astrólogo ou astrônomo, geógrafo e que mais? Os grandes poemas que nos vieram dos gregos famosos como Homero e outros. Repetimos: Que conhecemos dos sábios antigos? Conforme já dissemos, muito pouco ou quase nada. No entanto, Salomão a todos sobrepujou, porque a sua sabedoria foi dada diretamente por Deus. Tudo quanto uma cabeça humana podia receber Salomão alcançou. Digamos que Salomão foi o maior, mas não o único. Jeremias (18:18) menciona os sábios que tentavam disputar a sabedoria do profeta, e o mesmo profeta chegou a ficar assombrado com eles. O mesmo Jeremias se desdobra em esforço para conter os sábios dos seus dias, que pretendiam rivalizar com os profetas de Deus. Isaías confessa (is. 29:14) que Deus ia fazer coisas tais que os sábios ficariam confusos. Portanto, a sabedoria não era um patrimônio dos antigos povos, mas também dos israelitas. O Livro dos Provérbios se refere, outrossim, a alguns sábios que compuseram algumas partes deste livro, como se vê em 22:17; 24:22-34, ou pelo menos eram contados como os sábios daquele tempo. O verso 5 do primeiro capítulo contém um conselho aos sábios, para crescerem em sabedoria e prudência. Poderíamos admitir que muitos destes provérbios seriam produto destes sábios, que proliferavam em Israel. Especialmente a época de Salomão daria ensejo a que surgissem muitos sábios, tentando imitá-lo ou mesmo como subproduto de uma época de exaltada sabedoria. Em tempos de estultícia, parece que todos se tornam estultos, como, em época de sabedoria, todos se tornam sábios. Podemos até admitir que muitos destes provérbios venham de datas pré-salomônicas, como uma espécie de antologia filosófica, em que alguém se teria incumbido de colecionar ditos e frases, que andariam de boca em boca, como alguns que temos em nossos dias, como costumamos dizer: "Fulano disse; fulano escreveu." Admitiríamos então que o Livro dos Provérbios não será apenas um repositório da época de Salomão, mas de muito antes e muito depois. Se chamássemos a isso o LIVRO DA SABEDORIA HEBRAICA, não exageraríamos. Isto nos é demonstrado em alguns tópicos do mesmo Livro dos Provérbios.


1.3.1. Os Homens de Ezequias

Lendo em II Crônicas (29:25-30) entendemos que Ezequias promoveu intensa reafirmação religiosa e artística, quando foram revividas as palavras de Davi e Salomão pela voz de Gade, o vidente do rei Davi. Deve ter sido um momento de grande alegria em Judá, com respeito ao avivamento das coisas antigas, em que o passado se uniria ao presente, para dar o brilho que, em poucas palavras, o sagrado escritor nos revela. Pois todo este avivamento nos é transmitido de um modo novo em Provérbios 25-29. Como se vê dos textos sagrados, Ezequias fez muito mais do que nos diz II Crônicas, pois os trabalhos do seu grupo aparecem de forma muito mais sensível em Provérbios. Ezequias viveu 195 anos depois de Salomão, e 235 depois de Davi; portanto, diversas gerações mais tarde. Porém os ecos dos tempos gloriosos, tanto de Davi como de Salomão, estavam ecoando ainda nos seus dias. Podemos, pois, ver que a sabedoria não estava morta, e de tempos em tempos era revivida. Acredita A. Bentzen4 que os salmos de Davi e Salomão teriam sobrevivido em forma oral e Ezequias teria tido o impulso de reuni-los em volume, como se encontram, em parte, pelo menos, nos capítulos 25-29. A sabedoria dos profetas e poetas era cuidadosamente guardada em Israel; e o nosso livro deve representar não apenas a cultura de Salomão, mas de muitos outros ilustres varões.

4 A. Bentzen, Introduction to the Old Testament, Vol. II, p. 173, Copenhague.


1.3.2. Agur, Filho de Jaqué

Não se sabe quem foi Agur, e, se traduzíssemos a palavra por "Oráculo", como aparece em 30:1, então poderíamos ligá-la a oráculos de outras terras, como no caso de "Massá", uma tribo árabe descendente de Abraão por meio de lsmael (Gên. 25:14). Se pudéssemos manter essa ligação com um passado tão remoto, então concluiríamos que o veio literário, que desponta em Israel com tanto brilho, era comum também entre outros povos. Israel, por sua posição política e social, englobou muita coisa que pertencia a outros povos, adaptando e moldando esta contribuição de acordo com o sentimento nacional e o culto a Jeová. Seja quem for que tenha sido este Agur, não resta dúvida, ligar-se-ia a essa tribo de Massá. Era um poeta estrangeiro, louvando a Deus com a sua inteligência nativa. Quando estudarmos os seus provérbios, notaremos o estilo e qualidades próprias da sua terra tanto quanto possível.

1.3.3. Provérbios do Rei Lemuel

Quem foi esse rei, não sabemos. Sua mãe aparece como a produtora de alguns provérbios. A minha enciclopédia dá Lemuel como pseudônimo de Salomão, o que bem poderia ser. Em tal caso, a mãe de Salomão teria sido uma professa, ou, pelo menos, uma literata. Havia sido mulher de um capitão hitita, e os hititas foram um povo de renomada cultura, que agora está sendo devidamente apurada. Seria então Bate-Seba, mulher de Urias, mãe de Salomão, a autora de tantos lindos provérbios? O texto (Prov. 31:1) diz que Lemuel era também de Massá, a mesma terra de Agur. Se aceitarmos esta declaração como coisa real, então Lemuel não é pseudônimo de Salomão. Quanta coisa obscura, historicamente pelo menos! Fica para melhor explicação a origem desses personagens, Agur, Lemuel e sua mãe, que gostaríamos, fossem apenas pseudônimos do grande Salomão e sua mãe Bate-Seba, incluindo, já se vê, o profeta Agur. Um homem como Salomão poderia ser conhecido por diversos nomes, mesmo que este costume não fosse geral nos seus dias. Talvez o significado do nome Lemuel, "Amado de Jeová", nos ajude a compreender que deveria ser um personagem de Israel, e não um massaíta.

Já antes nos referimos à sabedoria de outros povos, como o Egito e a Babilônia, para não mencionarmos povos menores e de pouca influência na vida internacional. Isso nos leva a compreender que o Livro dos Provérbios bem pode resumir as culturas israelita e não israelita. Tem sido evocada a Sabedoria de Amen-en-Open, do Egito, para mostrar que a sabedoria não era patrimônio dos judeus apenas. Os versos 17-24 do capítulo 22 são, por alguns escritores, atribuídos a este sábio, devidamente adaptados em Israel. Deve-se notar que a descoberta relativamente recente dessa obra egípcia é datada de 600 a.C., mais ou menos, portanto, muito posterior a Salomão. Pensam alguns críticos que Amen-en-Open fez empréstimos ao


Livro de Provérbios, o que, se fosse aceito como real, valeria pela divulgação internacional da sabedoria israelita. É difícil a qualquer pesquisador acertar essas coisas antigas. Mesmo que a obra de Amen-en-Open, escrita em 30 capítulos, seja posterior a Salomão, como parece, nem por isso se pode ignorar a contribuição que os sábios deram uns aos outros naqueles distantes dias. Não haveria, é certo, o intercâmbio que existe atualmente entre escritores americanos e franceses com os brasileiros, porém havia intercâmbio em menor escala, sem qualquer sombra de dúvida. A vida de Moisés foi doada aos israelitas, entretanto, logo se espalhou pelo mundo inteiro e todos os povos participaram das suas belezas, numa adaptação própria a cada localidade. Não havia segredos literários entre os antigos. Por outro lado, admite-se que no palácio de Salomão proliferassem sábios de muitas nacionalidades, que trocariam entre si os seus "ditos", num intercurso literário muito à moda moderna. Sabemos que todos os povos da terra estavam representados em Israel pelos casamentos oficiais que Salomão contraiu, e, com estas princesas, vinham as suas damas e também os seus literatos favoritos. Se acreditarmos que a mesa de Salomão alimentava 25.000 pessoas, admitimos que muitos dentre elas seriam sábios e conselheiros estrangeiros, talvez o que nós conhecemos atualmente como embaixadores. Comparadas diversas doutrinas dos sábios egípcios e de outros, verifica-se que a doutrina dos sagrados livros canônicos se sobreleva à deles. O intercâmbio existente não conseguiu dar aos sábios étnicos aquele sabor de segurança que o Livro dos Provérbios denota. O livro já referido, de Amen-en-Open, que parece uma espécie de ressonância de Provérbios, e que cita até alguns deles, possui doutrina parecida com Provérbios, sendo, entretanto, muito diferente. O capítulo 6, entre outras coisas, diz: "Não te debruces na balança, nem falsifiques os pesos, nem causes danos às frações das medidas." Provérbios 20:10 diz: Dois pesos a duas medidas, uns e outros são abomináveis ao Senhor. Seriam mais do que naturais estas diferenças, no caso de uma transação entre um país e outro.5

5 Para um estudo completo, veja Ancient Near Texts, Relating to the Old Testament, de James Pritchard, Princeton, 1950. Também, The Wisdom of Amen-en-Open, em R. 0. Kevon, Filadélfia, 1931, ref. em Novo Comentário do Bíblia.


1.4. A FUNÇÃO DO LIVRO DE PROVÉRBIOS EM ISRAEL

Acredita-se, e com boas razões, que Provérbios e outras seções do Velho Testamento eram uma espécie de disciplina, pela qual a nação era guiada e conservada. Efetivamente, um povo que se oriente pelos ensinos de Provérbios terá de ser uma nação de sábios e justos. Estes preceitos, na sua real aplicação na vida, são uma interpretação do espírito dos profetas, pois, enquanto estes procuram manter o povo perto do Senhor, aqueles interpretam a vida nas suas relações com Deus e os semelhantes. Uns contrabalançam os outros e dão ao todo aquela segurança de vida que nenhum outro povo teve nos séculos passados. Como muito bem disse um escritor, a sabedoria não consiste numa contemplação mística do universo e de Deus, mas na objetivação pessoal do homem em suas relações com o divino Criador. Mudar os termos dessa combinação é o mesmo que arruinar a harmonia que deve existir entre Deus e a humanidade. Provérbios não trata apenas das relações do homem com Deus, mas também do homem com o homem, da esposa com o marido, dos pais com os filhos e dos filhos com os pais. Vê-se logo que esse ensino abrange todos os contornos da vida religiosa, social e doméstica; completa o currículo de relações humanas na sua complexidade e na sua conexão com Deus. Nada fica fora, e quem desprezar esses ensinos certamente está louco. Tanto quanto a religião não é um pragmatismo insosso, mas uma vivência real entre indivíduos e Deus, o Livro dos Provérbios é a Bíblia da contextualização dessas relações no círculo doméstico. O divórcio entre prática e vida religiosa é que tem arruinado o viver humano, como se a vida e a prática não fossem uma só coisa. Em nosso meio social brasileiro, é isso que se nota. Um homem é um bom religioso, vai à igreja, recebe água benta e faz as suas orações, a seu modo, todavia, durante a semana, rouba, como pode, o seu próximo. A religião do domingo não tem reflexo na vida diária da semana. Isso, em verdade, não é religião. É uma farsa religiosa. A nossa pregação evangélica pretende fazer a roda voltar ao que era antes e unir a religião à prática da vida, pois o contrário é pura hipocrisia, é falsidade. O dito comum: "Faça o que eu digo, mas não o que eu faço" é uma estúpida interpretação da natureza da religião. A Bíblia não sanciona tal conduta. Por isso todos os religiosos podem ir à igreja e praticar tudo mais que for do seu agrado durante a semana. Roubar o próximo e ir à igreja no domingo, uma coisa nada tem a ver com a outra. Isso Provérbios condena.


1.5. JESUS E O ENSINO DOS PROVÉRBIOS

Como não poderia deixar de ser, Jesus fez amplo uso dos ensinos de Provérbios na sua doutrinação prática. Muitas das suas parábolas estão calcadas em seus ensinos. Por exemplo, a parábola dos primeiros lugares, quando convidado para banquetes, está firmemente relacionada com Prov. 25:6,7, onde se lê: Não te glories no meio dos reis nem te ponhas no meio dos grandes, porque melhor é que te digam: sobe para aqui, do que seres humilhado diante do príncipe. A parábola do rico insensato está bem retratada em 27:1. Jesus, na conversa com Nicodemos, parece, copiou a palavra de Agur, filho de Jaqué em Prov. 30:4, a quando se refere ao povo, dizendo que a sabedoria é justificada por seus filhos, está citando Provérbios no seu todo. Se o espaço permitisse, poderíamos alinhar um grande número de passagens do Velho Testamento onde Jesus baseou o seu ensino.

Naturalmente, Jesus doutrinava alicerçado na sabedoria do povo, tomando por base o que conhecia da sua Bíblia. Grande parte do ensino de Jesus foi feito por meio de parábolas, justamente o tipo de ensino de Provérbios. A palavra, no hebraico mashal, é traduzida no grego por parábola. Quando Jesus falava ao povo, que ouvia e não entendia, estava se referindo a um tipo de adivinhação, muito familiar aos hebreus, com o significado de enigma (veja Mar. 4:11) que era o seu sistema de ensino a respeito do Reino de Deus. Uma interpretação de Provérbios à luz do Novo Testamento compreenderia um estudo a que não pudemos dedicar-nos por causa do espaço, e esta Introdução já está ficando longa. Pedro, parece, foi o discípulo que mais usou o Livro de Provérbios em suas epístolas, ou por ser o apóstolo mais íntimo do Mestre ou por suas possíveis leituras deste grande livro. Confira I Ped. 2:17 com Prov. 24:21; I Ped. 3:13 com Prov. 16:7; I Ped. 4:8 com Prov. 10:12; I Ped. 4:18 com Prov. 11:31, e assim com muitas outras passagens. Paulo, como não poderia deixar de ser, também usou Provérbios em suas epístolas como Rom. 12:20 e Prov. 25:21 e segs. Cristo, poder e sabedoria de Deus em I Cor. 1:24 e Prov. 8, é uma demonstração de como este livro era manuseado pelos apóstolos e primeiros cristãos.

Não devemos surpreender-nos com estas citações, visto como a Sabedoria em Israel era uma constante da sua vida, e os Provérbios e Eclesiastes eram grandes livros de toda hora. Se o nosso estudo do Novo Testamento levasse em conta o bebedouro da Sabedoria israelita, teríamos uma boa base para a exegese bíblica. Infelizmente isso não acontece, pois Provérbios é um livro quase ignorado pelos pregadores, que só se servem dele em casos especialíssimos. Não pensam assim os melhores comentadores do Velho Testamento, muitos deles, pelo menos, que consideram de grande valia este livro. Até que ponto os escritores do Novo Testamento entenderiam Provérbios, especialmente os capítulos 3-8, onde a Sabedoria assume grande papel, ignoramos, mas o certo é que não, desconheciam esse livro. A sua Bíblia em grego, para os que hão entenderiam hebraico, e seriam poucos, não esconderia o livro de Provérbios.


1.6. COMPOSIÇÃO DO LIVRO DE PROVÉRBIOS

De modo geral, já dissemos bastante. Resta agora uma breve digressão sobre o tipo de composição do livro. Está em forma poética, e consta de ditos e frases, alegorias comuns entre o povo e especialmente entre os sábios. O termo mashal deriva-se de uma raiz que parece indicar semelhanças, comparações. Portanto, um verso de Provérbios é uma comparação com outra verdade, que pode vir no mesmo verso ou, em uma antítese, noutro. Em muitos casos, os versos representam uma figura, que o Novo Testamento traduz por parábola, da qual Jesus fez largo usa em seus ensinos. Em muitos casos trata-se de máximas, aforismos, meios do povo entender e expressar verdades vulgares. Cada verso traz uma lição sobre um assunto ou outro, pertinente à vida diária. Há entre todos os povos certos adágios, certas frases, que fazem escola e são usados como máximas ou mesmo como doutrina entre o povo. Entretanto, é bom advertir o leitor que nem todos os provérbios constam dessas frases; todavia, são um resumo da Sabedoria hebraica em que o Cristo personificado nos capítulos 38, especialmente, dá a medida do seu valor ético e moral. Há também alguns discursos em ritmo poético, como nos capítulos 1-9 e 30-31. Não discutimos aqui os diversos tipos de poesia hebraica, com seus paralelismos, teses e antíteses, por falta de espaço, e mesmo não estamos fazendo um estudo da poesia hebraica, cabível em outros estudos. Na Septuaginta o livro recebeu nome qualificado de Paroimiai, que, traduzido em português, significaria uma boa dieta. O livro pretende ser um gula para o caminhante; então Paroimiai é o meio de levar o mesmo caminhante ao bom destino. No hebraico o livro tinha o título de M S U, que se lê com vogais ou sem vogais, como Mashal, provérbios em nossa língua. Os publicadores da Bíblia hebraica deram-lhe um subtítulo em latim de LIBER PROVERBIORUM, Livros dos Provérbios, como passou para as versões latinas. O termo grego Parabolê, parábola, tem também o sentido no hebraico de hidhah, "enigma", adivinhação; e foi assim que Jesus o usou quando, falando do Reino de Deus a um povo que não o entendia, empregava parábolas, e sem parábolas, enigmas, não lhe falava (Mar. 4:33, 34).


1.7. DATA DO LIVRO

Jesus Ben Siraque, em cerca de 130 a.C., em seu famoso livro Eclesiasticus (não Eclesiastes), livro incluído entre os apócrifos, declara no capítulo 47, verso 17, que Provérbios (também Cânticos) era livro de alta devoção entre o povo. Esta informação é muito valiosa por sua antigüidade e pela fonte de onde se origina, pois Jesus Ben Siraque é universalmente considerado um dos mais admirados escritores daqueles dias. Os tradutores da Septuaginta, em 280 a.C., já incluíram Provérbios na sua tradução, ao qual deram o nome de Paroimiai Portanto, quase três séculos antes de Cristo, Provérbios era um livro acatado e reconhecido como inspirado.

Nunca houve entre os rabinos qualquer discussão quanto à sua canonicidade, e, sim, quanto à sua autoria, como aconteceu com Eclesiastes e outros. Portanto, é um livro que sempre foi considerado inspirado, e os judeus devem ser reconhecidos como a autoridade máxima nesse campo, pois era um livro da sua biblioteca sagrada. A influência que este livro exerceu em Israel, a mesmo fora dele, pode ver-se pelas citações de obras egípcias, como no poema de Amen-en-Open do Egito. Não seria boa política discutir essas conexões entre Provérbios e outros livros de povos étnicos, porque, no tocante à sabedoria, todos tinham os seus adágios e suas máximas. Muito antes de Moisés promulgar o Decálogo, já Hamurabi, da Caldéia, tinha publicado o seu, e há tão flagrantes similitudes em alguns capítulos, que muitos críticos não trepidam em afirmar que Moisés copiou de Hamurabi (ver o livro do autor sobre Êxodo). Portanto, Provérbios é um livro de alta antigüidade, mesmo que não seja possível determinar a data do seu aparecimento. Noutros Estudos, como em Eclesiastes, dissemos que os livros da Sabedoria, incluindo alguns salmos, teriam sido colecionados depois da volta do cativeiro babilônico, quando os judeus se voltaram para a sua Bíblia como jamais haviam feito. Possivelmente este livro teria sido confeccionado nessa época, reunindo matéria dispersa, e formando um todo tão harmônico quanto possível.

Parece-nos o suficiente o que acabamos de dizer a respeito de Provérbios e à guisa de INTRODUÇÃO. Diversas obras já foram mencionadas, onde os mais estudiosos se podem louvar, restando apenas adicionar artigos em enciclopédias e dicionários bíblicos, onde há abundante material sobre o livro. Como escrevemos, visando o povo e os estudantes da Bíblia de um modo geral, nunca desejamos aprofundar demais qualquer estudo sobre esses livros.


2 - TÍTULO E PLANO DO LIVRO

Parece certo que o propósito dos organizadores deste livro foi dar Salomão como seu autor, mesmo que nem todos os provérbios sejam de sua autoria, conforme vemos de 24:23, onde figuram como autores os sábios; 30:1-23, em que o autor se chama Agur, filho de Jaqué, de Massá; e 31:1-9, onde o suposto autor se chama Lemuel. Tirando estas seções, as demais foram fruto das atividades salomônicas, ou pelo menos de seus imediatos colaboradores. Portanto, não pecaram os organizadores do livro com a declaração: Provérbios dei Salomão, filho de Davi. Eclesiastes mesmo confirma que ele escreveu muitos provérbios (Ecl. 12:9; ver também I Reis 4:32). Quem pode afirmar que nas seções que trazem outros nomes estes não são apenas pseudônimos, como dissemos na Introdução? Acreditam alguns comentadores ser o nome de Lemuel dado a Salomão. Por que os ditos de Agur, filho de Jaqué, de Massá, não poderiam ser seus? Assim, não há censura para o primeiro verso deste livro. Os versos 1-6 são incontestavelmente dele e são como uma sentença elíptica, chamando o leitor a dar atenção ao que se segue.

O leitor é convidado a aprender sabedoria o ensino, para entender as palavras da Inteligência (vv. 2, 3). Esta introdução é categórica em que o livro se destina a conceder sabedoria e tino ou correção da vida, que é o sentido do termo traduzido em Heb. 12:5: correção que vem do Senhor. A intenção do livro é, pois, ensinar, corrigir e fazer capaz de entender os caminhos do Senhor. Isto o autor de Hebreus torna bem claro. Para obter o ensino do bom proceder, a justiça, o juízo e a eqüidade (v. 3), a fim de que os simples, os menos entendidos nas coisas de Deus, possam capacitar-se para os deveres da vida e da religião. Para dar... aos jovens conhecimento e bom senso ou siso (v. 4). Não padece qualquer dúvida o alvo do livro: instruir os simples, os de medos capacidade, os jovens, de modo que uns e outros sejam capazes de entender o juízo, a justiça e o bom comportamento na vida. Temos, então, uma cartílha devocional, onde todos somos ensinados nos deveres da justa, da equidade, do bom siso nas coisas da vida. Bastariam estas palavras introdutórias para justificar a existência deste livro na sagrada coleção. Toda a Bíblia tem este escopo: preparar o povo para os seus deveres religiosos, entender as palavras dos profetas, que estavam preparando o povo para a vinda do seu Messias (ver ls. 5:7 e 1 1:1).

Ouça o sábio a cresça em prudência, o entendido adquira habilidade (v. 5). Israel era uma nação de sábios, o que ninguém contesta, ainda mesmo hoje, quando as maiores conquistas científicas são produto da inteligência israelita. Sempre foi assim. Durante os dois mil anos da era cristã em que este povo tem perambulado pelo mundo, corrido daqui e dali, perseguido e destruído, como aconteceu na última guerra, quando 15.000.000 foram eliminados nos países do leste e da Alemanha, eles nunca deixaram de ligar a sua vida às melhores conquistas do pensamento. Será por isso que Provérbios chama os sábios a crescerem em prudência e sabedoria? Nunca se ouviu que judeus formassem complôs anarquistas para derrubar


governos, sempre dedicados ao trabalho, cooperadores dos governos. O Brasil deveu muito a esta gente nos dias coloniais, quando junto aos administradores eram os seus conselheiros, muita vez. Se o mundo fosse privado dos ensinos da Bíblia, cairia como fruto podre. Isso já aconteceu na Idade Média, ao ficar a Bíblia escondida nos mosteiros, longe do povo. Que sucedeu? O mundo entrou na idade das trevas e da ignorância, e não foi sem motivo que os historiadores deram a esta quadra de 1.200 anos o cognome de Idade Média, isto é, época entre o classicismo romano e a renovação humanista do século XVI, promovida pela publicação dos livros da Bíblia. Quaisquer restrições que porventura se façam a esta gente, que não era e não é perfeita, não poderão esconder a sua contribuição às ciências, às letras e ao progresso. Diz-se que todas as grandes descobertas no terreno da fisiologia, da física e da química são patrimônio dos judeus. Durante a 11 Guerra Mundial, quem orientou a Inglaterra nos laboratórios foi Ben Gurion, célebre químico, depois guindado à Presidência do novo Estado judeu. É um crime dos árabes pretenderem, por motivos políticos, destruir esta gente e reduzi-la a párias, como eles mesmos são na grande maioria. Não sou político; sou historiador, e levado a escrever estas palavras a propósito da recomendação de Prov. 1:5, em que o sábio é convidado a adquirir sabedoria e mais sabedoria. Quem não se lembra de Einstein, falecido há pouco? A sua teoria da relatividade revolucionou as ciências físicas e os conhecimentos gerais nesta matéria. Por que prosseguir? Que a Bíblia faz sábios, nós sabemos e todos admitimos. Faça-se uma comparação com as nações ditas evangélicas e as não evangélicas. Infelizmente, nesta época de loucuras, muitas delas se desgarraram, embora isso não milita contra o fato de os povos da Bíblia serem mais cultos e mais progressistas. Uma comparação talvez sujeita a críticas seria a dos EE.UU. e o Brasil, ambos colônias, aquele da Inglaterra, e este, de Portugal. Que diferença! Ambos da mesma idade e feitos com elementos europeus, aqueles evangélicos e estes católicos romanos.

Para entender provérbios e parábolas, as palavras e enigmas dos sábios (v. 6). Provérbios são ditos concisos, máximas que encobrem muitos ensinos, o mesmo que parábolas e enigmas. Isto é tudo que os Provérbios tentam ensinar, e, para tais conhecimentos, só mesmo muita argúcia e muita sabedoria. O sentido exato destes termos não é bem conhecido, mas refere-se a coisas menos conhecidas e menos entendidas. Quando Jesus se dirigiu ao seu povo e lhe falou do Reino de Deus, que acabava de chegar, falou-lhe por enigmas (Mar. 4:13). Mesmo sendo a sua linguagem corrente, o sentido era obscuro para os ouvintes. Algumas vezes um provérbio é traduzido por "dito picante" ou agudo, uma espécie de "chiste", coisa não bem clara. Para entender tal linguagem e tais significados, são os sábios convidados a crescer em prudência e saber (v. 5).

O verso 7 forma uma espécie de tema do livro: O temor do Senhor é o princípio do saber. A palavra princípio, em hebraico reshith, tanto é norma como começo. Tudo tem um princípio, uma forma de começo, e, se alguém desejar sucesso, tem de ter um início determinante. É um ponto de partida. Temer a Deus e suas leis e ordenanças é seguro caminho para a felicidade. Esta palavra ou frase ocorre muito em Eclesiastes (3:11; 7:8; 8:23; 9:10 o segs.). Em Provérbios ocorre três vezes (1:7; 8:22, 23). Quatro vezes em João (1:1; 6:64; 8:25; 15:27). Esta é uma


palavra-chave para a vida, como o é a frase O TEMOR DO SENHOR É O PRINCÍPIO DO SABER. Como poderia a criatura humana, frágil e inculta quanto aos planos divinos, orientar a sua vida à revelia de Deus? Muitos assim fazem, porém as conseqüências aí estão para todos verem. Deus é a fonte do saber, e, se nós queremos saber alguma coisa, não podemos ir bater noutra porta. Jesus é o caminho, e a Verdade e a Vida (João 14:3). Se comparássemos este verso com tantas outras escrituras, concluiríamos que tem razão o autor do livro. ls. 11:5, referindo-se a Jesus porvindouro, diz: A justiça será o cinto dos seus lombos o a fidelidade o cinto dos seus rins. Foi assim com o Messias e será assim conosco, se aceitarmos o princípio do saber. Só os loucos desprezam este saber (v. 7).

Com esta introdução maravilhosa, estamos em condições de entrar no estudo do livro. Fica perfeitamente entendido que vamos tratar de sabedoria, entendimento, provérbios, palavras e enigmas, e, para discernir tais ensino, é preciso mente clara espírito sintonizado com o Espírito Santo de Deus. Menos disto não basta para entendermos o nos apropriarmos deste grande livro.

3 - TREZE CONSELHOS A RESPEITO DA SABEDORIA (1:8-9:18)

Estes Estudos versarão sobre conselhos dados a respeito da Sabedoria, representada por figuras, mas, sem qualquer sombra de dúvida, referindo-se a Jesus pré-encarnado, especialmente 8:22-36, trecho que trata de uma pessoa ensinando a sabedoria de Deus. Tomemos, pois, estes conselhos como vindos de cima, das alturas, onde mora a suprema Sabedoria. No decorrer de nosso estudo, melhor veremos a função e o ensino a respeito da sabedoria e das suas origens (v. 1). O vocativo "Filho meu" inicia cada lição ou conselho oferecidos pela própria Sabedoria. O conjunto desse ensino da Sabedoria tem o tom de um Mestre que se dirige a seus alunos e procura trazê-los à realidade da vida. Trata-se, assim, de alguém que aconselha. Quem será essa pessoa? Como já foi notado antes, a Sabedoria é personificada em Jesus preencarnado. Ele é a Sabedoria em pessoa e é quem fala nessas lições, mesmo que nem sempre sua presença seja notória. Vamos, pois, estudar os conselhos da Sabedoria com o espírito de quem deseja aprender e ser feliz no seu viver, pois, sem este saber, a vida se tornará estulta e até perigosa.


3 - TREZE CONSELHOS A RESPEITO DA SABEDORIA (1:8-9:18) 3.1. EVITA AS MAS COMPANHIAS (1:8-33) 3.1.1. Conselho de pai (1:8-19)

Filho meu, ouve o ensino de teu pai. A sabedoria aqui toma a forma de Pai. É uma representação da Lei de Moisés: Torah O ensino da lei para o judeu era como um diadema de graça para a cabeça e o modo seguro de não se perder no caminho. Quem usava este diadema se distinguia dos demais pecadores. Era como o guerreiro que voltava vitorioso da batalha e triunfalmente entrava na sua vila ou cidade. Não só o diadema da cabeça, mas o colar de pérolas para o pescoço. Não se pode desejar figura mais insinuante e sugestiva do que essa: um moço com diadema na cabeça e colar ao pescoço. Seria distinguido de todos os seus companheiros. Isso é o que o paralelismo indica, quando compara este filho do versículo 9 com o do versículo 10, sendo seduzido por outros a buscar os caminhos do pecado. Uma comparação desse ensino com o de Deuteronômio (4:9; 6:7; 11:19; 32:46), quando o hebreu é solicitado a conservar os ensinos recebidos, para por eles ter direito à vida feliz prometida, sem a qual tudo se tornaria fútil e sem sentido, é urgente.

(1) Filho meu, se os puladores querem seduzir-te não consintas... (vv. 10-19). É o convite aos desvãos da vida, e note-se que é sedutor o oferecimento. 1 Primeiro uma emboscada para o crime, para derramar sangue, coisas tão comuns no oriente antigo e ainda hoje em toda parte. O conselho é: RESISTE. Vem, a seguir, uma série de propostas, cada qual mais perniciosa. É o roubo organizado em quadrilhas, tão do sabor moderno em muitos lugares e muito comum no oriente antigo como nos Informam os textos, de modo geral e especialmente Os. 4:2; 6:8 e outros. Também o Salmo 10:8. Oséias viveu essa era de violências e roubos generalizados e disso nos Informa em traços escandalosos. Nos dias de nosso Mestre, Isso ainda acontecia, como nos Informa a Parábola do Bom Samaritano (Luc. 10:25-37). Como não há crime "perfeito", os malfeitores, dia mais, dia menos, são apanhados e pagam na cadela o seu desvio. Quantas vidas futurosas são arruinadas para sempre por tais crimes. O crime organizado, metódico, diriam, "científico", é sempre crime. Houve um Italiano em Chicago, nos EE.UU., cujos crimes Iam ao desafio de polícia. Nunca ficava rastro por onde ser apanhado. Um dia, examinando-se a ficha de um homem na Secretaria do Imposto de Renda, verificou-se que não pagava Imposto conforme o "standard" social que levava. Feita a Investigação, foi o homem para a cadela. Escapou de muitos crimes, mas não escapou de todos.

A sedução era de encontrar muitos bens preciosos, pedras preciosas (v. 13), encher as suas casas desses bens e comer sem trabalhar. Havia ainda uma outra sedução: Uma só bolsa (v. 14), de onde todos se abastecessem fartamente. Contra essas maquinações só há um remédio


para o judeu: fidelidade à sua lei, e para o gentio, fidelidade aos códigos. Sem o temor de Deus, não há segurança para o jovem. Conta-se que uma quadrilha de piratas (ladrões do mar), certa noite assaltou um navio. Depois reuniram-se para repartir o roubo. No final, sobrou um livro, que ninguém quis. O chefe ficou com ele. Era uma Bíblia. Leu-a e se converteu. Depois foi procurar os comparsas e os convidou um a um a se transformarem. Há uma estátua numa praça de Nova lorque, pela qual imortalizou-se no bronze esse ladrão convertido. Só a Bíblia e seus ensinos garantem a vida feliz do jovem.

1 Aconselhamos a leitura do livro do autor - A Doutrina da Trindade no Velho Testamento, à venda na Casa Publicadora Batista, Rio.

(2) Filho meu, não te ponhas a caminho com eles... (v. 1 5). Convites para uma vida aparentemente fácil, casa cheia de bens roubados à custa de sangue derramado, bolsa comum, tudo deve ser rejeitado pelo jovem, segundo a Sabedoria do Pai. Lendo estes versos, parece estarmos em dia com as notícias dos jornais de nossos dias, nas grandes cidades do Brasil, em que bandos armados se atiram contra bancos, casas comerciais, e levam grandes quantias. No decurso do tempo são pegados, um a um, e lá se vão vidas preciosas apodrecer num cárcere ou na sepultura. O conselho é: Não te ponhas a caminho com elas... (v. 15). O verso 16 não consta na Septuaginta, mas pode ler-se em lsaias 59:7, cujo texto foi usado por Paulo em Romanos 3:9-18. Os tais estão irremediavelmente perdidos.

O verso 17 tem uma figura que parece deslocada do seu centro de ensino, quando diz: Debalde se estendo a rede à vista de qualquer ave. Talvez o autor inspirado queira ensinar que a ave representa os ladrões, e alguns comentadores assim pensam, sendo os ladrões cegos às conseqüências dos seus feitos. Todavia, também parece que essa explicação não diz tudo. O ensino parece ser este: assim como se estende uma armadilha para apanhar uma ave se estende uma armadilha para prender um jovem. Uma vez armado o laço, a ave cai nele. Cuidado, moço, com o laço que os malfeitores te armam, parece ser o ensino do verso 17. Quantos jovens caem, como aves incautas, nos laços armados pelos espíritos mal orientados. Ordinariamente só se encontram jovens metidos em quadrilhas. Não são homens de 50 anos, a não ser por exceção. A imaturidade da vida, a falta de experiência, é que levam tantos jovens à ruína.

Os versos 18 e 19 descrevem a sorte inevitável dos que se entregam ao crime. Emboscados, esperando a hora de avançar, é quando a polícia os apanha ou um delator os bota a perder. Tal é a sorte de todo ganancioso (v. 19), de quem quer enriquecer sem fazer força, do que não se contenta com o fruto do trabalho honesto, que, sendo pouco, é muito, enquanto outro fruto, sendo muito, é nada. Não se conhece fortuna ganha por meio do crime. O diabo a dá e a


toma. Assistimos, nestes dias, a prisão de contrabandistas de entorpecentes, em que milhões estão empregados. Já ganharam muitos milhões noutras aventuras, mas esta de agora sobrepuja todas as outras. Um contrabandista de heroína foi preso em Marselha, na França, com um carregamento do alimento para o vício calculado em 420 milhões, o bastante para abastecer durante um mês os viciados da América. Outros e outros vão sendo pegados. Possivelmente uns escapam, mas quem pode garantir isso a um? Não vale a pena tentar enriquecer sem fazer força, sem suar... a este espírito de ganância tira a vida de quem o possui (v .19). Voltamos a dizer que o crime não compensa. Esta foi a confissão de um criminoso convertido na cadeia, que depois se dedicou a trabalho honesto, vendendo Bíblias. "O crime não compensa." Este é o ensino dessa seção de Provérbios, onde os moços são advertidos de que a escada do crime leva à ruína.

3.1. EVITA AS MAS COMPANHIAS (1:8-33)

3.1.2 A Sabedoria clama nas ruas (1:20-23)

Aqui a Sabedoria é personificada; vai falar pessoalmente, enquanto, na primeira seção deste Estudo, falou por meio do Pai, ao aconselhar o filho a ter cuidado. A Sabedoria é de Deus, e, segundo a nossa interpretação, é Jesus quem fala. Portanto, é Deus quem fala. Ela vai às praças, sobe aos muros da cidade e clama, mas a juventude transviada não a ouve; o povo é surdo aos seus apelos. Temos em mente os clamores dos profetas, através de toda a história de Israel, procurando trazer o povo para perto do seu Jeová, mas de nada valeu esse clamor. O povo rebelde, endurecido na rebeldia, foi levando a sua vida, até cair nas malhas dos conquistadores. Parece que essa parte resume os apelos dos profetas Oséias, lsaías, Jeremias e outros. Se assim é, os seus convites servem para nós também e para todas as gerações, em todos os tempos. Isaías, nos capítulos 28-31, faz um apelo ao povo para que confie em Jeová, e não em alianças políticas. De pouco valeu. Assim, aqui, a Sabedoria levanta a voz, mas ninguém lhe dá ouvidos. Então chama os néscios, e depois os escarnecedores e os loucos para que dêem ouvidos. São três classes de pessoas que desprezam a Sabedoria. Há multa gente néscia, simplória, que se deixa levar por qualquer conversa; e há os que escarnecem dos conselhos e zombam daqueles que os desejam trazer para o bom caminho, alegando que não é tanto assim, porque fulano está rico e feliz e eu continuo pobre, dizem. Os loucos ou tolos aborrecem os conselhos. De todos, os piores são os escarnecedores, os zombadores, que torcem os lábios, mostram os dentes, arreganham a boca e se contorcem em mímicas


desonestas, contra os conselhos da Sabedoria. Estes facilmente levam os néscios, e até os loucos, ou tolos, noutros versos, os quais facilmente se deixam ilaquear pelas lábias dos zombadores. Para tal gente não há remédio, senão a experiência amarga e tardia. No hebraico o termo louco é nabhal, o mesmo nome do marido de Abigali, conforme I Sam. 25:36. Louco, grosseiro, Incapaz de reconhecer um conselho e um bom feito. O termo hebraico Ewil, para escarnecedor, descreve um sujeito incapaz de diferençar um bom conselho, e parece-se muito com o outro termo, Quezil, o tolo. É termo mais brando, porém nem por isso menos significativo, pois sua insegurança é sinônimo de loucura. Assim descreve esta seção uma súcia de indivíduos que são a escória de uma sociedade e levam muitos à perdição. Parece, estamos a ver uns moços que zombaram do profeta (I Reis 2:23, 24), e cujos resultados foram funestos para eles.

O verso 22 é um resumo dos versos anteriores. Até quando, 6 néscios, amareis a necessidade? o vós, escarnecedores, desajareis o escárnio? o vós, loucos, aborreceis o conhecimento? Até quando? Há um limite para a paciência divina, e a Sabedoria clama enquanto é tempo. Não constrói, essa vossa atitude; mudai de rumo, deixai a tolice e a maldade. Convertei-vos e vive!. Parece que estamos lendo Isaías 55:2, clamando para que o povo venha a Deus e viva. A Sabedoria está chamando, como, em Isaías 11:2, convidava o Espírito de sabedoria e entendimento. Todo este ensino é um proto-evangelho; o Messias clamando contra o pecado, os vícios, as más companhias. O Messias dos Evangelhos é o mesmo de Provérbios, e, por esta razão, este livro tem tanto valor.

3.1.3 A Sabedoria reage (vv. 24-32)

Estes versos representam a reação da Sabedoria ao desprezo dessa gente. O que agora para esse é uma alegre recusa aos conselhos dados, será mais tarde um remorso, justamente quando a Sabedoria zombar deles. Então a Sabedoria se rirá em seus rostos, como por tanto tempo riram-se dela. Este é um quadro dos Evangelhos quando Jesus pregava ao povo e riamse dele e zombavam do seu ensino. Quando o terror vier sobre essa nação zombeteira, então se virarão todos para a Sabedoria, e ela zombará deles. Jesus mesmo disse a essa gente: Buscarme-eis, o não me achareis (João 7:34). Quando vier a vossa perdição, como redemoinho, quando vos chegar o aperto a angústia (v. 27), então me invocares, mas ou não vos responderei (v. 28). Há um tempo de buscar a Deus, como diz ]saías, enquanto se pode achar (is. 55:6), enquanto a sua paciência não se esgota. Para tudo há um tempo


determinado, até para se crer. Há tempo quando a fé não opera mais. O autor conheceu um homem que pregava o evangelho a todos os seus conhecidos, e quando lhe inquiriam a razão de ele não ser crente, respondia: "Eu já rejeitei tanto que agora não posso mais crer." Certo chega esse tempo para muita gente, como diz a Sabedoria: procurar-me-ão, porém não mo acharão (v. 28). Há uma causa para esta recusa: rejeitaram o conhecimento, e não preferiram o temor de Deus, que é o princípio do saber (v. 7). Quem despreza o conselho de Deus sempre termina mal. Portanto, comerão o fruto do seu procedimento o dos seus próprios conselhos se fartarão (v. 31). Como pregador e pastor, temos visto gente que assiste a cultos toda uma vida e nunca se decide. Parece que o evangelho para tais pessoas é o mesmo que deitar água num cesto. Perderam o gosto pelos conselhos, e agora talvez nem sintam mais desejo de vir a Jesus. Essa a experiência de muitos pastores. Por sua resistência à verdade, muitos são destruídos, mortos por seu desvio, a os loucos, a sua impressão de bem-estar os leva à perdição (v. 32). É aparente o bem-estar dos que se desviam e parecem felizes na sua vida, e terminam arruinados. Isso parece-se com a Parábola do Rico Louco em Luc. 12:16-20. Superficialmente, tudo vai bem por algum tempo para os tais, até que o seu pecado os apanha. Este é o ensino da Sabedoria.

Mas o que me der ouvidos habitará seguro (v. 33). Segurança permanente, só para os crentes na Sabedoria de Deus, pois eles são como o crente do Salmo 23 - ainda que andem pelo vale da sombra da morte não temem (v. 4). O assunto é dar ouvidos à Sabedoria para viver seguro; tudo mais é precário e de pouca duração. É felicidade aparente. Como vemos, o Primeiro Estudo, ou Conselho da Sabedoria, é assim preconizado - felicidade e segurança para o crente; destruição e miséria para o rebelde.

3.2. BUSCA A SABEDORIA (2:1-22) 3.2.1. Filho meu, se aceitares as minhas palavras... (2:1-8)

Não há nada na terra dos viventes igual à Sabedoria, especialmente a Sabedoria de Deus. O ouro e a prata, as pedras preciosas, os amigos, o dinheiro e tudo que nesta vida tem valor, nada se pode equivaler à sabedoria, mesmo a considerada sabedoria mundana, adquirida nos colégios e universidades. Mas a Sabedoria que este capítulo ensina é outro tipo de sabedoria, é a sabedoria de Deus em Jesus Cristo, o Grande Mestre. Ele mesmo, quando em seus dias na terra, procurou inculcar nos seus ouvintes que as suas palavras eram a verdade, e que esta verdade é que libertaria o homem (João 8:32). Portanto, a sabedoria da terra é muito útil, e nós não nos ocuparíamos em diminuí-Ia. Entretanto, a sabedoria de Deus é suprema, para o


tempo e para a eternidade. Mal vão os que, imbuídos de saber literário, se sentem suficientes e capazes para os embates da vida, quando, para os solenes problemas do agora e do depois, só a sabedoria de Deus vale. Com esta observação podemos examinar o que significa e o que vale a sabedoria.

Esta seção do nosso Estudo e do sagrado texto oferecem três exigências: busca e diligência (vv. 3-5); o Senhor é a nossa sabedoria (v. 6); e, Deus vigia e guarda os que recebem esta sabedoria (vv. 7 e 8). Os princípios aqui envolvidos estão exarados noutras escrituras, como se a pessoa que fala aqui o fizesse noutros lugares. Quando Salomão teve aquele célebre sonho em Gibeão (I Reis 3:5-20), que pediu? Sabedoria para poder governar e dirigir o povo que ia cair sob a sua guarda. Não pediu dinheiro nem a vida dos seus inimigos, e, sim, SABEDORIA. Deus o ouviu no que pedia, e deu-lhe muito mais ainda: um coração sábio para entender os mistérios do governo divino na vida humana, quer das nações, quer dos homens. O mesmo sentimento Paulo expressa em Fil. 2:12-18, quando pede que os irmãos sejam sábios para entenderem os planos divinos.

O capítulo 2 começa com a mesma frase do capítulo 1:8: Filho meu. É a sabedoria falando como pai a um filho, que deseja bem encaminhado na vida, dando-lhe os conselhos que qualquer bom pai daria a seu filho. Então faz um apelo: ... se aceitares as minhas palavras o esconderes contigo os meus mandamentos... (v. 1), e continua até o verso 4, mostrando que o jovem deve atender à sabedoria do pai (v. 2), inclinar o coração para entender: e, se clamares por inteligência o por entendimento, alçarás a tua voz; se buscares a sabedoria como a prata a como a tesouros escondidos a procurares, ENTÃO entenderás o temor do Senhor (vv. 3-5). Parece que estamos lendo o Salmo 119, com as suas 22 seções de oito versos cada uma, ocorrendo em todos a palavra lei ou um dos seus sinônimos. Ali estão a Sabedoria e a prática da lei como garantia segura da vida humana. Se o rapaz buscar tais bênçãos, atentar para a sabedoria divina, inclinar o coração para Deus, voltar a inteligência para as coisas celestiais, buscar esta sabedoria como quem busca prata preciosa ou tesouros escondidos, será feliz. A palavra coração, em português, não inclui os sentidos que possui no hebraico, quando reúne todos os sentimentos e afetos do ser humano. Assim, se um jovem, filho de bom pai, inclinar o coração para o entendimento, será um moço equilibrado, pois todos os seus poderes estarão igualmente equilibrados. O erro de muitos jovens consiste em, após conseguirem certa cultura, desprezarem a do coração e a sabedoria que vem da divina Palavra. Daí o descalabro da mocidade em suas vaidades, suas orgias e seus devaneios sociais. As coisas do mundo, como a prata, o ouro ou o dinheiro, que esses metais simbolizam, são aquisições boas, e não devem ser desprezadas; a sabedoria de Deus, porém, sobreleva todos esses valores. Todos nós lutamos por prata e ouro (dinheiro), e sem ele não se pode viver; mas sacrificar outros valores espirituais ao ganho, ao lucro material é insensatez. Jesus mesmo, o Mestre deste capítulo, ensinou nos seus dias que a primeira coisa a fazer era buscar o Reino de Deus e a sua justiça, porque tudo mais nos seria acrescentado (Mat. 6:33; 13:44). A nossa vida neste planeta está cheia de sobressaltos, de valas a transpor, de obstáculos a vencer, e não há sabedoria humana suficiente para essas lutas. Especialmente, para guardarmos as veredas do


juízo (v. 8), isto é, andarmos na reta da vida e não descambarmos para as suas sinuosidades. O verbo "guardar" aqui tem o sentido de "vigiar", como quem presta

atenção ao que está para chegar. As antigas cidades tinham os seus torreões, onde, de dia e de noite, os vigias das portas se postavam para dar o alarme, a qualquer perigo que se avizinhasse. Essa idéia deve estar incluída na mente do pai e do filho, para que vigiem o caminho, a fim de descobrir os perigos que podem chegar. O salmista aconselha: "entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e ele tudo fará" (Sal. 37:5). O nosso caminho não nos é claro. Quem pode saber o que vem depois? Nas curvas da vida há emboscadas, e quem pode evitá-las? Só Deus pode, porque ele vê tudo que está adiante; para ele não há escuros nem imprevistos; tudo é claro. Então, se o rapaz lhe entrega o seu caminho, e ainda, por cima, o vigia, pode prosseguir seguro, sem receio de fracasso.

Se o jovem atentar para estas coisas, ENTÃO entenderá o temor do Senhor, que é o princípio de todo saber. Esta frase é muito comum em Provérbios, pelo menos em seis lugares, que deixamos de referir aqui para poupar espaço. A sabedoria vem do Senhor (v. 6), e da sua boca vêm o entendimento e a inteligência. Há muita sabedoria que vem dos homens e que não desprezamos, mas a sabedoria que vem de Deus é suprema. Elo reserva esta sabedoria para os retos e dá escudo para os que caminham na sinceridade (v. 7). O escudo era a arma dos antigos gladiadores e soldados para proteger o peito, a parte mais vulnerável do corpo. A figura vale pela guarda e proteção que Deus dá ao jovem que caminha na sinceridade, sem mentira, falsidade, palavras torpes, descaminhos de tantos, como os tolos e os néscios. Há um pacto que Deus oferece ao jovem que anda nos retos caminhos do Senhor: Conserva o caminho dos seus santos (v. 8), e garante as virtudes referidas no verso 9.

3.2.2 Os benefícios da sabedoria (2:9-19)

Podemos alinhar aqui diversos benefícios da sabedoria que valem mais do que o ouro e a prata, ou tesouros escondidos, pois estes se perdem, mas a sabedoria fica, Não morre com o seu possuidor, pois fica ainda para as gerações vindouras. O saber humano é um saber acumulado, em que gerações e mais gerações ajuntam, passam e deixam a sua riqueza. Ainda hoje os sábios constroem sobre o saber de Newton, no mundo da física; sobre Camões, nos domínios da poesia, e assim por diante. Quanto a fortunas, bem poucas permaneceram.' Os grandes tesouros acumulados por milhardários levaram destino ignorado. Ficaram um Rotschield, um Ford e poucos outros. O saber, que não tem família nem pátria, fica acumulado


para gerações sem fim. Até hoje não se sabe que destino levou o tesouro de Salomão, a sua imensa riqueza, as toneladas de ouro que guarneciam o templo e a sua casa. Para onde foram? Ninguém sabe.

Entretanto, o seu saber aqui está ante os nossos olhos, neste fabuloso Provérbios, no Eclesiastes e noutros livros. A sabedoria é o escudo da justiça, do juízo e da eqüidade, e sem ela não se entende a boa vereda da vida (v. 9). A sabedoria entra no coração, e faz o homem sábio. O bom siso te guardará, e a inteligência te conservará, para te livrar do caminho do mal e do homem pernicioso, que enche o mundo de coisas perversas. As livrarias estão pejadas de livros perniciosos para a juventude, a chamada literatura marrom, que a polícia uma vez ou outra joga no lixo. Estes são os homens maus que escrevem indecências para seduzir as mentes jovens, enquanto enchem a sua barriga de ganhos fáceis. Esta gente se alegra em fazer mal (vv. 11-14). Contra os tais só uma oração como o Pai Nosso, em que se pede a Deus que nos livre do mal, porque este é tão blandicioso, tão matreiro, que sua perniciosidade escapa ao pensamento de muitos. O verso 14 parece indicar certa qualidade de gente cujo prazer é fazer mal aos outros. É um sentimento sórdido, pervertido, doentio. Uma perversão dos sentimentos. Os tais seguem por veredas tortuosas e se desviam em seus caminhos (v. 15). Se o jovem entra num caminho tortuoso, por certo se desviará do caminho direito, porque uma vereda má conduz a outra, pior. Os grandes pecadores não nasceram assim, fizeram-se. Uma parenta nossa contava que, quando certa vez um criminoso, alcunhado de "Cabeleira", ia subir à forca, na cidade do Recife, pediu para se despedir de sua mãe. O pedido foi deferido e ela chamada para beijar o filho na desgraça. O "beijo" foi uma dentada que lhe arrancou a ponta do nariz, e depois ele explicou que a sua vida de crime tinha começado ao roubar um carretel de linha de uma vizinha, e sua mãe aceitou o roubo. Depois continuou roubando até ir à forca. A doutrina de lombroso, o grande criminalista italiano, peca em muitos aspectos. Ninguém nasce criminoso. Eles se fazem ao entrarem por caminhos tortuosos e se desviarem nos seus caminhos (v. 15).

3.2.3 Cuidado com a mulher adúltera (vv. 16-18)

A sabedoria livra da mulher adúltera e da estrangeira, que lisonjeia com os lábios, a mulher que abandonou os caminhos da sua juventude e se esqueceu dos preceitos de Deus (v. 17). A casa desta pervertida se- inclina para a morte. O homem sábio livra-se dessa gente, que faz do vício e do pecado o seu ganha-pão. É uma chaga social, que nada pode modificar, a não ser o poder e a graça de Deus. Quase já não há tais mulheres; e se o autor do livro de Provérbios


escrevesse hoje, diria que só o poder de Deus livra o jovem da promiscuidade social, em que dificilmente se distingue a mulher virtuosa da multidão de pobres pervertidas e desencaminhadas, aceitas no rol da gente bem. A adúltera, a quem assim se pode colocar o nome, não só peca contra o marido, como contra a lei de Deus, que diz: "Não adulterarás" (Êx. 20:14). A nossa sociedade está pervertida porque aceita e se acomoda a essa onda de prostitutas. Uma investigação feita num certo colégio nos EE.UU. revelou que entre as muitas moças não havia uma única virgem, e poucas não eram "promíscuas". É o caso de clamarmos a Deus, para livrar os nossos jovens de tais situações. 1 Todos os que se dirigem a essas casas de perdição, não voltarão o não atinarão (mais) com as veredas da vida, porque as veredas da vida destas pobres infelizes vão para o reino da sombra da morte (v. 18). Haverá coisa mais perniciosa, mais degradante, mais nauseabunda do que um "mercado" do sexo montado na Dinamarca, uma nação outrora luterana, isto é, evangélica? Não é sem motivo que as doenças venéreas na Dinamarca, e também na Suécia e na Noruega, são do mais alto índice em todo o mundo, e com estas doenças, o aniquilamento da juventude e o caminho da morte física, porque a morte moral foi a primeira que chegou. Só a sabedoria divina pode livrar um jovem desse caminho que conduz à sombra da morte e do aniquilamento. Os tais não atinam com a volta ao bom caminho. O Autor desta sabedoria, que é Cristo mesmo, pinta com as cores mais sombrias este quadro degradante, que, naqueles afastados dias, seria diferente. Somente Cristo pode nos livrar dessa e de outras pragas sociais; é por isso que os pastores procuram cuidar da sua mocidade, a fim de esta não cair em tais redutos do vício e do crime sexual. Infelizmente também há médicos e professores que encaminham os jovens para tal prática, sob a alegação de que é necessário à saúde. Se tal coisa pudesse ser aceita, então seria o caso de se rasgar esta página de Provérbios. As relações sexuais são boas e sadias quando praticadas de acordo com a moral e a higiene; e são mesmo bíblicas, pois Deus fez o homem e a mulher e mandou que procriassem, porém jamais em qualquer parte da Revelação se aconselhou a promiscuidade sexual, a busca da mulher ou da filha dos outros. Isso ocorre por conta de homens desfibrados, e não da boa saúde. A nossa experiência de muitos anos, lidando com jovens, é que os que se mantêm puros fora do matrimônio, os que não se tornam fornicários, são os mais atilados e intelectuais. Não pode ser sem razão que a divina Sabedoria aconselha a fugir da mulher adúltera e da mulher perdida.

1 Uma pesquisa mandada fazer pelo governo americano revelou que 459ó das mulheres americanas não chegam virgens aos 19 anos. Das entrevistadas, 60% tiveram relações sexuais com um homem durante um mês, mas a maioria tinha tido tais relações com diversos (jornal do Brasil de 1015172). Para onde vai a sociedade?


3.2.4 Uma volta depois do desvio (2:20-22)

Depois do verso 11, o autor fez uma volta ao redor de muitos crimes e vícios, para alertar o jovem dos perigos do caminho errado, para então voltar ao pensamento inicial (v. 11), de que o dom da sabedoria de Deus não só protege o homem desses maus caminhos, mas também o capacita para o desempenho dos deveres de uma vida reta e decente. Noutra linguagem, os que se desviam ficam fora do caminho do bem e fora de Deus. Os que se desviam de tais caminhos tortuosos, andarão pelo caminho dos homens de bem, e guardarão as veredas da justiça. É o caso de perguntarmos: Esses homens, que assim se desviam dos bons caminhos, poderão ensinar a justiça e a moral? Foi há pouco incluído no currículo escolar a disciplina de Moral e Cívica. Quem poderá ensinar esta disciplina? Só se por moral entendermos não roubar, nem perjurar, e por civismo, amar a pátria. Muito bom, mas não basta. É metade do ensino que se deve dar, se este é o caso. Os que andam pelos caminhos retos são os que habitarão a terra, e os íntegros habitarão nela, ou permanecerão nela (v. 21). A decadência dos povos sempre resultou da devassidão. Enquanto os romanos permaneceram puritanos, enquanto lutavam para construir o seu império, foram um povo invencível. Depois que se deram às suas saturnálias e bacanais, aos seus deboches, a nação caiu. Quantas nações têm caído assim? Por que caíram? Por causa do seu pecado e do seu afastamento de Deus e da moral. Nenhum povo vai permanecer na terra se pecar contra Deus. Nós nos sentimos horrorizados com o aborto livre, que o Presidente Nixon, dos EE.UU. reprovou na Comissão nomeada para estudar os problemas sociais, alegando que tal prática era uma vergonha para a nação (Revista Time de 17 de abril de 1972). Não vale alegar, que clandestinamente isso se pratica em grande escala até no Brasil. O responsável é uma nação dita cristã oficializar tal prática.

Os perversos serão eliminados da terra o os aleivosos serão dela desarraigados (v. 22). Diz-se que esta ordem de coisas em nosso planeta caminha para o fim. Acreditamos. Pode ser um fim causado por uma autodestruição ou determinado pela história divina. O fim há de vir, porque tudo que começa tem um fim, mas até que este fim chegue, os que viverem verão os resultados dos povos que se entregam ao deboche sexual e social. Não podemos agradecer a Deus pela pureza do Brasil, mas agradecemos porque ainda não descemos tanto neste sentido como os europeus. A terra. com sua plenitude, é do Senhor (Sal. 24:1; I Cor. 10:26) (Boa leitura é Sal. 31:1-11). Ora, se a terra, com tudo que tem, é do Senhor, então, sem qualquer dúvida, ele a dá a quem quer e a tira de quem quer. Isso está fartamente demonstrado na história. Os perversos e os aleivosos serão desarraigados da terra. Os povos que se entregam à dissolução e até a oficializam serão destruídos. Parece que estamos vendo o fim da gloriosa civilização, criada pela Reforma, quando as nações foram bafejadas pela Bíblia e depois se prostituíram. Nosso Senhor, nas bem-aventuranças, disse que os mansos possuirão a terra (Mat. 5:5). Mansos aqui não designa apenas o pacífico ou pacifista, mas os limpos de coração, que verão a Deus. Aí está a lição; aprenda-a quem quiser. De Deus não se zomba, pois tudo o que o homem semear, isso colherá (Gál. 6:7).


3.3. CONFIANÇA E OBEDIÊNCIA (3:1-10)

As promessas de Deus são sempre SIM. Jamais se comprovou que ele falhasse, mesmo quando aqueles a quem ele prometeu ajudar falharam. Esta é a história do povo judaico, que olvidou o cumprimento dos seus deveres religiosos, de fidelidade ao concerto feito com eles, e por isso quebrou o mesmo concerto, quando rejeitou o Messias prometido. Todavia, Deus manteve a sua palavra porque não podia falhar (Rom. 11:1, 2). Deus não rejeitou o seu povo. Deus é fiei aos que lhe obedecem, e esta é a grande lição deste terceiro conselho.

3.3.1 A Sabedoria chama o filho à ordem (3:1-4)

Note-se que a Sabedoria começou chamando o filho a precaver-se contra as seduções dos pecadores (1:8), contra a recusa em aceitar as suas idéias (2:1), e agora a não esquecer os seus ensinos (3:1). Em todas estas admoestações, ela, a Sabedoria, mostra que é a melhor coisa da vida, e, por ser pura e sóbria, contrapondo-se a toda perversidade, dolo e mentira, adverte que o filho não esqueça os seus conselhos, insistindo que o coração do filho guarde os seus mandamentos, para ter vida longa e feliz. Parece que estamos ouvindo Moisés no deserto, aconselhando os filhos a ouvirem e obedecerem a seus pais, para terem longa vida na terra (Êx. 20:12), e Paulo, quando advertiu os jovens a respeitar e amar a seus pais, para terem vida longa (Ef. 6:1, 2). Afirmam os teólogos que os pais estão no lugar de Deus, para a propagação da espécie, e por isso merecem todo o respeito e acatamento, como se fossem deuses. Há muita verdade aí. É isso que a Sabedoria aconselha ao Filho querido, para aumentar os seus anos de vida na terra. Esse é o tema desse conselho: sabedoria que, por sua vez, envolve respeito aos pais e, por seu turno, a Deus. Além da obediência aos pais, recomenda a Sabedoria que não te desamparem a benignidade, e a fidelidade, ata-as ao teu Pescoço, escreva-as na tábua do teu coração (v. 3) Não é muito fácil interpretar este verso. Benignidade (hesedth) parece que representa "amor-de-concerto" . O concerto feito por Deus com o povo mostra toda a benignidade de Deus, a sua bondade e paciência, para com quem nada tinha feito para merecer essa bênção. Ao contrário. Em Deut. 6:5 e Lev. 19:18, se ensina que amar a Deus de todo o coração é a suprema lei, e esta recomendação deve ser atada ao coração, enquanto Levítico manda ser benigno para com o próximo. O Grande Mandamento é: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma... ; e ao teu próximo como a ti mesmo." Então a benignidade é para com o próximo faltoso, que necessita misericórdia, como Deus a havia demonstrado para com o povo de Israel. Escrever na tábua do coração este mandamento é o mesmo que repetir Deut. 6:5. Pelo visto, o autor de Provérbios estava em dia com a lei. Fidelidade (hebraico emeth), vale por firmeza, e dignidade


e estabilidade, tudo em referência à lei, com os seus reflexos na vida do hebreu. Os termos correspondentes também valem, tais como sinceridade, compreensão e paciência. É assim que o Senhor se apresenta em Apoc. 19:11: Fiei e Verdadeiro. Estas qualidades humanas reúnem as demandas da lei no que respeita a Deus e ao próximo, bem assim as duas tábuas da lei. Quem não ama o próximo (irmão) a quem vê, como poderá amar a Deus? (1 João 4:20). Nisto se cumpre a lei.. Provérbios tem a norma divina do evangelho - Amar o próximo como a si mesmo; e, se alguém não ama o próximo, o amor de Deus não está nele. O conselho para que estas qualidades sejam atadas ao coração é um apelo dos mais incisivos, quanto ao dever do bom judeu e, por sua vez, do bom cristão (ver Jer. 31:33). Estas grandes qualidades do hebreu preparam o terreno para o verso 4, onde se lê: E acharás graça e boa compreensão diante de Deus e dos homens. Lembrando-nos de que é Jesus quem fala nessa Sabedoria, podemos entender o alcance dessas recomendações e dessa promessa de encontrarmos graça e boa compreensão (entendimento) diante de Deus e dos homens. Estas palavras resumem o Evangelho como se encontra em muitos passos. Lendo Provérbios, tão pouco conhecido, estamos lendo antecipadamente o Evangelho de Jesus, muito precioso. É certo que nada se encontra nos Evangelhos que não esteja no resto da Bíblia, Velho Testamento. Todavia, a impressão que se tem é que Jesus trouxe tudo novo para a economia humana. Por muitos lados podemos ver que deu uma interpretação nova da lei, como se vê em Mat. 5:7, mas o cerne desta interpretação estava na lei, mesmo que em outras palavras. Benignidade, fidelidade e graça são termos correntes no Novo Testamento. Esta linguagem prepara o leitor para o verso 5: Confia no Senhor de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento.

3.3.2 Confiança no Senhor (3:5-10)

Confiança de todo o coração é um postulado do evangelho. Reconhecer a. Deus em todos os departamentos da vida é o mesmo que amar a Deus de todo o coração. Os que se estribam em seu próprio raciocínio e se deixam levar por suas próprias conclusões estão errados. Quando a Escritura manda dar a Deus o que é de Deus, inclui aquilo que lhe devemos, e mais o dizimo das nossas rendas, costume que bem poucos praticam. O que prevalece em nossas relações com Deus é o nosso entendimento, o modo como entendemos as coisas do evangelho. Por isso o escritor inspirado recomenda que não nos estribemos em nosso próprio entendimento, porque podemos estar certos em nosso raciocínio, mas errados em relação a Deus. É como dizem os filósofos: Podemos raciocinar certo, porém com premissas falsas; então


o resultado tem de ser falso. Isso é o que acontece com a maioria dos cristãos. Essa condição de confiar no Senhor leva-nos ao verso 6, que diz: Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas. O texto sagrado admite veredas erradas, e há mesmo. Tornemos ao caminho reto, caminho feito por Deus, não nos estribando em nossos entendimentos, em nossos raciocínios, pois podemos estar errados mesmo sendo sinceros. A advertência "endireitar o caminho" é usada em ls. 40:3, em relação com a obra de Jesus, que, segundo a pregação de João, o Batista (Luc. 3:4-6), veio endireitar os caminhos tortuosos. corrigir as suas veredas. Vemos, por essa amostra, como as Escrituras se entrelaçam num mesmo sentido doutrinário, quer no Velho, quer em o Novo Testamento. Os que viajam pelo interior de qualquer país, especialmente pelo Oriente, sabem o que é endireitar caminhos e veredas, cheios de pedras e cabeços. Arredar as pedras e cortar os cabeços ou montículos é obra que os antigos não conheciam. Quando encontravam um montículo rodeavam-no, aumentando o mesmo caminho. O que o texto nos indica é que o Senhor endireita o nosso caminho e faz planas as nossas veredas.

Não sejas sábio aos teus próprios olhos... (v. 7). Não pretendas substituir a Deus em teus caminhos, não presumas, não de enfatues, não te ensoberbeças, dizem outros passos. É muito fácil uma pessoa julgar-se sábia aos seus próprios olhos, e entender que a sua maneira de nortear a vida é que vale. A recomendação é ser humilde, não se supor entendido nas coisas de Deus. Os grandes sábios foram e são, em regra, homens humildes e tementes a Deus. Conta-se que quando Benjamim Franklin entrava no seu gabinete, seu primeiro ato era abrir a sua Bíblia e orar, pedindo luz. A verdadeira sabedoria leva o homem a apartar-se do mal, pois Isto será saúde para o teu corpo o refrigério para os teus ossos. A Antiga Versão de Almeida diz: Isto será remédio para o teu umbigo o medula para os teus ossos. Preferimos esta versão. O umbigo é o começo da vida e, quando não é tratado logo ao nascimento, pode pôr em risco a vida do recém-nascido. A Septuaginta também traduz como a Versão Revista da SBB, porém a antiga versão neste ponto parece melhor.

Assim, em lugar de refrigério, medula, em lugar de saúde, remédio, e, em lugar de ossos, umbigo. Ossos sem medula não funcionam; é a sua base de existência. O temor ao Senhor determina todos esses favores divinos. Tais ensinos nos levam aos versos 9 e 10, onde lemos: Honra ao Senhor com os teus bens (tua fazenda), e com as primícias de toda a tua renda. A reverência devida a Deus leva ao reconhecimento de que é o Senhor de tudo, e então somos atraídos a honrá-lo com os nossos bens e com a nossa renda. Esta doutrina está em conformidade com Mal. 3:10 e 1I Cor. 9, bem assim com a parábola dos talentos e a das minas. A doutrina do dizimo e das primícias era preceito muito sério entre os hebreus. Podiam estar errados muitas vezes, mas nos pagamentos devidos ao Senhor eram pontuais, inclusive na remissão de todos os primogênitos de animais ditos impuros. Os primeiros frutos da terra eram trazidos ao templo para os sacerdotes, assim como os dízimos do azeite, do vinho, do trigo e de tudo quanto colhiam, sendo entregues ao mordomo para sustento dos mesmos. Quando os hebreus negligenciavam essa doutrina, os sacerdotes tinham de ir para as suas chácaras, cultivar a terra para comerem.


A verdade é que os crentes devem temer ao Senhor em primeiro lugar, para então entregarlhe os dízimos e as ofertas. Se, porém, não temem ao Senhor, não lhe pagam nada. É isso que acontece com 70% dos crentes; não temem a Deus e nada levam à sua casa. Será que isso ficará assim mesmo? Não, não ficará. O verso seguinte diz: E se encherão fartamente os teus celeiros e transbordarão de vinho os teus lagares. É fartura sempre ausente nas casas dos faltosos. Não há crente que prospere roubando a Deus, como não há crente empobrecido quando dizima a sua renda Agora todo brasileiro é obrigado a pagar 15% e até muito mais, conforme a sua renda, para o governo. Não pague, para ver uma coisa. Mas em roubar a Deus nada acontece; Deus não vem cobrar, como pensam os tais, e então podem ficar devendo. Este autor acha que Deus não perdoa. Mais dia menos dia, ele vem buscar o seu, de um modo ou de outro; e, não fora assim, de nada valeria a promessa. Uma virada ao Antigo Testamento ajudaria muito os crentes desobedientes e incrédulos nessa doutrina (ver Deut. 26:1-15 e referências). O Senhor, que ordenou a doutrina d o dizimo e das primícias, é o mesmo que exige em Provérbios, honra a Deus com os teus bens e com toda a tua renda,

3.4. DELEITA-TE NA DISCIPLINA DO SENHOR (3:11-20) 3.4.1 O deleite na lei do Senhor, o tema desta seção (3:11-15)

A Sabedoria é a única bênção, o único elemento, que pode trazer segurança à vida humana. Deus disciplina o homem, especialmente o salvo, que tanto recebe as graças agradáveis dadas por Deus, como as desagradáveis, que são o castigo. Bem poucas vezes entendemos esta espécie de bênção, que se nos afigura castigo ou então abandono da parte de Deus. O autor da Carta aos Hebreus não nos deixa em dúvidas a respeito, quando diz: Porque o Senhor corrige ao que ama e açoita a todo filho que recebe (Heb. 12:6). É a mesma doutrina do verso 12 de Provérbios: Porque o Senhor repreende a quem ama, assim como o pai ao filho a quem quer bem. Há meia centena de casos exigindo a repreensão, usados na Bíblia, pelo que podemos concluir que repreender ou castigar fazem parte da economia divina para a vida humana. Provérbios usa estas palavras 18 vezes, por onde podemos concluir que a sabedoria consiste em corrigir. Pais que não corrigem os seus filhos com amor arrependem-se muito tarde, quando já estão desviados e sem jeito. Outros os repreendem de modo desumano, o que também não corrige. Uma advertência aqui seria oportuna: corrigir o filho é querer vê-lo no bom caminho; não o corrigir é esperar que ele se desvie e se perca.

Com estas advertências, o escritor sagrado passa a outro assunto, a outro campo da felicidade, que é o encontro com a sabedoria ou o senso do bom viver. Parece que ao seu lado havia muitos preocupados em ajuntar riquezas, descuidando-se de Deus. Então ele vem e promete a sabedoria celestial como algo bem superior às riquezas da terra (vv. 13-18). Certamente, não se trata especificamente de sabedoria livresca, mas de sabedoria que nasce da comunhão com Deus. Esta sabedoria é mais preciosa do que o lucro que dão a prata e o ouro (v. 14). Mais


preciosa ainda do que as pérolas e tudo que se pode desejar não é comparável a ela (v. 15). O que possui tal sabedoria é mais feliz e seguro do que aquele que amontoa prata e ouro, que facilmente se podem perder. O verso 14 se parece muito com uma parábola de nosso Senhor, quando compara a salvação a uma pérola preciosa ou de grande valor (Mat. 13:45, 46). Nós já apreciamos, noutro local, que as riquezas produzem um bem-estar fictício, e, se puderem ajudar a viver um pouco, esta ajuda não permanece, pois até aos que morrem deixando fortunas, estas trazem consigo o germe de contendas entre os que vão herdá-las.

3.4.2 Algumas conseqüências da sabedoria (3:16-20)

Uma das conseqüências da sabedoria divina é o alongamento da vida (v. 16). A vida longa consiste em certa resistência orgânica, do bom trato que se dá ao corpo; entretanto, o seguir a sabedoria do Senhor é o fator principal de uma vida longa. Foi isso que vimos em relação ao temor que se deve aos pais, em que Deus promete longos dias na terra. Por outro lado, além da longura de dias, vem a riqueza, que outros buscam por outros caminhos. Na mão direita está a longura de dias, e na esquerda, riquezas e honras (v. 16). Isto porque os seus caminhos são caninhos deliciosos, o todas as suas veredas, paz (v. 17). Não há felicidade nas riquezas se não houver paz no coração. Isso vale por todo ouro que se possa ajuntar. A história já demonstrou sobejamente que dinheiro, como tal, não traz felicidade; só quando vem acompanhado de outros elementos, como o temor de Deus e obediência às suas leis. A sabedoria divina é árvore de vida para os que a alcançam (v. 18). Recordemos a árvore da vida que Deus colocou no jardim do Éden, e que Perown chama de árvore venenosa, salientando que tal árvore do conhecimento do bem e do mal era um veneno (Cambridge Bible for Schools and Colleges). Não concordamos com esse autor famoso, a não ser quanto às conseqüências do uso da liberdade de comer da árvore proibida. Em si seria boa, tanto que ela volta a ser oferecida aos crentes no Apocalipse (22:2). Aqui ela é um ornamento dado para a saúde das nações. Logo, não é uma árvore venenosa.

Os versos 19 e 20 são uma exaltação da Sabedoria divina, sabedoria que nos é oferecida. Foi esta Sabedoria que orientou o Criador ao fazer este Universo maravilhoso. Em João 1:1-3 somos informados de que o divino Verbo estava no princípio com Deus e por meio dele tudo foi feito, e sem ele nada do que foi feito se fez. O Divino Verbo criou o universo, e esta criação foi produto da sua sabedoria, que é aqui exaltada admiravelmente. Como já foi notado, esta Sabedoria em Provérbios é a sabedoria de Cristo, ou Cristo é a Sabedoria de Provérbios. Aqui não estamos lidando com a sabedoria comum, mas com a Sabedoria divina, personificada em Jesus pré-encarnado. É ele que fala aos homens do Antigo Testamento. É ele que admoesta os mesmos homens a se virarem para esta Sabedoria, que é ele mesmo. O verso 20 nos leva a Jó 38, quando Deus mostra que é ele quem governa os mundos, as nuvens, os trovões, os animais e tudo mais na face da terra. Pelo conhecimento desta Sabedoria, os abismos se rompem e as


nuvens destilam água (v. 20). O autor de Jó, capítulo 38 e seguintes, é o mesmo de Provérbios, especialmente de 1-9. É uma certeza feliz a gente saber que está lidando com a Sabedoria em pessoa quando medita nesses versos. Sentimo-nos mais perto do Senhor. Não há necessidade de especular, como fazem alguns comentadores, ao discutirem se é Deus quem fala aqui, ou se é uma personalidade dele, ou mesmo um destilamento de saber do autor do livro. Nós não temos tais preocupações. Para nós, é claro que o Cristo pré-encarnado fala aqui como fala no resto do Velho Testamento, através dos profetas. Por isso este livro, tão pouco lido, é para nós um manancial de sabedoria para a vida cotidiana, veio capaz de guiar o homem pelas suas veredas, até encontrar o único caminho que conduz ao céu (João 14:1-3).

3.5. OS EFEITOS DA SABEDORIA (3:21-35)

A Sabedoria não se extingue com uma série de observações para a vida. Vai mais longe e descobre os segredos mais profundos da vida mesma (v. 26). Somos, então, de parecer que um estudo tão exaustivo quanto possível desta Sabedoria só nos pode fazer bem.

3.5.1 A sabedoria e a segurança da vida (3:20-29)

A primeira bênção da Sabedoria e do bom siso é a vida da alma (v. 22). Alma (no hebraico nephesh, ou nefás, como se grafa agora) é o fôlego de vida, que Deus implantou no homem depois de lhe soprar nas narinas (Gên. 1:24 e 2:27). Em nosso Estudo no Livro de Ecleslastes, capítulo 3, examinamos um tanto exaustivamente a diferença entre o nephesh dos seres viventes e o nephesh do homem que foi tornado ser vivente depois de Deus lhe soprar nas narinas, transmitindo-lhe o fôlego da vida especial. Acreditam alguns comentadores que nephesh originalmente significava garganta, e daí passou a significar ser vivo. Ignoramos tal evolução do termo, pois em Gênesis é mesmo ser vivente. Pondo de lado especulações, que pouco adiantam, verifiquemos que a obediência à Sabedoria é saúde para a alma o adorno para o pescoço (v. 22). A saúde ou a vida da alma dependem da obediência ao Criador. O homem foi feito à imagem e semelhança de seu Criador, e só pode encontrar felicidade em comunhão com Ele. Fora disso, é especular sobre os caminhos da vida.


A segunda bênção é a segurança. Então andarás seguro no teu caminho e o teu pé não tropeçará (estropeará). Está assim seguro o que obedece à Sabedoria, e, até quando se deita, dorme em paz. Quando te deitares não temerás... a o teu sono será suave (v. 24). Nada como uma boa consciência, e um sentimento de dever cumprido. Isso dá um sono suave e descanso deleitável. É a promessa dos que obedecem à Sabedoria - Jesus Cristo. O pavor repentino ou a arremetida dos perversos, quando vier, não assustará o tal, porque o Senhor será a sua segurança, e guardará os seus pés de serem presos (vv. 26 e 27). Há, assim, uma multidão de promessas para os que seguem o Senhor. Esta foi uma grande parte da tarefa dos profetas: encorajar o povo a depender do seu Deus e a não temer os inimigos. Muito lucraríamos se dependêssemos mais de Deus e não tivéssemos medo dos perseguidores, que não nos poupam em suas arremetidas. Todavia, eles perdem seu tempo se estivermos seguros na mão de Deus. É isto o que a Sabedoria promete (vv. 23-26). O Senhor será a tua segurança o guardará os teus pés de serem presos (v. 26). Não há grilhões que nos prendam, estando nós seguros em Deus. Em verdade, não há segurança quando Deus está ausente. Foi isso que o salmista entendeu quando disse: Aquele que te guarda não dormitará (Sal. 121:3-5). Jesus mandou que o seu povo tivesse confiança nele, nos dias maus que haviam de vir ao mundo (Luc. 21:28 e segs.). O povo de Deus, de modo geral, é um povo confiante, que luta e trabalha, mas está seguro no Senhor. Nesse particular não carecemos de gastar muito tempo, pois só os desviados é que são medrosos.

Os versos 27-29 têm uma outra doutrina, a de ajudar os outros. Não te furtes de fazer o bem a quem de direito, estando na tua mão o poder de fazê-lo (v. 27). O verso seguinte ainda ilustra este requerimento: Não digas ao teu próximo: volta amanhã... (v. 28). Tiago é incisivo nesta doutrina de fazer o bem. É certo que muitas vezes somos explorados por pessoas que não merecem ajuda, pessoas preguiçosas, mas isso pode ser levado à conta de exceção. O pedido é não encolher a mão, quando alguém nos pede e se está em nosso poder ajudar. Cremos não se tratar, nesta escritura, de mendicância, tão comum em nossos dias, muitas vezes por exploradores e preguiçosos. Trata-se aí de ajudar o irmão pobre e necessitado. Este escritor tem sido muito explorado por irmãos, que pedem emprestado e não pagam. Se é ajuda que pedem é outra coisa.

A última recomendação deste tópico é: Não maquines o mal contra o teu próximo, pois habita junto de ti (v. 29). r= uma recomendação salutar, pois não poucos se deitam maquinando o mal contra alguém. A perversidade é algo que está fora dos que habitam na Sabedoria divina. Essa gente é pacífica, ordeira e não faz mal a ninguém. Os versículos 27-35 de Provérbios constam de uma série de preceitos comuns entre o povo, conforme as seções 111, IV, V e VI. Não demoraremos, pois, apreciando um dever social muito banal de ajudar, se podemos, e de não maquinar o mal contra ninguém.


3.5.2 Algumas normas ditadas pela Sabedoria (3:30-35)

Os sete versos restantes deste capítulo consistem de provérbios breves, como dissemos acima, nos quais há diversas doutrinas práticas para a vida do crente. A primeira delas é muito interessante, como vemos: Jamais pleiteies com alguém sem razão, se te não houver feito mal (v. 30). Pleitear com alguém sem motivo é uma indignidade, mas não poucas querelas nascem apenas de invejas e mal-entendidos. Nosso Senhor nos ensina a nos entendermos com o adversário antes de irmos ao juiz (Mat. 5:25). Diz-se que é melhor um acordo fora do tribunal, do que uma causa ganha na justiça. Isto, entretanto, se as duas partes se podem entender. Há gente pirracenta, que só deseja questionar, e para tais só mesmo a justiça. Todavia, como nos ensina a sabedoria divina, se não há razão, se ninguém nos causou mal, por que brigar? De um modo geral, até em nossas igrejas há questionadores, gente que se compraz em arengas domésticas, que só causam prejuízos. Fica então a doutrina: não questiones, se não foste prejudicado ou roubado. Por motivos justos, não estamos proibidos de ir à justiça.

A outra lição é interessante. Não tenhas Inveja do homem violento. .. (v. 31). Há indivíduos irrascíveis, arengueiros, que, por nada, armam um barulho e briga. Fujamos deles. Essas coisas não edificam, e, além disso, o Senhor abomina os perversos, mas os retos trata com intimidado (v. 32). Tanto o questionador como o homem violento, todos estão catalogados entre os que não temem ao Senhor. Esse verso, que diz o Senhor tratar com Intimidade os retos, é apreciado por um grande comentador como uma "atitude fraterna e confidencial" por parte de Deus. Deut. 11:26-28 trata das bênçãos de Deus aos que cumprem os seus deveres, aos humildes e amorosos. Os arrogantes, porém, ele despreza. Parece que Tiago 4:6 e I Ped. 5:5 têm muito a dizer sobre este povo, sobre a graça que Deus dá aos humildes, e o desprezo, aos arrogantes. Do ponto de vista social, nada justifica a arrogância, pois todos temos as nossas faltas e as nossas virtudes. Não se confunda arrogância com altivez, dignidade ofendida. Ela merece uma reprimenda, pois o arrogante é insultuoso, enquanto a altivez é uma defesa de princípios ofendidos. Cremos que o ditado sagrado refere-se a essa gente avalentoada, insolente, arrogante e presunçosa, que só enxerga a sua pessoa e os seus interesses. Esta é a opinião de um grande comentador de Provérbios, Oesterley.

A última lição deste tópico encontra-se nos versículos 33-35, quando o Senhor amaldiçoa a casa do perverso e a do arrogante, mas abençoa a casa do justo. Uma casa que pode contar com a bênção do Senhor é feliz e pacífica, onde não se trama contra o irmão ou o próximo, onde se cultivam a fraternidade e o amor. Lá está a bênção do Senhor (v. 33). Elo escarnece do escarnecedor, mas dá graça aos humildes (v. 34; ver ainda I Ped.3:10-12; 5:5). Finalmente, ele dá graça aos humildes, que é o oposto do arrogante.

O último verso tem mensagem especial para os que seguem esta Sabedoria divina: Os sábios herdarão honra, mas os loucos tomem sobro si a ignomínia (v. 35). Os que seguem a


Sabedoria apresentada em Provérbios são os sábios, que receberão honras dadas pela mesma Sabedoria, enquanto os que a desprezam, os loucos, sofrem ignomínia e desprezo. Deus sempre honra os que o honram e despreza os que o desprezam. Se a lição desse grupo de provérbios aproveitar aos poucos leitores destas notas, muito bem.

3.6. ADVERTÊNCIA AOS FILHOS (4:1-9)

O Mestre está ansioso por dar aos seus filhos, como alunos, as lições que sabe serão frutuosas nas suas vidas. É o pai que está chamando os filhos à ordem e ao ensino, e pede que ouçam e sigam as exortações paternas, pois darão à tua cabeça um diadema de graça a uma coroa de glória (v. 9). O pai de família se apresenta como professor e conselheiro e pede que olhem para o seu ensino e seu exemplo, porque vos dou boa doutrina; não deixeis o meu ensino (4:1). Usa de um argumento muito importante, ao solicitar dos seus filhos atenção para os ensinos, alegando que quando era filho ouvia os conselhos do pai (v. 3). Sentimos que o pai aqui ensinando os filhos é o Pai Celeste, desejando encaminhar os homens nas veredas certas e seguras, como tem sido visto noutros estudos anteriores (3:13-19). Desde os primeiros versos do primeiro capítulo, a Sabedoria se dirige como pai aos filhos - Filho meu.. . (1:1, 15; 2:1; 3:1; etc.). Foi Jesus quem trouxe para a terra a doutrina da paternidade de Deus, ou pelo menos quem a destacou, quando mandou que orássemos a Deus assim: PAI NOSSO ... Entretanto, a doutrina da paternidade divina está bem clara em Provérbios, mesmo que não o esteja como em Mateus 6:9-12. Tanto quanto o Filho obedece ao Pai, segundo João 8:38 e refs., e faz o que ele deseja, assim o pai em Provérbios fala ao filho, que, neste caso, somos nós, os pecadores remidos, justificados.

Ouvi, filhos, a instrução do pai e esta! atentos para conhecerdes o entendimento (4:1). É a doutrina, já exposta em diversos lugares nos capítulos anteriores, de que, sem obediência à Sabedoria, não há entendimento e os homens se tornam brutos ou tolos (2:1-10). Não há sabedoria perfeita quando se ignora o autor da mesma sabedoria. Todo saber vem de Deus, que é a sede da Sabedoria, como toda boa dádiva e dom perfeito vem do Pai das luzes (Tiago 1:17). O verdadeiro saber não exclui o divino, antes este o completa, e vão mal os que pensam as ciências e a filosofia por si sós bastarem para levar o homem pela vida a fora. Os tais vão mal. O Mestre aqui declara: Quando ou ora filho na companhia de meu pai, tenro o único diante de minha mão, elo mo ensinava e dizia: Retenha o teu coração as minhas palavras, guarda os meus mandamentos; adquiro a~doria o entendimento (vv. 4 e 5). A velha nota afirma: o que dá sabedoria e entendimento são os conselhos paternos, neste caso, divinos. Os avisos aqui oferecidos não são os de um pai terreno, mesmo que um bom pai possa dar a seus


filhos conselhos sábios. Todo o contexto reza pela mesma cartilha: sem esse conhecimento, não há glória nem ventura. Vale a pena ponderarmos um pouco nessa série de conselhos em que a vida (v. 4), a proteção (v. 6), a honra (v. 7) e o adorno (v. 9) são o corolário de um viver bem ordenado. O refrão é sempre este: adquire sabedoria, referência constante, como se vê em 2:1-5 e refs. Se pudéssemos comparar este saber, esta ventura, de penetrar nos arcanos do saber divino, entenderíamos melhor o que nosso Senhor diz nos Evangelhos. Uma comparação entre os ensinos do Novo Testamento e os Provérbios nos mostraria que o que fala ali, fala aqui. Infelizmente não podemos entrar no terreno de muitas comparações, por angústia de espaço. Os versos 6-9 são uma repetição dos anteriores, mesmo em linguagem diferente. O tom é o mesmo: Sê sábio, e não se aparte do teu coração esta sabedoria (v. 4). O coração é a sede dos sentimentos e dos afetos, especialmente na língua hebraica (e também na portuguesa), e por isso a insistência para que esta doutrina seja guardada no coração para governo da vida. Estima-a, e ela te exaltará; se a abraçares, ela te honrará (v. 8). Esta é a sabedoria que vem da Bíblia, a Palavra de Deus, e os Provérbios e Eclesiastes são os livros do Velho Testamento onde mais se insiste na obtenção deste saber, sem o qual a vida é insulsa, tola e fútil.

3.7.1. Os alunos são conclamados a ficarem firmes nas lições aprendidas (4:10-13).

O tema é: abomina a iniqüidade. Se o aluno se apegar à exortação do Mestre, a esta Sabedoria, então lhe serão multiplicados os anos da vida (4:10). Já anteriormente ele insistiu com os seus alunos que obedecessem à Sabedoria para que tivessem vidas longas, e nós fizemos referência a Êx. 20:12 e Ef. 6:1,2. Isso em conformidade à obediência aos pais. O saber dos ensinos de Deus é que prolonga a vida. Uma estatística feita há pouco, entre crentes e incrédulos, revelou que os crentes vivem mais, têm vida mais longa. Para sabermos disso, não carecemos de levantar estatísticas, pois basta saber que os crentes não são dominados pelos vícios modernos e antigos, não bebem álcool, não fumam, não perdem noites nas ruas, têm vidas morigeradas, e tudo isso é acumulado para prolongar a vida. O Mestre aqui faz esta lembrança no ensino a seus alunos. Não apenas vidas longas, mas vidas calmas. Em andando pelas veredas retas, não se embaraçam os nossos pés (vv. 11 e 12). Portanto, retém a instrução e não a largues, guarda-a, porque ela é a tua vida (v. 13). Há muitos modos de desviar a vida dos caminhos retos: estudos com professores descrentes ou ateus, leitura de livros que se comprazem a ensinar coisas contrárias à ciência, mas são ensinados em seu nome; companhias más, leituras perniciosas, um mundo de coisas que leva o aluno, o filho, a entrar por veredas tortuosas. As influências malsãs no meio estudantil, com os entorpecentes pelo meio, as conversas indecentes e imorais, tudo isso vai amolecendo a


mente e o coração de um estudante. e se não se apegar à sua Bíblia, e não tiver em casa pais cuidadosos, quanto à sua instrução religiosa, naufragará. O filho que quer andar pelas veredas da retidão (v. 11), não terá os seus pós embaraçados, e se correr, não tropeçará (v. 12). Esta é a segurança que o Mestre oferece aos que andam pelos retos caminhos da Sabedoria (Cristo). Retém a instrução, o não a largues, guarda-a, porque ela é a tua vida (v. 13). O que a Sabedoria oferece ao jovem que anda em seus caminhos é a segurança, pois não há tropeços em tal caminho. A estrada não sendo a "larga", como afirma o Evangelho (Mat. 7:13), é segura, sem percalços. É a estrada por onde anda a Sabedoria.

3.7.2 Cuidado com as estradas dos perversos (4:14-19)

O sábio conhecia bem os caminhos do desvio da retidão; era homem que tinha larga experiência da vida e sabia como um jovem se pode perder, entrando pelas veredas dos perversos, cujo ideal é destruir vidas e pôr a perder os que poderiam ser bênçãos para a sociedade. O conselho é: Evita-o, não passes por ele (v. 15). A tentação do jovem inexperiente é desejar conhecer o desconhecido; é experimentar o que outros já fizeram e então, nessa experiência, encontra a sua derrota. Evita esse caminho, não entres por ele. Os versos 14 e 15 são uma viva descrição dos homens que seguem por tais estradas e dão-nos uma descrição dos perdidos, dos que não dormem se não praticarem o mal. O sono fogo deles se não fizerem mal (v. 16). Há criaturas totalmente pervertidas, cujo prazer consiste em destruir os outros, e o autor de Provérbios, como já dissemos, é um homem vivido, com largo conhecimento da iniqüidade humana, pois os tais comem o pão da impiedade o bebem o vinho das violências (v. 17). Não pode haver mais vívida descrição do homem do pecado, dos caminhos da perdição. Quando atualmente lemos de homens que se postam à porta dos colégios, para venderem entorpecentes a meninos e meninas, pessoas que, por amor de um lucro criminoso, arruínam vidas inexperientes, somos levados a ver que não se pode descer mais um degrau na escada da degradação humana, pois atentar contra a inocência de juvenis, cuja vida está começando a desabrochar para a existência, é coisa que não entendemos. Uma tal pessoa deveria ser encostada ao muro, para aprender a ganhar o pão da honestidade, e nunca mais destruir a vida de ninguém. A humanidade degradou-se de tal modo que a sensibilidade a respeito do valor de uma vida não existe para muitos. As notícias de pais aflitos, com os filhos estragados pelos entorpecentes, são uma das mais dramáticas ocorrências da vida social de nossos dias, e nós nos sentimos obrigados a dar aqui esta palavra de aviso ao jovem, para que evite essa gente. São monstros humanos, destituídos de sensibilidade, os quais já resvalaram pela ladeira abaixo e não têm mais onde cair. O criminoso que tira a vida para roubar é superior a um indivíduo que destrói vidas inocentes, para ganhar alguns cruzeiros na venda de maconha


ou o que seja. Ao escrevermos estas palavras, um sentimento de repulsa contra tais elementos nos invade, ao ponto dos tais parecerem bichos em forma humana. As leis penais são muito benignas para com esses monstros. Para os tais a morte seria até castigo mínimo.

Em contraposição a esta degradação humana se apresenta o verso 18, que diz: Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais, até ser dia perfeito. Veja o contraste. O perverso come o pão da impiedade e bebe o vinho da violência (v. 17), mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, a luz da manhã, que vai brilhando cada vez mais, até que o sol desponte no horizonte. Que diferença! A figura não podia ser mais feliz. De um lado a torpeza, o escuro, a ignomínia; do outro, a luz que alumia a vida. Algumas versões rezam luz brilhante, em vez de luz da aurora. A diferença é pequena. Toda luz é brilhante, se não for impedida pelas nuvens. As pessoas que madrugam sabem o que é esta luz; pouco a pouco vai aumentando, até que o sol a substitui. Que beleza! Em contraposição a esta luz vem a declaração: e o caminho dos perversos é como a escuridão (v. 19). No caminho desta casta infeliz não há luz; eles se escondem como ratos no bueiro, como escremento social na sarjeta. Seres que só conservam a forma humana; tudo o mais neles já morreu. A aurora dos justos dura até que o sol atinja o seu zênite, até atingir o dia perfeito (Perowne) (ver ls. 2:5). É andar na luz do Senhor. Assim palmilham os que temem a Deus e guardam os seus mandamentos, enquanto os perversos nem sabem em que tropeçam (v. 19).

Temos, assim, neste quadro, um vívido contraste entre a vida dos retos e a dos ímpios; e as tintas não são demasiado carregadas, porque a realidade é esta mesma. O perverso, o inimigo da humanidade, anda no escuro, e nem sabe que está aí, porque já se afez à escuridão. Há uma caverna na base das quedas do Niágara, no Canadá, onde os peixes não têm olhos. Nasceram no escuro e por gerações sem fim outros vieram fio escuro, até que terminaram por perder os olhos, por falta de uso. Os perversos, por praticarem tantas iniqüidades, perdem a sensibilidade, e de humano só fica a forma; o resto é pior do que animal, porque o leão, por exemplo, só ataca quando está faminto. Na África os viajantes param os seus carros para dar passagem a um belo leão pachorrento. Ele passa e vai embora como se o homem fosse seu companheiro. O perverso não se compara com o leão, a pantera ou a nossa onça pintada. É pior.


3.8. APEGA-TE AO QUE É BOM (4:20-27)

Ouvir, e só ouvir, não basta. É preciso apegar-se ao ensino do Mestre, pois o ensino é vida e felicidade.

3.8.1 O apelo do pai ao filho (vv. 20-22)

"Filho meu", é o refrão continuado, em que a Sabedoria assume o papel de pai e exorta o filho a seguir os seus conselhos. O pai também assume o papel de um mestre, ensinando os seus alunos. O pai em casa e o mestre na escola completam o círculo onde se encontra a saúde e a felicidade do jovem. Desde 1:1 até aqui. O apelo é sempre o mesmo: FILHO MEU... É uma aula dada a respeito dos perigos que rondam o aluno jovem, ou o filho descuidado. Neste conselho ou apelo do pai ao filho, a nota é: Atenta para as minhas palavras; aos meus mandamentos inclina o teu ouvido (v. 20). Atenção! diria a mestra aos seus meninos. Atenção! diz o pai ao filho. Cuida-te, e não desprezes as minhas admoestações. O mestre pode pedir atenção porque é reto e justo e deseja que os seus alunos sejam

homens de bem na família e não se percam no meio dos perversos. São três os órgãos do corpo humano solicitados a atender a estas ponderações: OUVIDOS - Inclina os teus ouvidos. OLHOS - não deixes que se apartem estes mandamentos dos teus olhos. CORAÇÃO Guarda-os no mais íntimo do teu coração. O coração é o centro dos afetos e das emoções. O coração que não vibra às coisas boas é porque já está pervertido. O coração, repitamos, é o centro do ser humano (Sal. 119:11 e Luc. 2:19). Maria guardou as palavras do anjo anunciador das boas-novas no seu coração. Esse é lugar onde se guardam os melhores fatos da vida, onde pulsam os bons sentimentos, e a Bíblia até nos informa que. devemos guardar as portas de nosso coração, as portas da boca (Miq. 7:5). Estes mandamentos são vida para quem os acha e saúde para o corpo (v. 22). Vida, e vida longa, saúde e paz são os resultados que obtém quem observa esses ensinamentos.

O verso 23 é a chave de todo esse ensino e vamos estudá-lo com o carinho que ele merece.


3.8. APEGA-TE AO QUE É BOM (4:20-27)

3.8.2 Guarda o teu coração... (vv. 22-27)

Guardar o coração é guardar as fontes da vida (v. 23). Este verso é a chave de todo o ensino de Provérbios, pois o coração, como vimos em 2:2, é o centro dos sentimentos, dos afetos e da vida mesma. É dele que partem as emoções e as determinações mais íntimas do ser humano. Parece que Israel estava precisando de um coração novo, como nos informa Jeremias 24:7, e um número incontável de outros passos. Jesus mesmo se referiu ao coração quando disse: O que entra pela boca não contamina, mas o que sai dela, sim, pois sal do coração (Mat. 15:1020). Então o coração é a fonte da vida quanto aos sentimentos e às emoções. A conclusão deste ensino é que o ouvinte deve desviar de si a falsidade da boca o a perversidade dos lábios (v. 24). A boca fala do que está cheio o coração, e a boca e os lábios são um mesmo órgão ou instrumento de verdade ou de mentira.

O verso 25 parece estar de acordo com Mat. 5:14-16; 6:22, 23 e refs. É pelos olhos que entra a cobiça, o mau desejo, que também pode vir do coração. O verso 27 usa um verbo muito significativo: Pondera a vereda dos teus pás. O verbo ponderar, meditar, calcular ou até endireitar são outros tantos sentidos de ponderar, segundo Heb. 12:13, que tem o mesmo sentido. Remover tudo quanto possa servir de estorvo ou escândalo, de modo que o nosso caminho seja limpo, é o ensino do Mestre. A continuação da doutrina é que os caminhos sejam bem ordenados ou, retos. Caminhos retos para o moço, a moça, o homem, a mulher, é uma boa religião. Não declines (ou te inclines) nem para a direita nem para a esquerda: retira o teu pé do mal (v. 27). Uma estrada firme e reta, para o caminhar humano, é um bom e único modo de viver a religião.

Este OITAVO CONSELHO é um admirável manancial de doutrina da conduta humana. Se o mundo possuísse esta cartilha, outra seria a sua condição, outro seria o seu destino, mas infelizmente não tem.


3.9. VIGIA AS RELAÇÕES ENTRE OS SEXOS (5:1-23; 6: 24-27; Jó 31:1)

Um grande apelo quanto às relações entre sexos. É um perigo antigo e moderno ao homem desavisado, que se deixa arrastar por impulsos naturais, descontrolados. Uma advertência que nós realçamos nesta página. O pensamento pode ser dividido assim: (1) Atenção para o assunto. (2) Uma descrição da mulher estranha e suas atrações (vv. 3-6). (3) Uma ordem para evitar tais mulheres (vv. 7, 8). (4) Uma advertência sobre o que acontece às suas vítimas (v. 14). (5) Um apelo para que seja apreciado o santo amor de Deus (vv. 15-19). (6) É bom lembrar que Deus observa tudo continuamente (vv. 20-23). Essa mulher é um símbolo da perdição de vidas jovens e velhas.

A figura dessa mulher estranha aparece em diversos outros passos deste livro, como em 2:1; 6:24; 7:5, 20-23. Especialmente o capítulo 6:20-27, onde o homem é comparado ao boi levado ao matadouro, e não o sabe. Há muitas interpretações quanto ao que significa esta mulher estranha. Pensam alguns comentadores que se trata realmente de uma israelita devassa, vagabunda, excluída da assembléia dos santos. É possível, pois havia muitas. Outros, que se trata de uma cananéia, onde a promiscuidade sexual fazia parte do ritual do culto. Haja vista o que aconteceu em Números 25. Nessas religiões idólatras, a relação sexual era um ato religioso; outros julgam se tratar de um culto estranho, como o de Vênus Astarte, que era a deusa da licenciosidade e que muito mal fez em Israel. Terceiros entendem referir-se a uma alegoria, para ensinar, de modo geral, que todo conúbio fora do matrimônio é pecado, e deve ser escalpelado por um moralista do tipo de Provérbios. Há longas e documentadas digressões a este texto, que nós não podemos transportar para esta página. O que fica fora de dúvida é que, seja a mulher estranha uma israelita, uma cananéia ou filistéia, Vênus, ou quem for, o fato permanece de que tais contatos são ruinosos, e o ensino é muito explícito em destacar as conseqüências de tais atos. Modernamente e infelizmente, tais conceitos vão ficando fora de moda, pois adultério, fornicação ou o que seja já são costumes sociais em alguns países. Para nós, todavia, valem todos os conceitos textuais como verdade divina, e os transcrevemos a esta página com o pensamento, especialmente, em nossa mocidade nas igrejas. Valeria a pena um estudo bíblico em classe, desmascarando a moderna tese de que os sexos foram criados por Deus e devem ser usados, seja corno for. Que foram criados por Deus é certo, mas a imoralidade, ele não a criou; é produto de sociedades desorientadas, de gente que perdeu o senso de moralidade e de vergonha, e procede como animais irracionais.

Filho meu, atende à minha sabedoria, à minha inteligência inclina o teu ouvido (v. 1). Portanto, presta atenção!


3.9. VIGIA AS RELAÇÕES ENTRE OS SEXOS (5:1-23; 6: 24-27; Jó 31:1)

3.9.1 Um apelo de pai para filho (vv. 1-6)

Como temos feito notar, a Sabedoria assume aqui o papel de pai comum, mas sabemos que se trata da divina Sabedoria, encarnada em Cristo. Logo, o seu conselho não é tanto o de um bom pai que quer evitar a perdição do filho, mas de Deus, que sabe dos perigos que decorrem de tais situações sociais. A advertência é que os lábios dessa mulher adúltera destilam mel, e as suas palavras são mais suaves que o azeite, mas o fim dela é amargoso como o absinto (vv. 3, 4). As figuras são patéticas e verdadeiras. A mulher blandiciosa usa de palavras suaves, trejeitos, apenas para atrair o incauto, que cai na ratoeira como rato guloso; o fim é amargo como o absinto. Esta especiaria é usada no Velho Testamento como símbolo de sofrimento (Deut. 29:18; Jer. 9:15). É um bálsamo amargoso como fel. O gozo do pecado é assim, amargo no final. Mas não é só fel (absinto), é ainda espada de dois gumes, que corta em qualquer direção (v. 4). Esta espada é usada em muitas passagens para indicar a sua perigosa utilidade, pois corta de um lado e do outro (Apoc. 1:16; 19:15, 21). É mencionada no Velho e Novo Testamentos 36 vezes. Os pés dessa mulher levam ao inferno, assim traduzido aqui, mas Seol no hebraico. Em o Novo Testamento é Hades. Tanto num caso como no outro significam o lugar dos mortos. Portanto, tais práticas levam à morte, e quantos morrem antes do tempo por causa delas. Basta ser um pecado contra a ordem divina, contra a sociedade e contra a família, para ser de terríveis conclusões. As doenças venéreas, já referidas noutro lugar, estão assolando a mocidade em diversos países, onde há estatísticas a esse respeito. A sífilis, de tão negredada lembrança, é uma das suas conseqüências. Então, filho meu, conserve discrição (v. 2). Não te enleies com essa gente. Essa mulher não pondera a vereda da vida, anda como vagabunda, sem o saber. O verbo ponderar, já examinado noutro passo, é sinônimo de pesquisar ou examinar. Uma tradução oferecida por um notável comentador, D. Winston Tomas, diz: "Para que ela não venha a examinar o caminho da vida; seus caminhos são instáveis e ela não o sabe." A versão que estamos usando diz: Ela não pondera a vereda da vida, ande errante nos seus caminhos, o não o sabe. Parece-nos uma tradução perfeita. Uma mulher vagabunda é o que significa não conhecer o seu próprio caminho. É uma mulher sem noção das coisas; irresponsável no seu trajeto pecaminoso.

3.9.2 Um apelo repetido (vv. 7-14)


O assunto é de tal magnitude, que o pai sente-se constrangido a dobrar o apelo, usando outros argumentos, mais solenes e imperiosos. Afasta essa mulher do teu caminho (v. 8). É uma adúltera, uma pecadora. Não te aproximes da porta de sua casa. Passa de largo, procura outra rua, outra vereda, para que não dês a outrem a tua honra, nem os teus anos a cruéis (v. 9). Estes versos (8-14) descrevem a vida solapada de um homem que perdeu a honra e o norte de sua vida. As energias dissipadas, os haveres consumidos (v. 10), são apenas uma amostra do que acontece ao homem que se mete com esta espécie de mulher. Depois de perder a honra, fica sujeito a morar com gente cruel, porque já dissipou tudo que tinha, e, como a sepultura nada satisfaz, assim é. Ela absorve o homem e tudo que tem: dinheiro, energias e sossego. No fim da vida então ele geme, morando em casa alheia, por favor, porque já não tem dinheiro e nem coragem para ganhá-lo. Conheci um jovem rico, que voltava a Portugal, à sua terra. Comido de sífilis, arrastava pela rua a sua desdita, como um escárnio. Para poder agüentar o restante dos dias, mais para morrer do que para viver, ia vendendo o que tinha, até ficar sem nada. Um exemplo do luxo de andar com mulheres estranhas. O arrependimento, o remorso chegam tarde. Como aborreci o ensino! o desprezou o meu coração a disciplina: e não escutei a voz dos que mo ensinavam (vv 12 e 13). Agora é tarde. Desprezou os conselhos do pai, dos mestres, e se viu atirado fora da assembléia, do culto, como um réprobo, um malsinado. Quase em todo mal mo achei (v. 14). Talvez queira dizer: "Por pouco escapei da suprema penalidade a quem tais pecados comete, que é a morte" (Lev. 20:10). Esta era a penalidade. Outros traduzem o verso 14 assim: "Tenho cometido todas as perversidades, até as suas profundezas, sendo membro da santa assembléia de Israel." Se esta tradução for aceita, então o pecador se sente excluído da congregação dos crentes hebreus, e, como um renegado, um Ashverus, vai pela terra, em busca de um refúgio, e não o encontra. Escorraçado pelos seus irmãos, assombrado com a sua derrota, pobre, faminto, sem casa, pois tudo que tinha destruiu no pecado (vv. 10 e 11). Agora é apenas um rebutalho de gente, a quem não se atira um pedaço de pão. O fato de tal pecado ser cometido entre o povo da assembléia onde outrora adorava faz a culpa maior do que se pode perdoar (ver Heb. 12:14, 17). Um novo Caim, procurando perdão, sem o encontrar. Esta solene passagem serve para interpretar ainda 1:26, onde a Sabedoria se ri dos que zombaram do seu ensino. A Sabedoria faz isso mesmo com os que repudiam o seu ensino e enveredam pelos caminhos do pecado, seja qual for, se bem que o pecado aqui escalpelado seja aquele contra a família, a sociedade e contra Deus. É um final de tudo quanto é santo e bom.


3.9.3 Uma instrução a respeito da alegria de viver bem (vv. 15-20)

Em comparação com a vida de pecado social, o Mestre passa a descrever a felicidade do amor conjugal, ilustrando-o com a cisterna de água pura e limpa, dizendo: Bebe a água da tua própria cisterna o das correntes do teu poço (v. 15). Em lugar de o homem beber das águas impuras do pecado, deve tomar da sua própria cisterna, que mais adiante é delicadamente comparada com a sua mulher da mocidade. Derramar-se-ão fora as tuas fontes o pelas praças os ribeiros da água? (v. 16). Esbanjarás tu as tuas forças, os rios da tua virilidade, pelas praças da cidade? Conseguirás felicidade em tais cursos da vida, quando a derrota mais tarde te assombrar, e quiseres voltar e não atinares com o caminho? É isso tudo que este verso ensina noutra linguagem figurada, para então entrar na verdadeira situação, que espera todo homem na sua mocidade. Em lugar de desperdiçar as suas águas pelas ruas e praças, ele é aconselhado a gozar a vida com a mulher da sua mocidade. Seja bendito o teu manancial e alegra-te com a mulher da tua mocidade, corça de amores, a gazeia graciosa (vv. 18 e 19). Lindas figuras da mulher limpa e amada. A corça é a fêmea do veado, animal ágil, elegante, bonito, amigo dos pastos quietos. A gazeia é outro animal das selvas, lindo, altaneiro, desejável para o nosso jardim. É assim que é ilustrada a mulher amada, cujos seios devem saciar o jovem querido, decente e limpo. Um rapaz corroído do pecado deve sentir-se maculado ao contato com a sua escolhida, limpa e decente. Agora compare-se o manancial bendito, quando desfrutado com a mulher amada, a esposa, de acordo com as leis de Deus e dos homens, com o esbanjar descrito no verso 16. O contraste é flagrante e cheio de ensinos, que a mocidade deve aprender. O moço precisa manter-se casto, como deseja que seja a sua esposa. Os que não conhecem as leis do evangelho ainda são desculpáveis; os das igrejas, porém, não são. O jovem deve casar cedo, antes de ser poluído pelo pecado. Mantenha-se puro diante de Deus e da sua consciência. A doutrina maléfica moderna de que o jovem solteiro não adultera é diabólica. Se não adultera, porque não há vínculo legal, fornica que é um termo até mais feio e sujo. O Novo Testamento faz justa distinção entre os dois vocábulos, todavia, qualquer deles envolve o mesmo pecado e o mesmo crime religioso. Seja feliz, moço, e fuja da porta dessas mulheres. Por que, filho meu, andarias cego pela estranha, e abraçarias o peito de outra? (v. 20). É um apelo muito forte a qualquer filho, que, sem o seu pai saber, se desgarra, atraído pelos enfeites de uma mulher estranha, que já foi possuída por dezenas ou centenas, quando ele pode ter os seios da sua amada e se abraçar com eles. Compare-se e conclua-se.


3.9.4 Outra vez a admoestação (5:21-23)

O Mestre insiste em que os caminhos do homem estão descobertos à vista de Deus (v. 21). Nada está oculto a seus olhos e deverá ser com profunda tristeza que Deus contempla um homem, moço ou velho, meter-se com mulheres estranhas. Deus é uma pessoa santa e perfeita, e seus sentimentos são santos e perfeitos. Portanto, deve ser uma tristeza para Deus contemplar o desvario de qualquer neste terreno. . . Ele considera todas as suas veredas (v. 21). Deus considera, toma conhecimento. analisa todos os nossos caminhos, e como se sentirá? Se tomarmos o verbo considerar no sentido de pesquisar, que é o que alguns comentadores entendem, então Deus pesquisa o nosso caminho e verifica todo desvio nas devidas medidas. Quanto ao perverso, as suas iniqüidades o prenderão o com as cordas do seu pecado será detido (v. 22). O homem que se desvia do caminho é considerado perverso, destituído de senso normal, é um réprobo. Com as mesmas cordas com que tece o seu pecado será amarrado. Isso é o que acontece ao homem que se mete com pecadores, sejam elas ou eles. Afasta-te do caminho, pois doutra maneira morrerás. O rebelde apressadamente se torna vítima da sua loucura,, porque desprezou a advertência (5:1) (Será bom comparar Os. 4:6 e Ef. 4:17-19). Concluímos este Capítulo com as devidas tintas que o próprio texto oferece. O modo como os antigos descreviam as coisas não tem compadecimento com o costume moderno de amaciar, de contornar, de dizer uma coisa por outra, de usar eufemismos. Era no duro: A alma que pecar essa morrerá (Ez. 18:4 e 20).

3.10. GRANDES PRINCÍPIOS PARA A VIDA (6:1-19)

O verso 22 deste capítulo pode ser tomado como a norma que orienta toda a doutrina do capítulo. Três processos aí descritos formam o triângulo que deve normalizar a vida: (1) Quando caminhares; (2) quando te deitares; (3) quando acordares. Assim, andando, dormindo e acordando, deve o homem cuidar-se contra os tremendos imprevistos e descuidos desta vida, num mundo mau e pecaminoso, cheio de surpresas e percalços. Se nós atentarmos para os ensinos deste capítulo, evitaremos na vida muitas ansiedades e angústias, que levam à cova antes do tempo.


3.10.1 Ficar como fiador do companheiro (6:1-5)

Coisa tremenda é pôr o nome num documento de outrem, assumindo a obrigação de pagar, se o outro falhar. Isso é mais grave do que parece e não poucas vezes caímos nessa ratoeira. Este autor está calejado disso, mas prometeu jamais transgredir esse mandamento. É proibido ficar como fiador. Talvez haja uma ressalva, que faremos bem em colocar aqui: caso o afiançado der outras garantias por fora, de modo a cobrir os riscos assumidos. Assim ainda poderá ser dada a fiança, mas o melhor é: nem assim, nem de modo algum. É preceito bíblico. Não poucos têm sido arruinados por darem fiança a outrem. Não se entenda que todos que pedem fiança são caloteiros; todavia, no caminho acontecem coisas que levam um homem direito a não poder cumprir as suas obrigações. Então aí está o fiador. Filho meu, se ficaste por fiador do teu companheiro, o se te empenhaste ao estranho (6:1). A doutrina é que não devemos ficar por fiadores de companheiros, isto é, Irmãos ou até estranhos. Nem num caso nem noutro. Se ficarmos por fiador de quem quer que seja, já estás enredado com os teus lábios, estás prego com as palavras da tua boca (v. 2). Como se vê, o estatuto da fiança é antigo. Moisés legislou quanto a emprestar dinheiro, que é bem melhor do que ficar por fiador (Deut. 23:19). É melhor emprestar, admitindo que se pode perder, do que ficar por fiador. Se perdermos o emprestado, perdemos o nosso; mas se ficarmos por fiador poderemos perder até o que não é nosso. O conselho é este: Filho meu, agora faze isto: livra-te, pois caíste nas mãos do teu companheiro (v. 3), continuando a dar instruções quanto ao modo de se livrar da rede, implorando e não descansando nem de dia nem de noite, até se livrar da emboscada. Isso, atualmente é impossível, pois fiança é assinatura em documento, o que não seria o caso antigamente, porquanto a palavra valia. Como se poderia retirar a fiança dada em documentos? Não há jeito. Em casos de fiança de casa, o Código Civil, nos Artigos 1500/1501, admite que o fiador pode denunciar a fiança dada; mas os que pedem a fiança logo se cobrem contra esta possibilidade, incluindo no contrato a cláusula de que o fiador abre mão daquele direito; e, como poucos conhecem o Código Civil, então a prescrição é quase nula. O verso 5 usa uma linguagem típica de agir como a gazeia, ao se livrar do caçador, e a ave, do passarinheiro. Registrando nesta página esses conselhos, esperamos que os dez leitores do livro aprendam a lição.

Em Israel a fiança podia ser dada em objetos, como penhores. Todavia, o sábio legislador foi muito severo na maneira como se poderia aceitar essa fiança. Em Êxodo 22:25-27 admite-se dar objetos em penhor. Caso o irmão fosse pobre, daria o vestido; este, no entanto, deveria ser restituído antes do pôr do sol, para que se cobrisse com ele de noite. No caso de penhor de animal, este deveria ser entregue tal qual havia sido recebido. Em Levítico ainda há prescrições quanto a emprestar dinheiro. Se fosse a um irmão, não se podia cobrar juros; a estranho, sim. O que Moisés preveniu foi a usura contra o pobre. As Caixas Econômicas, nas suas seções de penhores, contam uma história triste, de gente que dá em penhor, a troco de meia dúzia de cruzeiros, objetos de estimação e até necessários para o sustento da vida, como máquinas de costura e outros. Isso deveria ser proibido, Mas a fome é má companheira, e a miséria é qualquer coisa que deve escurecer o coração do pobre.


Os intérpretes de Provérbios discutem minuciosamente os prós e os contras dessa escritura, e chegam a comentar o uso do dinheiro como um dos motivos de fianças em bancos, casas comerciais, agenciamento de diversas naturezas. O uso do dinheiro é um índice do caráter; e o que toma dinheiro emprestado, com um fiador amigo, deve ser um homem de caráter comprovado. O que toma dinheiro emprestado para negociatas é moralmente fraco e praticamente desonesto. Vive do que tens e não cries dificuldades para os outros. O capítulo ora em estudo previne especialmente contra dar fiança a estrangeiros. Isso seria possível em tempos antigos para comerciantes ambulantes, comprando em um lugar, para vender em outro. Cuida-te contra tais práticas. Jamais ponhas o teu nome em papel que envolva fiança. Se te empenhaste ao estranho (v. 1), estás enredado com o que dizem os teus lábios (v. 2). Trata-se, naturalmente, de fiança verbal, que nos tempos antigos valia, como, o mandar um cabelo da barba a alguém, pedindo emprestado. O cabelo era sólida garantia de pagamento.

Possivelmente a referência "ao estranho" signifique "a almocreves", que vinham à Palestina comprar azeite e vinho, para venderem na Fenícia, que não produzia em abundância esses produtos. Então o comerciante venderia a crédito e precisaria de um fiador para a dívida, até que o ambulante voltasse. Se era isto o que significa "ao estranho", então o risco era maior ainda, porque os tais, depois de vendidos os artigos, voltariam ou não. O comércio ambulante de azeite é muito comum na Europa, andando os assim chamados "almocreves", com um burrico, transportando dois pequenos barris, vendendo de porta em porta aos que não cultivam oliveiras e vinhedos.

3.10.2 Olha, ó preguiçoso (6:6-11)

Acorda homem, que já é dia, teria dito o vizinho do dorminhoco. O preguiçoso dorme até o dia alto ou o dia todo, para então voltar à vida de noite, quando não há possibilidade de trabalhar, mas de vagabundar. O preguiçoso é também vagabundo. O Peregrino tem um quadro, talvez tirado deste provérbio, em que o preguiçoso, junto do simples, dorme à beira do caminho do Cristão, que vai andando no seu caminho de peregrino. Este tópico bem se parece com uma descrição de Salomão, conforme I Reis 4:33, que escreveu de tudo, desde a planta que cresce no muro, até os peixes que nadam no mar. Teria ele se ocupado do preguiçoso? Por que não? Esse tipo de homem inútil nem aprende com as formigas, que não têm comandante, nem chefe, e no verão, em grandes grupos enfileirados, lá se vão em busca do alimento, que armazenam nos seus celeiros, para comerem no inverno. As figuras dadas


são mesmo de um camarada sonolento: Um pouco para dormir, um pouco para toscanelar, pouco para cruzar os braços... (6:10, 11). É assim que a pobreza chega à casa do dorminhoco. Como um ladrão, ela surge, e quando vem, nada a pode impedir, porque é o fruto da indolência. Num país agrícola como era a Palestina, todos tinham de cultivar a terra, para tirar dela o sustento; e os que não a possuíam tinham de rabiscar nas searas dos outros, para poderem comer (ver Rute, cap. 2). De qualquer modo, era serviço; colhendo ou rabiscando..

3.10.3 O homem de Bolial (6:12-15)

Bolial, que significa "inútil", é um tipo muito aparecido nas Escrituras e no mais das vezes em sentido pejorativo. É um perfeito salafrário, como o chama um grande comentador; usa-se muito no Velho Testamento para designar homens iníquos (Juí. 19:22). Paulo o compara a Satanás (11 Cor. 6:15). Em nosso texto é um homem que anda com a perversidade na boca, acena com os olhos, arranha com os pés e faz trejeitos e sinais com os dedos. Uma espécie de prestidigitador, um falcatrueiro, um perverso. Uma criatura má, que no fim não demorará a ser quebrantado, sem que haja cura. A sociedade tem destes elementos perniciosos, e o descrito aqui deveria ser um tipo asqueroso, para merecer um dito proverbial como o que temos no texto. Há elementos característicos em todos os lugares, que se tornam célebres por sua maldade ou por sua desfaçatez. Em Israel deveria ser mesmo um tipo considerado periculoso, talvez um sujeito cananeu infiltrado em Israel. Também os havia lá, homens perversos, como os descritos em Juizes 19. Homens sem escrúpulos.

3.10.4 As sete coisas que Deus aborrece são de Belial (6:16-19)

Estas sete coisas naturalmente são do tal Belial; só uma pessoa igual a ele pode usar olhos, línguas. mãos, coração e pés para o mal. Examinemos rapidamente todos estes dons maléficos, sejam de um Belial ou de outro igual.


(1)Olhos altivos, arrogantes, como de quem domina o tempo e as estações, e não quer dar contas a ninguém. Há gente assim: olha para nós como se fosse senhor de tudo. Normalmente, tais pessoas são justamente as mais carecedoras de poder e de caráter, pois não cabe arrogância em ninguém, pelo simples fato de todos sermos pobres criaturas de Deus, uns com mais e outros com menos capacidade, menos dinheiro ou menos oportunidade. De modo geral a humildade é uma grande virtude que os olhos arrogantes não possuem.

(2)Língua mentirosa (v. 17) (Leia Tiago 3:1-12). Nós, os que lidamos com o povo, sabemos bem o que significa uma pessoa mentirosa, de canto em canto cochichando nos ouvidos dos incautos e inoculando veneno contra alguém. Os mentirosos são capazes de grandes invenções malignas, de apresentar o impossível e fazê-Io passar por algo verdadeiro. As igrejas sofrem muito com tais pessoas, maledicentes, boateiras. Tiago tem um capítulo clássico sobre a língua, que vale a pena examinar. Meus Irmãos... se alguém não tropeça no falar, é perfeito verão, capaz de refrear também todo o seu corpo (Tiago 3:1, 2). Para dar as tintas completas, Tiago compara a língua ao queixo de um cavalo, ao qual se bota freios para o conter. É um pequeno membro capaz de incendiar o inferno; mundo de Iniqüidade, pão em chamas toda a carreira da existência humana (Tiago 3:6, 7). Tiago tem o mais completo repertório de vocabulários ferinos a respeito da língua, o membro de tão relevante utilidade, pois com ela louvamos a Deus e com ela amaldiçoamos o próximo. Que beleza ouvir um discurso, um bom sermão proferido por lábios que movimentam uma língua admirável! Sem ela, o homem perde o mais importante órgão do seu corpo. Ouçamos um declamador ou declamadora enaltecendo as belezas do Criador ou da criação, e vejamos como somos elevados aos píncaros da sublimidade, do louvor, do amor. Ouçamos o mentiroso, como degrada e avilta uma pessoa, a rebaixa e até aniquila, sendo capaz de lhe roubar a honra e a felicidade. Uma intriga que envolva a honra de uma donzela, de uma senhora casada, a honestidade de um comerciante, seja lá o que for, e depois verifique-se como tais pessoas rolam ladeira abaixo, até o abismo, onde se perdem para sempre. Basta. Não há necessidade de prosseguir. A língua é o melhor e o pior membro do corpo humano. Não é sem justo. motivo que se conta esta fábula. Um potentado mandou o criado preparar o melhor prato que pudesse inventar. Este então preparou uma língua. No dia seguinte, o potentado ordenou que lhe trouxesse o pior prato que pudesse ser inventado. O criado de novo preparou um prato com língua. O potentado então, admirado, perguntou por quê? A resposta foi: A língua é a melhor coisa que há, e também a pior.

(3) Mãos que derramam sangue (v. 17). Que procissão enorme poderia fazer-se dos que têm morrido às mãos de sangüinários! Os pistoleiros, que matam de emboscada, como sói acontecer, especialmente no norte do Brasil, e também noutros lugares, onde os inimigos políticos peitam um sanguinário para eliminar o adversário a troco de meia dúzia de cruzeiros. Que se pode dizer de tais indivíduos? Que são desalmados, diabólicos e merecem igual pena. Não há pena de morte no Brasil, e dizem os penalistas que este remédio heróico não produz os resultados esperados, tanto assim que os países onde há pena de morte, como a forca na Inglaterra, a cadeira elétrica ou câmara de gás na América do Norte, estão abolindo a pena.


Sejam quais forem os resultados de tais processos de punição, parece certo que quem mata devia morrer, e aos poucos, para poder avaliar o quanto vale uma vida. Isto é maldade que Deus aborrece, porque a vida foi dada por ele e ninguém tem o direito de atentar contra ela, a não ser, como vimos, em caso de punição social. Poderíamos encher páginas com esta forma de matar, invocando o preceito mosaico, em todos os seus mais variados pormenores, a começar pelo verso 13 do capítulo 20 de Êxodo, de onde promana toda a legislação mosaica a respeito da vida. Mas os leitores destas notas estão fartos de saber o que diz a Bíblia e de verem como a sociedade hebraica estava doutrinada a respeito. Quando estendemos a mão para dar uma esmola, que estamos fazendo? Procurando salvar uma vida. Quando damos um remédio, que fazemos? Pretendemos ajudar uma pessoa a viver mais. Quando se fala em orfanatos, creches, asilos, ambulatórios, hospitais e toda uma gama de organizações sociais, que estamos lendo, ouvindo ou fazendo? Poupar vidas! Apenas salvar vidas. Pois então o pistoleiro, o assassino, que por qualquer coisa tira a vida do semelhante, é algo que já deixou os quadros humanos, para se converter num.. . Que palavra serviria aqui?

(4) Coração que trama projetos Iníquos (v. 18). Vejamos outra vez Prov. 4:23. É do coração que provém todo o mal. o assassino, que tira a vida de outrem, concebeu antes o crime no coração. O que difama a mulher do próximo já arquitetou a maldade no coração. Do coração é que provém todo o mal, na linguagem de Jesus (Mat. 15:19). A Bíblia usa cerca de 79 vezes a palavra coração, em referência aos deveres da vida. É talvez a palavra mais usada em todos os sentidos, quer no bom, quer no mau. O coração que trama projetos Iníquos é um coração que Deus aborrece e abomina. Então, cuidado com os sentimentos que se aninham em teu coração. Vigia esse órgão admirável, policia-o e cuida a fim de ele não pulsar no planejamento do mal, contra Deus e teu próximo.

(5) Pés que se apressam a correr para o mal (v. 18). Quantas passadas se dão em sentido negativo do bem-estar da vida! Quantas vezes uma perna quebrada, é ou será uma bênção? Mesmo que nós, do grupo evangélico, não andemos à cata do mal, nem por isso estamos livres de andar para fazer algo ruim. Multas vezes damos passos para arruinar a nossa própria vida. Este autor ia certo dia fazer um negócio que lhe parecia muito duvidoso quanto ao seu valor comercial. Poderia resultar em perder o pouco que tinha. No caminho orou - "Senhor, se este negócio não presta, que eu quebre as pernas antes de chegar ao local do mesmo." Poderá parecer um pecado, mas foi cometido. Seria preferível ficar deitado num hospital por uma quinzena ou mais. e não fazer um mau negócio, que o poderia arruinar por anos. Mesmo aceitando que os pés dos crentes não correm para o mal, ainda assim quantas passadas erradas se dá para o mal. Quando este autor era pastor de uma igreja no norte, havia multa "trancinha", muito "diz-que-diz-que" na igreja. Ele se via tonto. Recorreu a um diácono dos mais ativos, para que o ajudasse. Certa noite, disse ao diácono: "Aquela encrenca entre fulana e beltrana está morta." Ele respondeu: "É isso que o senhor crê, mas não é o que vai acontecer." Depois soube que, tão depressa o pastor foi embora, ele, o diácono, foi à casa onde a paz tinha sido selada e incendiou tudo outra vez. O pastor verificou que a vida do diácono consistia em andar de casa em casa, levantando mexericos e intrigas. Que fazer com


tal pessoa? O pastor chamou o diácono e o intimou a pedir carta para outra igreja, senão seria eliminado. Pediu a carta e se foi, mas continuou a sua obra diabólica na igreja. São pés que correm para o mal.

(6) Testemunha falsa que profere mentiras (v. 19). Mentir num tribunal, onde se procura averiguar a verdade, é o procedimento mais abominável que uma criatura pode praticar. Mas pratica-se. Um professor de educandário batista foi demitido sem causa e sem motivo. Pura política. O demitido reclamou multas vezes, mas sem resultado. Pediu a outros batistas que o ajudassem, mas também sem resultado. Vendo-se injustiçado, apresentou a sua reclamação a uma junta de Conciliação do Ministério do Trabalho. Essa junta deu-lhe ganho de causa e mandou reintegrá-lo. Quando isso aconteceu, a instituição, por sua diretoria, chamou-o e fizeram as pazes. Foi recebido de novo na instituição. Aconteceu que o advogado da instituição, zangado com o acordo, apelou da sentença contra a vontade da diretoria da instituição e às escondidas prosseguiu com a causa. Um belo dia deu-se o julgamento no Tribunal Regional do Trabalho. Como o dito professor estivesse ausente, por ignorar o que se passava, o advogado, diácono de uma igreja batista, disse tudo que bem entendeu; mentiu, destratou o pobre professor, e de tal modo, que o Tribunal entendeu que o referido professor era mesmo um homem perigoso e demitiu-o, mandando indenizá-lo de acordo com a lei. Agora pergunta-se: Como é que um diácono batista pode proceder assim, mentindo num tribunal profano? É o que a Bíblia condena, mentir, e especialmente num tribunal. Ao referido diácono nada aconteceu e o seu pastor nada disse e nada fez. O pastor desse diácodo era um dos diretores da instituição. Que dizer de uma coisa destas? Ir a um tribunal mentir contra seu irmão de crença é uma abominação. Essa testemunha é abominável a Deus. Nunca aconteça que cheguemos a tal condição. A mentira já é coisa do Diabo. Ninguém deve mentir, mas mentir num tribunal, onde se procura apurar a verdade, deve ser a abominação das abominações. Será uma pessoa que mente num tribunal uma pessoa crente? É difícil afirmar, pois a mentira é do Diabo, que é mentiroso desde o princípio, pois foi por uma mentira que a humanidade toda se arruinou e para sempre (Gên. 3:4). Satanás garantiu que a mulher não morreria, quando Deus havia dito que morreria no dia em que comesse da árvore proibida. Morreu mesmo. De lá até agora e daqui até o fim, o Diabo continuará a mentir e a ter os seus lacaios para o ajudarem nessa obra satânica. Basta, basta. O arsenal de fatos delituosos causados pela mentira é muito variado, e quase todos nós o conhecemos. Portanto, BASTA!

(7) E o que semeia contendas entro irmãos (v. 19). Seis coisas Deus aborrece e a sétima ele abomina. O que semeia contendas entre os irmãos aparece aqui como o pior de todos. Não é. Apenas um clímax de Provérbios, em que a escala vai aumentando. Todavia, o que semeia contendas entre irmãos, a que desune a família hebraica ou cristã, deve ser mesmo um abominável, porque da intriga ou contenda nasce tudo que há de pior. Começa por separar o que deveria estar unido e junto; cria o mal-estar onde deveria haver amor; prepara para outros desenvolvimentos, que podem levar muito longe, ao crime até, se Deus não intervir. Quantas contendas entre irmãos nas igrejas, por causa de um semeador de intrigas! Falem os


pastores e líderes de igrejas. Eles sabem disso, porque já sofreram na carne os efeitos de tal semeadura diabólica.

Este provérbio devia ser, em Israel, uma espécie de cartilha, um manual que todo israelita saberia de cor, transpondo para o grupo dos provérbios, como o encontramos aqui. Seria uma espécie de trocadilho, que se proferiria ocasionalmente. Pensa-se, seria uma forma didática para uso nas escolas, onde o mestre perguntaria ao aluno: Quais são os sete pecados mortais? O aluno responderia na ponta da língua. Para nós são bastante claros, pois todos temos ciência dos seus efeitos, de um modo ou de outro.

3.11. O SÉTIMO MANDAMENTO (6:20-35) 3.11.1 Conselho para a vida (6:20-22)

O tema deste conselho é a observância do SÉTIMO MANDAMENTO (Êx. 20:14). O versículo 23 é a continuação do ensino oferecido, havendo uma solene advertência nos versículos 24-35. Portanto, guarde-se quem puder. FILHO MEU, guarda o mandamento de teu pai, e não deixes a Instrução de tua mãe (v. 20). O menino israelita era ensinado em casa a respeito dos deveres do moço na sociedade e na família, e essa instrução era severa e firme, conforme nos ensina Deuteronômio 6:6, 7. Nada mais positivo e severo do que este ensino a um menino de família religiosa, e os judeus, apesar de suas multas falhas, eram fiéis no cumprimento desta ordenança divina. De acordo com a lei, o mandamento devia ser atado perpetuamente (sempre) ao coração, pendurado ao pescoço (v. 21). Quando caminhares, isso te guiará e, quando te deitares, te guardará (v. 22). É justamente o que Moisés prescreve em Deut. 6. Quando acordares, falarás contigo (v. 22). Temos aqui três verbos que valem por uma sentença. Andar e ser guiado, deitar e ser guardado contra os perigos que rondam de noite, acordar e ter com quem falar. Coisa mais instrutiva contra o pecado não pode haver. Afirmar que o homem, ou a mulher, que anda com a sua Bíblia no coração e se deita na segurança de passar a noite em paz e se levanta e tem


com quem conversar, é o mesmo que dizer que ninguém pode andar sem Deus, deitar-se sem Deus e levantar-se sem Deus. Que bom a gente saber-se garantido ao andar, dormir e acordar. Recordamos o nosso tempo de menino, quando éramos ensinado que o "anjo da guarda" ficava junto da cama quando nos deitávamos, e quantas vezes fomos olhar debaixo da cama para ver se o anjo já estava lá. Coisas de me nino, mas agradáveis, e quanta consolação aquela doutrina dava ao menino Antônio.

O mandamento é a lâmpada o a instrução é luz (v. 23). A lei divina exposta e ensinada provê perfeita luz para a vida e segurança para o viver. Jesus chamou a João Batista a Lâmpada, enquanto ele mesmo era a Luz (João 5:35 e 1:8). Não há luz sem lâmpada, pelo que as duas coisas se completam. Então a Palavra de Deus deve ser entesourada no coração e exposta à luz do dia (v. 23). Esta doutrina é a segurança certa e perfeita contra as seduções da vida, e por elas o crente é conservado puro diante de Deus.

É claro que a disciplina e a correção da luz dão segurança à vida (ver II Tim.. 3:16). Esta proteção e segurança são necessárias contra as seduções da mulher estranha que aparece no verso 24, a mulher de lisonjas, a mulher alheia. Contra uma tal sedução só a Palavra de Deus garante, porque, além dos impulsos da carne, as seduções, as lábias e tudo mais levam à perdição quem não estiver escorado na Palavra de Deus. O mandamento é para guardar contra esta mulher (v. 24).

3.11.2 Uma recomendação solene (6:23-31)

Esta vil mulher, que tanto pode ser um símbolo como uma realidade, é apresentada no Velho Testamento de muitos modos, e não poucas vezes em relação com a nação israelita, considerada adúltera pela transgressão da lei. Jeremias especialmente é muito forte nessa figura (Jer. 3:9; 13:27; Os. 2:2; 2:4; 5:4). A nação israelita, em virtude do Concerto feito com Deus, mediante o qual era escolhida como a única nação entre todas as da terra, era considerada casada com Deus. Nesse caso, não podia ter outros deuses; todavia, a história nos conta que Israel foi uma adúltera, adorando deuses de todos os povos ao redor. Desse prostíbulo nasceu toda a desgraça dessa nação, porque a idolatria afastava do Deus


verdadeiro, e isso importava no abandono nacional por parte de Deus. O adultério, seja do povo, de homem, ou mulher, é uma abominação, porque frustra e destrói todos os maiores valores do convívio humano e social, especialmente o doméstico.

Segundo Tiago 4:4, vê-se que esse pecado ultrapassa tudo quanto se pode imaginar em relação com a má conduta sexual. É o pecado contra Deus, contra um contrato de casamento; um pecado contra a família e contra a sociedade. Tal pecado abrange todos os contornos da vida humana. Nem por isso a mocidade destes dias enxerga tal situação, e se entrega aos desvarios da orgia sexual, afrontando a Deus, aos pais e à família, e arcando com as conseqüências naturais. Já noutra página registramos o surto de doenças venéreas, que assola algumas nações, e as medidas de higiene social não conseguem sustar tal situação. Onde não há temor de Deus tudo é possível. O pecado domina. Por isso o mestre dessa seção insiste em que o homem se afaste do adultério, e a única forma segura é ficar firme na Palavra de Deus. A vil mulher e as suas lisonjas são a perdição de muitos; e o crente é advertido contra as suas lisonjas. Os elogios que ela faz à vítima da sua cobiça, como a dizer: "Que lindo moço és; quão garante pareces!" e por aí a fora vai, e o moço ou velho, encantado com essas lisonjas, pensando que são uma verdade mesmo, cai na ratoeira como rato guloso.

Não cobices no teu coração a sua formosura e nem te deixes prender com as suas olhadelas. As mulheres antigas já pintavam os olhos como fazem as modernas, que pintam de claro ou escuro as pálpebras, tornando as olhadelas mais sugestivas. As mulheres egípcias, e por certo as judias, usavam muitos cosméticos e pinturas para as unhas, tudo como modernamente se faz, pelo que Salomão tem razão em dizer não haver nada de novo debaixo do céu. O texto dá a entender que há duas espécies de mulheres: a casada e a prostituta. Tanto uma como a outra são um perigo, embora a casada envolva crime duplo, por causa do ciúme do marido, como se verá no capítulo a seguir. Por uma prostituta o máximo que se paga é um pedaço de pão, mas a adúltera (a casada) anda à caça da vida preciosa (v. 26). Está feita a diferença entre as duas mulheres. A prostituta é uma pobre mercadora que vende o corpo a troco de um pedaço de pão, e faz disso a sua própria vida. É até digna de misericórdia; a casada, porém, é uma víbora, pois, tendo o seu marido que dela cuida e sustenta, anda à caça de vidas por vaidade e luxo sexual. Essa é mais perigosa pelos resultados que produz na vida de alguém. Quantos crimes a sociedade registra, quantas famílias destruídas, quantos filhos atirados ao desamparo de sua mãe e quantos maridos desarvorados. É a chaga social, que nada evita e para a qual não há remédio senão a Palavra de Deus.

Tomará alguém fogo no seu selo sem que se queime, ou andará alguém sobre brasas sem que se queimem os seus pós? (vv. 27 e 28). Que figuras! Seio é parte do corpo cobiçado e bem cuidado. Alguns comentadores não fazem distinção entre essas duas mulheres, entendendo que uma só faz os dois papéis; todavia, parece que o texto não autoriza essa interpretação, pois é claro que há uma prostituta que se vende por um pedaço de pão e uma adúltera (mulher casada) que se prostitui por luxo ou sexualidade. Ambas são prostitutas, sim, mas


uma é profissional, enquanto a outra não o é. O que se chega à mulher do próximo é o mesmo que andar sobre brasas, pois não ficará sem castigo aquele que a tocar (v. 29). Um dia o pecado é descoberto, e então vem o acerto de contas.

O verso 30 é um tanto obscuro. Significa que um ladrão que rouba para matar a fome, se for apanhado, pagará a falta (v. 31). Ora, se um homem que furta para comer não fica sem castigo e paga sete vezes tanto, quanto mais o que se junta A mulher do próximo! Não ficará sem castigo. Parece até que "o pecado te apanhará", como diz a Escritura. Entre os dois ladrões, um da honra alheia e o outro da propriedade, ambos pagam pelo seu feito. Há pouco (um caso em milhares) um pobre homem foi apanhado furtando um pedaço de algo para saciar a fome. Foi encaminhado à XVII Vara Criminal no Rio. O juiz, um antigo batista, julgou-o, admoestou-o e mandou-o embora, advertindo-o que, se voltasse ali outra vez, seria condenado. Encontrou um juiz criterioso. Roubar para comer não deveria ser crime, mas é. Em Israel um homem podia entrar na horta ou pomar do seu vizinho e comer até se fartar, mas não podia levar nada para casa. As nossas leis não permitem isso. Um ladrão que rouba por fome deveria ser absolvido, se for principiante. Muitos assim entram na estrada do crime, roubando primeiro para comer e depois para viver do crime. É falta do amor de Deus na vida. Um rapaz me pede um almoço porque está com fome. Devo pagar o almoço? Perfeitamente, porque não se admite que uma criatura humana passe fome. Talvez seja um preguiçoso, mas quem sabe? Roubar, em qualquer sentido, é crime contra a fazenda alheia. Pedir é considerado exploração. Essa, a nossa sociedade. Por isso que em Israel não podia haver pobres; todos cultivavam a terra, e quem não a tinha rabiscava no campo dos outros, como foi o caso de Rute (veja Sal. 58:11). Roubar? Nunca.

3.11.3 Uma recomendação solene (6:32-35)

Poderíamos escrever outra seção, mas preferimos esta designação. O restante do capítulo 6 é um solene aviso, um aviso repetido, aliás, contra a mulher do próximo. Há muitas advertências, que são outros tantos avisos, como uma tabuleta a indicar o perigo do caminho e a pedir que o viajante se desvie para outra ruela. Há contramãos no tráfego; há contramãos no caminho do pecador. O que adultera com uma mulher está fora de ai (v. 32). Noutra linguagem, está louco, porque, além de ser insensato valer-se de mulheres estranhas, o que usa da mulher do outro se expõe


a perigos, que mal podem ser calculados. O adúltero, pois, tanto um como o outro, expõe-se a tormentos e até a destruição da vida. Só mesmo quem quer arruinar-se é que pratica tal coisa (v. 32). Talvez esteja na mente do autor inspirado o castigo da sociedade, que, não sendo pura, todavia, não tem complacência para com uma adúltera. A exposição ao opróbrio social era um castigo maior do que o que as nossas sociedades impõem. Além disso, há outro perigo, o maior, talvez: o esposo ultrajado porque o ciúme excita o furor do marido (v. 33). Noutra página verificamos quantos crimes de morte são praticados à sombra das alcovas maculadas; quantos entram com seus pés e saem levados pelos dos outros; quantas emboscadas são armadas até se apanhar o incauto, o ladrão da honra. Tudo isso acontece cada dia e a cada hora. O ciúme cega e não há compaixão no dia de vingança (v. 34). Acautela-te, moço; foge dessa rua; esconde-te algures; muda de caminho; não te aproximes da morte. O marido ultrajado não aceitará presentes ou reparos, ainda que sejam muitos (v. 35). Aliás, não há reparos em tais prejuízos, nem resgate. Dente por dente é a lei.

O autor de Provérbios estava saturado de casos como os enunciados aqui. A sociedade israelita, parece, havia apodrecido nos seus desvios de Deus; e as informações dadas pelos profetas são qualquer fato de nos envergonhar em uma sociedade religiosa, escolhida por Deus para ser o testemunho vivo da fé.

3.12. O PERIGO DO ADULTÉRIO (7:1-27)

Este é o penúltimo conselho que a Sabedoria dá aos homens e às mulheres desviadas do bom caminho. Estes provérbios deveriam ser publicados em folhetos e distribuídos nas igrejas, se bem que pareça jamais alguém ter pensado nisso. As igrejas, de modo geral, não cuidam muito desses problemas sociais, a não ser em estudos específicos, como Institutos Bíblicos. Os moços vão crescendo sob as influências de fora, nas escolas, onde até professores inculcam a necessidade de relações sexuais por motivos de saúde, e as conversas de companheiros vão solapando as boas normas, insistidas nos púlpitos e em casa. O resultado é que atualmente muitos moços entendem que contatos sexuais, de qualquer forma, não são pecado, como se a Bíblia tivesse de ser reformulada nos seus ensinos. O que a Bíblia ensinou há 4.000 anos vale hoje como então. O Mandamento que diz: NÃO ADULTERARAS (Êx. 20:14) é tão urgente hoje como era então, pois as exigências sociais daquele tempo eram bem mais frouxas. A não ser em algumas sociedades desenvolvidas, como o Egito e a Babilônia, o pecado sexual era comum em todas as religiões.


Estudaremos, pois, o capítulo 7, com as suas imposições, ainda que pareçam repetições desnecessárias.

3.12. O PERIGO DO ADULTÉRIO (7:1-27)

3.12.1 Filho meu, guarda as minhas palavras (7:1-9)

A Sabedoria funciona nessas lições como o pai de família, e nalguns casos é mesmo o pai quem aconselha. O aluno é convidado a observar o ensino recebido em casa, a ponto de conservar dentro de si os mandamentos paternos (v. 1). Quer seja a Sabedoria que aconselha, quer seja o pai, o fim é o mesmo. Guardar os mandamentos é viver; o quardá-los como a menina dos olhos é um dever (v. 2). Ata-os aos dedos, escreve-os na tábua do teu coração (v. 3). É a primeira vez que encontramos esta recomendação de atar os mandamentos aos dedos. Seria para que, a todo movimento das mãos, os mandamentos estivessem presentes? Imaginemos esta figura poética: Um aluno ata o Mandamento de Êx. 20:14. Faz dez papelzinhos, amarra-os um em cada dedo, ou cola-os com fita, e então vai trabalhar. A cada momento olha para os dedos, o lã está o mandamento. Parece mais incisivo do que escrevê-los na tábua do coração (v. 3). Se era isso que o mestre queria, então a lição é muito objetiva. Pelo menos vale pela importância da lição, tão facilmente esquecida. Vemos outra vez que o pecado de adultério atinge pelo menos três pessoas: o pecador, a pecadora e os relacionados com ela afora as pessoas relacionadas com os dois pecadores. Recordamos certa viagem entre Recife e Belém, onde Ia um moço confessando que ia suicidar-se, pois os médicos tinham dito que tinha sífilis desde o terceiro grau até o primeiro, e não havia cura para ele. Naqueles tempos não existiam os recursos curativos atuais. Era um rapaz dos seus 25 a 30 anos, com vestígios claros da sífilis. Quantas crianças têm nascido aleijadas ou dementes? A doença ataca em muitos centros do organismo humano e é uma das mais transmissíveis. É uma doença que denota logo o pecado social. Foge de tais contatos, moço.


Dize à sabedoria: Tu ás minha Irmã, o no entendimento, chama teu parente (v. 4). Sabedoria e entendimento, para compreender o alcance desses pecados, deve ser uma prescrição médica a todos que se sentem tentados a praticar tal pecado. Tais ensinos guardam da mulher alheia (casada) a da estranha, que lisonjeia com palavras (v. 5). No estudo antecedente examinamos este mesmo ensino, com certa abundância de detalhes. A mulher é aqui representada como uma que da janela da sua casa, por suas grados, olhando, viu entro os simples (tolos), a descobriu, entra os jovens, um que era carecente de juízo (vv. 6 e 7). Aí está o drama de uma vida arruinada. Andando ele simplesmente na rua, sem rumo certo, a mulher o espreita pela grade da janela e verifica que é um tolo, pelo jeito de andar. Rapaz desocupado, porque a desocupação é um Ingrediente muito próprio ao pecado. Um jovem ocupado com seus estudos, e preocupado com o seu futuro não anda na rua à toa. A descrição viva continua: um jovem que não tinha juízo, o então Ia o vinha, por corto namorando a mulher de ]nula, e à tarde, no crepúsculo do dia, seguia, direto à sua casa (vv. 8 o 9). É assim que as coisas acontecem; é assim que uma vida jovem se arruína, andando despreocupadamente, acima e abaixo, como quem procura a morte sem o saber.

3.12.2 Um que cal na rede (7:10-23)

A descrição não podia ser mais direta e explícita. O simples, o que é falho de observação (7:1), sem Idéias formadas a respeito dos perigos que rodam a sua vida moral e física, vai, corno um passarinho, cair na rede da mulher tentadora. De simples, torna-se tolo, e de tolo, louco, porque vai em procura da morte, sua ou dos outros. Tem havido diversas tentativas de incluir no processo de habilitação de casamento a exigência de exame pré-nupcial, mas os sociólogos topam logo com o reverso da medalha: se proibirmos o casamento de pessoas de duvidosa condição física, elas se amancebarão, e fica pior a situação. Entretanto, a campanha tem valido, pois muitos moços e moças se submetem a tal exame voluntariamente, e então casam de consciência tranqüila.

A mulher da lição era sensual e atrevida. Notou que havia um jovem simples indo e vindo sem rumo; então disse consigo: "Aquele é meu." Desce depressa, ao escurecer do dia, e sai ao encontro do simples, vestida como prostituta, para disfarçar a sua condição, com esta linguagem: Sacrifícios pacíficos tinha ou de oferecer, paguei hoje os meus votos (v. 14). Aproxima-se do rapaz e beija-o. Estava preso no laço da perdição. A mulher era religiosa, porque foi ao templo e ofereceu o sacrifício pelos pecados da véspera, e, portanto, estava salva. Não obstante, era uma vagabunda, que não parava em casa, mas andava pelas ruas da cidade à cata de presas (vv. 11 e 12). Mulher sensual e vadia, sem trabalho, sem ocupação,


talvez sem filhos, uma víbora no sentido comum do termo. Unia a sua vadiagem à sua religião, e é assim que tantas e tantos fazem. Confessam-se, dizem ao padre o que querem e, achandose desculpados dos pecados anteriores, vão adiante.

Parece a alguns comentadores que, ao oferecer o seu sacrifício pacífico, a mulher podia comer dele junto com o sacerdote (Lev. 7:11 e segs.); mas precisava de alguém para ajudá-la a comer. Vejamos como Elcana e suas mulheres ofereciam sacrifícios e comiam dos mesmos (1 Sam. 1:2-8). Do sacrifício pelo pecado não havia participação do pecador, mas do sacrifício de holocausto havia. Ela convida então o moço a participar da sua festa religiosa. Possivelmente esta interpretação pode ser aceita. Durante a festa, antes ou depois, ela pinta com as mais vivas cores a situação do pecado praticado (vv. 16-18). A linguagem do texto, parece, foi tomada de empréstimo de tais situações, entrando em detalhes silenciosos, como só! acontecer em tais encontros. Qual seria o rapaz simples, sem ocupação, sem responsabilidade, que fugiria desta rede? Ela o cerca de todo carinho, avivando na sua mente as delícias do prazer sexual, com adornos da cama do pecado e alegando que o marido estava fora de casa, tinha ido para longe e levado um saquitei de dinheiro para as despesas de viagem, indicando assim que ia demorar (vv. 19 e 20). O texto hebraico não o chama de marido, mas o homem. Uma ironia, e talvez nem fosse marido. Não sabemos. O rapaz parece ter sido surpreendido e ficou espantado com o convite, pois diz: Seduziu-o com multas palavras, com multas lisonjas, o elo num instante a seque (vv. 21 e 22). Seguiu-a para onde? Para o templo, para comer do sacrifício, ou para casa? Não se pode afirmar, mas tanto uma interpretação como a outra servem ao texto. De qualquer maneira, o rapaz foi como boi para o matadouro, e como cervo que corro parca a rede (v. 22). Depois vêm as consequências, de que o texto nada omite. Até que a flecha lho atravesse o coração, como a ave se apressa para o laço, sem saber que Isto lho custará a vida (v. 23). As conseqüências do pecado algumas vezes demoram, porém, como a semente lançada à terra brota no tempo devido, assim o pecado aparece na época própria. O rapaz da ilustração é um caso típico de tantos que caem nos laços das passarinheiras vadias, sensuais, com ' os maridos fora de casa e os vizinhos vendo tudo e contando aos outros. Lembra-nos aquela história narrada por Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brez Cubas. É isso mesmo. 0 marido de Virgília chegou a saber de tudo, porque as sombras também falam, e depois, todo um mundo desaba em cima da cabeça dos transgressores. Está em jogo, conforme este texto, a saúde do moço simples ou tolo, a sua paz e segurança. Esta é uma lição dramática, que serve para todos e o autor inspirado não poupou tintas para descrever o pecado sexual com a mulher do outro com todas as cores imagináveis. Além da inspiração, o autor era um homem vivido e sabido dos particulares de multas alcovas adúlteras, do mesmo modo que nós sabemos, porque os jornais não poupam espaço para descrever estas cenas. Há dois jornais no Rio, três, aliás, que não cuidam muito de outra coisa, senão de crimes e desgraças domésticas e sociais. É um caldo de cultura para muitos jovens desavisados.


3.12.3 Agora, filho meu, aprende a lição (7:24-27)

Depois de uma descrição dramática dos caminhos do pecado e das suas conseqüências, o Mestre volta a se dirigir ao filho, mostrando os desastres sofridos por tantos incautos que, por inadvertência, caíram no laço como o voado ou foram levados ao matadouro como o boi. A rigor, não é possível carregar mais nas tintas. O pecado sexual, especialmente com a mulher de outro, traz sempre resultados desastrosos e funestos para os pobres que caem nesse abismo. Então, filho meu, dá-me ouvidos... (v. 24). É um apelo tocante que cada pai faz ao seu filho incauto e descuidado, talvez sem emprego, sem escola e vadiando pelas ruas. Os perigos da vadiagem do moço são claros aqui. Se estivesse ocupado no seu emprego ou nos seus livros, não andaria acima e abaixo (v. 8), espreitando a mulher alheia. O pai encerra o aviso, dizendo que a muitos feriu o derribou, o são muitos os que por ela foram mortos (v. 26). O aviso é trágico.

Parece que há uma sombra de morte na mente do pai quanto ao futuro do filho, pois diz: A sua casa é o caminho para a sepultura o doam para as câmaras de morte (v. 27). Quando nos recordamos que foram as mulheres estranhas que arruinaram a vida e o futuro de Salomão, que mais podemos dizer? Já não é apenas o simples que cai nas malhas dessas mulheres, também o mais sábio dentre os homens. Logo, o que se pode dizer é: as lições dos outros devem valer para nós. Vale o conselho apostólico quando diz: "Aquele, pois, que cuida estar em pé, não cala."

Ao terminarmos o estudo deste dramático capítulo, voltamos as nossas vistas para os moços das igrejas, aqueles por quem batem os nossos corações, para que se livrem da mulher estranha e da mulher de outro, que foi de viagem, e bem pode voltar antes do tempo esperado. Quantos maridos enganados fazem de conta que vão para longe e, a pretexto de qualquer coisa, voltam logo e encontram a adúltera no pecado? Que acontece em tais situações? Justamente o que diz o verso 26: A muitos feriu a derribou, o são muitos os que por ela (e por causa dela) foram mortos. Há um cemitério com sepulturas abertas, esperando o primeiro incauto, o primeiro simples, que se deixa levar pela lábia dessas mulheres sem vergonha e sem honra e que pouco se lhes dá das desgraças que causam a outros.


3.13. A SUPREMA SABEDORIA (8:1-36)

Com este último Conselho, sentimos certo desafogo, saindo das fogueiras dos capítulos 6 e 7 e parte do capitulo S. Mesmo que seja assunto trivial, o que aí se discute, o fato de tantos dos nossos jovens encontrarem ali a sua perdição, basta para nos constranger, ao termos de apreciar tais assuntos. Agora, passamos a outro tópico, mais nobre, mais elevado, mais sublime. Em lugar das sutilezas da mulher estranha, dos tortuosos caminhos por ela seguidos, temos agora a própria Sabedoria em pessoa; levando-nos aos lugares mais públicos e mais freqüentados, como a querer dizer que tudo quanto se faz às escuras é pecado. É com profunda reverência e até com senso de indignidade humana, que este escritor se atira a comentar o capítulo 8. O ensinamento que eleva, que dignifica, que enobrece, que nos transporta aos páramos da eternidade e nos faz debruçar sobre a criação maravilhosa da Sabedoria, para contemplarmos a Sua obra admirável e, por todos os títulos, grandiosa. Chegamos a não entender como tais coisas podem acontecer a esta pobre e desviada humanidade, em que, apesar dos seus desvios e pecados, vem a Sabedoria em pessoa e lhe ensina os caminhos da vida (8:4). Ela declara os tesouros da recompensa aos que a seguem, tesouros incomparáveis a tudo que se possa imaginar (8:4-21).

Este capítulo, com a personificação da Sabedoria, sempre, desde os primeiros séculos da era cristã, foi interpretado cristologicamente, isto é, a Sabedoria que fala aqui é Cristo préencarnado, como já fizemos notar no princípio deste Estudo. Quando este autor teve de defender a sua tese de doutorado, tomou este capítulo como base da revelação de Cristo no Velho Testamento, 1 e teve por mestres muitos dos patrísticos, que assim pensaram também. Paulo, o grande intérprete de Cristo e outros, assim entenderam como nos informam em Col. 1:15-18; Heb. 1:1-13; Apoc. 3:14. Para citarmos todos os textos novotestamentários que se referem à Sabedoria, teríamos de dar o Novo Testamento todo, o que não é possível. "Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus", Cristo é tudo antes e depois, visto que "sem ele nada do que foi feito se fez". (João 1:3). "Ele estava desde o princípio com Deus, todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez" (João 1:3). Temos então que a Sabedoria apresentada neste capítulo é a mesma que criou este universo, com todas as suas glórias e belezas. Ele é o Criador de todas as coisas. Quando o primeiro verso de Gênesis nos fala de Elohim no princípio, fala-nos de Cristo, Criador da matéria informe e depois seu organizador. Coisa admirável é tudo isso, para mais tarde O encontrarmos andando pelas ruas da Galiléia, acompanhado de um pequeno grupo de pescadores ignorantes, alegando que "as aves dos céus têm ninho e as raposas têm covis, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça" (Mat. 8:20). João já se queixava de que Cristo tinha vindo "para o que era seu (o rilundo), mas os seus não o receberam" (João 1:11). A sua humilhação foi ao ponto de nascer em uma manjedoura, na pobre cidade de Belém. Neste nosso Estudo não podemos aprofundar a doutrina cristológica; apenas apresentar umas tantas citações, a fim de as conjugarmos com a Sabedoria que nos aparece no capítulo 8.


Desde os primeiros alvores do cristianismo, como dissemos, os teólogos não tiveram dúvidas: a sabedoria que nos fala aqui é o próprio Cristo pré-encarnado. Teófilo, de Antioquia, o primeiro a usar o termo "Trindade", discute a doutrina da deidade ou divindade, em que as três pessoas são: a Palavra, Sua Sabedoria e Deus. Tanto quanto outros dos séculos seguintes, até o Concílio de Calcedônia, as distinções entre Deus, a Palavra e o Espírito Santo não eram claras, e isso se nos afigura perfeitamente natural, porque não era fácil entender o problema em que três Pessoas podiam existir e coexistir em uma divindade. Foram necessários quatro séculos para que esta doutrina amadurecesse na mente dos teólogos. Hoje podemos ler um livro como A Pessoa de Cristo', e compreendermos bem o grande problema. De um modo geral, podemos ver, na doutrina dos Patrísticos, a da Sabedoria personificada, como um prognóstico da Revelação do Novo Testamento. O problema ainda não foi resolvido e jamais o será. No entanto, quando os mesmos doutores criaram a doutrina das três Hipostasis em um único Deus, lançaram as bases para uma interpretação mais inteligente da doutrina da Trindade Santíssima, em que Aquele que é a Sabedoria de Deus, o Unigênito do Pai, o Filho de Deus, é a mesma pessoa, como Jesus mesmo nos ensina em Lucas 11:49. A Sabedoria de Deus personificada é a Sabedoria que falou pela boca dos profetas antigos, todos a una vox, proclamando a Sabedoria de Deus. Profetas, apóstolos, todos a seu modo, apresentaram o que nos ensina o capítulo 8 de Provérbios, que vamos humildemente tentar explicar aos poucos leitores deste Estudo.

3.13.1 A Sabedoria fala entro os homens (8:1-21).

A Sabedoria faz ouvir a sua voz por todo o mundo, nas alturas da terra e nos vales, nos caminhos e nas encruzilhadas, onde passa o homem descuidado e negligente (vv. 1 e 2). Nas ruas, nas portas das cidades, onde os juizes se encontram para dirimir questões do povo, ali onde a sabedoria popular encontra o seu mais sublime lugar, lá ela está (v. 3). Era nas portas das cidades que se reuniam os juizes, para ouvir as queixas do povo. Foi nas portas de Sodoma que os anjos encontraram Ló (Gên. 19:1). Pois nas portas das cidades os juizes julgavam as causas do povo; ali está a Sabedoria gritando aos homens, para que sejam mais sábios e entendidos. Ali os juizes, os simples e até os loucos têm oportunidade de ouvir. A palavra simples, que ocorre tantas vezes nos caps. 6 e 7, é aqui empregada no sentido pleno do seu


significado comum, isto é, se referindo a pessoas sem grande maldade, despojadas das tricas criadas pela sociedade dos espertos e vilões. Os loucos, termo também usado muitas vezes (1:22 - néscios - 3:35 e segs.), aqui significa os destituídos daquela agudeza de espírito muito própria dos que são mais traquejados. Não tem o sentido pejorativo de muitos outros lugares. A todos, os simples, os loucos, os normais ou comuns das gentes, a Sabedoria clama em altas vozes para que ouçam. Ninguém fica de fora dos conselhos do grande saber, daquele que tem as chaves dos abismos, o suprassumo da eloqüência. Quando Jesus veio à terra, clamou a todos, na linguagem de Isaías: "Vinde comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite" (is. 55:1). Pois, antes que ele viesse anunciar essa abundância de saber e de juízo, já fazia a sua pregação por meio do livro de Provérbios. É o mesmo pregador que falou à mulher de Samária, que, quem bebesse da água que ele tinha, se "faria nele uma fonte que saltaria para a vida eterna" (João 4:14). Em Provérbios O vemos através da penumbra da história; mas depois ele é visto à plena luz do dia, na sua humildade de pregoeiro às gentes dos caminhos, das encruzilhadas, das praças e do templo mesmo. É o mesmo pregador dos tempos antigos.

Ouvi: Pois falarei coisas excelentes; os meus lábios proferirão coisas retas (v. 6). Jamais alguém encontrou dubiedade nas palavras de Jesus. Os seus ensinos, dados há dois mil anos, são atualmente tão verazes como eram então. Os que se desviam destes ensinos breve descobrem que foram logrados, visto como fora do ensino de Jesus não há rumo para a vida, nem solução para os problemas do viver diuturno. A mocidade dos nossos dias, que se vai desviando das normas do evangelho, logo descobre que está roubada, e volta. É o que está acontecendo com milhares na Califórnia e noutros lugares. Moços desorientados, que deram para viver um estilo anacrônico de vida, com o cognome de "Hippie", voltam aos milhares e confessam que só Jesus é a solução. Os que, levados por ensinos deletérios de seus professores ou de literatura dita marrom, logo descobrem que estavam enganados, e o retorno é a sua felicidade. Na verdade, não há solução para a vida fora de Jesus. Os teólogos mesmo, que se desviam em especulações a respeito dos ensinos de Jesus, ou logo verificam que estão equivocados, ou os seus discípulos descobrem o logro. Karl Barth, meio conservador e meio radicalista, pretendendo combater Rudolf Buitmann, ambos exerceram grande influência neste fim de século. Todavia, quer um quer o outro, com o seu existencialismo, estão fora de combate. Outros, mais conformes com a verdade dos Evangelhos, se levantam para lhes apontar as falhas, e foi uma vez o buitmannismo e o barthianismo. O hegelianismo, que tantos estragos fez na doutrina, é hoje um sistema mal alinhavado por economistas primários fora do mundo comunista. Assim são os sistemas e os homens que pretendem substituir os ensinos diretos de Jesus por suas filosofias. Dentro de pouco, ficam os seus livros entulhando prateleiras, com as suas doutrinas desacreditadas. A Sabedoria fala coisa excelente e seus lábios só falam as coisas retas. Aprendamos isso de uma vez para sempre. Não há meios ou modos de substituir Jesus. Ele enche a história, e sem ele forma-se o vazio. Recordamos o nosso tempo de moço, quando as doutrinas de Voltaire, Russeau e tantos outros da Enciclopédia afirmavam que num século ninguém mais falaria em Bíblia ou em Jesus. A casa onde morou e morreu Voltaire é atualmente um depósito de Bíblias, em Paris. Onde estão os enciclopedistas e suas doutrinas? Tudo jaz na poeira e seus nomes constam nos livros que já não falam a ninguém. Os seus alunos todos morreram e se apagaram, como a vela que ardeu até chegar ao toco. Jesus não pode ser trocado ou substituído por ninguém. A história


é uma grande mestra e os que lêem nas suas linhas e entrelinhas já descobriram que não vale a pena procurar substitutos para Jesus. Ele é insubstituível. Desde os tempos antigos fala alto e correto.

Porque a minha boca proclama a verdade, o os meus lábios abominam a impiedade (v. 7). Verdade, o que és? Já Pilatos perguntava: "Que é a verdade?" (João 15:38). Sim, a verdade é uma senhora vetusta, bem trajada, que anda sempre por lugares limpos e só pára onde se encontram homens retos de coração e limpos de mente. Verdade, que tão maltratada tens sido, mas continuas a mesma, e os teus anos jamais se acabarão. Jesus declarou que era o caminho, a verdade e a vida; e a verdade religiosa só pode ser encontrada nele. No auge da sua discussão com os seus compatriotas, Jesus afirmou certa vez: "Quem dentre vós me convence de pecado?" (João 8:46). Ele foi e é o homem que falou e ninguém o podia acusar de qualquer falta. Quem, neste nosso planeta, pode dizer isso? Rios de tinta têm corrido pelas páginas de livros sem-número a respeito de Jesus. Porém jamais alguém foi capaz de escrever que Jesus mentiu, enganou. Tem-se dito e escrito muita bobagem, mas esta jamais alguém escreveu ou proferiu. A verdade, e só ela, foi o ensino do Jesus dos Evangelhos, e é a verdade dos Provérbios. Diz-se que não há mais de 10% de todos os livros que se escrevem no mundo que não se refiram ou se apliquem a Jesus. As grandes bibliotecas do mundo, as do Vaticano, as do Congresso dos EE.UU., as da Câmara dos Comuns na Inglaterra, todas as grandes e as pequenas têm uma ou outra palavra a respeito de Jesus, ou para combatê-lo ou para louvá-lo. Em nenhum desses milhões de livros, já declarou alguém: "Jesus mentiu." Qual o outro vulto na história de quem se pode afirmar tal verdade? Ainda não nasceu o primeiro. A mentira, a dubiedade, a impiedade, são termos que Jesus abomina e que jamais andaram em seus santos lábios. São justas todas as palavras da minha boca, não há nelas nenhuma coisa torta ou perversa (v. 8). As palavras da Sabedoria são justas, diretas e sinceras. Tudo quanto Jesus ensinou neste verso e na sua vida terrena é justo; e as suas palavras são retas e sinceras. Ele foi acusado de comer com pecadores, de andar e comer com publicamos, mas nunca o acusaram de dubiedade, de dar um ensino aqui e outro ali. É isso mesmo que ele afirma aqui: as suas "Palavras são justas e não há nelas nenhuma coisa torta ou errada". Você, possível leitor, poderá não andar com Jesus, poderá não o servir, não o adorar, mas fique certo, outro vulto qualquer que já tenha passado por este planeta jamais foi tão sincero e veraz como Jesus. Todas as suas palavras são retas para quem as entende o justas para os que acham o conhecimento (v. 9). Comparemos este verso com Mat. 13:16, quando diz: "Bem-aventurados os vossos olhos que vêem e os vossos ouvidos que ouvem." Sim, felizes os que vêem e ouvem o que Jesus diz, e disse, ensina ou ensinou, porque fato melhor não existe. Os que têm entendimento e discernimento para entenderem são felizes; mas aos que faltam estas qualidades, ficam como cegos, apalpando no escuro. O problema não está com Jesus e os seus ensinos, e, sim, com os que ouvem e não entendem ou não querem entender. Os que acham o conhecimento são venturosos. Nós que lemos o Velho Testamento e escrevemos sobre ele, sabemos que Jesus fala em todas as linhas dos velhos livros. Ele diretamente ou o seu Espírito por ele, como em ls. 61:1, em que o Espírito do Senhor falava pelo profeta, e Jesus citou esta Escritura em seu sermão na sinagoga em Cafarnaum (Luc. 4:18). A Sabedoria oferece mui rica recompensa, maior do que aquela que os homens buscam com tanta ansiedade. É isso que os versos seguintes nos explicam.


Aceita! o meu ensino, e não a prata, o conhecimento entes que o ouro escolhido (v. 10). É fácil de ver que o ensino divino vale e dura mais do que prata e ouro, que se perdem, enquanto o saber fica com o indivíduo para sempre. Quantas grandes fortunas desapareceram? Quantos milionários morreram pobres? Durante a recessão americana, em 1928, com a queda dos títulos na Bolsa de Nova lorque, muitos foram arruinados. Lembramo-nos de um cavalheiro que tomou o Queen Elisabeth em Nova lorque, e quando desembarcou em Londres, estava totalmente pobre. Recentemente, no Rio, muitos venderam apartamentos e automóveis para comprar ações na Bolsa; depois velo a queda, por poucos esperada, e perderam tudo. Mesmo que a Bíblia diga, que o "amor do dinheiro é a raiz de toda sorte de males" (I Tim.. 6:10), continuamos a gostar dele e sem ele nada se move neste planeta. Todavia, não lhe damos o valor destinado ao saber, pois este não está sujeito às oscilações das Bolsas de Valores, nem à cotação dos mercados. Valores materiais, por muito bons que sejam, não se comparam aos do espírito. É isso que o sagrado texto ensina. O verso seguinte completa o sentido da doutrina: Porque melhor é a sabedoria do que as jóias o tudo que se deseja, nada se pode comparar com ela (v. 1 1). Em termos de comparação, o saber, ou seja, a Sabedoria, que é a possessão divina na vida, vale mais do que jóias, qualquer que seja o seu preço.

Eu, a Sabedoria, habito com a prudência, o disponho de conhecimentos e de conselhos (v. 12). Aqui está a Sabedoria falando. Ela é a pessoa que fala e dá conselhos, e só ela pode aconselhar em caráter final e completo, pois é o próprio Deus que fala ao coração dos homens. A Prudência e o conhecimento dos conselhos são a âncora onde se pode firmar qualquer vida. Os simples e prudentes são os seus filhos, e para os quais não há arrogância nem soberba, porque todos nos sentimos diminuídos ante o infinito saber de Deus. Só os tolos é que são soberbos na sua presunção, no seu enfatuado espírito. Já noutra página aludimos ao fato de não haver lugar para enfatuação ou presunção diante de Deus. O livro de Jó nos dá uma lição de mestre. Enquanto o velho sofredor se mirava na sua honestidade e correção, era um homem imbatível; depois que Deus falou e lhe mostrou o que realmente ele era, emudeceu ao dizer: Por isso me abomino o mo arrependo no pó o na cinza (Jó 42:6). Só os ignorantes são vaidosos do seu saber, porque nem sabem que nada sabem. Os verdadeiros sábios são humildes, pois reconhecem em sua cultura o quanto lhes falta ainda para conhecer, e, mesmo que vivessem séculos, não esgotariam os tesouros da Sabedoria, porque ela é Deus.

Dos versos seguintes deduzimos a identificação da Sabedoria com o temor do Senhor (v. 13) e o aborrecimento do mal na vida de cada um de nós. Entre outras possessões da Sabedoria estão o Conselho e a Fortaleza (v. 14), qualidades que se encontram no Rei Messias, conforme nos ensina Isaías 9:6, em que o Emanuel é Conselheiro Maravilhoso, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. Esta Sabedoria abrange todos os campos da atividade humana e atinge os magistrados, os governadores e todos os que estão comissionados por Deus, para dar ao povo a segurança e a felicidade. Governo justo, eqüitativo, foi o que Salomão desejou, quando orou a Deus em Gibeão (I Reis 3:5-12). Todos os que ascendem ao poder deveriam ler esta cartilha salomônica, para aprenderem a governar com justiça e saber, procurando então o


Deus da Sabedoria para os ensinar. Isso, porém, é apenas muito desejável. Entretanto, a Sabedoria é encontrada quando procurada e desejada, conforme Luc. 11:9-13, sempre pronta a atender ao que lha suplica em oração. Por seu intermédio reinam os reis, a os príncipes decretam justiça; governam os nobres o todos os juízos da terra (vv. 15 e 16). A Bíblia ensina que não há potestade senão de Deus, e todos os governos são postos no mundo para o bem dos povos (Rom. 13:1-7). Em nosso Estudo no Livro de Eclesiastes abordamos este mesmo assunto de modo alentado, pelo que basta recordar o que a Sabedoria afirma aqui: é por seu intermédio que governam reis e príncipes e magistrados. Aqui o assunto é mais direto, pois é a Sabedoria mesma que nos informa da sua obra entre os governantes, aos quais dá o saber e discernimento para o bem público. Eu amo os que mo amam; os que me procuram mo acham (v. 17). A Sabedoria deve ser procurada e certamente será encontrada, pois Deus não recusa nenhum bem aos que o buscam. Os que procuram a Sabedoria encontram saber, riqueza e honras, bens duráveis o justiça (v. 18). Os homens de governo que buscam a Deus são distinguidos por seu povo e recebem deles honras e glórias. Quem pode esquecer, no Brasil, um Rodrigues Alves, um Oswaldo Cruz, os homens que tornaram o Rio de Janeiro habitável e digno de povos civilizados? Ninguém olvida os grandes vultos da humanidade. Deus mesmo se encarrega de honrar os que o buscam, dando-lhes tino, saber e discernimento para os grandes empreendimentos do governo. Se Getúlio Vargas não houvesse abdicado dos ensinos que recebeu na juventude, teria terminado o seu governo de modo bem diferente; mas as galas do poder ofuscam, e ele foi traído pelas mesmas e pelos cortesões aduladores e aproveitadores. Suicidou-se. Os bens que a Sabedoria confere são duráveis, sendo obtidos pela justiça; e os tais não serão roubados e nem esquecidos pelas gerações. O fruto da Sabedoria, na vida dos que governam, é o rendimento que produz em bens duráveis, na vida dos indivíduos e das nações. Este termo duráveis não se encontra em qualquer outra parte do Velho Testamento, até onde chegou a nossa pesquisa. O nosso Lêxico também dá sinônimos como antigas ou hereditárias. Seja qual for a tradução preferida, o sentido é o mesmo. Os bens doados pela Sabedoria são duráveis, não morrem com as gerações vindouras. Ficam na consciência dos povos que usufruíram esses bens. Melhor é o meu fruto do que ouro, do que ouro refinado, o meu rendimento melhor do que a prata escolhida (v. 19). É bom comparar. Ouro, prata, os melhores metais que a humanidade busca ansiosamente, não se comparam com a sabedoria que vem de Deus, pois esta serve para tudo, enquanto os metais se destinam a encher os tesouros, e tornar o indivíduo vaidoso e cobiçado pelos outros. Enquanto Salomão se adaptou à Sabedoria que Deus lhe deu, foi um homem desejado, mais do que as suas riquezas; quando abandonou a Sabedoria, tornou-se um potentado rejeitado e foi cair na idolatria, na miséria espiritual, até afundar-se e, com ele, o próprio reino. Houve, durante os milênios passados, homens muito poderosos, como um Carlos V, um Luís XIV; o seu poder, porém, não logrou deixar algo para a posteridade, o os reinos, caindo em mãos de aventureiros, esfacelaram-se. Fossem homens sábios, e teriam morrido, sim, porque esta é a lei da vida, todavia, teriam ficado a sua norma de sabedoria, pela qual ainda hoje nos guiaríamos. Nada ficou senão a fama de sua grandeza real.

Ando pelo cantinho da justiça, no meio das veredas do juízo, para dotar de bens os que mo amem o lhes encher os tesouros (vv. 20 e 21). Este verso é o corolário dos versos anteriores.


Justiça, riqueza e honras estão no caminho da Sabedoria, e ela os dá aos que a buscam (v. 17); mas os vaidosos, os arrogantes, ela os aborrece (v. 13). Estamos, assim, concluindo esta primeira divisão do capítulo 8 deste grande e ignorado livro dos Provérbios. O que fica dito nestas linhas abreviadas melhor será julgado pela meia dúzia de leitores ou a quem couber a felicidade de julgar o valor deste Estudo. Ela é quem fala, quem vale. Os nossos comentários são apenas uma tentativa de expandir e esclarecer o texto sagrado. Nada mais.

3.13.2 A Sabedoria mora com Deus. Ela é o mesmo Deus (8: 22-36)

O verso 22 tem sido o quebra-cabeça de muitos teólogos desde os arvores do cristianismo. Por isso, nossa preocupação é dar a esta seção o máximo de nossa habilidade, ajudado por outros que já palmilharam esse caminho. A controvérsia ariana do século IV da nossa era baseou-se, em parte, neste verso. Arius e seus discípulos tentaram provar que o Logos ou Cristo havia sido criado; portanto, não era Deus; era a primeira criação, como que o primogênito dela. Quando Constantino, o Grande, convocou o Concílio de Nicéia, o fez para salvar a unidade do seu império, que estava sendo destruído pela heresia ariana. Venceu, mas o mal continuou e, de tempos a tempos, outros têm aparecido para ressuscitar a velha heresia. Os modernos Testemunhas de Jeová insistem em ensinar que Cristo é a primeira criatura de Deus e foi criado para por meio dele ser abençoada a humanidade. Ocupa, na doutrina testemunhista, um grande lugar, mas não o de Deus ou co-igual a Deus. Só há um Deus, dizem eles, e não três. Sim, só há um Deus, mas em três pessoas, que formam a divindade. O apóstolo Paulo teria em mente o arianismo futuro quando afirmou que em Cristo reside toda a plenitude da divindade? (Col. 1:19; 2:9 e refs.). Não podemos dar-nos ao luxo de citar muitas outras escrituras onde se mostra que em Cristo reside toda a plenitude de Deus ou da Divindade. Uma seita denominada Unitarianismo também ensina que Cristo é apenas uma criatura, a primeira no plano da criação. Segundo estas doutrinas, nós não temos um Cristo que morreu pelos pecados da humanidade, mas uma criatura que Deus escolheu para ser o cabeça da criação. Os Testemunhas de Jeová entram muito cautelosamente nessa heresia, e os menos instruídos aceitam o veneno sem saber. Não é sem razão que se diz os Testemunhas não serem uma seita cristã. Igualmente, os Mórmons não aceitam outra autoridade acima do seu profeta; tanto uns como outros andam de casa em casa seduzindo os cristãos a abandonarem o seu Cristo, em troca de um Russel ou o profeta José dos mórmons. Uma troca infeliz. Veja o livrete Esses Testemunhas de Jeová, do falecido


escritor batista Rosalino da Casta Lima. E veja também a obra A Verdade Que Conduz à Vida Eterna, que é a Bíblia dos Testemunhas.

Pelo visto, depois da heresia ariana, diversos grupos se têm interessado em demonstrar que não temos um Cristo divino, mas um Cristo criado, e os textos que vamos examinar merecem um profundo e meditativo exame. O debate gira em torno do significado da palavra POSSUIA, no verso 22 do capítulo 8. O verbo "possuir" aqui não tem o sentido comum, significa que a SABEDORIA de Deus estava no princípio com ele, e é inseparável dele. A palavra hebraica de onde vem este verbo é Qanah, que quer dizer ser dono, possuir uma coisa própria. Deus é o dono (Qanah) da terra (Gên. 14:19-22; Sal. 24:1). Tanto quanto Deus é Deus, ele possui a Sabedoria, ele é o Qanah de tudo que existe.

Alguns comentadores interpretam o verbo no sentido de gerar, levando os seus defensores à doutrina da geração eterna, isto é, Cristo é Lima geração eterna de Deus. Isso não melhora o sentido que o Novo Testamento lhe dá. Cristo não foi gerado, nem eternamente nem temporalmente. Ele é eterno e com ele é eterna a Sabedoria, pois ela é inseparável do seu possuidor. João, no seu prólogo do Evangelho, afirma que o Logos estava no princípio com Deus, o Logos (Verbo) ora Deus (João 1:1). A seguir nos informa que Cristo foi quem criou tudo e se tornou senhor de tudo que foi criado, pois sem cio nada do que foi feito se fez (João 1:2). O problema da Trindade não pode constituir objeção a nenhum pensador, isto é, de não podermos entender como as três Pessoas da Divindade são um só Deus, porque também não entendemos a natureza do átomo e lidamos com ele em nossos laboratórios. Que entendem os sábios da ciência nas suas conclusões finais? Bem pouco. A Constituição da Divindade escapa ao nosso raciocínio, assim como a própria pessoa de Deus. Quem é Deus? De onde velo? Eis duas perguntas para engasgar os filósofos. Assim, admitimos que a constituição da Divindade compreende três pessoas, mas um Deus, único e verdadeiro.

Voltemos ao verso 22, que diz: O SENHOR ME POSSUIU no Início de sua obra. A Sabedoria que fala aqui, como já ficou demonstrado, é Cristo, inseparável de Deus. Cristo é parte do Pai, coexiste com ele, e, tanto quanto Deus, o Pai, é eterno, também a Sabedoria o é. A Sabedoria foi destinada a ser o Criador; é um direito de Deus, o Pai, determinar como as coisas deveriam ser feitas. Deus ungiu o Filho, a Sabedoria, para por seu intermédio criar o universo. O verso 23 pode ainda dar alguma luz sobre esse problema, quando diz: desde a eternidade fui estabelecia; ou como rezam outras versões, ungida, isto é, designada para a função criadora. O verbo ungir significa separar para um fim especial. Era assim que os reis antigamente eram separados para a função real. Se nos fosse permitido, poríamos todo esse problema num simples "colóquio". A Divindade (Deus) tinha o plano de criar o universo; este plano era eterno, porque Deus não tem começo nem fim, e seu plano igualmente faz parte de sua natureza. Então foi combinado que o Filho - a Sabedoria - seria o Criador, e o Espírito Santo, o


vivificador, como se vê em Gên. 1:2, em que o Espírito pairava sobre as águas, como que a incubá-las para produzirem a vida. Através da Bíblia, o Filho é apresentado como o Criador, e o Espírito Santo, como o vivificador, o que dá a vida. Deus inteligente, supremamente inteligente, determinou que assim seria feito, e as três Pessoas concordaram. Estava então arquitetado o plano criador de tudo. Nos limites de um simples comentário, sentimos não poder estender mais estas considerações, que serão ainda ampliadas ao comentarmos o texto. Terminamos afirmando que o nosso Cristo é divino, pois Deus manda que todos os anjos o adorem (Heb. 1:6). Jamais a Bíblia consentiu em adoração de anjos ou de homens. Adoração, só a Deus.

.13. A SUPREMA SABEDORIA (8:1-36)

3.13.2 A Sabedoria mora com Deus. Ela é o mesmo Deus (8: 22-36) (1) A Sabedoria como arquiteto de Deus (8:22-31).

Estabelecido que a Sabedoria é eterna, vamos então apreciar o que ela diz. A sua linguagem parece ser a de uma pessoa dependente ou associada. Isso é perfeitamente natural numa discussão como a de provérbios, em que o autor não teria sequer idéia de usar termos que evitassem qualquer equívoco. É certo que os hebreus não tinham uma cristologia como nós, e mesmo o seu messianismo era muito vago e impreciso. Portanto, a linguagem do Velho Testamento é a linguagem comum. É assim que Isaías representa o Messias sofredor, ou o "Servo Sofredor", e que os rabinos interpretaram como se fosse a nação. O verso 22 então diz simplesmente: Jeová mo possuía no início da sua obra. Tanto quanto uma pessoa não pode separar-se das suas qualidades, Deus não pode desligar-se da sua natureza, que é Sabedoria, onipotência e onisciência, alguns dos chamados atributos físicos de Deus. Isso parece intuitivo a qualquer inteligência.


3.13.2 A Sabedoria mora com Deus. Ela é o mesmo Deus (8: 22-36) (2) Uma reafirmação doutrinária textual.

Depois de tudo que acabamos de dizer a respeito da eternidade da Sabedoria (Cristo); parecenos oportuno uma digressão mais profunda do texto sagrado, mesmo que isso importe em umas tantas repetições, para as quais desde logo pedimos desculpas. O verso 23 nos informa, segundo a Versão antiga de AImeida, que a Sabedoria foi Ungida. A. Versão Corrigida da SBB reza: Desde a eternidade foi estabelecia. Ungida ou estabelecida significam a mesma coisa. Mera questão de termos. Tanto quanto o Criador é eterno, a Sabedoria também o é. Ela precedeu a tudo quanto foi criado, pois ela mesma é a Criadora, e vai então discutindo o que fez e onde estava. 1

Vejamos, antes de haver abismos ela havia nascido (v. 24). Antes de haver qualquer coisa criada, ela existia. O termo "abismos", significa a Expansão, mencionada em Gên. 4, traduzia ali "firmamento". Refere-se ao processo da criação, segundo o Gênesis.

Antes de haver montes ou antes de que os montes fossem firmados, antes de haver outeiros, eu nasci (v. 25). Noutra linguagem, antes que houvesse qualquer coisa das muitas que foram criadas, ela nasceu (v. 25). Tanto quanto a Sabedoria pode ser destacada do seu possuidor, ela se refere aqui ao seu nascimento. Isso de modo algum indica que fosse criada, pois é a pessoa mesma que se confunde com o seu possuidor. Esta forma descritiva é que deu aso a umas tantas interpretações errôneas a respeito da Sabedoria como algo criado. Já fizemos ampla descrição desse fato quando tratamos do verso 22. Nesta ordem de versatilidade, ela continua a dizer onde estava antes que qualquer coisa existisse.

Ainda não tinha feito a terra... nem sequer o princípio do pó do mundo (v. 26). Se houvesse nos tempos antigos a linguagem que conhecemos atualmente, então diria: Antes que fosse criado o átomo. O termo pó do mundo refere-se naturalmente ao elemento primitivo, que se conhece agora como a nebulosa, que os físicos admitem ser o hidrogênio, o elemento inicial com que foram formados os mundos. Pois antes que houvesse nebulosa, antes que houvesse átomos, já a sabedoria existia. Isso nos leva a ver a Sabedoria como atuante, antes de tudo. Não seria possível admitir que a Sabedoria existisse como elemento estático, simplesmente acompanhante do Criador, pois não se admite qualquer parte da Divindade, seja a vontade, seja o desejo, seja que parte da personalidade divina for, como simplesmente observadora. Toda a personalidade divina é ativa. Logo, a descrição da atitude da Sabedoria como simplesmente acompanhante, é coisa inadmissível no sentido da personalidade divina. Ela era ativa, era a Criadora.


Assim, antes dos céus, até quando traçava os horizontes, quando firmava as nuvens em cima, quando estabelecia as fontes do abismo, quando fixava ao mar o seu termo... quando compunha os fundamentos da terra, então eu estava com elo... (vv. 28-30). Isso é muito, mas não é tudo, pois ela era o seu arquiteto. A antiga versão diz: Eu era o seu aluno, o que alguns traduzem por aluno mestra ou "obreiro mestre". As multas traduções para este termo hebraico ommom ou emmum, pouco nos ajudam, pois o termo ARQUITETO parece corresponder perfeitamente ao sentido do original e à hermenêutica. A Sabedoria configurase aqui como a pessoa que desenha um edifício, um viaduto. É calculista. O universo oferece estas nuances todas, pois, na sua admirável e ainda incompreensível dimensão e complexidade, deveria carecer de um plano, admitindo-se que nada do que foi feito o foi por mero diletantismo; havia um método criador, e a Sabedoria foi o seu arquiteto. O restante do verso 30 refere-se à alegria do Criador, na contemplação da admirável obra delineada e criada. Outras escrituras nos falam do júbilo dos anjos, ao contemplarem a maravilha que estava saindo das mãos divinas, e a Sabedoria era a alegria do Criador. O primeiro verso de João 1:1 ainda nos ajuda a compreender melhor o sentido do termo arquiteto, pois diz que o logos foi o criador de tudo, e sem ele nada do que foi feito se fez. Em Hebreus lemos: Pelo qual também fez o universo (1:2). O Cristo preencarnado foi o Criador de tudo, e aqui neste texto se apresenta como a Sabedoria, o arquiteto do universo. A alegria que a Sabedoria sentiu, ao contemplar a coisa criada, é descrita logo a seguir, folgando em todo o tempo, o regozijandomo no seu mundo habitável (vv. 30 e 31). Já agora tudo estava criado, inclusive o homem, ao rematar a obra criadora da Sabedoria. Tudo deveria naturalmente constituir um quadro, que antes só existia na mente da Sabedoria, mas agora estava presente.

A Sabedoria só se preocupou com o mundo aqui embaixo, e assim mesmo ficou muita coisa por dizer e que gostaríamos houvesse sido dita. Os mistérios da vida humana, o admirável microcosmos que se aninha no cérebro dos homens, essa imensa máquina de pensar, onde se alojam a química, a fisiologia e a biologia e tudo quanto se relaciona com o admirável funcionamento do cérebro humano, tudo isso, e muito mais, ficou por dizer, como se a Sabedoria não tivesse interesse em nos desvendar este mundo em que nos sentimos metidos. Isso a Sabedoria deixou para os sábios dos nossos dias, para que tivessem algo em que se ocupar, e disso eles têm dado conta, com admirável pertinácia.

Mas o que dizer desses astros lá em cima, mundos que só agora estão começando a ser devassados? Oh! se a Sabedoria nos tivesse falado das amplitudes desconhecidas, disso que atualmente até chega a chamar-se antimundo e antimatéria, alguma coisa que nem é o que nós conhecemos e mal entendemos Se ela nos tivesse afastado o véu que encobre essas distâncias infinitas ou quase isso, distâncias que estão sendo medididas na base de 700 milhões de anos luz, as galáxias com os seus muitos milhões de planetas, que nascem e morrem como nós aqui embaixo nesta terra! Ohl se ela, a divina Sabedoria, nos tivesse dito ao menos um pouquinho desse imenso universo, que desejamos tanto conhecer! Entretanto, nada nos disse, apenas nos falou das montanhas, dos abismos, dos mares com as suas comportas, para que não avançassem terra a dentro e destruíssem as obras dos homens.


Falou-nos muito pouco do mundo que ela criou. Não admira dizer que dia após dia era as suas delícias, folgando perante elo em todo o tempo, para terminar: regozijo-me no seu mundo habitável (vv. 30 e 31).

Aqui não é lugar para descrições de natureza cósmica, pois estamos limitados a um modesto comentário textual. A verdade, porém, é que, falando da criação do nosso mundo pela Sabedoria, nos sentimos tentados a fazer um "alto lá" e avançar um pouco por essa maravilha que se descobre acima das nossas cabeças e que nos últimos decênios tem sido a fascinação de físicos, químicos e até biólogos, procurando eles lá por cima as origens da nossa vida aqui embaixo, ao ponto de um escritor alemão afirmar que a vida do nosso planeta derivou-se dos restos de um piquenique feito por seres inteligentíssimos, que vieram banquetear-se aqui embaixo em nossa poeira. Idéia até para fazer a gente rir.2 Na verdade, as descobertas se vão tornando tão fantásticas e tão fabulosas, que tudo se pode admitir nos domínios do que se chamaria de impossível. Esses homens admiráveis, que estudam o nosso planeta e procuram desvendar o que há lá por cima, nada sabem do que diz a Bíblia, e por isso vão inventando coisas e idéias que, se não podem ser provadas, também não podem ser contestadas, assim enchendo o mundo de livros fantasiosos. possivelmente com muito de real; e os seus leitores, ignorantes como eles da Revelação de Deus exarada na Bíblia, vão sendo deslumbrados com o possível e o impossível, nos domínios do imenso cosmos. Admirável Sabedoria, que depois de criar o nosso planeta minúsculo e quase perdido na imensidade dos espaços siderais, deixounos na ignorância de todo o seu programa criador, do seu projeto arquitetônico, que ainda está em formação e parece até jamais ficará pronto, pois quando uma trova galáxia surge, logo morre, para no seu lugar nascer outra, e assim até o fim. É como a nossa terra mesma, que se transforma, que se altera, em que a vida, esse mistério jamais devassável, se vai tornando cada dia mais maravilhosa, pois mal estamos saindo do segundo milênio, já nos estão falando da vinda do terceiro, que chegará daqui a uns vinte e poucos anos. Efetivamente nós temos de admitir que a vida não morre e nem pára, e, quer seja aqui embaixo ou lá em cima, continuaremos a viver, mesmo que seja um outro tipo de vida, que não pode ser agora devassado. A Bíblia fala aos crentes a respeito da outra vida, para a qual nos preparamos bem ou mal. Onde ela será vivida, em que lugar dos infinitos espaços, ninguém sabe, senão Deus, e isso nos basta. O céu é o lugar onde Deus habita; seja numa distante galáxia, seja num espaço vazio, como querem alguns astrônomos, pouco importa, pois onde estíverem Deus e a Sabedoria, nós nos sentiremos bem-aventurados e felizes.

Ao tentarmos comentar a obra da Sabedoria, no que nos revela e no que supomos, face aos conhecimentos científicos, ficamos seguros de que uma coisa é certa: Deus, o Criador, e a Sabedoria, sua arquiteta na criação, serão a nossa companhia deliciosa na outra vida, quando não teremos de madrugar à cata do pedaço de pão e de um teto necessário à continuação da vida, visto como tudo estará adrede preparado. Como há de ser bom e grandioso! Seja a Jerusalém celestial aqui perto do Mediterrâneo, seja lá por cima, em qualquer ponto desconhecido do universo, seja onde for, estaremos com a divina Sabedoria, que tudo criou para gáudio do homem, que nem sabe ser grato.


1- O Novo Testamento não esconde a verdade da eterna criação de Cristo. Paulo, em sua Carta aos Colossenses 1:13-17, afirma que Cristo não apenas é o criador da nova raça (crentes), mas é o primogênito de toda a criação, sendo a imagem do Deus invisível, e nele foram criadas todas as coisas visíveis e invisíveis, e é por ele que tudo subsiste (v. 17). Aprouve a Deus que nele residisse toda a plenitude (de Deus). O mesmo Paulo, autor da Carta aos Hebreus, na minha opinião, declara: "No princípio lançaste os fundamentos da terra, e os céus são obra das tuas mãos. Eles envelhecerão, mas Cristo permanece pira todo o sempre." A sua posição à mão direita de Deus, fazendo-o assim co-igual a Deus, e dando-lhe todo o poder nos céus e na terra (Mat. 28:18), logo o iguala a Deus. Pedro toma a mesma posição (I Ped. 3:22). Toda a Epístola aos Hebreus constitui um resumo da divindade de Cristo, fazendo-o superior a tudo que houve antes e prenunciando tudo quanto há de vir depois, na consumação dos tempos. Ele é o cabeça da Igreja, fundada na sua divindade, proclamada por Pedro na transfiguração; é o responsável pela tarefa de levar adiante o Reino de Deus; e ainda o que há de fazer a nova criação na consumação dos séculos, quando, depois do milênio, ele será tudo em todos.

Não temos, pois, aqui um Cristo criado; e quando a Escritura o dá como o primogênito de toda a criação (Col. 1:15), o faz apenas para destacar tudo que foi criado, sendo ele mesmo o cabeça de toda a criação. Todos entendem que numa discussão a respeito da criação é natural que ele figure como uma parte desta criação em relação com o Pai, embora todo o resto da Bíblia o coloque antes e depois da criação de todas as coisas.

2- Veja a obra: O Terceiro Milênio

3.13.2 A Sabedoria mora com Deus. Ela é o mesmo Deus (8: 22-36) (3) Ouçamos a Sabedoria - Fala aos filhos (8:32-36).

Nos versos finais deste admirável capítulo 8, a Sabedoria fala aos filhos, os homens do seu mundo habitável, para que a ouçam e tomem nota dos seus conselhos e vivam. Agora, pois, filhos, ouvi-me (v. 32). A Sabedoria se dirige aos homens do seu mundo habitável, como a filhos, e declara que serão felizes os que guardarem os seus caminhos. De fato, não pode


haver vida feliz e segura sem o arrimo daquele que tudo criou e sustenta pelo seu poder (Heb. 1:11). O apelo continua nos versos 32-ã6, afirmando só ser sábio o que lhe dá ouvidos (v. 33), o mesmo que ensinar, não haver sabedoria verdadeira fora dos conselhos da divina Palavra. Nós sentimos certa tristeza quando notamos homens realmente sábios e notáveis em seu saber, como que às tontas, em busca de luz. Se os tais aliassem o seu saber ao conhecimento da Palavra inspirada, este mundo teria avançado alguns séculos na sua caminhada para o futuro desconhecido. Infelizmente, a maioria dos homens sábios ignora a verdadeira sabedoria. Feliz o homem que mo dá ouvidos, velando dia a dia às minhas portas (v. 34). A Sabedoria se apresenta aqui como a senhora da cidade, em cujas portas se assentam os juizes, e os sábios se arrimam às ombreiras, aguardando a chegada da Sabedoria. Uma admirável figura. Tais homens são sábios, afirmando que quem a procura, a descobre o encontra a vida, alcançando o favor do Senhor (v. 34). Uma espécie de maldição paira sobre o esforço humano na busca do saber e do tino para viver, porque essa busca é feita na ignorância do Senhor; por isso não é encontrada e quando o é, sempre é pela metade. Noutro local dissemos que as grandes invenções do espírito humano foram produto de mentes curtidas na comunhão com Deus. Do descobridor da lei da gravidade, Newton, diz-se, estava deitado debaixo de uma macieira, quando desta se desprendeu e caiu uma maçã. Perguntou então a quem lhe pudesse responder: "Por que caiu esta maçã para baixo, e não para cima? Ora, quantas maçãs teriam caído durante os séculos? Entretanto, a ninguém ocorreu perguntar por que a maçã caiu para baixo, em lugar de cair para cima. É que Newton vivia pensando em Deus; era um crente. Estava descoberto um princípio dos mais banais da vida humana: todos os corpos caem para baixo, de acordo com as leis depois elaboradas. Fiquemos certos de que não há sabedoria verdadeira sem o pensador estar em harmonia com o seu autor.

Mas o que peca contra mim, violente a sua própria alma (v. 36). O pecador faz mal a si mesmo, pecando contra a Sabedoria, o próprio Filho de Deus. Só há uma conseqüência do pecado - a morte (Rom. 6:23). Todos que mo aborrecem amam a morte (v. 36). Se o salário do pecado é a morte, então os que aborrecem a Sabedoria caminham para a morte, que na linguagem hebraica é a região das sombras, o Sheol, onde todos aguardam o juízo final.


3.14. SUMARIO DOS TREZE CONSELHOS (9:1-18)

Depois de esgotarmos, conforme o nosso plano, os Conselhos da Sabedoria, constantes dos capítulos 1:8-9:12 de Provérbios, sentimo-nos como que compensados ante os ensinos oferecidos. Bastaria este capítulo para convencer o mundo de que não há vantagem em desprezar a Deus; não há compensação para a desobediência. Infelizmente, poucos, bem poucos, se dão ao trabalho de estudar os conselhos da Sabedoria e de deixarem-se guiar por eles. Agora vamos apreciar algumas conclusões. A Sabedoria sumariou os seus ensinos em forma de um mapa, abordando todos, ou quase todos, os quadros da vida humana, para terminar então no capítulo 9, com um banquete, para o qual convidam-se os sábios e os tolos a se banquetearem e tomarem conhecimento das obrigações e deveres do viver neste planeta. O que a Sabedoria deseja e pretende é convencer os homens de que tentar levar a vida sem as devidas considerações para com Deus é rematada tolice, é tentar viver no escuro, pois é justamente Isso que acontece com sábios e tolos, cada qual pretendendo governar-se à margem das obrigações da criatura para com o seu Criador. Parece certo que a experiência já demonstrou a futilidade de se tentar resolver os problemas fundamentais da vida sem a coparticipação do Criador; tudo resulta em frustração. Não há qualquer vantagem em viver sem Deus. Assim, com esta breve introdução, vamos apreciar as normas do banquete e mirar-nos nos seus esplêndidos conselhos.

.14. SUMARIO DOS TREZE CONSELHOS (9:1-18)

3.14.1 As sete colunas da Sabedoria (9:1-12)

O que significam estas sete colunas da Sabedoria ninguém tem sido capaz de informar. O número sete é considerado sagrado entre os judeus, mas não parece que essa referência ao número sete seja o que aqui se ensina. A Sabedoria construiu a sua casa e lavrou as suas SETE COLUNAS. O que se tem especulado a respeito do sentido dessa informação não cabe nesta página. Será uma referência ao saber da criação em sete dias? Será uma alusão às sete leis liberais, em que se baseavam os antigos? Será uma recapitulação dos primeiros sete capítulos de Provérbios, tomados assim como sete pilares do saber? Seria o número comum de colunas da construção de uma casa? Só recentemente foi encontrado um edifício com sete colunas, a casa dos festivais de Ano Novo de Senaqueribe, rei dos assírios.1


Finalmente, as SETE COLUNAS devem corresponder a algo em referência à sabedoria. O que é SABEDORIA? Sabedoria sensata, sadia, discrição, prudência no encaminhamento da vida, Conselho, Instrução, e que mais? Tudo isto já ficou sobejamente descrito nos oito capítulos precedentes. Se essa for a interpretação, temos então aqui uma repetição de tudo quanto a divina Sabedoria já ensinou em treze Conselhos da sabedoria edificada sobre estas sete colunas. É uma casa eterna, indestrutível; e a pessoa que reside sob as suas telhas viverá sábia e seguramente. Talvez seja essa a indicação que o divino inspirador quis dar-nos. O mundo está cheio de tolos, e os que se julgam sábios também são tolos, porque vivem à margem da Sabedoria divina. Quando lemos uma obra sobre biologia e verificamos a louca tentativa de fazer surgir a vida num tubo de ensaio, por onde se faz passar uma corrente de 60.000 ou mais volts, para depois confessar que o resultado não foi o que se esperava, porque quando surgiu a vida no planeta as condições ambientas eram diferentes, temos de confessar a nossa admiração por tal tentativa, mas reconhecer a sua futilidade. São homens que trabalham no escuro, porque não conhecem ou não desejam conhecer a Deus, o Criador da vida. A Sabedoria resolve os problemas do viver, sejam os enunciados acima, sejam estes e outros. As Sete Colunas devem corresponder a sete grandes verdades, não registradas. É uma pena sermos privados do conhecimento, do significado destas sete colunas. Somos ignorantes de muitas outras informações, que nos parecem também necessárias, embora Deus nos desse o quantum setis para uma vida normal, podendo nos dispensar o secundário.

No interior desta casa de sete colunas, a Sabedoria preparou um banquete: Carneou os animais, misturou o seu vinho, e arrumou a sua casa (9:1). Casa arrumada, com móveis novos, tudo devidamente espanado e limpo, cadeiras confortáveis, com encosto de fofos de seda, criados prontos, vestidos de libra, mandando os seus pregoeiros por toda a cidade, desde os lugares mais altos, convidando para a festa (vv. 2 e 3). Neste banquete há lugar para o simples e ignorante, assim como para o douto. Parece-nos esta festa com a que Jesus descreveu em Mat. 22:1-14, e talvez haja mesmo uma descrição desta festa novotestamentária, no festim da Sabedoria de Provérbios. Quem sabe? Veja-se que em Mateus e Luc. 14:13 e segs., o criado foi mandado a buscar os que estavam pelos caminhos da vida, pelos becos, desgarrados e sem destino. Aqui são justamente os simples ou os de pouca inteligência que estão sendo convidados, enquanto lá são os pobres, os aleijados, os coxos, todos os que estão fora dos quadros de uma vida normal. Aos faltos de senso diz: vinde, comei o meu pão e bebei o meu vinho que misturei (v. 5). Esta qualidade de gente convidada para o banquete bem se parece com os convidados de Mateus e Lucas. Na mesa do banquete há um lugar para os simples e para os falhos de Instrução, o que não quer dizer ignorantes, mas os que não têm o senso do viver correto. Não há, pois, exceção de pessoas; todos são convidadas. A Sabedoria não deixa ninguém de fora, pois todos podem receber instrução e todos dela precisam. Há também um convite para os insensatos, para que vivam o andem no caminho do entendimento (v. 6). O convite é para que deixem a insensatez e vivam corretamente. São os tolos, tantas vezes mencionados nos capítulos anteriores. Abandonar a Insensatez e viver é o grande convite da Sabedoria. Podemos imaginar o que seria esta vida se todos fôssemos guiados pela sabedoria divina, se todos os nossos esforços nos conduzissem no' sentido de viver em harmonia com


Deus! Que mundo diferente seria esse nosso universo! Um banquete para todos os convivas inteligentes e bem informados, todos conscientes de suas obrigações, todos iluminados pela graça que emana da Sabedoria, seria um banquete divino mesmo.

Os versos 7 a 9 são um discurso proferido pela Sabedoria aos convivas enquanto comiam das viandas adrede preparadas. Diz a Sabedoria: O que repreende o escarnecador traz sobro 91 afronta (v. 7). A Sabedoria está se referindo aos que, não tendo aceitado o convite, estariam zombando dos que o aceitaram, e então pede que, a tal qualidade de gente, não se responda, não se repreenda, porque não tem discernimento para compreender o bom conselho e se voltaria contra o conselheiro. Havia, como no banquete do filho do Rei em Mateus e Lucas, muitos que tinham zombado do convite ou o tinham desprezado. A estes não convinha repreender, porque não tinham capacidade para discernir o bom e o mau. A Sabedoria aqui mostra-se muito complacente, muito suave para com esta gente. Isso é uma qualidade do nosso Mestre: quando rejeitado, não respondia como o caso exigia. Ao escarnecedor não se repreende; deixa-se. Aconselha-se o sábio, e agradecerá a palavra certa. Esta é uma observação muito comum em nossa vida. Tentar convencer um tolo é perder tempo; tentar convencer um sábio é ganhá-lo. Este elemento encontra-se também no ensino de nosso Mestre em Mat. 7:6, quando recomenda não se dar aos cães as pérolas, para que não se atirem contra nós. Como se vê, o discurso da Sabedoria aos convivas é sábio e oportuno. Todos à mesa, comendo, podiam ouvir o que a Sabedoria tinha a dizer a estes, que agora de modo muito direto e objetivo, estavam ao alcance da sua voz. Nos capítulos precedentes, o ensino era indireto; aqui é direto e pessoal. Parece que o discurso arremata com o ensino do verso 10. Diria a Sabedoria: "Eu vos tenho ensinado muitas coisas e vos tenho chamado à minha mesa, ao meu banquete. Possivelmente nem todos vós tereis entendido tudo quanto eu tenho dito ou desejava dizer-vos. Mas uma frase simples completa o que tenho em mente comunicar-vos: O TEMOR DO SENHOR É O PRINCIPIO DA SABEDORIA, E O CONHECIMENTO DO SANTO É PRUDÊNCIA" (v. 10). Está correto, quem teme ao Senhor, mesmo que não seja portador de diplomas, não tenha cursos universitários, é um sábio, pois sabe como viver.

Certa vez, quando éramos pastor em Recife, Pernambuco, deparamos numa rua dois homens discutindo. De longe verificamos que era um membro de nossa igreja. Aproximamo-nos o verificamos que o outro contendor era o nosso advogado, numa causa infeliz, no tribunal, levada por um ex-membro da igreja; por sinal, um grande advogado. Quando este nos viu, disse apenas' isto: "Pastor Mesquita, que é que você faz com este homem analfabeto, pois me está enrolando, e eu não sei como sair desta." A nossa resposta foi simplesmente que o homem, um ex-escravo, realmente analfabeto, sabia de cor muitas escrituras e podia ensinar a um grande advogado muita coisa que ele ignorava. É isto que a Sabedoria está dizendo: O temor do Senhor é o princípio da sabedoria (v. 10). Quem quiser ser sábio comece por temer a Deus e observar os seus mandamentos, porque essa é realmente a verdadeira sabedoria; pois se um homem conhecer todas as ciências e não souber usá-las e viver por meio delas, será um tolo; enquanto um ignorante da ciência, mas conhecedor de Deus, vivendo no seu temor, sabe bastante. De modo algum estamos advogando a ignorância; estamos apenas fazendo


comparações. O escarnecedor nunca aprende. Seu espírito está azinhavrado, envenenado, não é dócil nem humilde, é um zombador, e nada mais. A tal gente não adianta tentar ensinar. Ensine-se a um sábio, e ele agradecerá. Verdadeira sabedoria esta, e muito real em nossa vida.

Mas a Sabedoria vai mais longe na sua prédica. Afirma: Porque por mim se multiplicam os teus dias, o os anos de vida se te acrescentarão (v. 11). Numa estatística publicada pela revista Time, saíram alguns dados comparativos entre os crentes e os descrentes. Verificou-se que os crentes tinham em média dez anos de vida a mais do que os descrentes. Naturalmente tem de ser assim. Se um crente não bebe álcool, não fuma, não se entrega a extravagâncias, deve viver mais. Pela prática da Sabedoria vive-se mais. É ela mesma quem o diz: POROUE POR MIM SE MULTIPLICAM OS TEUS DIAS. O Cristo pré-encarnado afirmou, séculos antes de se encarnar, que, os que vivem por seus ensinos, vivem mais e melhor. A Sabedoria termina com uma sentença muito apropriada: Se és sábio, para ti mesmo o és; se és escarnecedor, tu só o suportarás (v. 12). Os nossos pendores são bons para os outros, porém o maior benefício será para nós mesmos. Isso já não é um provérbio é uma lição de verdade, que não devemos desprezar. Ou fruímos as vantagens da sabedoria, ou levamos as conseqüências da tolice e zombaria.

Como vemos, o banquete da Sabedoria nos trouxe muitas lições objetivas e adicionais às muitas que nos ministrou nos capítulos anteriores. Os seus convivas deviam estar agora perfeitamente conscientes de que não adianta viver como tolos; era tempo de cada um se virar para o seu Deus e viver. Isso feito, ela passa a outra parte do seu discurso aos convivas, mostrando que a falta de senso leva à ruína, e o desprezo pelo bom discernimento conduz à morte. Isso vamos ver na segunda parte do discurso.

1 – Veja A Baungartner, em The Old Testament and Modern Study, p. 215, obra editada por H. H. Rowley, uma das mais proveitosas que conhecemos e que infelizmente está fora de uso pelos leitores em português.

3.14.2 A festa da loucura (vv. 13-18)


A loucura é aqui representada como uma meretriz, sem vergonha, sem brio e sem vislumbre de caráter. É uma vadia impudica, que já perdeu todo o verniz moral, e se apresenta aos simples, diríamos, aos bobos, e os tenta a irem ao seu banquete. O texto diz: A loucura é mulher apaixonada, é Ignorante, o não sabe coisa alguma (v. 13). Aí está. Comparemos essa breve descrição com que a Sabedoria faz no capítulo 8, e então temos a diferença, o contraste. De um lado, a Sabedoria, que leva à vida; do outro, a loucura, que conduz à morte. Uma constrói e dá vida; a outra destrói e leva à morte e ao inferno (v. 18).

Assenta-se à porte de sua casa, nas alturas da cidade, toma uma cadeira para dizer aos que passam... (vv. 14 e 15). Essa forma de descrição é sintomática, em comparação com a elevação e nobreza da Sabedoria. Enquanto esta é ativa, trabalhadora, arquiteta do universo, aquela é uma vadia, sem ocupação, posta à porta de sua casa, convidando os tolos para irem visitá-la. A Sabedoria preparou um banquete por suas criadas, e ela mesma saiu a convidar os que desejavam ser inteligentes .(v. 4). Uma festa sui generis. A loucura postou-se à porta da sua casa, a convidar os que não tinham juízo (v. 15). A linguagem da loucura é realidade que não pode passar sem um comentário acre. Ela diz aos seus convidados: Águas roubadas são doces, e o pão comido às ocultas é agradável (v. 17), linguagem obscena e sedutora, ensinando a cometer loucuras. É isso mesmo que acontece aos que andam distantes da Sabedoria. O mais grave, porém, não diz, isto é, que a sua casa é o lugar dos mortos, e seus convidados estão nas profundezas do inferno (v. 18). Enquanto os convidados ao banquete da Sabedoria estão alegres e felizes, os que vão à casa da Loucura estão mortos e sepultados no inferno. Tudo quanto se poderia dizer, num comentário simples, está explícito neste último verso (v. 18). Nada se pode adicionar.

O retrato do pecador aqui está com todos os retoques da arte do Diabo; e quantos se podem mirar nesse espelho? Quem quer que tenha sido o autor dessa seção de Provérbios, nós não temos senão de admirar a sua capacidade de síntese, quando compara a vida com a Sabedoria e a vida com o pecado. O que se disse num simples capítulo de 36 versículos é tudo que se pode dizer dos dramas de consciência e da vida em geral. Quantas famílias destruídas, quantos filhos sem pai, quantas dores e quantos ais, por causa da visita à casa da loucura! Como já ficou dito, esta palavra é sinônimo de mulher perdida, tendo como profissão perder a vida de outras pessoas. Não desejamos acrescentar mais palavras; estas bastam.


4 - O PRIMEIRO LIVRO DOS PROVÉRBIOS DE SALOMÃO (10:1-22:16)

Nós não temos meios de avaliar a origem desta seção de Provérbios, aliás, a mais extensa e de maior significação, pelo simples fato de trazer, como cabeçalho, o nome do grande sábio de Israel. São ao todo 374 provérbios. Se levarmos em conta o que nos diz I Reis 4:32, que Salomão compôs 3.000 provérbios e os seus cânticos foram 1.005, então podemos incluir os 374 nessa lista. Quem os colecionou não se diz, mas podemos admitir que a coleção tivesse sido preparada durante a sua vida. Ele teria os seus amanuenses e arquivistas, pessoas designadas para colecionar os provérbios, muitos dos quais teriam sido proferidos à mesa em seus banquetes, quando junto a outros sábios orientais, dos que vinham às suas festas, e quando um provérbio era proferido, seria imediatamente redigido e colocado na coleção oficial. Nem tudo que Salomão disse e ensinou foi preservado, o que sentimos muito; possivelmente, porém, o mais importante teria sido salvo. Os livros que ele escreveu sobre botânica, zoologia e outras ciências, que nem existiam como tais em seus dias, não foram preservados. Calcula-se que 10% da sabedoria de Salomão foi conservada para a posteridade, o que é de se lamentar. A forma em que se encontram esses provérbios não foi mera coincidência; a maioria consiste de duas linhas, uma oposta à outra, ou uma contrastando com a outra, como o primeiro verso desta seção: O filho sábio alegra o seu pai, MAS o filho Insensato é a tristeza de sua mãe. Nem sempre uma série de provérbios segue a mesma orientação, como, por exemplo, os capítulos 10-16, em que a segunda linha contrasta com a primeira. Entretanto, nos capítulos 17 o 18, a ordem é algo diferente, onde a segunda linha confirma a primeira. Nem sempre esta ordem é rigorosa, mas de modo geral é a seguida. Não padece dúvida que os colecionadores desses provérbios tiveram em mente uma catalogação de ditos ou sentenças de uma mesma natureza, enquanto outras seguiriam um processo diferente. Deve ter sido um trabalho difícil esta catalogação, separando um provérbio de outro, de modo a agrupá-los segundo a sua forma e ensino.

De modo geral, sejam quais forem os critérios encontrados, o conjunto é, sem qualquer sombra de dúvida, mina de sabedoria, como se a natureza tivesse chegado a Salomão e despejasse em sua mente o saber de todos os tempos e estações. Em virtude das diferenças de catalogação, nem sempre nos será possível dividir os assuntos conforme a sua natureza, e isso também não nos parece fundamental, pois estas divisões que propomos visam mais uma facilitação de estudo que mesmo uma divisão doutrinária. Não seria admissível examinarmos verso por verso sem uma divisão doutrinária, mesmo imperfeita. Seguiremos esta norma, para a qual pedimos desde já desculpas. Ela é um fato resultante da situação em que se encontrariam as coleções dos provérbios. Distantes como estamos por milênios, não temos meios de saber como os colecionadores se teriam havido com a seleção dos mesmos, pois, como já foi notado, estas frases ou adágios resultariam do convívio comum, dos banquetes em palácio e de outras circunstâncias, que nos é Impossível examinar.


A seção que vamos estudar, como sendo Provérbios de Salomão, compreende os capítulos 1022:16, seguindo uma divisão corrente entre os comentadores dos mesmos. Não há multa segurança de que os provérbios constantes de 22:17-24:22 não sejam igualmente de Salomão, embora os comentadores os cataloguem como pertencentes a um grupo de sábios que não Salomão, mesmo estando entre o grupo. O nosso ponto de vista é que toda essa literatura de Sabedoria pertence à era salomônica, e, se não foi diretamente produto da sua inteligência privilegiada, também não foi alheia a ela. Nos quarenta anos de governo de Salomão, descontando-se os últimos 10 a 15 anos, quando começou a falhar a sua agudeza mental, tudo giraria ao redor dele. Portanto, sejam alguns provérbios atribuídos a um grupo de sábios, sejam mesmo os de Agur, filho de Jaque, ou dos conselhos ao rei Lemuel, que muitos admitem ser um pseudônimo de Salomão. todos refletem a mesma época e a mesma fonte. Com estas considerações, já bastante elaboradas, passaremos ao nosso estudo, como vimos fazendo.


4. 1. AS DIFERENÇAS ENTRE UMA VIDA MA E UMA VIDA BOA (1 0:1 -32)

Estes provérbios constituem uma série de preceitos sobre a vida em todos os seus aspectos, cujo sentido total é a felicidade. Não é apenas o lado religioso da vida que deve merecer a nossa atenção, e, sim, todos os seus aspectos e composições, visto como esse é o interesse do sábio.

4.1.1 O consolo da família (vv. 1-3)

Os filhos bons alegram a vida do casal, mas os filhos maus são a sua vergonha. Noutros lugares estudamos os deveres dos filhos para com os pais, como sendo um dos mandamentos da lei de Deus (Êx. 20:12; Ef. 6:1-4). O apelo aos filhos corre através dos capítulos 1:8; 2:1; 3:1; 4:1; 5:1; 6:1, 20; 7:1 e refs. É uma constante admoestação aos filhos, pois são eles os perpetuantes da raça, e, segundo a norma oriental, era sobre eles que recaía a responsabilidade da família. Se os nossos filhos se mirassem nessas admoestações, teríamos, por certo, uma outra situação social, bem diferente da que temos. O que se vá são os filhos querendo emancipar-se da tutela dos pais e viverem a sua própria vida, como se não tivessem responsabilidade para com os outros. O grupo dos Provérbios atribuídos a Salomão começa igualmente com o apelo aos filhos. O filho sábio alegra o seu pai, mas o filho Insensato é a vergonha de sua mão (10:1). O Novo Testamento não esquece este fato como ficou dito antes. Há, na conceituação moderna social, um número grande chamado dias disto e daquilo e até um dia dos namorados; não há porém um dias dos filhos, que nos parece estar faltando.

Quando há filhos bons, não há tesouros de Impiedade, que nada aproveitam, pois é a justiça que livra da morte (10:2). Parece não haver lógica entre este verso e o precedente, mas há, sucedendo o mesmo no seguinte, quando lemos que o Senhor não deixa ter fome o justo, mas recheça a avidez dos perversos (v. 3). Há uma seqüência lógica entre as diversas doutrinas. Um filho obediente aos pais é aquele que pratica a justiça e cumpre todos os outros deveres familiares e sociais.


4.1.2 Olha o trabalho (10:4, 5)

O que falseia o trabalho, isto é, que trabalha com mãos w missas empobrece. Este é um problema operário-social. O operário que julga estar trabalhando para enriquecer o patrão e por isso trabalha lentamente, com mão negligente, engana-se, porque o trabalho é para todos, operários e patrões, e é isso mesmo que o verso ensina: quem trabalha com mãos diligentes enriquece. A luta social no Brasil conta grandes e trágicos capítulos na área das reivindicações salariais, até que, presentemente, já os operários podem ser acionistas da empresa, e, portanto, trabalharem para si mesmos. A Bíblia é muito segura nos seus ensinos. Dessa doutrina do trabalho vem outra: O que ajunte no verão é filho entendido, mas o que dorme na sega é filho que envergonha (v. 5). Na sega se recolhe o grão que alimenta no inverno, mas o que dorme enquanto deveria estar trabalhando é uma vergonha dos pais e da sociedade. Se todos trabalhassem não haveria uma multidão de vadios que vivem do trabalho dos outros, seja pela mendicância, seja pelo roubo. Todos os males sociais, de que todos nos queixamos, resultam da falta de serviço.

4.1.3 A bênção sobre a cabeça do justo (10:6-11)

Parece-nos que ainda estamos lidando com o filho sábio (10:1), que pratica a justiça para consigo mesmo e para com os outros. Há nesta seção um grande número de doutrinas, todas resultantes de uma atitude - a do filho sábio. Na sua cabeça descansa a justiça, porque não pratica a injustiça, nem na sua boca existem a perversidade e a violência (v. 6). A sua memória é abençoada, enquanto a do perverso apodrece (v. 7). O verbo apodrecer tem um sentido contagioso e malcheiroso. Tudo que é podre é repugnante, e a podridão cai sobre a cabeça dos perversos, isto é, dos que não amam a justiça. Este verso nos indica ainda que os efeitos da injustiça continuam na terra depois da morte do indivíduo, pois o termo podridão parece significar isso mesmo. Os castigos dos que não amam a justiça vão com eles pela vida a fora, pois os que amam a integridade andam seguros, enquanto os ímpios não têm caminho conhecido (v. 9). A insensatez dos ímpios leva-os a piscarem os olhos para os outros, num ar zombeteiro, tipo de desprezo, astucioso e desprezível (v. 10). Até a Septuaginta tem uma tradução característica para este verso, traduzindo - "o insensato traz a ruína nos lábios", em lugar de - o insensato de lábios vem a arruinar-se. Prosseguindo na descrição da maldade do ímpio, diz o texto que a boca do justo é manancial de vida, mas na dos perversos (injustos) mora a violência (v. 11). A síntese é: o justo é uma fonte de inspiração, pois suas palavras encaminham os desgarrados da vida, inspiram os desanimados, elevam os abatidos e enchem de coragem os medrosos. Esta linguagem está conforme Tiago. Podemos comparar com Tiago


3:13, 14, onde a justiça e a iniqüidade podem ser produto do coração. É dele que procedem todas as coisas feias da vida (Mat. 15:19).

4.1.4 o amor e o ódio (vv. 12-14)

Os dois pólos extremos muito correntes na vida humana (veja I Ped. 4:8; Tiago 5:20; 1 Cor. 13:7). Estas Escrituras e tantas outras levam-nos a ver que se trata de uma distorção da verdadeira razão de ser da vida, pois só o amor constrói para o tempo e para a eternidade, e Deus mesmo é amor. O pecado tem desvirtuado tudo, e desde os dias de Caim, a humanidade luta para se livrar da negação do amor, que é o ódio. O ódio excita a Ira, mas o amor cobro todas as transgressão (v. 12). Há diversos graus em que o ódio se manifesta: a) má vontade para com outros; b) suspeita sobre coisas infundadas; c) Interesses contrariados. Este último é o que provoca o maior número de males resultantes do ódio. Uma pessoa que se julga roubada nos seus direitos ou nas suas pretensões, por outra, termina odiando esta outra, e com esse ódio, possivelmente, será levada ao crime. Só o amor constrói. Parece que os versos 13 e 14 são um reflexo do verso 12. Nos lábios do entendido se acha a sabedoria (v. 13), é o mesmo que dizer: o homem que não odeia é um sábio, capaz de resolver os seus problemas sem raiva. A vida nos cria situações provocadoras, transtornadoras de boas intenções. No entanto, se o homem é sábia, saberá contornar a situação, dar meia volta ou "virar a outra esquina", evitando as consequências que o ódio pode causar. O entendido, como pretendem alguns comentadores, é o homem que discerne, em lugar de entendido comum. Sabe fazer diferença entre uma coisa e outra; entre uma causa e seus efeitos. Se for este o sentido do adjetivo entendido, então seria o caso, de se aconselhar a todos que sejam capazes de discernir, porque multa vez nem há lugar para o ódio. O resto do verso 13 parece indicar o que acabamos de dizer... a vara é para as costas do feito de senso (v. 13). O que não é capaz de discernir entre duas questões é um tolo; então, vara neles Não sabemos se poderia dizer-se aqui, seria a maioria dos homens e das mulheres faltos de senso, incapazes de discernimento, uns atoleimados.

Este ensino projeta-se ainda no verso 14. Os sábios entesouram o conhecimento, mas a boca do néscio é uma ruína iminente. O verbo entesourar significa guardar. A idéia é que o sábio oculta o que sabe, não faz alarde do seu saber, enquanto o néscio, o tolo, vai adiante, alardeando o que sabe e provando que nada sabe. Porque o sábio entende que, se sabe, ainda lhe falta muito, para saber tudo; enquanto o tolo, que nada sabe, pensa que já sabe tudo. É uma lição de modéstia intelectual. Essa qualidade de homens é muito vulgar em nossas rodas sociais. Certos indivíduos, bobos, andam proclamando o seu saber, enquanto outros, que


realmente sabem, ficam calados. Muita gente se perde pela língua, esse membro tão bom e tão perigoso (Tiago 3). O Insensato é apresentado noutros lugares como tolo (1:22); o termo ewil descreve um indivíduo que faz da boca um canal de esgoto e vai derramando a sua baboseira, a sua estupidez, por onde quer que passe. Esta pessoa põe em perigo a si mesmo e a outrem, multas vezes. Por isso diz o sábio: "A palavra é de ouro, mas o silencio é de prata." Em nossa concordância, o termo palavra ocorre 130 vezes e ainda não esgota todo o ensino; e ele refere-se tanto à Palavra divina como à humana.

4.1.5 A riqueza e a pobreza (v. 15)

A Bíblia usa muitas palavras a respeito do dinheiro, ora para o condenar ora para o avaliar. Calcula-se que 25% do ensino de Jesus versam sobre o dinheiro. Em nosso texto, o dinheiro ou a riqueza é o castelo forte dos ricos. Todavia, essa doutrina não tem o endosso do resto da Bíblia, onde as riquezas são causticadas, porque por meio delas muitos males se praticam. Paulo chegou a dizer que o amor do dinheiro é a raiz de todos os males. Isto quanto ao amor do dinheiro, não quanto ao dinheiro em si. Não somos e nem poderíamos ser contra o dinheiro ou as riquezas, mas admitimos que nem sempre conduzem à felicidade. O pobre é um arruinado, isto é, não pode fazer valer o seu poder, por falta de dinheiro, visto como este vil metal é que movimenta o mundo. O que o sábio ensina é que no dinheiro o rico se sente seguro, enquanto o pobre se vê arruinado. Não há propriamente uma condenação ao dinheiro nem um louvor à pobreza. Nas lutas sociais é quando se verifica melhor o valor do dinheiro e a sua falta. Quantas lutas por causa de mais um pouco de dinheiro! O pobre se vê sempre despojado; mas quantos ricos se viram também perdidos. Na recessão de 1928, nos EE.UU., milhares de milionários ficaram sem nada, enquanto milhões de pobres ficaram como estavam. A ruína foi para os ricos, e não para os pobres.


4.1.6 A vida e a vida (vv. 16 e 17)

Dois provérbios ligados pela palavra VIDA. O fruto da vida reta e o fruto da vida iníqua. A obra do justo conduz à vida, mas o caminho do pecado é a perversidade. O caminho de vida que conduz à correção, e o que abandona a correção. São dois pontos diametralmente opostos. Um leva à vida; o outro, ao erro. Vida e correção são duas coordenadas do viver. O sábio se corrige cada dia; o tolo se embrutece dia após dia. A repreensão é desagradável, mas é a maneira de encaminhar o rapaz e o homem no caminho direito.

4.1.7 Cuidado com a fala (vv. 18-21)

Quatro provérbios ligados com a palavra FALA. O primeiro mostra o quanto é perigoso ocultar o ódio hipocritamente, e mostrar tal ódio por meio de calúnias é ainda pior. O segundo é uma advertência contra falações sem base, verdadeiras tolices. O terceiro contrasta com os outros dois, comparando a prata escolhida à língua do justo. E o quarto é uma súmula dos três anteriores, ensinando que os lábios do justo são um pastoreio fértil em bênçãos, contrastando com os lábios dos tolos, que nada sabem e nada edificam, e por isso morrem como tolos. É uma cartilha de normas capaz de edificar uma cidade e meio mundo. A justiça, coisa tão vasqueira no mundo o tão difícil de ser encontrada, e o bom entendimento entre os homens, sem calúnias, sem falsas imputações, bastariam para construir uma outra sociedade. Possivelmente seria esta a situação em Israel, ao tempo em que a justiça de Salomão deveria imperar; entretanto, o que se vê por estes provérbios é que multa coisa saiu frustrada. Nós mesmos temos a nossa experiência no convívio doutrinário evangélico, quando nem sempre se prima pela justiça, pela verdade, contra a mentira e a falsidade. A boataria é uma constante em muitos círculos, e a demolição do caráter, com o abandono da verdade, é um corolário. Ser justo, praticar a justiça, é um mandamento de nosso Mestre, quando diz: Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo algum entrareis no reino de Deus (Mat. 5:20). A ser assim, então quantos terão o caminho barrado para a entrada no Reino de Deus?


4.1.8 A bênção do Senhor (v. 22)

É uma complementação dos quatro versos anteriores. Deus é justo, mesmo que nem sempre tenhamos capacidade para entender a sua justiça, e exige dos seus crentes serem justos. A sua bênção descansa sobre as cabeças dos que praticam a justiça. A falta de justiça é a praga do mundo, porque os homens encarregados de aplicá-la nem sempre estão capacitados para vê-Ia onde ela está, e quantas vezes a vêem, mas não a aplicam. É a historieta dos gatos que brigaram por causa de um pedaço de queijo. Foram buscar no macaco a justiça, para que cada qual tivesse um pedaço igual, e o macaco foi comendo o, pedaço do queijo, até que nada sobrou. Nisto não há qualquer intuito de denegrir a justiça dos homens, mas apenas a impossibilidade da sua prática.

4.1.9 Uma volta a uma doutrina velha (vv. 23-26)

Os dois primeiros provérbios deste grupo se contrastam: o perverso tem o seu divertimento na prática da perversidade, mas o justo a tem no praticar a sabedoria. Por esta causa, aquilo que teme, isso lhe vem; enquanto o justo conta com o favor de Deus. Ninguém se iluda: o perverso e a sua maldade passam como a tempestade, enquanto os justos têm perpétuo fundamento (v. 25). Ninguém se iluda com os progressos do injusto, porque, como passa a fumaça, vai passar a sua injustiça, mesmo que antes cause multa ruína (com esta parábola compare Mateus 7:24 e segs.). A casa dos sábios resiste à tempestade, a dos tolos, porém, a tempestade arrasta. O mundo sofre multo por causa dessa gente sem alma e sem coração, embora Isso venha desde os antigos tempos.

O verso 26 não tem ligação com a doutrina precedente nem com a subseqüente, mas introduz um princípio que custou muita doutrina ao nosso Mestre. O preguiçoso é aquele servo mau que escondeu o talento do seu senhor, em vez de agenciar com ele. É realmente como vinagre para os dentes o fumo para os olhos (veja Mateus 25:23-26). Muitos provérbios temos a respeito do preguiçoso e do que malbarata o dinheiro dos outros. Não conhecemos o uso do vinagre para os dentes, mas o fumo é muito usado para os limpar. O trocadilho é interessante e Provérbios usa muitos deles, contrastando um fato com o outro.


4.1.10 Um resumo de doutrina (vv. 27-32)

Trata-se de determinar a sorte do justo e a do ímpio. É uma volta ao estudo dos versos iniciais deste capítulo. O sábio se tem preocupado sobremodo com a justiça e a impiedade, como se fossem os dois pólos opostos de uma vivência boa entre os homens. Agora resume todo o seu ensino assim: O TEMOR DO SENHOR (v. 27). Onde não há temor de Deus tudo é possível; é isso mesmo que nós testemunhamos no viver. O temor de Deus dá vida longa, mas a vida dos perversos é encurtada. Vida longa é o que o verso 27 promete. Vida curta é outra promessa do mesmo. O contraste é flagrante. A esperança do justo é alegria (v. 28). Mas o que aguarda o perverso? Toda expectativa fenece, porque não tem o favor de Deus (v. 28). O caminho do Senhor é a maneira de ele tratar com os homens. Isso chama-se caminho, uma fortaleza para os íntegros, porém a ruína espera os que praticam a iniqüidade. É a reafirmação do verso 25. Os provérbios são sentenças, em que muitas vezes se repete uma anterior. São os contrastes, quer do lado bom, quer do mau. O justo jamais será abalado (v. 30), mesmo que algumas vezes pareça o contrário. O perverso, no entanto, tem a destruição na sua porta. Os justos têm a sua herança nas bem-aventuranças do Evangelho, mas o ímpio não conta com esperança alguma. Se pudéssemos dar um balanço na vida da humanidade, poderíamos ver melhor a seriedade desses conceitos; isso, porém, é impossível. Basta sabermos que a iniqüidade, mesmo que prevalecente em muitos círculos, não tem a seu favor qualquer promessa divina. É como a boca do justo que produz sabedoria, porém a língua dos perversos será desarraigada (v. 31). O mundo em que habitamos é controvertido e contraditório; por um lado, prega a justiça, a bondade e a harmonia; por outro, destrói tudo isso, como se a pregação fosse uma simples diversão malsã, uma crueldade demoníaca. Ao simples observador assim parece e até lhe damos razão. Todavia, em melhor verificação, logo nos convencemos de que tudo se processa de outro modo. A justiça, por ser uma senhora calma e prudente, não alardeia as suas atitudes. Passa despercebida pelas ruas, enquanto a perversidade levanta a voz zombeteira, como senhora da sociedade. Os nossos jornais se incumbem de nos dar uma visão falsa da realidade do nosso mundo, quando destacam os crimes e ocultam as virtudes. Os homens que se enclausuram num laboratório, pesquisando micróbios e procurando saber como destruí-los, são os grandes ignorados, os anônimos, os sem terra. As multidões que gastam a sua vida nos hospitais, curando ou tratando até subversivos, assassinos e ladrões, são ignoradas, enquanto o salteador, ao encontrar o homem que volta alta noite do seu trabalho, lhe diz: "A bolsa ou a vida!', esse vai para as manchetes e até os vadios tomam conhecimento da façanha. Por isso, o bem não aparece, embora exista. A verdade dos Provérbios é uma eterna realidade que não se conhece bem. Os lábios do justo... mas a boca do perverso (v. 32) são os contrastes da sociedade. O professor que dia a dia vai inculcando, nas mentes plásticas dos seus alunos, as grandes verdades da vida, não ouve o seu nome nas ruas. Entretanto, o perverso, esse sim, até os alunos do primeiro ano acham mais bonito o que este profere. A luta atual contra os marginais que rondam os colégios para vender um cigarro de maconha é mais bem-vinda do que o professor que acaba de dar a sua aula e, cansado, vai para casa. Que dizer disto e de muito mais que não cabe aqui? O mundo foi feito errado? O homem não é capaz de entender por que vive. Talvez se pense assim. Todavia, o mundo é bom, o tem mais coisas boas que más, mais justos que injustos ou perversos; e ai de nós se não fosse assim. Tudo depende do caminho que o homem toma para viver. O caminho do Senhor, que muitos


ignoram, é que determina as aparentes contradições da vida. O que Moisés ensina em Êxodo 20:12, contrastado com o que diz o Senhor Jesus em Mateus 5:5, resolve o problema de muita gente, que anda desgarrada da vida, justamente por causa do seu afastamento do lar.

4.2. ALGUNS ASPECTOS DA INIQUIDADE (11:1-31)

A iniqüidade não se manifesta apenas pela língua; ela domina no comércio, nas transações econômicas. É desonestidade em grande estatura. Os governos se armam de fiscais e aferições de pesos e balanças, para frustrarem os planos dos enganadores. Numerosos fiscais andam pelas ruas, vigiando o comércio, que não cumpre com os seus deveres de pagar os tributos devidos, necessários à manutenção da máquina estatal. Ainda assim, há meios e modos de burlar toda esta fiscalização, em nome de um pouco mais de lucro. Por que essa diversão de roubar mais e pagar menos? Uma perversidade dos sentidos, talvez uma resultante do meio em que vivemos. A falta de honestidade, seja em que ramo for, é uma perversidade. A Impressão que nos fica do estudo de Provérbios é que o seu autor ou autores viveram no mundo iníquo em que, só por exceção, se encontrariam seres dignos da terra em que habitavam. Ora, ditos autores foram, pelo menos assim nos parece, da nação judaica, onde floresceu a mais admirável teocracia, e onde Deus revelou a sua vontade de um modo especial. Como, então, explicar tanta iniqüidade? Tudo que sabemos dos povos antigos, e não é muito, é que não eram tão indignos como alguns modernos. Os ecos dos antigos hititas, egípcios e mesmo babilônios, afora as crueldades dos seus sistemas de guerra, são de civilizações altamente desenvolvidas e de, na medida de seus conhecimentos religiosos, terem sido até muito humanos. Não sabemos, pois, a que atribuir tanta iniqüidade como a que nos revelam pelo menos alguns capítulos de Provérbios. Sejam quais forem as origens desta situação, temos pelo menos uma amostra de que a humanidade desgarrada é naturalmente injusta. Essa é a impressão que nos fica desse estudo. Vejamos:


4.2.1 Indícios de mau comércio (11:1-3)

Dois pesos e duas medidas são procedimento abominável a Deus, ou como diz o texto: Balança enganosa é abominação ao Senhor (v. 1). E a seguir: mas o poso justo é o seu prazer. Nós estamos bastante familiarizados com as normas modernas de fraudar as balanças e os pesos, colocando-se no fundo de um prato da balança, pelo lado de baixo, uma moeda ou uma pequena placa, justamente no prato onde são colocados os artigos. Para evitar isso, as balanças são aferidas e os pesos carimbados pelo Instituto de Pesos e Medidas. O que nos admira é que em tempos tão distantes dos nossos já houvesse tais maneiras de roubar. Não havia dinheiro cunhado; a prata e o ouro eram pesados em balanças, de modo que, se em cada processo houvesse uma falta de dois ou três gramas, no fim do dia uma fortuna havia sido roubada. Contra isso clama o provérbio. Deus é justo e quer justiça de todos. O verso 2 dá outra forma de mau trato para com os semelhantes. O orgulho, talvez nascido da ganância, contrastado com a humildade, é patrimônio dos humildes. O homem humilde não se exalta e reconhece as suas limitações, o que constitui uma outra espécie de sabedoria, pois esta estriba-se em saber viver no meio humano sem causar danos aos outros. Então vem o verso 3 para reafirmar que a integridade dos retos os guia, mas, aos pérfidos, a sua mesma falsidade os destrói (v. 3). Os que roubam os semelhantes podem engordar por um pouco de tempo, mas a sua impiedade será um dia conhecida. As saudáveis transações no convívio humano formam a fragrância social desejável.

4.2.2 A justiça o a Iniqüidade (vv. 4-8)

Cinco provérbios que tratam da justiça face à iniqüidade. Voltamos a dizer que a nota altissonante, neste capítulo e no precedente, é a iniqüidade comparada com a justiça. Se esta situação não era a que se encontraria na terra de Salomão, pelo menos é um retrato da situação dos nossos dias. No dia da ira, as riquezas para nada aproveitam (v. 4). O moralista está ouvindo o profeta Amós clamando em Samária, muitos anos depois, contra a usura, o roubo e a malandragem (Amós 5:18; ls. 10:3). O Dia do Juízo, muito pregado pelos profetas e anunciado sempre como um dia que estava prestes a vir, é aqui referido. Nesse dia, para que servem as riquezas? A justiça é que livrará em tal tempo, e não as riquezas. Muitos dos ensinos de Jesus foram vazados nesse mesmo tom. Isso nos leva a verificar, haver, no livro dos Provérbios, ensinos eternos e que valem para o presente, especialmente em relação com a


nova Revelação. A Justiça que Jesus pregou era a mesma dos séculos anteriores, pois toda a revelação velo dele e par meio dele. É a justiça que livra da morte (eterna) (v. 4).

O verso 5 dá-nos outro lado da justiça. Há dois caminhos: o do justo e o do ímpio. A vereda do justo é plana e reta, mas a do ímpio é de tropeços e sobressaltos (v. 5), mesmo que pareça o contrário à vista de um observador menos atento. O ímpio cal em seu próprio caminho tortuoso. A justiça dos retos os livrará, mas os pérfidos serão apanhados na sua maldade (v. 6). Todos estes provérbios, a maioria dos 374, são chamados antitéticos, isto é, uma parte do verso afirma uma doutrina e a segunda a contrasta (10:1-22:16). Os colecionadores deveriam ter tido grande trabalho para selecionar tantos provérbios nesta seqüência, pois temos de admitir uma soma considerável de sabedoria humano-divina em todos estes ensinos. O justo será livrado por sua justiça, mas o perverso será apanhado na sua maldade. A justiça é algo permanente, mas a perversidade tem um fim, como ensina o verso 7. Morrendo o homem perverso, morra a sua esperança, o a expectação da Iniqüidade se desfaz (provérbio sintético). Morre o bicho e morre a peçonha, como diz o adágio. O justo é libertado da angústia, mas o perverso a recebe em seu lugar, isto é, o que escapa ao justo (angústia) vem ao perverso (v. 8). Na prática da vida nem sempre aparece essa verdade, à, primeira análise; no futuro, porém, ela se realiza. Tanto indigno aí vivendo gordamente, enquanto muitos justos são oprimidos. Todavia, um dia as contas serão ajustadas e então se verá o resultado da vida dos dois - o justo e o Ímpio. A doutrina escatológica é uma constante no livro dos Provérbios; o fim de cada um de nós. Como se o autor quisesse dizer que de pouco adianta ser injusto ou iníquo; a vida logo termina, e cada um receberá o seu prêmio. Há presentemente grandes estudos para descobrir como teriam vivido e morrido as civilizações desaparecidas, que chamamos antediluvianas, de que a Bíblia nos fala muito parcimoniosamente. Ora, viveram de tal modo que Deus se enfadou de haver criado o homem (Gên. 6:1-5). Por causa da lniqüidade pereceu o mundo antigo e pela mesma razão também este vai desaparecer. No final, cada um recebe conforme viveu. Os poucos versos que nos falam da vida antediluviana dizem o bastante para descobrirmos que conseguiram uma civilização altamente industrializada, ao ponto de fazerem uso do ferro, que depois desapareceu, para só reaparecer no meado do segundo milênio, com os citas ou hititas (veja Gên. 4:22).

O que foi essa civilização, que atualmente está sendo pesquisada, ninguém sabe, mas deveria ser muito adiantada. Era uma outra humanidade.


4.2.3 A supremacia do bem (vv. 9-13)

O ímpio com a sua boca destrói o próximo, mas os justos são libertados pelo conhecimento (v. 9). A fraqueza da Impiedade é um fato em Provérbios, mesmo que seja muito difusa a maldade, enquanto a justiça termina vencendo sempre, mesmo demoradamente. É isso que o verso 10 nos ensina: No bem estar dos justos exulta a cidade, o quando perecem os perversos há júbilo (v. 10). Uma cidade de justos seria qualquer coisa que nem podemos admirar, por falta de experiência; mas uma cidade como Sodoma é qualquer fato de arrepiar os cabelos; e quando um ímpio, ladrão, mentiroso desaparece, todos, mesmo silenciosamente, se alegram. Não sabemos como teriam exultado os vizinhos dos sodomitas, hoje reabilitados pela civilização mórbida ocidental, mas admitimos que se alegrassem, pois desaparecera o foco da Imoralidade. Outra vez, pela bênção dos retos exulta a cidade, mas pela boca dos perversos é ela derrubada (v. 11). Alguém sugeriu que as sociedades bíblicas publicassem em separata o livro de Provérbios para a mocidade evangélica. Seria uma boa medida. Se os moços se mirassem nas virtudes da vida sadia expressa em Provérbios, não teríamos o problema mundial da mocidade transviada, que tanto trabalho está dando aos grandes pregadores como Blily Graham. Milhares estão voltando a casa e à Igreja, mas muitos já vêm arruinados para o resto da vida. O que despreza o próximo é falho de senso (v. 12). Os filhos que rejeitam os conselhos de seus pais são uns insensatos, pois a tanto vai o próximo como sendo os pais dos filhos rebeldes. No tempo de Salomão não havia os problemas que temos hoje. Não obstante, os ensinos dos provérbios vêm ao encontro das nossas necessidades e parecem até espelhálas. É a Palavra inspirada que vale para todos os tempos. O homem prudente, este se cala (v. 12). Não entendemos, mas o certo é que poucos se levantam contra os desvarios dos moços, e muitos pastores, para serem agradáveis aos mesmos, ficam calados a f" de não perderem o seu posto. Um pastor a quem se inquiriu: "Como é que você permite Isso na mocidade da sua igreja?" teria respondido: "Não tenho coragem de enfrentar a mocidade." Pois parece-nos que a perda de um pastorado, por motivos como este, seria mais glorioso que a sua manutenção.

Esta seção de Provérbios termina com um verso característico de uma sociedade podre: O mexerlqueiro descobre o segas do, mas o honram fiel de espírito o encobre (v. 13). O mexeriqueiro é o sujeito ou sujeita que vai de casa em casa contando o que sabe e o que não sabe, metendo a língua em tudo que não lhe agrada. Muitas Igrejas têm sofrido com esta casta de gente, que se descuida da sua vida, para tratar (mal) da dos outros. É o perigoso mexeriqueiro, para quem não temos uma dose de piedade. Felizmente, há homens fiéis de espírito, que contrabalançam o mal causado pelos mexeriqueiros.


4.2.4 Um louvor ao bom senso (v. 14)

Não havendo sábia direção, cai o povo, mas na multidão de conselhos há segurança (v.,14). Este verso teria sido escrito depois da morte de Salomão, quando os bons conselhos e a boa direção haviam abandonado a cidade do Grande Rei (I Reis 12:1-14). Não podemos ler esta Escritura de Reis sem sentir um peso profundo. Como é que Roboão se deixou levar por opiniões tolas, desprezando os bons conselhos dos mais velhos? Foi um Insensato, e os resultados estão na história. Mesmo que a Bíblia diga, tudo aquilo velo por mandado de Deus, a Insensatez do jovem rei Roboão não pode ser olvidada. A lição aí está. As tiranias, os ditos governos fortes, onde só um homem é sábio, como foi o caso de Hitler e Mussolini, não serão esquecidos tão cedo, pois ceifaram milhões de vidas e bilhões de dólares, que ainda não estão pagos. Os russos devem aos EE.UU. milhões de dólares de empréstimos de guerra, que ainda não puderam pagar. E a Alemanha, a França e outros? Por quê? Por falta de bons conselhos. Há pastores que governam sozinhos as suas igrejas. Mal vão, mesmo que os conselhos nem sempre sejam agradáveis. Este autor foi pastor de uma igreja que realiza duas grandes assembléias anuais, Informais, para debater os problemas da Igreja e ouvir sugestões, afora as sessões costumeiras. Não gosta de governar sozinho.

4.2.5 Cuidado com as fianças (v. 15)

Veja 6:1-10, onde estudamos com certa largueza este problema, e temos a nosso lado grandes escritores, dando o seu apoio contra o ficar por fiador. Este autor já caiu mais de uma vez, mas prometeu a Deus que não cairia mais, porque teve de pagar pelo devedor o esteve em risco de ver o seu nome nos jornais. Só conhecemos um caso em que a fiança é recomendável e necessária: a que Jesus ofereceu por nós, ficando por nosso fiador perante a justiça divina (Heb. 7:22 e segs.). Fora desta, toda o qualquer fiança é perigosa e o fiador deve, de logo, preparar-se para pagar o débito.


4.2.6 Dois provérbios Isolados (vv. 16 e 17)

A mulher graciosa alcança honra, como os poderosos adquirem riqueza (v. 16). Como uma estrela numa noite escura, assim brilha este verso no conjunto de tantos outros. No poder da sua honra o graça, ela é o esteio da família e a segurança do Estado, que descansa nela como o rico confia nos seus milhões. Vemos, assim, como esse livro exalta a virtude da mulher e a coloca em poder com as riquezas do milionário. Podemos, assim, aquilatar quanta honra o autor presta à feminilidade, à mãe de família. Como para coroar o bem que a mulher faz à família e à sociedade, o honram bondoso faz bem a si mesmo, mas o cruel a si mesmo se fere (v. 17). Quanta vez a gente se sente frustrado em fazer o bem e receber o mal; mas o que pratica o bem faz bem a si mesmo, independente do que possa receber em recompensa, pois Jesus só fez o bem e recebeu uma cruz em pagamento. Fazer o bem está, assim, em consonância com a mulher graciosa do verso 16.

4.2.7 Uma variedade de doutrinas (vv. 17-21)

Diversos são os ensinos desta seção, tão variados como ampla é a vida aqui na terra. O homem que cumpre com os deveres da lei é feliz, pois mostra misericórdia para com o próximo. Quando fazemos bem aos outros, beneficiamos a nós mesmos, porque o dar tem dois lados: o de lá e o de cá. Mas o perverso, o egoísta, a si mesmo se fere. Nem sempre podemos ver esses fatos, mas, não há dúvida, eles são verificáveis. O homem mau, querendo tudo para si e parecendo até prosperar e ficar rico, tem um sucesso aparente. Noutro lugar citamos um fato relativamente recente: Sete homens se reuniram para dominar o comércio e a indústria. Eram os grandes capitães dos altos negócios na América do Norte. A história nos conta que, pouco tempo depois, um deles suicidou-se num hotel em Paris por não poder pagar as suas contas. É irrisória a vida do perverso com os semelhantes (Gál. 6:7).

O contraste desse ensino está no verso 19. Tão corto como a justiça conduz para a vida, assim o que seque o mel para a sua morte o faz (v. 19). A justiça tem a sua recompensa, bem assim, a iniqüidade. Ninguém semeia debalde. O que semeia na carne, na carne recebe a corrupção, mas "o que semeia no espírito, no espírito colhe para a vida eterna" (Gál. 6:6, 7). Os Provérbios estão bem próximos dos ensinos do Novo Testamento. Os abomináveis ou perversos- o são também para Deus, pois no seu coração agasalham a maldade; mas os que andam na Integridade são o seu prazer (v. 20). Deus se agrada dos justos, dos que andam na sua integridade; todavia, abomina os maus, pois não ficarão sem castigo (v. 21). A geração dos justos é livro. Que significa isso? Será a libertação da maldição de Deus? Será o fato de os justos contarem com a proteção divina? Muitas são as possibilidades dessa interpretação.


Todo ensino da Bíblia se levanta contra os perversos, os que praticam a maldade. Os salmos são um repositório desta verdade.

4.2.8 Uma mulher bela, mas sem valor (v. 22)

O livro de Provérbios é talvez o que tem mais elogios para a mulher, e também mais censura (9:13; 12:4; 14:1; 18:22; 19:14 e segs.). Não há livro na Bíblia que mais aprecia e condene a mulher, ou por suas virtudes ou por seus defeitos,. Nesse verso ela é comparada a um anel posto no focinho de um porco, caso não seja discreta. A sua beleza de pouco vale, se a sua conduta não acompanha essa formosura. Poderíamos escrever um livro sobre a mulher, e alguns já o fizeram.

4.2.9 O desejo dos justos tende somente para o bem... (v. 23)

Naturalmente, uma pessoa que ama a Deus, ama o pr6ximo, não lhe fará nenhum mal; todo seu serviço tenderá para a felicidade dos outros e da sua própria. Os que maquinam o mal nas suas camas são como os que se deitam no Sheol. Esse é o caso dos perversos, cuja expectação redunda em Ira. A ira de Deus descansa sobre as cabeças deles, e de dia e de noite estão sob a maldição (Prov. 3:33; 26:2). Há um galardão para todos: Os bons o têm; os maus também. Nada se perde neste mundo e ninguém semeia infrutiferamente.

4.2.10 A bênção sobro os liberais (vv. 24-26)

A prática da beneficência é um dos feitos da vida mais elogiado em Provérbios. Temos a impressão de os judeus terem sido avarentos naqueles dias, como o são os gentios hoje, em muitos lugares. Recordo quando se fechou uma grande maternidade em Salvador por falta de


recursos. Eu, que não sou baiano, parei em frente do edifício e me senti infeliz por ser pobre. Pois não apareceu uma alma que salvasse a casa. Fechou mesmo. Há uma no Rio, chamada a Casa da Mãe Pobre. Quanta tragédia, por falta de recursos, para atender a essas pobres infelizes, que desgarram da vida e vão cair lá! Quanto dinheiro se gasta em comes e bebes sem sentido. Costumo ler os custos de um almoço nas casas de luxo. Daria para matar a fome de meia dúzia de pobres brasileiros. Quanto dinheiro gasto no jogo disto e daquilo, mas ninguém oferece nada para melhorar a sorte má de tantos. Há no Brasil algumas fundações que vivem das ofertas individuais. Como sobrevivem? O verso 24 diz: A quem dá liberalmente, ainda se lhe acrescenta mais a mais. Não são apenas os endinheirados que são sovinas; muitos pobres também o são. Aí está a experiência em nossas igrejas. Ao que retém mala do que é justo, ser-lhe-á em pura perda. Não adianta ser egoísta ou, como dizemos, sovina. Deus sopra no que retemos, e o vento o leva. As promessas para os generosos, porém, continuam: A alma generosa prospera o quem dá de beber será dessedentado (v. 25). A nossa observação nas igrejas é justamente esta: os que mais dão, mais têm para dar; mas os que sonegam nada têm para ofertar. Deus não se deixa enganar (Gál. 6:7). Jesus sabia que o dinheiro seria um bem e um mal na vida, e por isso falou tanto em dinheiro do ponto de vista da mordomia. Os que ganham muito devem muito; os que ganham pouco devem pouco. Por isso a doutrina do dizimo, essa doutrina admirável, é tão mal praticada.

Ao que retém o trigo, o povo o amaldiçoa, mas bênção haverá sobro a cabeça do seu vendedor (v. 26). Os que retêm os cereais, esperando melhor preço à custa da boca do pobre, estão nessa maldição. Ninguém deve vender com prejuízo, porque não se trabalha para perder, mas também não é justo ganhar mais do que convém. Estas escrituras deveriam ser impressas em papel cuchê e espalhadas nos lugares onde se gasta sem limites. Quem sabe se daria resultado?

4.2.11 Recompensas e castigos (vv. 27-30)

São quatro versos que tratam dos benefícios e males surgidos na vida dos que andam certos e dos que andam errados. São uma espécie de cartilha doutrinária. Uns tratam dos deveres do indivíduo para com o seu semelhante (vv. 27 e 28); outros, das responsabilidades pessoais para consigo mesmos (vv. 29 e 30). O livro de Provérbios, como temos asseverado, é um curso de moral, e todos os adágios tratam, de um modo ou de outro, dos deveres humanos para com Deus, para com os semelhantes e para consigo mesmo. São os três campos de exercício da vida. Quem procura o bem, alcança favor, mas ao que corro atrás do mal, este lho sobrevirá (v. 27). Poderíamos voltar a Gálatas, mas já citamos este verso diversas vezes.


Ninguém sofre por fazer o bem, mesmo que isso não seja reconhecido; entretanto, paga por fazer o mal, porque um dia este lhe cairá na cabeça. O que admira é que o povo onde foram gerados estes ensinos não tenha sido o mais exemplar modelo de bom convívio humano, especialmente no campo do DAR. Não se acusa um judeu de assassino, de ladrão e de outras coisas feias, mas de não dar. Todavia, os milhões das grandes famílias judaicas têm sido uma bênção para a humanidade em formas de empréstimo e ajuda. O Brasil deve muito aos Rotschild e a outros milhardários, construindo nossas antigas estradas de ferro, saneando nossas cidades e que tais. Dar, o judeu não dá. Também não procura o mal dos outros, mesmo que seja acusado disso. Há um livrinho intitulado O Protocolo dos Sábios de Sião, uma cartilha de maldade contra os gentios, embora os judeus neguem esse livro seja de judeus. Acreditamos. O ensino prossegue: Quem confia nas suas riquezas cairá, mas os justos reverdecerão como a folhagem (v. 28). Uma linda figura; um campo verde comparado com um campo seco. Que diferença! O verso 30 deveria ser transposto para depois do 28, porque o ensino é o mesmo,

O que perturba a sua casa herda o vento, e o insensato é servo do entendido (v. 29). Há homens assim: perturbam a sua própria casa, não cuidando dos filhos e da esposa. Vadios e vagabundos ou simplesmente desmazelados. Os tais terminam perdendo o que têm e podem vir a ser escravos dos outros. Quantos, por falta de senso, têm arruinado a sua casal Quantos meninos nas ruas quando os pais estão nos cassinos, nos lupanares! Chegamos ao texto áureo deste capítulo: O fruto do justo é árvore de vida a o que ganha almas é sábio (v. 30). Traduzamos doutra maneira: "O fruto do justo é como a árvore da vida e o que ganha vidas é sábio." A árvore da vida aparece pela primeira vez na história da revelação, em Gênesis 3:3, onde apenas se fala da "árvore". Entretanto, em Apocalipse 2:7; 22:2; 22:14, a referência é à árvore da vida. Todas estas referências devem relacionar-se com a árvore da qual Adão foi proibido de comer. O fruto do justo é como árvore de vida, isto é, árvore que dá vida por seus frutos sazonados. Talvez não tenha referência à Arvore da Vida. Se tiver, então o sentido é ainda mais rico, para destacar o sentido da vida de uma pessoa justa, a quem não se pode atribuir iniqüidade ou maldade. O que ganha almas é sábio. Ganhar almas aqui deve traduzir-se ganhar vidas. O termo nefés (Nephesh), traduzido alma na maioria dos casos, significa vida. Parece, não estaria na mente do sábio a nossa idéia de ganhar almas por meio da pregação do evangelho. O sentido geral deste maravilhoso verso deve ser então que o homem sábio é o que, por sua vida justa, ganha outras vidas, sendo então como uma árvore de vida. Comparado esse homem com os de outros versos que, por suas iniqüidades, destroem a vida de muitos, o contraste é admirável (compare com Mat. 4:19). Tanto os justos como os perversos receberão o seu galardão aqui na terra, admitindo-se que, se o justo é punido, quanto mais o perverso. Algumas traduções dizem que tanto o justo como o perverso são castigados por seus pecados, significando que até o justo peca e sofre por causa disso, se bem que o ímpio sofra mais e sem conta. Pedro, em sua primeira carta (4:18), parece que traduz da Septuaginta, em que o justo é punido por seus pecados.


Isto é claro no ensino da Bíblia. Todo pecado merece punição, e o crente é corrigido, mais do que punido, segundo Heb. 12:5-7.

4.3. OS CONTRASTES NA CONDUTA (12:1-28)

A conduta humana é feita de contrastes; de um lado, a inata tendência para o bem; do outro, o calejamento para o mal. Nesta batalha, em que todo ser humano se sente metido, vence apenas o que dispuser de recursos fora do consenso humano. Deus, na vida humana, dá forças para vencer o mal; sem Deus, as tendências malignas vencem.

4.3.1 Os contrastes (vv. 1 e 2)

Há uma inata reação do pecador à disciplina. Esta visa ajustar o homem ao ideal humano, mas o pecado, a perversão dos sentimentos, leva o homem a aborrecer esta correção. Aí está a luta entre as forças do bem e as do mal. Não sabe o homem desviado que o favor de Deus está para o que aceita a disciplina e o seu desfavor para o que a rejeita. Toda a natureza ensina esta ciência - a disciplina - e até as coisas criadas sofrem estes impulsos. Uma árvore plantada em determinado lugar cresce contra os ventos, inclinando-se para o lado de onde os mesmos vêm, para lhes resistir. É a disciplina da natureza. Como é que o homem ajuizado rejeita esta disciplina não sabemos, mas devem ser as forças do mal atuantes em sua natureza.

A condenação do homem rebelde não é nem desumana nem ilegal. Deus, como o Juiz supremo, premia os bons e castiga os maus. O termo condenar no verso 2 é um vocábulo legal, resultante da transgressão das leis divinas.


4.3.2 A perversidade nada constrói (vv. 3 e 4)

As lições da história aí estão para quem quiser apreciá-las. A violência aos princípios da ordem e da moral é apenas destrutível, nada construindo. Na sociedade moderna, levantam-se grupos contra a ordem estabelecida, usando de todas as violências, matando, roubando e cometendo toda sorte de maldade. Que constroem estes grupos? A justiça termina vencendo, porque está do lado da ordem. A simples mudança de governo não basta para satisfazer às necessidades do ser humano, que deseja trabalhar e viver em paz. É como ensina o verso 3: O homem não se estabelece pela violência (perversidade). Este termo, sempre presente nestes contrastes, indica a natureza torcida, violentada, fora dos limites naturais. É uma matéria que torna o indivíduo uma ferida no corpo social.

A mulher virtuosa é a coroa do seu marido... O contrário, é como podridão nos seus ossos (v. 4). Uma figura social característica da nuance social. Por que entrou este Provérbio aqui entre dois versos (4 e 5), que tratam dos desvios do homem? Um lapso na coordenação dos provérbios ou uma ilustração? Preferimos a segunda hipótese. Uma mulher virtuosa é um exemplo de dignidade, de elevação de sentimentos; mas, a que não é, pode ser comparada à podridão da família e dos deveres conjugais. Ilustra bem um homem justo e um perverso, um correto e outro desviado do caminho do bem (comp. 31:10-31). Um elogio.

4.3.3 A perversidade não compensa (vv.. 5-9)

Um criminoso convertido numa penitenciária de São Paulo, depois de solto e livre, disse: "O pecado não compensa." Qual é a contribuição que o crime oferece à sociedade? Apenas a necessidade de um imenso aparato policial, o custeio de cadelas e penitenciárias, e nada mais. Os provérbios são um cáustico aplicado à alma dos desviados do bom caminho, e muitos mudam de rumo, embora outros continuem, para infelicidade deles e nossa. Segundo o verso 5, tudo depende do pensamento, o isto está em conformidade com o ensino de nosso Senhor em Mat. 5:27-32, quando o estado do coração é uma outra fonte de onde vêm os maus pensamentos e as más ações. Então diz: Os pensamentos dos justos são retos, mas os conselhos dos perversos, engano (v. 5). As idéias e as intenções determinam o curso da vida. Os justos para o bem; os perversos para o mal. Aí está tudo que se pode dizer do homem justo e do perverso. Um tende a derramar sangue; o outro a livrar os homens (v. 6). Quanto sangue derramado por causa do pecado, e quanto desassossego se sente! A humanidade é infeliz por causa de uns poucos, que trabalham para a desventura própria e dos outros. Acontece que


cada qual tem o seu destino. Os perversos são derrubados o já não são (desaparecem) (v. 6), mas a casa dos justos permanecerá (v. 7). Quantas casas de perversos se encontram nas sociedades? Nenhuma. Quantas casas de homens justos, isto é, que não trabalham para o mal? Muitas. É isso que o texto sagrado nos ensina. Tudo está ligado ao entendimento do homem, o modo como planeja sua vida e a sua casa (Mat. 7:26). O justo é louvado, mas o perverso é desprezado (v. 8). Há vantagem em ser justo, pelo menos em não fazer mal a ninguém. Este é o homem justo. A sua casa permanece, porque é homem que planeja o bem e vive seguramente. Os gregos tinham uma democracia, formada de um grupo de homens escolhidos. Eram poucos, porém tidos como bons. Os outros não tinham o direito de votar. Em certo sentido é isto que o nosso texto indica. O homem de bom entendimento é louvado, mas o perverso é desprezado. O homem de mente distorcida é um sujeito desprezado.-

O verso a seguir prega a humildade. Melhor é o que se estima em pouco a faz o seu trabalho, do que o vangloriou, que tem feita de pão (v. 9). A vangloria é outra forma de estultícia, irmã da perversidade, porque é uma distorção do pensamento. Um homem humilde e que trabalha vale por meia dúzia que se vangloria e não trabalha. O vangloriador é o que tem falta de pão, pois, em lugar de trabalhar, gasta o tempo louvando-se. Como é dito em outro lugar: "A boca do justo produz sabedoria, mas a língua do perverso será desarraigada" (10:31). Antes produzir pouco e ser humilde do que produzir muito vangloriosamente. É melhor ser humilde do que servo, isto é, trabalhar por conta própria do que ser escravo dos outros.

4.3.4 O justo o laborioso (vv. 10-12)

Uma séria de contrastes. O justo atenta para a vida dos seus animais, porém o coração do perverso é cruel (v. 10). O homem bom não maltrata um animal, mas um sujeito perverso tem prazer em bater nele. Há no Rio de Janeiro uma sociedade protetora dos animais, tendo por fim socorrer um animal abandonado ou que está sendo maltratado. Seus elementos vão até os depósitos de animais apanhados na rua, para ver se estão sendo maltratados. É sinal de coração bom; afinal, por que bater num animal, que não sabe o que faz? A seguir vem o louvor do homem que trabalha a sua terra, contra o que gasta o seu tempo em coisas vãs. O trabalhador não tem tempo para vaidades. Cuida dos seus deveres. A vagabundagem é o que caustica este verso. Certos homens vivem sonhando com fantasias, em lugar de trabalhar. É da terra que vem o nosso pão, e não de olhar as estrelas e pensar vaidades. O perverso quer viver do que caçam os companheiros (v. 12). É uma outra versão dos maus. É o contraste entre os resultados da maldade humana e os desejos dos homens bons, reconhecendo que a raiz dos justos é que produz (v. 12). Não há vantagem na maldade; só o bem é duradouro e fértil.


4.3.5 Recompensas a punições (vv. 13-16).

O uso da boca, ou dos lábios, está aqui lisamente demonstrado. O iníquo fica preso por suas próprias palavras, mas o justo, mesmo que tenha caído em fraqueza ou dificuldades, irá escapar. A angústia cabe a todos os viventes, em determinadas situações, mas o justo sal delas, enquanto o perverso mais se enleia. Cada um se farta do bem pela sua própria boca, o o que as mãos dos homens fizerem ser-lhe-á retribuído (v. 13). Quem foi que se cansou de fazer bom uso da boca? A sua obra permanecerá, enquanto a dos maus desaparecerá. Parece certo que os homens são recompensados pelas suas palavras e ações, o que vale dizer que o bem sempre prevalece, mesmo que as condições sejam adversas (v. 14). O mundo em que viviam os sábios de Israel é o mesmo em que vivemos; os séculos não mudam o coração humano, nem os resultados finais do bem e do mal. Há uma justiça que não falha, mesmo que tudo mais mude na terra. É a justiça divina a premiar os bons e a punir os maus. Isto está em acordo com Mateus 12:36 e 11 Coríntios 5:10. Há uma doutrina muito grave nessa escritura de Mateus. Aí vemos que as palavras ditas não se perdem, que há um como que gravador registrando tudo que dizemos. Os físicos já chegaram à conclusão de que nem as palavras se perdem; vão ecoando pelos espaços etéreos até que um dia aparecerão no juízo a nosso favor ou contra nós. Será isso que Jesus está ensinando? Quanto ao nosso comparecimento no grande Tribunal, ninguém tem dúvidas; e lá tudo será devidamente ajustado. Isso contestam as doutrinas dos pregadores do aniquilamento da alma e os que a negam, como os Testemunhas de Jeová (sic). "Não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não tivermos desfalecido" (Gál. 6:9, 10).

Este ensino maravilhoso está de acordo com a nova Revelação e é seguido por dois provérbios sobre os tolos (ewillim) e os sensatos. O insensato pensa que o seu caminho é o certo e não se deixa ensinar; enquanto isso, o sábio quer aprender mais e mais e aceita instruir-se. Só o tolo acha que já sabe tudo. A sua estupidez é tanta que não enxerga a sua ignorância. Não é assim o sábio, o perscrutador, o que se sente insaciável no saber. A Ira do Insensato num instante se reconhece, mas o prudente oculta a afronta (v. 16). O tolo, por pouco ou nada, logo se enfurece; o sábio cala e espera.

4.3.6 Outros contrastes (vv. 17-21)

Estes versos apresentam três contrastes quanto à maneira de falar e de dar testemunho. O que diz a verdade manifesta a justiça (nos tribunais), dá testemunho verdadeiro, mas a testemunha falsa, a fraudo (v. 17). Fraudar a verdade, para fazer perecer o justo, deve ser à


vista de Deus um crime inominável. Este autor já viu uma testemunha afirmar perante um juiz uma coisa totalmente inverídica, e a mentira era de tal modo evidente que até o juiz a reconheceu, dando ganho de causa à outra parte (Salmos 106:33). A tagarelice é outra falsidade da língua. É como pontas de espada, o lábio veraz permanece para sempre (v. 19). Só a verdade permanece e diz-se que ela é como o azeite, que sempre fica por cima da água. Estes versos são o estigma do falador e do perjuro.

Os outros dois versos elaboram o pensamento dos anteriores. Só a veracidade tem fôlego de vida, enquanto a mentira é de curto fôlego, logo se desfaz como a névoa da manhã. No coração dos que maquinam o mal há fraudo, mas alegria têm os que aconselham a paz (v. 20). Os conselheiros da paz podem perder a primeira batalha, mas ganham a segunda. Ao justo nenhum agravo sobrevirá, mas, o perverso, o mal o apanhará em cheio (v. 21). Trata-se de uma série de provérbios sobre a falsidade e a veracidade. A falsidade é chaga da sociedade, que se vê envolvida nas malhas das intrigas e só a custo consegue livrar-se, pois a inclinação do coração humano é mais propenso à mentira do que à verdade.

4.3.7 Mais contrastes sobro a verdade (vv. 22-24)

Os lábios mentirosos são abominação no Senhor (v. 22). Esta escritura deveria ser lida por muitos cristãos que não têm controle da língua e dizem qualquer coisa que interesse aos ' seus intuitos. Nós estamos cada dia tropeçando nessa gente, que pensa que Deus é surdo-mudo, e nada ouve e nada diz. Engano. Por tuas palavras serás julgado, como vimos antes. As nossas palavras ficam registradas nos gravadores divinos, e de lá não saem nunca. Enquanto isso, os que obram fielmente são o seu prazer (v. 22). Deus é justo e verdadeiro, e não pode ter complacência para com os mentirosos. Só os verazes são o seu contentamento. Graças damos ao Senhor por termos um Deus que premia os bons e castiga os maus, mesmo que na vida cotidiana isso pareça não existir. Esta verdade é desenvolvida no verso 23, que afirma: O homem prudente, oculta o conhecimento, mas o coração dos Insensatos proclama a estultícia (v. 23). Aqui está o retrato do prudente e do insensato. Um modesto, recato; o outro, um tagarela, palrador.


O verso seguinte contrasta o obreiro esforçado com o preguiçoso, uma nota sempre presente em Provérbios, contra os preguiçosos. Uns são Investidos de cargos de responsabilidade; são os diretores de empresas, enquanto os indolentes são reduzidos à escravidão (v. 24). É do trabalho que todos vivemos, e por isso os preguiçosos não têm o direito de comer o fruto do trabalho do operoso. Para coroar este ensino sobre a diligência, consta o seguinte verso: A ansiedade do coração do homem o abato, enquanto uma palavra boa o alegra (v. 25). Oh! o valor de uma palavra no devido tempo, uma palavra de conforto, que um pastor sempre deve ter para os abatidos! A seguir, uns versos sobre a simpatia, que são uma réplica do que acabamos de estudar.

4.3.8 Sejamos simpáticos uns nos outros (vv. 26-28)

A simpatia, a ternura, os sentimentos altos do coração humano são uma ajuda, enquanto o coração dos maus é uma praga. O justo serva de gula no seu companheiro (v. 26), mas os perversos o fazem errar. Não é só com coisas materiais que se ajuda os outros. Uma palavra boa, dita oportunamente, serve de gula na vida; e quantas vezes salvamos uma vida com uma frase encorajadora! Isto se opõe ao verso seguinte, em que o sábio volta a tratar com o preguiçoso. Por que isso? Porque o preguiçoso não pode ter mesmo uma palavra boa para ninguém. Não trabalha, e quem não trabalha nada pode fazer para animar os outros. E por isso este contraste. O destino de tal pessoa é passar fome; nem será capaz de assar a sua caça, porque não a poderá apanhar, por causa da preguiça. As lebres lá estão no mato, mas o caçador preguiçoso se remexe na sua esteira e lá se fica a pensar na caça sem se levantar para ir apanhá-la. Trata-se naturalmente de um provérbio como tantos, e alguns comentadores acham ser um ditado árabe. Quem sabe, se não é brasileiro? Quem não conhece a obra de Monteiro Lobato sobre Jeca Tatu? Enquanto os preguiçosos morrem de fome, os diligentes, os caçadores da vida, têm prazer em serem operosos (v. 27). É o louvor ao homem que trabalha e produz, e assim carreia a riqueza para si e para o país.

Finalmente, vem o último verso, tratando ainda da justiça, afirmando que na vereda da justiça está a vida, o no canarinho de sua carreira não há morte (v. 28). Este capítulo termina com


uma sentença gloriosa a respeito 'do caminho certo, onde não se encontra a morte. Mesmo que seja difícil o sentido do texto hebraico, a tradução em português é bem clara. Não há morte no caminho da justiça, mas há na vereda da mentira, que é o seu contraste.

4.4. UM VIVER DISCIPLINADO (13:1-25)

Viver é bom, mas um viver disciplinado é, em todos os sentidos, o que se pode classificar de bom viver. O que se entende por disciplina é o que tange ao viver doméstico, à religião e à sociedade, os deveres dos pais para com seus filhos e destes para com aqueles, bem como os deveres do homem crente para com Deus, e finalmente os deveres para com o agregado humano, reunindo tudo quanto se pode enfeixar na categoria do viver disciplinado, pois abrange todos os contornos da vida. Fora disso é anarquia em quaisquer destes quadros. O capítulo que vamos estudar oferece muitos ensinamentos a respeito da disciplina da língua, do trabalho, do saber e de tantos outros aspectos da vida humana. Vale a pena esse estudo, e nós o vamos fazer na persuasão de que prestaremos algum serviço aos que desejam um viver calmo.


4.4.1 A disciplina começa em casa (vv. 1-3)

Se o pai descuida a disciplina do filho, verá depois que andou errado, e o filho que atende à disciplina é sábio. Só os tolos recusam a repreensão, que também é outro aspecto da disciplina (v. 1). O filho sábio e o cínico se destacam por suas atitudes para com a disciplina paterna. Filhos há que entendem ser a disciplina castigo corporal, o que não é, e, sim, correção e desejo de endireitar o caminho da vida enquanto é tempo (v .1). A linguagem impura de um homem denota falta de disciplina doméstica, mas a linguagem limpa enobrece esta disciplina. Do fruto da boca o homem comerá o bem, mas o desejo dos pérfidos é a violência (v. 2). Fruto da boca quer dizer boas palavras, enquanto a língua suja é uma provocação só admitida em meios malsãos. Há uma Intima relação entre este verso e a conduta diante de Deus, pois o homem que guarde a boca conserva a sua alma, mas o que muito abro os lábios a ai mesmo se arruína (v. 3). Jamais se viu um rapaz ou uma jovem recusar a disciplina doméstica, e tirar bom partido da vida. É o que o verso 3 nos informa. Há muitas vidas arruinadas por causa da falta de correção, por ser dolorosa ou falha.

4.4.2 A disciplina o o trabalho (vv. 4-8)

Os filhos devem ser encaminhados a atividades quaisquer, enquanto não sabem resistir. Não se pode esperar que um menino de cinco anos pegue numa picareta para arrancar pedras, mas pode pegar num balde e irrigar as plantas, isto nos campos e nas cidades. Um menino pode vender jornais e fazer compras para mamãe. Criar filhos vadios na rua é negar-lhes a disciplina do trabalho. Depois acontece o que diz o verso 4: O preguiçoso deseja a não tem, mas a alma dos diligentes se farte. A preguiça não é ingênita, adquire-se. Empregar o menino numa farmácia para entregar medicamentos, ou mesmo no armazém para varrê-lo ou para serviços leves é uma boa disciplina; e mais tarde o menino ou a menina agradecerão a seus pais o lhes terem dado uma ocupação bem cedo. Este escritor começou a trabalhar aos três anos de idade, cuidando do seu irmãozinho mais novo. Mais tarde foi guardar ovelhas. Depois da escola ia para o campo, e assim foi crescendo e trabalhando até poder pegar na enxada. Agradeço à minha mãe esta disciplina. Os meninos ocupados não aprendem coisas néscias;


não têm tempo para isso. A mentira, o disfarce, a impostura nascem da falta de ocupação. Isso também gera outros pecados difíceis de corrigir mais tarde. Trabalhemos, pois, e ajuntemos para a velhice, pelo menos a lembrança de uma vida de serviços.

Com louvor aos diligentes e censura aos preguiçosos, consta este ensino: O justo aborrece a palavra do mentiroso (v. 5). Deve haver alguma relação entre o preguiçoso e o justo, porque o perverso faz vergonha o se desonra. O mal volta-se contra os que o praticam, mesmo que algumas vezes, como lama espalhada, atinja algum limpo. Temos então um preguiçoso, um perverso, um laborioso, cuja alma se farta, e um justo. Duas antíteses interessentes, palmilhando todo o livro de Provérbios, ditos de Salomão.

Em contraste com a perversidade, vem a justiça que guarda ao que anda em Integridade (v. 6), porque a malícia subverte o pecador. Cada caminho tem as suas recompensas. O sábio relembra as duas veredas, a dos que andam em integridade e a dos que vivem em malícia. Como Se' estas virtudes rendessem para os cofres dos justos, consta o verso 7, que reza assim: Una se dizem ricos sem ter nada, outros se dizem pobres, sendo mui ricos. Há aqui a idéia de haver riquezas que não se justificam, enquanto há pobrezas que são riquezas. Nosso Senhor era pobre, sendo muito rico, riquíssimo, pois tudo era dele. Há pobres assim. O que têm pertence aos outros (11 Cor. 8:9). Há riquezas que desonram e há pobreza que enobrece. Isto já era verdade nos dias de Salomão, o mais rico do mundo de então, e quiçá de todos os tempos (veja ainda Luc. 12:21). Algumas traduções vertem a palavra dizem por fazem ou fingem, para realçar mais ainda as diferenças entre os que se fazem de ricos, sendo exibicionistas, extravagantes e sovinas. Qualquer que seja a tradução, o contraste é evidente. O verso 8 completa essa doutrina de um modo muito característico: Com as suas riquezas se resgata o homem, mas ao pobre não ocorro ameaça. O rico talvez resgate as suas dívidas com os seus haveres, e, assim sendo, ficará seguro; o pobre, porém, nada tem a perder, senão quem sabe? - as suas algemas (Novo Dicionário da Bíblia). O pobre dorme descansado: nada tem e nada teme, enquanto o rico, tendo muito, vive sobressaltado. Na Bíblia não se encontram muitos louvores para o pobre, mas muitas críticas para os ricos. Deus, sendo o Senhor de tudo, não faz alarde de suas riquezas e tem imensa compaixão pelo pobre.


4.4.3 Outro contraste (vv. 9-13)

O verso anterior versava sobre riqueza e pobreza, e o de agora, sobre luz e trevas. A luz dos justos brilha Intensamente, mas a lâmpada dos perversos se apaga (v. 9). Este contraste deve estar em relação com a riqueza mal ganha e a pobreza bem vivida. Os ricos, vaidosos e sovinas, têm uma lâmpada que logo se apaga, enquanto os pobres têm uma luz sempre a brilhar. São os extremos da vida. Uns com as suas pompas e seus bizarros modos de vida; outros, com a sua humildade, sem arrogância. Também há pobres arrogantes, mas não são mencionados aqui. A série de contrastes continua. O verso 10 declara que da soberba só resulta a contenda, mas com os que se aconselham se acha a sabedoria. Talvez haja aqui referência aos ricos soberbos, que criam contendas, enquanto os que procuram conselho, os humildes, encontram sabedoria. Quantos gostam de pedir conselhos? Poucos. E os que os solicitam sempre os alcançam. Essa doutrina de riquezas e pobrezas continua no verso 11, quando diz: Os bens que facilmente se ganham, esses diminuem, mas o que ajunte à força do trabalho terá aumento. O louvor do que trabalha e ajunta honestamente, e a crítica ao que facilmente ou desonestamente enriquece aí estão. Continua assim o elogio ao laborioso e a censura ao desonesto e ao preguiçoso. Há realmente riquezas que constituem um orgulho, e pobrezas que são um opróbrio, porque resultam de vadiagens. Diz-se que o velho Matarazzo chegou da Itália com as calças remendadas. Com o labor profícuo conseguiu uma das maiores e mais sólidas riquezas do Brasil. Foi ele o grande iniciador da indústria brasileira, quando as meias das senhoras vinham de Paris, e a pasta. e as escovas de dentes de lá vinham também, para não -mencionar a manteiga Lo Peletior. Depois outros foram aprendendo a investir, e hoje o Brasil é um grande país industrializado. Graças a Deus. Já vendemos nossos produtos a outros países e as nossas reservas em dólares estão perto da casa dos três bilhões, quando em 1964 éramos um povo pedinte, que tomava emprestado para poder importar as coisas necessárias à nossa indústria. Vai aqui o louvor ao que trabalha com vigor. Talvez o verso 12 ainda se relacione com a riqueza mal adquirida, pois diz: A esperança que se adia faz adoecer o coração, mas o desejo cumprido é árvore de vida (v. 12). O efeito de algo ansiosamente esperado é o desgosto, e causa doenças, enquanto o desejo satisfeito é árvore de vida. Há aqui alguma relação da vida com Deus e com os deveres religiosos, mesmo que não se refira a qualquer mandamento mosaico. A tranqüilidade do coração é saúde, e esta vem também dos deveres religiosos cumpridos. Já sabemos o que é árvore da vida, a árvore que Deus colocou no Éden para alimentar o casal adâmico, de modo que pudesse viver eternamente. Essa árvore reaparece no Apocalipse, dando os seus frutos todos os anos, para saúde das nações (Apoc. 2:7; 7:3; 22:2 e 14). Mesmo que o ensino seja simbólico, ainda vale por uma ilustração de se levar uma vida tranqüila, contente com o que se tem e não desejando riquezas mal adquiridas. Para completar esta série de contrastes sobre justiça, riqueza e tranqüilidade, segue o verso 13, com mais uma lição: O que despreza a Palavra a ela se apenhora, mas o que tenra o mandamento será galardoado. Jamais alguém foi bem sucedido por abandonar. a Palavra de Deus, pois ficou penhorado por ela, devedor por sua negligência. Quando vemos filhos de crentes abandonarem a igreja e a Bíblia, sempre somos sacudidos pelo temor do que pode vir, pois ninguém jamais foi feliz em relegar o Mandamento. Para tais há sempre uma punição. É bem certo que nem todos os fiéis crentes são ricos, mas já vimos que dinheiro por si não constitui felicidade. A felicidade vem da segurança da vida com Deus. Aqui fica o


contraste entre o que abandona a Palavra e o que é fiei ao Mandamento. Para esse há galardão. Faça cada qual a sua escolha. O verso refere-se aos que conhecem a Palavra e o Mandamento, pois os israelitas eram, todos eles, ensinados na Palavra e nos mandamentos da lei. A negligência é, pois, causticada com a promessa de que os que abandonavam a Palavra ficavam por ela penhorados.

4.4.4 Contrastes entro sabedoria e estultícia (vv. 14-16)

Entre os desarrazoados, o sério faz carreira. A inteligência se aventura. A idéia de ciência professada desencoraja a pesquisa na medida em que recusa o desconhecido. Para a inteligência não se poderia formar um conceito da ciência e ficar a ela adstrito, sem imediatamente colocar empecilhos ao seu funcionamento. É isso mesmo. O homem que pesquisa, que busca, acha; aos que se fecham em si mesmos, na sua estupidez, nada acontece senão o negativismo. 1 Esse autor dedica-se a buscar o desconhecido, o que talvez tenha existido, mas quem sabe? Assim concorda o nosso provérbio: O ensino do sábio é fonte de vida, para que se evitem os laços da morte (v. 14). A ciência é refrigeradora, revitalizadora, e capaz de livrar da morte a inteligência. Isso custa, e quem sabe não haverá quem ache ser melhor dormir o sono da ignorância do que queimar as pestanas, rebuscando em velhos alfarrábios, coisas esquecidas? É uma questão de gosto. Um arqueólogo que se mete nas grutas e cavernas, em busca de um pedaço de tijolo, um osso, talvez possa parecer um louco, mas se não houvesse "loucos", nós ainda estaríamos vivendo nos tempos da "Pedra Lascada", em matéria de conhecimentos antigos. Fica, pois, entendido que o ensino do sábio é fonte de vida, para que se evitem os lagos da morte (v. 14). O termo doutrina ou ensino, em hebraico torah (lei), é a norma de vida do hebreu; e fora desta só a morte, seja a terrena, seja a espiritual. Isso é confirmado no verso seguinte (15): A boa Inteligência consegue favor, mas o caminho dos pérfidos é intransitável. Quer dizer, por ele não se passa para viver. É o elogio da inteligência contra a estultícia de certa gente, que prefere ser tola a ser sábia. Deus é quem retribui a uns e a outros, aos sábios e aos tolos (prevaricadores), e a retribuição é feita com justiça. O tolo (kesil) em hebraico é aquele que tem a seus pés a luz, porém prefere as trevas; e para tal gente não pode haver esperança. Todo prudente procede com conhecimento (v. 16), mas o insensato espraia a sua loucura. Não é apenas tolo para si, mas para os outros igualmente. Esses provérbios são o elogio da sabedoria em contraposição ao elogio da loucura, que alguns preferem.

1- J. Berger, o Homem Eterno, difusão Européia do Livro, rua Bento Freitas, 362, SP.


4.4.5 Aceito a disciplina (vv. 17-22)

A doutrina da disciplina ou correção da vida é uma constante nos provérbios, e ela é aqui apresentada na forma de um embaixador fiel, que é medicinal, enquanto o meu mensageiro se precipita no mal. O bom embaixador vai por todo o mundo, dando as lições do seu governo e procurando ajudar os outros povos, aos quais foi enviado. Sua obra é medicinal é benfazeja. Os que rejeitam esta doutrina medicinal vão de mal a pior, até atingirem a pobreza, em parte, filha da tolice. É certo que a má distribuição das riquezas determina a pobreza, mas muitos pobres assim o são porque não dão ouvidos à sabedoria. Um operário que ganha pouco, mas joga no bicho, na loteria e vai a todos os jogos de futebol, não pode mesmo conseguir equilibrar as suas finanças. Tem de ser pobre. Os culpados são os que pagam pouco, mas também ele que gasta nas dissipações. É um mal complexo. O que rejeita a Instrução, pobreza a afronta lho sobrevêm (v. 18). O que guarde a repreensão será honrado (v. 18), isto é, o que se deixa guiar pelos caminhos do bom convívio receberá as honras que merece um bom operário. Há um homem humilde, guarda de trânsito no Rio, conhecido em todo o Brasil como o Apito de Ouro, honrado onde chega. A sua fidelidade ao dever é uma constante. Os versos 18 e 19 formam um contraste admirável. O que recebe a repreensão, o que se deixa instruir, é louvado; o o desejo que se cumpre agrada a alma; mas apartar-se do mal é abominável para os Insensatos (v. 19). Esses preferem o mau caminho e por isso não são honrados. A virtude, o direito, mesmo à custa de sacrifício, são recompensados, cedo ou tarde. Seguir o direito por amor ao mesmo é refugar o mal por nojo dele. Entendemos que todo este ensino é parte da Lei (Torah), e esta lei é de Deus. Portanto, o galardão, as bem-aventuranças que seguem o homem justo vêm de Deus. O ensino parece relacionar-se com assuntos puramente humanos, mas não; ele vem de Deus. Todos esses conselhos em forma de contraste são expressões do saber humano, oriundos da Torah, que é a Lei de Deus. A lei é a fonte de todo o saber humano. Daí, ensina o verso 20: Quem anda com o sábio será sábio, mas o companheiro do Insensato se tomará mau. Os maus companheiros são a perdição de muita gente boa, que se perverte nas más companhias. Os versos 21 e 22 determinam o destino dos bons e dos maus. Ninguém se preocupe com as recompensas, visto serem certas, e chegarem no tempo exato. Os kesilim (loucos) e os que os seguem recebem no devido tempo os louros da sua loucura. Esta sabedoria bastaria para endireitar o mundo, se o povo a quisesse praticar.


4.4.6 Outros contrastes (vv. 23-25)

A pobreza com justiça é melhor que a riqueza com abominação. A terra virgem dos pobres dá mantimento em abundância (v. 23). Não é muito fácil este verso. Por um lado, a sua terra virgem dá mantimento com fartura, mas, ao mesmo tempo, por falta de justiça, o mantimento é dissipado. Algumas traduções vertem pobres por "perversos", e os dois termos no hebraico se parecem muito, porque o verso na sua totalidade parece controverter-se. A doutrina deve ser esta: a terra virgem dá mantimentos com fartura, mas por causa do juízo, isto é, da falta de justiça, o mantimento é dissipado. Então, não basta ser rico, porque a falta de justiça desfaz a riqueza.

Segue um provérbio familiar a respeito da disciplina, o assunto deste grande capítulo. O que retém a vara aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo o disciplina. É a vara do pai nas costas do filho. Muitos pais "bonzinhos" permitem que seus filhos façam o que quiserem; não os disciplinam. Isto é contrário à sabedoria e à Bíblia. A disciplina é boa para tolos e para filhos, para que uns e outros andem nos caminhos certos. Muitos pais descobrem tardiamente que a falta de correção bíblica estragou o seu filho. Agora é tarde para o corrigir. Disciplina com amor é remédio; disciplina com rancor é veneno. As coisas nos devidos lugares. Tanto esta verdade vale, que o justo tem o bastante, mas o estômago dos perversos passa fome (v. 25). Deve haver certa correlação entre o estômago do justo e o do pobre, entre o que foi disciplinado e o que não o foi. A correção pode concorrer para tornar o homem justo, enquanto a sua falta pode determinar a sua perversidade. O menino nasce tabla rasa, Isto é, não traz nada senão as tendências hereditárias. Estas podem e devem ser corrigidas, e ainda ajudadas pela disciplina. A doutrina Lambrosiana (de Lambrósio, famoso penalista italiano) diz que a pessoa já nasce feita, Isto é, já traz as tendências que devem formar a sua carreira na vida. Isto não pode. ser certo, porque então seria o caso de se permitir cada um fazer o que quiser e não o responsabilizar. É a doutrina da irresponsabilidade. Nada disso. A criança traz, é certo, tendências hereditárias; todavia, a Instrução e a disciplina modificam esses pendores e os corrigem. Concluímos, assim, este grande capítulo sobre a vida e disciplina ou Um Viver Disciplinado. Sem disciplina moral, intelectual e espiritual ou religiosa, não se pode esperar uma vida correta em qualquer setor da atividade humana.


4.5. ANDAR NO CAMINHO CERTO (14:1-35)

Seria o caso de voltarmos ao capítulo 9, à casa da loucura, para uma avaliação do que significa a mulher sábia e a louca. Nunca se dirá demais a respeito da "dona-de-casa", da mulher que cuida dos filhos e ordena os negócios domésticos. Ela, no ,silêncio de suas atividades não industriais nem comerciais, é a que mais ajuda a construir um país. Sem ela, os filhos ficam sem ordem; sem ela o homem sente-se desarvorado, porque o escritório e a fábrica não chegam para satisfazer às suas necessidades de conforto, aconchego e camaradagem. É a mulher que constrói a casa, enquanto o homem fornece os materiais para essa edificação. Modernamente as mulheres querem inverter os papéis que a sabedoria bíblica inculca, entregando-se a tarefas masculinas e fazendo crer aos homens que eles podem tanto quanto eles e devem competir em qualquer tarefa do dia-a-dia. Pode ser que possam, mas depois de tudo, parece que a mulher foi feita para o lar, e não para o comércio e a indústria, mesmo que as necessidades diárias as obriguem a irem para os lugares antes só ocupados pelos homens. Foram as guerras, levando os homens para as linhas de combate, que deram às mulheres a oportunidade de fazerem o que só competia aos homens. Depois das guerras ficou o hábito, e "costume faz lei". Agora é difícil mudar. Temos apenas de voltar à Bíblia para recolocarmos as coisas nos seus devidos lugares, mesmo que tudo continue "Como dantes na Casa de Abrantes".

Há diversos provérbios dessa modesta seção que não se entrosam muito bem. Todavia, os agruparemos do melhor modo possível.


4.5.1 A mulher o a sua tarefa (v. 1)

A mulher sábia... significa que há mulheres que não são sábias, e isto não padece dúvida. Uma edifica a sua casa e a outra a destrói. O ensino deste verso não se contesta. Refere-se à mulher em casa, como administradora, economista e zeladora dos negócios do lar. Nisso, tanto pode construir como destruir. Há maridos que não conseguem equilibrar as finanças domésticas, porque a mulher é perdulária e gastadora. Outras há que desgovernam a casa, e os maridos não conseguem levantar a cabeça. Essas tais não são mulheres sábias. Talvez essas mulheres não sejam das que andam no caminho do Senhor, porque os que andam na retidão temem ao Senhor (v. 2). O que anda em caminhos tortuosos, esse o despreza. Segundo esta escritura, tudo depende de andar ou não nos caminhos de Deus, pois os que não andam, o desprezam. Para tal gente só o verso 3 tem um remédio: Está na boca do insensato a vara... mas os lábios do prudente o preservarão. A prudência em tudo é construtiva, seja no falar, seja no proceder; mas quantos há que se comportam como esta sentença? De um modo e de outro, a maioria peca. Conversa vã é praga humana.

Não achamos lugar para o verso 4. Parece que está deslocado. Talvez se refira a uma questão econômica. Não havendo boi, não há necessidade de limpar o estábulo, isto é, não há trabalho, mas também não haverá trigo no celeiro. Se o boi dá trabalho, também o produz. Será este o ensino? Então vale a pena Ter boi e trabalho com ele, porque dá trigo em casa.

4.5.2 É bom sempre dizer a verdade (vv. 5-9)

Mais uma vez volta à cena: A testemunha verdadeira não mente, mas a falsa se desloca em mentiras (v. 5). O livro de Provérbios deve ser um reflexo das condições sociais e morais de Israel. Assim sendo, parece-nos que a falsidade era comum até nos tribunais. Um povo educado na Lei de Moisés não podia andar mentindo, especialmente num tribunal. Isso nos mostra como a humanidade é falha. Igualmente, o escarnecedor procura a sabedoria a não a encontra (v. 6), porque a sua cínica petulância não deixa espaço para o temor do Senhor. Por mais de uma vez aparece este tipo de gente zombeteira, escarnecedora, uma escória social (veja 9:10). Que tipo de gente seria essa, numa sociedade religiosa?


A seguir vêm dois provérbios a respeito dos tolos, insensatos. Havia uma récua deles em Israel, e o mestre manda fugir desse povo, porque nele não divisarás lábios de conhecimento. Não há sabedoria na boca dos tolos, cuja mente está distorcida e pervertida. A sabedoria do prudente é entender o seu próprio caminho, mas a estultícia dos insensatos é enganadora ('V. 8). Há um certo encadeamento doutrinário nesses versos, em que sobressai a sabedoria e se desdenha da sua falta. Metade da sociedade tem ausência dessa sabedoria e não a encontra, porque ela só se obtém pela fidelidade ao ensino da Bíblia. Fora disso é difícil. Dessa falta de senso resultam muitos males, inclusive o de não reconhecerem o seu próprio pecado, pois só os loucos zombam do pecado, o que não acontece com os retos de boa vontade (v. 9). O pecado é a doença mortal da humanidade, todavia, a maioria zomba dessa enfermidade e por meio dela vai à sepultura muito mais cedo do que deveria. A leitura natural desse verso não dá muito bom sentido. Lendo no hebraico, chegamos a esta tradução: "Uma oferta culpada zomba dos tolos", ou é uma oferta sem sentido. É contra os tais, pois, se a oferta não leva consigo o sentimento da culpa, não vale coisa alguma. É uma tolice para o que a oferece. Esta tradução, todavia, não é muito segura também. Há versos obscuros em muitos provérbios. O termo "pecado" e "oferta" também se confundem muita vez. Um fato é verdadeiro: Se oferecemos algo inadequado a Deus, esta oferta é vã (veja ls. 1:11).

O Verso 10 não tem ligação com a doutrina precedente nem com a subseqüente. É um provérbio isolado, como tantos que temos encontrado. O coração conhece a sua própria amargura, a da sua alegria não participa o estranho (v. 10). O território do coração é privativo, e só o seu dono o conhece.

4.5.3 Uma série de ensino sobre juízo e sua ausência (vv.11-19)

A casa dos perversos será destruída, mas a tenda dos justos (retos) florescerá. O contraste é que a casa dos "sem Deus" não permanece, enquanto a dos retos floresce, isto é, fica segura e dá flores em vida. Há multas promessas para os que andam com Deus e nenhuma para os que se afastam dele. Com essa verdade, muito comentada, concorda o verso 12, bastante comum nas citações particulares, isto é, Há caminho que ao homem parece reto, mas ao cabo dá em caminho de morte. Numa viagem pela estrada, todos os caminhos parecem retos, levando ao lugar onde vamos, porém não é assim. Se faltar a "seta indicativa" vamos chegar a lugar errado. É o engano da vista. Só- Deus conhece o princípio e o fim da vereda de cada um; e, se não andarmos com ele, como vamos acertar? Cuidado com o caminho que parece reto e não é. Quem não anda no caminho reto até no riso tem dor o coração o o fim de alegria é tristeza (v. 13). É um tanto difícil essa tradução, mas significa que nem todo riso é alegria, e há muito riso zombeteiro. Por isso, o inflei de coração, dos seus próprios caminhos se farta (v. 14). O hipócrita não tem prazer nem no riso, nem no coração; tem de disfarçar tudo. Assim, até com


o seu proceder também se farta. Há vantagens em sermos pessoas de bem, no riso, no proceder, no coração. Nada como a tranqüilidade de espírito, o sossego do coração. Isso é o que o sábio está ensinando. A doutrina da simplicidade do coração continua no verso 15, quando diz: O simples dá crédito a toda palavra, mas o prudente atenta para os seus panes. Temos então a ingenuidade, que tudo crê, e a prudência, que tudo pesa. A Bíblia não ensina a ingenuidade, pois vivemos num mundo hipócrita e cheio de falsidade. Manda ser cauteloso e não acreditar em tudo que se diz. Possivelmente o sábio está ensinando também que o simples, ou insensato, é um sujeito auto-suficiente e não cuida no que ouve nem no que faz e cai no desastre. Se é isso que deseja ensinar, então temos a lição dada em outras palavras.

A seguir vêm provérbios sobre a ira do homem, que por tudo e nada se enraivece, sobre a herança dos estultos e dos prudentes, sobre a retribuição (v. 19). Veja-se que há uma cartilha de ensinos proveitosos e condizentes com a vida segura. Ira não constrói; a prudência é uma grande conselheira, o os maus se inclinam perante a face dos bons ao mesmo tempo que os perversos se postem junto às portas do justo (vv. 18 e 19). Cada qual escolhe o caminho que melhor lhe apraz, mas saiba que cada caminho tem o seu devido fim. Esta seção é rica de ensinos práticos e úteis.

4.5.4 O pobre a o rico (vv. 20-24)

Note o leitor a insistência do mestre quanto aos pobres e aos ricos, aos insensatos e aos prudentes. Parece até que todo o ensino gira ao redor da riqueza e da prudência. O pobre é odiado até do vizinho, mas o rico tem muitos amigos (v. 20). Pudera! O dinheiro tem atrações, enquanto a pobreza, mesmo que seja honrosa, não dá conforto nem açula os cobiçosos. Logo, o verso seguinte diz: O que despreza o seu vizinho peca, mas o que se compadece dos pobres é feliz (v. 21). (Veja as Bem-aventuranças: quantas promessas para os pobres e nenhuma para os ricos! - Mat. 5:1-12.) Tudo que há na face da terra é do Senhor, ele dá muito a uns e pouco a outros; todavia, o que tem muito deve saber do seu dever de distribuir com os de menos recursos. Isso, porém, é a doutrina da Bíblia, e não do mundo. Entretanto, aí está a promessa da felicidade. Os que maquinam o mal erram, mas amor e fidelidade haverá para os que planejam o bem (v. 22). Em lugar de planejar o mal, é bom fazer o bem, porque em todo trabalho há proveito, mas os pairadores de meras palavras levam à penúria (v. 23). O louvor do trabalho e da persistência no bem é a doutrina aqui ensinada. A preguiça é escalpelada em todos os ensinos como a causa da pobreza e da falta de


compostura, porque o ocioso tem de se ocupar em alguma coisa e isso só será o pior. Aos sábios a riqueza é coroa (v. 24), mas os estultos e insensatos não passam mesmo de tolos. Seja sábio e prudente é outro grande ensino. O leitor terá a impressão de que em Israel a maioria era composta de gente insensata; é assim em toda parte. Pode não haver muita lógica entre um provérbio e outro, mas a doutrina está em todos eles.

4.5.5 O testemunho falso o o temor do Senhor (vv. 25-29)

Testemunha verdadeira livra almas, mas o que se desboca em mentiras... Por esta escritura se vê o perigo de uma falsa testemunha, desbocando em mentiras, enquanto a verdadeira salva almas ou vidas. Não é a primeira vez que a testemunha verdadeira e a falsa são objetos de apreciação em Provérbios. Sentimos tentação de nos transportar para Israel e verificar até que ponto este crime era ali cometido. Numa terra da Torah, mentir num juízo ou tribunal é qualquer coisa inconcebível. A testemunha verdadeira vive no temor do Senhor, e quem vive neste temor não mente nem contra si mesmo. O homem que vivo no temor do Senhor é forte amparo da família e da sociedade. É' a salvaguarda da vida. Fora disso é desgraça e vileza. O temor do Senhor é fonte de vida para evitar os laços da morte (v. 27). Sem religião a vida se torna barbaria. Por isso, até os "sem Deus" admitem a necessidade de religião, uma certa mística devocional que obrigue os tais a viverem conforme os seus credos. O comunismo, sem Deus e sem religião, sendo um sistema ateu, pratica a sua religião. O filho do grande Darwin admite que sem religião não se vive. Darwin não era ateu, pois pertencia à Igreja Anglicana, porém o seu sistema evolucionista o levava ao ateísmo, por negar a criação feita por Deus. O nosso texto reforça o princípio: O temor do Senhor evita os laços da morte (v. 27).

O verso 28 é uma referência ao rei, que se alegrava na convivência do povo, porque na feita do povo se arruína o príncipe (v. 28). Noutra linguagem, sem o povo, o rei não pode governar. Sendo Israel uma teocracia, com um governo meio ditatorial, o povo era, entretanto, admitido e reconhecido como necessário ao governo. Todos os governos despóticos estão fadados ao extermínio. Talvez por causa desse espírito popular é que o verso seguinte nos mostra que o longânimo é grande em entendimento, enquanto o de ânlmo precipitado exalta a loucura (v. 29). Longânimo é o governante tolerante e paciente com o seu povo, sempre pronto a transigir. Esse é o grande, e não o violento e irascível. Todos quantos dirigem o povo, sejam governos, sejam ministros, devem praticar a tolerância ('menos com o pecado), porque ela adoça a boca do mesmo e atrai o povo para quem dirige. Muitos pastores se arruínam depressa por causa da falta de tolerância para com os fracos do seu rebanho.


4.5.6 Serenidade o paciência (vv. 30-32)

O homem sereno, que não se exalta com as primeiras palavras, é previsto no verso 30: O ânimo sereno é a vida do corpo, mas a Inveja é a podridão dos ossos (v. 30). A relação entre um ânimo sereno e a Inveja não está muito clara no texto, pois não são propriamente dois opostos. Talvez o ensino seja que o invejoso é sempre' irrequieto e traquinas, pois todo mundo lhe parece adversário. A inveja é um corrosivo da alma e da convivência humana; onde está não há saúde para a alma, nem tranqüilidade para o corpo. Fujam da inveja. Mas inveja por quê? Não tem cada um os dotes que Deus lhe deu? Acha pouco e quer os dons dos outros? Isso é pecado. Contente-se cada qual com os dons que tem ou com o dinheiro que possui, e deixe em paz os demais.

O que oprimo no pobre Insulta Aquela que o criou, mas este honra o que se compadece do necessitado (v. 31). A Bíblia tem muito maior número de palavras a respeito do pobre do que do rico. Jesus disse que os pobres sempre estavam conosco. A exploração do pobre pelo rico, ou do operário pelo industrial, tem dado asa a maior número de lutas que qualquer outra causa. As desigualdades sociais sempre existiram e são mesmo necessárias; no entanto, o direito de um não pode prevalecer sobre o do outro. Cada qual em sua esfera, e todos podem viver em paz e harmonia. A sociedade moderna está aprendendo a conviver com ricas e pobres. A malícia do perverso o derruba, isto é, o que oprime o pobre a pretexto de qualquer coisa, enquanto o justo, mesmo morrendo, tem esperança (v. 32). Os contrastes entre o pobre e o opressor, o malicioso e o justo, são aqui evidentes. São os dois tipos de criaturas sempre em oposição, não obstante a promessa ser para o justo e o pobre, e nada para os outros dois tipos. Essas oposições criam muitos conflitos, mas sem base, senão o pecado, que domina a natureza humana. Como já foi dito, se o Livro de Provérbios fosse colocado na mão de todos os homens e mulheres, e lhes fosse dado como a catecismo da vida, parece-nos que as condições mudariam muito.

4.5.7 Prudência e justiça... (vv. 33-35)

No coração do prudente repousa a sabedoria. Prudência e saber são sinônimos, pois que a prudência é uma virtude rara, e por isso os desencontros na vida. O pecado é o opróbrio dos povos. Aqui está toda a sabedoria de Provérbios. O pecado, sempre o pecado, que cria o invejoso, o prepotente, o opressor e toda essa coorte de sinistros elementos que infelicitam a vida. A falta de justiça na terra também resulta do pecado. Todo o mal é produto ou subproduto do pecado na vida. A seguir vem o texto áureo deste capítulo. A JUSTIÇA EXALTA AS NAÇÕES... Há um folheto publicado por Howard Hoton sobre o título A Justiça Exalta as Nações, que gostaríamos de reproduzir aqui, mas por sua extensão sentimo-nos proibido de


fazê-lo. É um estudo admirável, o melhor que já vimos sobre a matéria. É um estudo sócioeconômico das nações antigas e modernas a respeito das suas práticas de justiça social. No conceito desse autor citado, só a Justiça é capaz de dar aos povos a paz e harmonia que desejam, e essa justiça só pode vir do uso e prática da Bíblia. Fora dela não há justiça possível, nos termos em que a mesma Bíblia compreende. Os povos mais justos do mundo são os mais prósperos a os mais pacíficos, porém os menos justos são os mais pobres a menos pacíficos. Esta é a doutrina do folheto mencionado. Aconselhamos este folheto a todos os leitores deste modesto trabalho.1

Entre as conotações da justiça, preconizadas no verso 34, se encontra uma outra condição essencial para a paz das nações: O servo prudente goza do favor do rei, mas o que procede indignamente é objeto do seu furor (v. 35). Nenhum governo pode ser bom se tem de governar um povo mau, embora, por outro lado, não há povo mau se tem um dirigente bom. Então as duas partes desse todo devem harmonizar-se. Salomão tinha um grande povo ao seu lado, povo paciente e tolerante, e podia pedir que os pobres ou os servos fossem prudentes. Trata-se, naturalmente, do serviço dos escravos, a quem Paulo, o apóstolo, recomenda também calma e prudência (Col. 3:2; Tito 2:9 e ss.). Em Cristo todos somos escravos e ao mesmo tempo todos somos livres, porque a verdadeira escravidão não é a do corpo, mas a do espírito.

Pensam alguns escritores que os versos 33-35 são uma antecipação de Cristo na sua vinda, quer como Rei, quer como Aquele cuja justiça é capaz de dar ao mundo a paz e a segurança que só ele pode conceder.

1- Caixa Postal 30.543, S.Paulo.


4.6. OS CAMINHOS DA VIDA E OS SEGREDOS DE UM CORAÇÃO SINCERO (15:1-35)

O controle no falar e na conduta, de modo a manter uma atitude segura na vida, são os pensamentos centrais deste capítulo. As atitudes intempestivas, seja no falar, seja em qualquer outro campo de atividade humana, sempre produzem maus resultados. Vamos, então, nessa linha de pensamentos, apreciar mais um capítulo do Livro de Provérbio.

4.6.1

Os olhos do Senhor estão sobre toda a terra e sobre todos os homens

(II Crôn. 16:9; Prov. 15:1-7)

Não há campo que escape a esta observação divina. Por isso, aconselha o sábio: A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira (v. 1). Em nossos contatos individuais, se esta norma fosse seguida, teríamos evitado muitos contratempos. A dureza de palavras nasce, muitas vezes, de uma disfunção do fígado, mas também de mau costume ao tratar com os outros. A língua serena é árvore da vida (v. 4). Outra vez vem a referência já estudada tantas vezes a respeito da "árvore da vida", e aqui aparece ela como um resultado da língua serena, tranqüila e sossegada. Talvez isso, em parte pelo menos, seja um resultado da educação doméstica, porque o verso 5 fala do (filho) insensato, que despreza a instrução do pai, talvez para seguir a instrução da rua. Os pais modernos são vítimas das influências da rua, pois os seus filhos são influenciados pela má conduta de tantos filhos desviados. Isso é ainda reforçado pelo verso 7, que diz: A língua dos sábios derrama alimento, mas o coração do insensato não procede assim. Isso tudo junto ao fato de que na casa do justo há fartura, mas a renda dos perversos é perturbação (v. 6). Todos estes ensinos se entrelaçam para destacar a verdade central da moderação da língua.


4.6.2 Os sacrifícios devem ser puros (vv. 8-10)

Fala dos sacrifícios oferecidos no templo, sacrifícios justos e de acordo com o ritual mosaico. Sacrifícios de perversos são uma abominação ao Senhor, como a oração do justo lhe é agradável (vv. 8 e 9). A seguir vem outra sentença, muito debatida em Provérbios, a da repreensão ou disciplina, e o que odeia esta correção morrerá. A morte de muitos resulta de terem abandonado a disciplina doméstica e se haverem entregado à ruidosa camaradagem da rua. Isso leva à morte. Vale a pena repetirmos que os pais não devem negligenciar a disciplina da casa, para não terem de ver os seus filhos serem disciplinados pela rua. O descaminho da vida leva a outras conseqüências com respeito à eternidade, que também devem ser levadas em conta.

4.6.3 Os perigos do descaminho (vv. 10-14)

O além e o abismo devem ser traduzidos por Sheol o Abadom. Sheol, como temos visto em várias ocasiões, é o lugar dos mortos, na concepção judaica, muitas vezes traduzido imperfeitamente como inferno. Abadom é o lugar da destruição. Tanto um como o outro são visíveis e patentes diante do Senhor, que tudo vê, e ninguém pode julgar agir de modo que ele não veja. Se tais lugares invisíveis para o homem são claros ao, Senhor, quanto mais os caminhos dos perversos. Os corações dos filhos dos homens estão patentes ante o Senhor. Isso o escarnecedor ignora e não ama quem o repreende, nem procurará o conselho dos sábios e entendidos, que podem guiá-lo nos caminhos do bem (conf. ls. 1:11). Para contrastar com essa situação desesperada é afirmado que o coração alegre aformoseia o rosto, mas com a tristeza do coração, o espírito se abate (v. 13). Eis aqui um cosmético de alto valor para a beleza do rosto. As pessoas de coração limpo e alegre não vêem os sulcos do rosto aparecerem muito cedo. Entretanto, os que vivem a lamentar-se, a remoer as suas desditas e desgostos envelhecem cedo. Certo que há outras considerações a esse respeito, mas, sem dúvida, este verso vale por uma terapêutica facial muito importante. Viva alegre, e viva muito. Diz-se que os olhos são as janelas da alma; por outro lado, o rosto é a janela do coração. Podemos ver no rosto das pessoas o que está no seu coração, mesmo que se admita a maneira de fingir algo que não se sente.


4.6.4 É melhor ficar contente que zangado (vv. 15-17)

Como pode uma pessoa ficar contente, quando os seus assuntos vão mal? Todavia, um espírito aflito produz dias maus, enquanto a alegria do coração é banquete contínuo (v. 15). É difícil sermos otimistas, não obstante ser o que rende na vida. O pessimismo só serve para aprofundar os sulcos do rosto. A religião tem muito proveito em tudo e até nesta forma de encarar o viver. É certo que Deus vê tudo e sabe o que cada qual precisa. Deus é bom Pai e sabe dar boas coisas a seus filhos, se lhas pedirmos. O defeito de muitos é que oram pouco ou não oram nada, e, nas dificuldades da vida, sucumbem. Então vem a sentença luminosa: Melhor é o pouco, havendo o temor do Senhor (outra vez o temor do Senhor), do que grande tesouro onde há inquietação (v. 16). Um verso como este deveria ser dependurado ao pescoço de muita gente ansiosa e gananciosa, que espera colher mais dos seus tesouros do que do viver em harmonia com o Senhor. Deus sabe do quanto carecemos, e já nos preveniu que não é no dinheiro que está a felicidade, mas em buscar primeiro o Reino de Deus e a sua justiça (Mat. 6:33, 34). A maioria começa pelo fim, começa procurando os tesouros, em vez de procurar o Reino. As inquietações da vida nascem dessa falsa maneira de entender o governo divino na vida humana. Melhor é um prato de hortaliças onde há amor, do que o boi cevado onde há contenda (v. 17). Numa casa onde todos os dias se lê a Bíblia e se ora a Deus vive-se bem melhor comendo verduras, do que se se comesse carneiro no meio de bulhas. É a confiança em Deus Provedor que vale, e não a fartura, pois não é comendo muito ou comendo pouco que se vive melhor. Com isso não desdenhamos uma boa alimentação; o principal, porém, é a paz do coração e o temor de Deus.

4.6.5 Olha a vereda da vida (vv. 18-24)

Todo este ensino se relaciona com a maneira de viver e do estado do coração. Portanto, evitar as contendas é um bom remédio porque o homem iracundo suscita contendas, mas o longânimo apazigua a luta (v. 18). Fujamos das contendas, dos homens contenciosos, dos que vivem para derrotar os outros; e, se pudermos, mudemos de casa, para lugar onde esta gente não esteja. Um grande comentador chamou a esta seção orbiter dicta: olhar para cima e esperar em Deus, porque embaixo está o Sheol (v. 24). Depois de salientar que o preguiçoso tem o caminho cercado de espinhos, enquanto a vereda dos justos é plana e limpa, o mestre passa a outro assunto, muito oportuno e que diz respeito ao modo como os filhos sábios


alegram seu pai, enquanto os estultos desprezam suas mães. Só mesmo um filho estulto e insensato pode não aceitar os conselhos de seus pais, que só desejam o seu bem (v. 21). A seguir vem o mestre com outro conselho, muito oportuno, e que diz respeito ao governo dos povos, afirmando: Onde não há conselho fracassam os projetos, mas com os muitos conselheiros há bom êxito (v. 22). Isto diria respeito ao governo de Salomão, que, não sendo democrático, sabia aproveitar os conselheiros do Estado e com eles governar bem. Não conhecemos com segurança o sistema de governo salomônico, mas a verdade é clara, que, quando um homem se aconselha com outros, deve encontrar a média da verdade desejada. Os conselheiros se alegrariam em dar respostas adequadas, porque uma palavra dita a seu tempo é boa (v. 23). Um bom conselho, quem o menospreza? Só o tolo o enfatuado. O soberbo e o presunçoso também são visados nesta série de conselhos, como vemos no verso 24, onde o entendido acha o seu caminho para cima, porque para baixo está o Sheol. Olhe para cima e viva. Porque em cima está o Senhor.

4.6.6 O Senhor continua com os justos (vv. 25-29)

É maravilhoso contar com o Senhor nos negócios desta e da outra vida. Os assuntos dos soberbos ele deita por terra, contudo, mantém a herança da viúva (v. 25). As viúvas e os órfãos são objetos de cuidados especiais por parte de Deus, e isso está demonstrado num sem-número de passagens, especialmente em Miq. 6:8 e Heb. 13:16. Deus permite que uma mulher fique viúva e um menino perca os pais, mas solicita, dos que Podem, o cuidado desses necessitados. A Bíblia é o livro sempre a favor dos desafortunados; portanto, os que têm devem dar aos que nada possuem. Nessa ordem de conceitos, vem uma palavra muito consoladora: Abomináveis são para o Senhor os desígnios dos maus, mas as palavras bondosas lho são agradáveis (v. 26). Quando se dirige uma palavra amiga a uma pessoa, como isso deve ser agradável ao Senhor! Uma escritura como esta mostra-nos o sentimento divino em suas relações com o ser humano, uma espécie de antropologia divina, onde Deus se associa às necessidades humanas. Isso contrasta com o que é ávido de lucro desonesto, que transtorna a sua casa, mas o que odeia o suborno, cão viverá (v. 27). O lucro injusto, o roubo e a ganância são odiados por Deus, porque fraudam os outros seres humanos. O restante desta seção versa sobre o mesmo espírito de que só o justo e o limpo de coração contam com o favor divino. O justo ora, e o Senhor atende (v. 28). A oração do justo pode muito, no dizer de Tiago. Deus ouve as orações dos que lhe suplicam e responde com grandes bênçãos.


4.6.7 O temor do Senhor e a disciplina são o remédio da vida (vv. 30-33)

Por quatro vezes o nosso texto repete a frase - o temor do Senhor - como se fosse um refrão de cântico litúrgico. É que sem o temor de Deus a vida perde o seu sentido mais alto e nobre. Com esta frase vêm outras, similares, como a do verso 30: O olhar do amigo alegra o coração. As alegrias do coração só podem vir dos amigos, e estes vêm dos que temem ao Senhor. Do mesmo modo e no mesmo sentido, o verso seguinte, a respeito da repreensão dos que a ela atendem, pois têm a sua morada no meio dos sábios (v. 31). A admoestação é um meio de corrigir a vida, dado por quem já tem maior vivência. Entretanto, poucos gostam de ser repreendidos ou ajudados a mudar de curso. Termina este grande capítulo, afirmando que o temor do Senhor é a Instrução da sabedoria, isto é, quem teme ao Senhor é, sábio.


4.7. O SENHOR VIGIA A VIDA (16:1-33)

Este é um capítulo da vigilância divina sobre a vida humana. Há alguns versos que apresentam uma doutrina diferente, porém no todo, o que o sábio quer ensinar, é que só Deus pode dirigir e guardar a vida, e tolo é o homem que despreza esta ajuda. Entretanto, quantos aceitam essa verdade, porém não se deixam levar por ela! O que o homem incrédulo entende é que ele sabe o que faz e o que quer, e não reconhece Aquele que tudo vê, tudo domina. Não há sorte nem azar. Tudo está dentro do círculo divino, e tudo acontece dentro de um plano, que nós não entendemos bem. Aceitemo-lo.

4.7.1 Os planos humanos o a direção divina (vv. 1-9)

O primeiro verso deste capítulo poderia ser tomado como o verso-chave, áureo, pois ensina que a última palavra da vida pertence a Deus, o Senhor, afirmando: O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta corta dos lábios vem do Senhor (v. 1). Planejar é tarefa humana, e devemos fazer e ter planos; todavia, os devemos entregar à direção de Deus. A inteligência recebida é para planejar, para discernir e é nosso dever usar estes poderes para a realização da vida; entretanto, não há pianos válidos sem a condicionante divina. Não há azares, nem "tinha de ser", como as pessoas costumam dizer. As coisas que sucedem e que muita vez nos causam tristeza e desgosto estão dentro do plano divino, que sempre dá o melhor. Este autor foi chamado a uma cerimônia fúnebre, quando o filho primogênito de um casal tinha morrido atropelado. O autor conhecia a amargura dos pais. Então citou-lhes Rom. 8:28, dizendo que aquilo que nos parece uma tragédia é apenas o meio que Deus usa para evitar de fato tragédias. Quem poderia saber o que esse rapaz ia fazer? Criado na igreja, nunca lhe foi fiei. Que futuro este rapaz teria? Assim, feito o enterro, enxugadas as lágrimas, passado o luto, tudo terminou quanto ao rapaz. Se vivesse, que seria? Isso tudo está conforme o verso 2, que diz: Todos os caminhos do homem são puros aos seus olhos, mas o Senhor posa o espírito (v. 2). A nossa visão é curta e o futuro nos está oculto. No entanto, se confiamos os caminhos ao Senhor, ele tudo fará (Sal. 37:5). Deus é o juiz final do nosso caminho (1 Cor. 4:4). Deus fez tudo para o bem do homem, e cumprirá o seu propósito, até no homem perverso, que o despreza. Até o perverso foi feito para o seu dia. Por isso o homem Incrédulo é abominável ao Senhor. porque o seu coração é arrogante; todavia, por isso não ficará impune (v. 5). Por que há pessoas arrogantes? Que viram, que souberam e qual o seu conhecimento das coisas de Deus? O mundo é um mistério, e podemos dizer que tudo que nos rodeia é mistério; nada sabemos. Por que arrogância? A ruptura de um pequeno vaso cerebral, o entupimento de pequena artéria, e eis o arrogante imobilizado, paralítico ou morto, por que arrogância? Não seria melhor humildade, submissão a Deus e entrega a ele de tudo que nos interessa? Misericórdia e verdade, isto é, amor ao Concerto de Deus, são os meios empregados para


purgar o pecado ou expiar a culpa. Todos somos pecadores e é bom reconhecermos esse fato, pois o pecado é que traz a ruína (v. 6). Para o judeu, a fidelidade ao Pacto era condição essencial da vida; para nós, a fidelidade a Deus e à moral, se não expia o pecado, porque há UM que expiou, é um meio de agradar e servir a Deus (veja Miq. 6:6-8; Heb. 2:4).1 O verso 7 afirma o que tentamos dizer: Sendo o caminho do homem agradável ao Senhor, este reconcilia com ele os seus inimigos. Andar no caminho do Senhor é uma maneira de ser-lhe agradável, e os perigos, como de inimigos e outros, Deus os removerá.

O verso 8 introduz um ensino aparentemente diverso do ministrado, mas está dentro da lógica do mesmo ensino, pois o pouco com o Senhor ou com a justiça é melhor que grandes rendimentos com injustiça (v. 8). É um conselho aos gananciosos, aos que querem enriquecer, mesmo que seja à custa do pobre. Para os tais não há mesmo remédio. Deus não está nesse caminho. Talvez por isso mesmo o verso 9 diz: O coração do homem traça o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os passos. Que entendemos? Que Deus é quem deve dirigir os passos do homem nos caminhos por ele traçados. Como andamos erra dos tantas vezes!

1- Conta-se que foi o verso 4 de Habacuque que mudou o rumo da vida de Lutero. Indo certa vez a Roma, ao subir as escadarias do Vaticano, veio-lhe à mente este verso: "O justo viverá da fé". Voltou dali mesmo e não chegou a ver o Papa.

4.7.2 A Justiça que Deus requer (vv. 10 e 11)

O julgamento dos casos em Israel, na ausência de tribunais civis, competia ao rei, que era soberano incontrastável. Não se tratava de uma monarquia constitucional, à moda na Idade Média e ainda existente em nossos dias; o rei era obrigado a não transgredir o direito com favoritismos verbais. Nos lábios do rei se acham decisões autoritárias (v. 10). E, com esta sentença, vem outra, de não menor importância, qual seja: Pesos e balanças justas pertencem ao Senhor (v. 11). A fraude nos pesos e nas balanças e medidas é muito antiga, e por isso as nações modernas têm o Instituto de Pesos e Medidas, obrigando os comerciantes a aferirem anualmente os seus apetrechos de comércio, pois a colocação de contrapesos no prato que recebe os pesos ditos legais é muito comum. Pelo visto, neste verso a fraude é costume muito antigo, e o que rouba no peso ou na medida transgride contra o freguês e contra o Senhor, a quem pertencem os pesos e as medidas. Peso e balança justos pertencem ao Senhor. Deus é


Deus Justo e pede que nós o sejamos também para com os nossos semelhantes; isso, no entanto, é letra morta, até em muitos círculos evangélicos (sic).

4.7.3

Cuidado com a impiedade (vv. 12-15)

O rei em Israel era messiânico, isto é, representava o Messias, em cujo trono se assentava (I Crôn. 29:23). O trono era do Messias, mas o rei o ocupava permissivamente. Logo, as suas sentenças deveriam ser as do Messias mesmo. A impiedade é abominação para os reis, porque com justiça se estabelece o trono (v. 12). A justiça exalta as nações, mas o pecado é o opróbrio dos povos (14:34). Essa doutrina tão sublime era praticada pela metade entre o povo, restando aos profetas mostrar o alto grau de obrigatoriedade divina para a prática da justiça (veja Amós 5:21-6:5). Com a justiça no negócio, vem a justiça dos lábios, isto é, contra o mentiroso, outra maneira de frustrar, fraudar a verdade. É com a justiça que o trono se estabelece (v. 12), e não com fraudes e mentiras. Os lábios justos são o contentamento do rei (v. 13). Por certo um rei messiânico não poderá ter prazer em lábios mentirosos. Com essas práticas, o rei ficava alegre e contente, sabendo que o seu povo era um povo justo e fiei. O furor do rei são una mensageiros de morte, mas o homem sábio o apazigua (v. 14). Todo o restante desta seção versa sobre a justiça, que dá alegria e conforta tanto o rei como o povo.


4.7.4 Exortações para se adquirir a sabedoria (vv. 16-21)

A sabedoria aqui preconizada é mais de natureza moral do que intelectual; é a sabedoria para viver honestamente, pois esta é a verdadeira. Sabedoria que não ajuda a viver não é sabedoria. Esta sabedoria é melhor do que o ouro, o mais excelente que a prata (v. 16). Os dois metais mais valiosos na antigüidade não se comparavam com o saber viver, por isso é que o caminho dos retos é desviar-se do mal (v. 17). Esta é a sabedoria. Mas há gente tão soberba e cheia de si e da sua justiça própria, que não entende que o que guarda o seu caminho preserva a sua alma (v. 17). Alma aqui também tem o sentido de vida (nephesh). A morte prematura de muitos resulta do pecado, do desvio do caminho. Os antigos viviam muitos anos e até séculos. Por quê? Por motivos diversos, é certo, mas também porque o pecado não havia ainda tomado conta de tudo como atualmente. Por isso o que atente para o ensino acha o bem, a o que confia no Senhor esse é feliz (v. 20). Não se vive debalde; cada um colhe o que semeia. Se alguém segue o Senhor, esse será galardoado.; o contrário também é verdade. Por isso é que o sábio de coração é chamado prudente o a doçura no falar aumenta o saber (v. 211 Tudo nessa seção se relaciona com o bom viver, que constitui sabedoria e a melhor sabedoria da vida, ensino continuado na seção seguinte, versos 22-26. Se Salomão foi autor destes provérbios, como se crê, então o elemento que predominava em Israel era a alegria do saber viver. Depois, tudo mudou. Ele desprezou esta sabedoria e caiu no pecado da idolatria, arruinando a sua vida e a da sua nação, e até mesmo o reino do Messias, que entrou em colapso. Tudo quanto esse viver aqui preconiza é desfavoravelmente apresentado no verso 21, em que o insensato, o falho de saber viver, recebe isso como castigo. Nada justifica a insensatez de certos homens e mulheres, que querem viver o seu estilo de vida como se não houvesse Deus. É por isso que certos escritores se aventuram na filosofia de que -"Deus está morto". O fato é que o coração do sábio é mestre da sua boca, não fala inconveniências (v. 22). O verso-chave é o 25, que diz: Há caminhos que parecem direitos ao homem, mas afinal são caminhos de morte. Isto vale por afirmar ser o homem incapaz de saber conduzir-se na vida, para dela tirar o melhor. Os caminhos do homem não são os caminhos de Deus, e é por isso que o mundo e a vida vão mal. A ignorância da Bíblia é que resulta na história triste da vida humana, quando a verdade, e só a verdade, deveria ser o Vade-Mecum do homem e da mulher, mas não é. Não precisamos dizer mais. Basta.

4.7.5 As conseqüências da depravação (vv. 27-30)

O homem é naturalmente depravado, nos seus pecados, e na sua língua há como que fogo destruidor (v. 27). O fuxiqueiro,, o maldizente são elementos que trazem, para a família


humana, as infelicidades, que já eram tão evidentes há 3.000 anos passados. Parece até que a humanidade não tem piorado muito, talvez porque não haja mesmo como. O homem perverso espalha contendas a o difamador separa os melhores amigos (v. 28). Este verso ou provérbio completa o quadro-negro dos elementos espúrios da sociedade, em que não apenas a violência, mas também a difamação do nome, são os corolários da vida de elementos malsãos. As nossas leis são muito benignas para com esses maus elementos, que deveriam pagar por suas intrigas e contenda no meio onde vivem. Nada, porém, acontece a essa gente. Só são punidos os que roubam um pedaço de carne ou de bacalhau ou os que tiram sangue dos outros; fora disso, nada há para os que causam maiores danos do que os que roubam bobagens, muita vez por causa da fome. Todavia, a Bíblia não deixa essa gente sem recompensa, sem punição, Ao Senhor pertence toda decisão (v. 33). Esta seção termina expondo o homem violento, que alicia o seu companheiro para o mal e o guia por caminho que não é bom (v. 29). Temos a impressão de que se trata de grupos dissolventes, que agora são chamados "subversivos". Os atuais são contra o governo; os antigos seriam contra a sociedade. Uns e outros bem se parecem, e quando nós nos sentimos contrafeitos com a atual situação, seria bom uma recordação do passado, para vermos que sempre foi assim.

4.7.6 Há recompensa para os bons (vv. 31-33)

Nesta vida, estejamos certos, ninguém semeia em vão, porque no devido tempo o Deus da providência chegará, para dar a cada um conforme as suas obras (v. 33). As cãs, quando se acham no caminho da justiça, são coroa de honra; quer dizer, os velhos aconselhadores são os que não buscam o mal dos outros e evitam tudo quanto pode causar ruína. Os bons e os que tranqüilizam a sociedade são os que Deus galardoa. Não há tal coisa como sorte ou azar, "tinha de ser", porque há Governo no universo e todos estão sob o olhar divino. A sorte é lançada no regaço (Alea jacta est) de cada um, e, dia mais dia menos, virá a recompensa. "Então não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos." Voltamos a dizer que o Livro de Provérbios é um Novo Testamento antecipado, e isto porque o autor do Novo Testamento é o mesmo dos Provérbios - Cristo Jesus, o Senhor.


4.8. BONS E MAUS CONVIVEM NESTE MUNDO (17:1-28)

Não é novidade o título desta seção. Representa apenas o mundo onde vivemos. Ao nosso lado há pessoas boas e também pessoas más. Como pode ser isso? Ora, não podemos nem sabemos distinguir os homens uns dos outros, e, se soubéssemos, não poderíamos separar os bons para um lado, e os maus para outro. Se isso fosse possível, então o mundo estaria ainda pior, pois os bons deixariam de exercer influência sobre os maus e estes ficariam cada vez piores. Assim a mistura é proveitosa e necessária. Isso nos obriga a exercer mais atividade para mantermos o nosso caráter e não sermos vencidos pelos outros.

Parece ser essa a filosofia do capítulo 17: bons e maus, néscios e tolos, honestos e perversos. Não é fácil catalogarmos os versos que caberiam a cada uma dessas classes, nem isso se nos apresenta muito urgente. O que vale é reconhecermos que estamos num mundo mau, onde o mal domina, se não predomina, e onde o bem também existe, mesmo que não seja tão vistoso quanto o mal. O Bem é modesto, simples e caridoso. Não maltrata os outros. Que tremenda diferença!

4.8. BONS E MAUS CONVIVEM NESTE MUNDO (17:1-28) 4.8.1 A sabedoria da vida vale mais do que o ouro (vv. 1-5)

A uma casa cheia de contendas, um pedaço de pão seco é mais agradável. Essa filosofia é de muito saber. O que mais carecemos é de paz, e não de estômagos cheios, que dão até pesadelos. A família hebraica, movida pela lei, era uma família de ordem e harmonia; e o contrário disso é o que o primeiro verso condena. É possível que Salomão sentisse esta verdade no fim da sua vida, com a casa cheia de mulheres estranhas até umas às outras, com filhos de uma e de outra, disputando a herança a ser deixada pelo velho pai. Isso aconteceu na casa de Davi, em que um filho queria herdar o reino sem consentimento do pai e os seus amigos o adulavam para que metesse os pés pelas mãos e ganhasse o reino (I Reis 1:5-10). O


grande mal dos haréns, entre outros, era este. Não podia haver harmonia, pois muitos eram os interesses e choques, cada mãe defendendo o seu filho, quando um só pai tinha de valer pelos interesses de tantos. Quando Deus ordenou o matrimônio monogâmico, sabia dos males da poligamia. Melhor mesmo é o divórcio, ainda que não seja remédio para todos os males. Talvez dessas situações tenha nascido o verso 2: O escravo prudente dominará sobra o filho que causa vergonha,. Isso aconteceu logo depois da morte de Salomão, quando um serventuário, por nome de Jeroboão, dominou e roubou a herança do filho louco Roboão. Este é um dos casos mais tristes da história hebraica, de que resultaram tantos malefícios (veja I Reis 12:1-15). Jeroboão era sagaz, enquanto Roboão era insensato. Aquele ficou com a parte do leão, dominando sobre 10 tribos, enquanto o herdeiro ficou com apenas duas. Como o crisol prova o ouro, assim as oportunidades provam o caráter ou, como diz o texto: mas os corações, prova-os o Senhor (v. 3). A bem da verdade teológica, devemos dizer que Deus não prova os corações, pois ele os conhece de antemão. A prova é para nosso governo, e não para Deus. A seguir vem outro verso insistente: O malfazejo atenta para o lábio iníquo; o mentiroso inclina os ouvidos para a língua maligna (v. 4). Dois tipos repugnantes da sociedade: o malfazejo e o mentiroso, caracteres clássicos da desventura social. O malfazejo, tão repetidas vezes mencionado, é o tipo pervertido, desalmado, capaz de tudo; o mentiroso, uma praga que converte a verdade em erro, o direito em torto. São dois tipos originados e criados pelo Diabo nas sociedades humanas.

Uma nota suave e agradável vem no verso 5, na defesa do pobre, que é objeto de cuidados por parte de Deus, pois quem o escarnece insulta quem o criou; o que se alegra da calamidade não ficará impune (v. 5). Deus não é responsável pela pobreza. Ela resulta das injustiças sociais, dos distúrbios na distribuição da coisa pública, pois até o preguiçoso é um subproduto social. Todavia, Deus tem para com os pobres e as viúvas um tratamento especial, porque é contra toda sorte de injustiças. A religião cristã tem muitos preceitos reguladores desta situação, especialmente Tiago 2:1-13.


4.8.2 Preceitos úteis no vida prática (vv. 6-12)

Um princípio muito descurado, em todas as sociedades, inclusive a judaica, é a relação dos pais para com os filhos, e destes para com aqueles. O Novo Testamento contém muitos preceitos admiráveis sobre essas relações, mormente Ef. 6:1-3. O mandamento que pede que os filhos honrem os seus pais, com a promessa de longa vida, está enquadrado neste provérbio. Os filhos são a coroa dos velhos (pais), como os pais são a glória dos filhos. Se a sociedade pudesse dar uma outra coordenada social às relações familiares, teríamos outra sociedade; mas quem pode determinar isso? As influências da rua e da escola são mais poderosas que a doméstica, mesmo que esta seja pautada rigorosamente pela Bíblia.

Como a contrariar esta admirável doutrina das relações familiares, se apresentam de novo dois tipos de marginais na sociedade: o insensato e o mentiroso. Que relação terão com o verso precedente, não é fácil dizer. Não obstante, um filho bem pode ser insensato, dando ouvidos a conversas da rua e desprezando as de seus pais. Isso leva o moço a tornar-se mentiroso, porque aprende fora de casa o que poderia receber no sentido do bem em casa, pela instrução paterna. A mentira é a contrafação da verdade, e dizem os filósofos que o mentiroso é uma figura distorcida, pois tal pessoa nem existe, e, sim, o que torce a verdade. Pela mesma ordem de coisas, não há mentira; há falta de verdade, pois só esta é positiva, enquanto aquela é negativa. Todavia, se a mentira se encontra nos lábios do príncipe, então as coisas ainda ficam piores, porquanto o príncipe é filho do rei, e a este cabe orientar o povo nos caminhos certos e verdadeiros. Pedra mágica é o suborno aos olhos de quem o dá. O suborno é uma tentação que dá para tapar os olhos, quase o mesmo que a pedra mágica dos antigos ou a Pedra filosofar, que mudava a natureza das coisas. O suborno muda a natureza do dever. Os encarregados do fisco deixam-se subornar, recebendo propinas para não autuarem os comerciantes faltosos. Há uma indústria rendosa no mundo dos subornos, e poucos escapam a esta sedução. O dinheiro facilmente ganho é uma tentação. Só um caráter cristão fiel poderá resistir a isso. Os clássicos presentes a pessoas que mandam são uma espécie de suborno, pois abrandam os rigores da lei fria. Talvez por isso o verso 9 constitui-se de difícil interpretação, quando diz: O que encobre a transgressão adquire amor, (faz amigos), mas o que traz o assunto à baila separa os maiores amigos. Que significa isso? Se você encobre uma transgressão, o transgressor fica seu amigo; mas se você a declara, separa os dois. Será isso? Parece que sim. Um fiscal zeloso separa amigos, mas um que se deixa subornar faz amigos. E depois? O verso seguinte traz à mente um fato psicológico interessante: Mais fundo entra a repreensão no prudente, do que com cem açoites no Insensato (v. 10). O caráter verdadeiro sofre muito uma afronta, mas o que está pervertido não sente mais, está Insensível. Esta verdade é facilmente verificável até nas igrejas, em que um crente relapso não se deixa admoestar, enquanto um fiei se modifica com a primeira advertência. Disso nasce a rebeldia, que só busca o mal (v. 1 1). O rebelde, o que se nega a receber a instrução, só deseja o que não presta; o contrário é também verdadeiro. Para o insensato não há jeito. É melhor encontrar uma ursa roubada dos seus filhotes do que um insensato na sua estultícia. Imaginese uma ursa roubada dos filhos, como ficará furiosa! O insensato admoestado será pior que a


ursa. A comparação é sarcástica e ferina. Para o insensato, vara, diz outro provérbio (10:13 e 26:3).

Há ainda um ensino interessante no verso 9: O que encobre a transgressão adquiro muito amor, isto é, faz amigos; mas o que traz o assunto à baila, separa os maiores antigos. O 'que compartilha com as indignidades é amado, porém o que se vira contra elas é odiado. Isto é muito comum em nossa sociedade, onde muitos se envolvem em negociatas e subornos, e os que concordam com esses tais têm muitos que os apreciam. Isso, entretanto, é contra a moral, que manda não sermos participantes do mal. Com esta doutrina está a outra, em que o prudente recebe a repreensão, enquanto o estulto nem com cem açoites se corrige. Há um espírito de rebeldia no homem, a separá-lo das coisas justas e boas; e tal gente é pior do que encontrar uma ursa da qual foram roubados os filhotes (v. 12). A doutrina é que um insensato e mau não quer corrigir-se, e qualquer correção o desespera e o faz rugir. Os estragos do pecado na consciência humana são tremendos e nem o poder e as belezas do evangelho comovem tais pessoas.

4.8.3 O conflito com os perversos (vv. 13-16)

Há uma luta surda entre o bem e o mal, batalha que algumas vezes assume características perigosas. O Diabo e seus comparsas não descansam em criar situações perigosas para os homens entre si, e muitas vezes as coisas são como uma represa que foi arrombada e tudo inunda e envolve; e, quando tal fato acontece, é difícil a correção. Isto é ainda como o que justifica o ímpio e condena o inocente, e tanto uns como outros são abomináveis ao Senhor (v. 15). Parece que o fator dinheiro entra nesta contextura quando o texto afirma: De que serviria o dinheiro na mão do Insensato para comprar a sabedoria? (v. 16). O insensato é estúpido e insensível; não se comove nem com a força do bem nem com o mal; a tudo ele assiste Indiferente. Portanto, para que dinheiro a fim de comprar sabedoria, se não discerne o valor que ela tem? O Livro de Provérbios é o Livro da Sabedoria, afirmamos outra vez, e todos os conceitos nele giram ao redor da conduta.. que é sempre uma conseqüência do saber, seja no viver, seja no agir.


4.8.4 O valor de uma conduta sadia (vv. 17-20)

Este grupo de provérbios analisa as diversas facetas da vida, realçando as suas boas qualidades. Nada há igual a um amigo, que o é em todo tempo e na angústia se faz como irmão (v. 17). A verdadeira amizade é como a nata do leite, sem a qual ele se torna pobre. O convívio dos homens sem esta qualidade é uma conduta fraca e sem calor humano, que não se compadece dos necessitados. Uma das alegações de Jesus, a mandar para a perdição os maus, é de que não se compadeceram dos que tinham fome, frio e falta de pão (Mat. 25:40-45). A negativa da humanidade propriamente não é que determina a condenação, e, sim, a incredulidade do coração, que produz esta falta. Uma é resultante da outra, e o pecador é condenado pela sua conduta total. Quando pensamos nos milhões que se esbanjam inutilmente em "comes e bebes", quando há milhares de milhares que não tem um pedaço de pão, temos presente o quadro que se desenha no mundo inteiro, não por falta de pão, mas por falta de amor humano. Isso descreve a natureza do homem sem Deus. Parece que a loucura tomou conta do mundo, e parte dela está em que um fica por fiador do outro, levando sobre si as conseqüências dessa loucura (veja Jó 16:19; Prov. 6:1; Is. 38:14). Mesmo que pareça ser este provérbio um tanto deslocado, ele se encaixa no contexto geral. Os diversos ensinos desta seção se entrelaçam e conferem um sentido de unidade ao todo. O perverso de coração jamais achará o bem, e o que tem a língua dobro vem a cair no mal (v. 20). A língua, de que estes provérbios se ocupam e de que Tiago nos deu um alentado capítulo, é uma constante nos provérbios. É com a língua que louvamos a Deus e é com ela que o amaldiçoamos. Cuidado, pois, com a língua, porque é um pequeno órgão que se gaba de muitas coisas (Tiago 3:5) e é capaz de incendiar um grande bosque.

4.8.5 Há fatos que alegram (vv. 21-28)

"O filho bom é alegria do seu pai, mas o filho insensato é tristeza para sua mãe." Muitos dos provérbios giram justamente ao redor das relações filiais como se as tais fossem o pivô da vida humana, como de fato o são, pois os pais estão em lugar de Deus para a perpetuação da espécie. O mandamento que manda respeitar os pais não é inútil; é mandamento divino e que deve valer para todos os tempos e todos os povos. Talvez não se descubra situação mais vantajosa para o convívio humano do que as boas relações entre filhos e pais, pois isso é o cerne da vida humana. Quem sabe daí nasceu o verso 22: O coração alegre é bom remédio, mas o espírito abatido faz secar os ossos." A medicina tem alguma coisa a ensinar segundo este verso, pois que a tristeza, a hipocondria em si mesma já é uma doença. Os psicólogos mandam que a gente ria pelo menos uma vez por dia; mas rir como, se não tivermos motivos


profundos para rir? Depois vem a doutrina do suborno secreto para perverter as veredas da justiça. Já no verso 8, o sábio tratou deste problema, e agora volta a ele outra vez, como se fosse uma doença endêmica em Israel, quando os juizes seriam subornados, pervertendo a justiça. Esta naqueles dias era administrada na porta das cidades, e ali se decidiam os destinos da família hebraica. Como seria possível o suborno ali, não sabemos, mas o certo é que havia, e dele fala o sábio constantemente. Suborno, insensatez, estultícia e tantas outras más qualidades do homem sem Deus eram uma chaga na sociedade hebraica e em nossa também.

Isso tudo parece resultar da falta de respeito familiar, pois o verso 25, respondendo a uma interrogação do 24, diz: A sabedoria é o alvo do inteligente, mas os olhos do insensato vagam pelas extremidades da terra. Sem inteligência não há segurança para a vida doméstica ou social. Tudo se torna vago e vazio. Portanto, até o estulto, quando se cala, é tido por sábio, pois não mostra a sua estultícia (v. 28). Esta série de ensinos práticos ao redor da sabedoria e do bom siso, quer nas relações domésticas, quer nas sociais, é a base da saúde da nação. Quantos males nos afligem hoje por causa da falta de sabedoria no convívio, em que homens dessavisados se entregam a revoltas contra a ordem estabelecida, como se as coisas pudessem melhorar por meio de violências. Fica aqui a grande lição deste capítulo, quando muitos dos ensinos são repetidos como norma boa para fixar doutrinas e ensinos.


4.9. HÁ PERIGOS E BÊNÇÃOS NO VIVER (18:1-24) 4.9.1 Uma série de normas para a conduta dos indivíduos e povos (vv. 1-8)

Quem disse que não há perigos? E são tantos os que nos rodeiam, que só mesmo a Palavra inspirada pode ajudar-nos na luta contra eles. Entre outros, há o separatismo, o isolacionismo, o de só se pensar em si, pouco se interessando no que se passa com os outros. Este é o pensamento de um grande comentador, e é, outrossim, a nossa experiência no decurso dos anos. Atualmente luta-se para que os povos ricos pensem nos pobres e distribuam com eles parte das suas riquezas, ganhas justamente à custa de tais povos. O Brasil era, em tempos recentes, um exportador de matérias-primas, que vendia a troco de quase nada, para depois comprar os produtos industrializados a peso de ouro. O lucro ia para os industriais, enquanto ficávamos cada vez mais pobres. Felizmente as coisas mudaram um pouco para

nós, embora o problema continue a existir para muitos. Os ricos não pensam nos pobres e nem se recordam que as suas riquezas foram conseguidas, em boa parte, à custa deles. Esta é a grande lição da história dos povos pobres. Se ela valesse. .. Não é só o solitário (v. 1) que busca o seu próprio interesse; também o tolo exibicionista, o que não tem prazer senão em externar a sua tolice e que não está preparado para o dia da perversidade, quando com vergonha a sua desgraça o buscará (v. 3). Todavia, Águas profundas são as palavras da boca do homem, são como fontes de sabedoria e ribeiros transbordantes (v. 4). Nada como a palavra boa dita a seu tempo, o bom conselho, a boa influência. Esta é a grande norma da vida produtiva e útil. Não é assim o parcial, o que perverte a justiça contra o justo (v. 5), talvez para fazer prevalecer o seu interesse ou o seu ponto de vista. Trata-se aqui de causas em juízo, na porta da cidade, onde eram julgados os problemas do povo e em que, uns por interesse próprio e outros por maldade, torciam o direito. Não há nada mais asqueroso na sociedade humana do que a perversão da justiça, fazendo do torto direito e do direito torto Quando uma situação destas se encastela numa sociedade, nada mais há a esperar dela. Talvez seja por isso que cm lábios do insensato entram na contenda o por açoites brada a sua boca (v. 6). Pois a boca do insensato é sua própria destruição (v. 7), e a sua alma perece por seus próprios lábios. A boca, sempre a boca, que fala o que não convém e fora do tempo adequado. O pior é que as palavras do mal, do maledicente, são doces bocados que descem para o mais interior do ventre, para depois, como excremento, serem lançadas no estrume (v. 8). Os provérbios são causticantes no terreno da língua e dos males que ela pode causar; mas também são um elogio pelos bens que determina.


4.9.2 Desta série de conceitos, passa o texto ao trato dos justos (vv. 9-1 2)

Depois de causticar o preguiçoso e negligente, irmão do desperdiçador (v. 9), passa a analisar aquele que confia no Senhor, que é como uma torre forte, em que se acolhe no dia mau. Ali está seguro e firme (v. 10). Nada como uma torre, que não seja de marfim, onde, na hora da angústia, um pobre sofredor se acastela e encontra refúgio. O rico confia nas suas riquezas, pois são a sua cidade forte (v. 10) e, segundo imagina, uma alta muralha, todavia, segurança mesmo e cidade forte, só Deus realiza esta verdade. O tal homem se gaba de sua opulência, mas depois da ruína torna-se humilde (v. 12). Que bom é que a humildade acompanhe o homem, quer o rico, quer o pobre, pois não há lugar para arrogância nesta vida, reconhecido o fato de nossa ignorância e pobreza de bens materiais e espírituais.

4.9.3 A resposta na hora corta (vv. 13-16)

Há um outro provérbio, que diz que o que fala depois fala mais alto. Responder antes de ouvir é estultícia e vergonha (v. 13), o mesmo que não saber o que dizer e então soltar termos inconvenientes. Isto também é falta de sabedoria. Se o "calar consente", o falar antes do tempo também é prejudicial. Cada coisa no seu lugar. Talvez esta forma de segurança resulte do fato de que muitos são doentes da vontade e do espírito. A falta de espírito firme até na doença se torna uma calamidade (v. 14), pois muitas enfermidades resultam de fraqueza mental. A medicina moderna trata muitas doenças, por meio da auto-sugestão ou psicopatia. Se o espírito está forte, a medicina tem aplicação, mas se está fraco, que resultará? (v. 14). Talvez esta doutrina se relacione com o coração do entendido, que adquire conhecimento, e com o coração, o ouvido atento para adquirir mais sabedoria (v. 15). Os fortes de espírito são os que têm ouvidos para ouvir e não dar respostas antes do tempo. Só os tagarelas se apressam a dar respostas. Vem a seguir um verso que parece meio deslocado da conceituação dos outros. Trata de dar presentes. O presente que o homem faz alarga-lhe o caminho e levao perante os grandes (v. 16). Deve-se entender o presente dado sem segundas intenções, porque, do contrário, já tem o sabor do suborno. Conhecemos um caso de certa pessoa que, depois de ser atendida no que desejava, ofereceu um presente à quem a ajudou, que rejeitou o presente com certo amargor, como quem queria dizer: "Pensa que lhe atendi na esperança de presentes?" A ofertante ficou meio desconcertada, desculpou-se, e tudo acabou bem. Um presente sem ter em vista uma recompensa alarga o caminho, pois a pessoa presenteada sente-se bem em receber, e fica cativa do ofertante. Presentes de aniversário são sempre mostras de boa camaradagem.


4.9.4 Diversas manifestações de sabedoria (vv. 17-24)

O que começa o pleito parece justo, até que vem o outro o o examina (v. 17). Quase sempre o que começa uma questão em juízo parece estar certo da sua causa. No entanto, depois que o juiz examina o caso, muitas vezes se torna o contrário. A lição é que evitemos ir a juízo. Jesus mesmo aconselhou o entendimento antes de recorrer à justiça (Mat. 5:25, 26). Todavia, nem sempre isso é possível, pela incapacidade da outra parte em querer o entendimento. Muitas questões poderiam ser tratadas entre as partes antes de ir ao tribunal. Vale, todavia, a doutrina. Há espíritos irreconciliáveis, e para os tais não há acordos. O verso seguinte tem um ensino desconhecido entre nós, o de lançar a sorte antes do pleito. Há o costume bem difundido do sacara ou coroa", para decidir muitos assuntos; mas para tirar as dúvidas sobre qualquer outro assunto parece que não há. Quando duas partes desejam entregar à "sorte" uma determinada decisão, o "cara ou coroa" vale, pois não há idéia de jogo. Haveria tal costume em Israel? Não sabemos. Certa vez foi comprada uma fazenda em parceria. Depois foi retalhada em lotes. Feita uma suposta divisão em duas partes, foi acolhida a idéia de "cara ou coroa", sendo assim decidido pacífica e inteligentemente a partilha.

Apresenta-se agora outra doutrina: a do irmão ofendido que resiste mais que uma fortaleza e suas contendas são ferrolhos dum castelo (v. 19). Esta doutrina é difícil. Quererá o sábio dizer que o irmão ofendido espera justiça e não cede? Ou que se torna rancoroso até que se modifiquem as situações? Não sabemos entender este verso. No hebraico também não é muito claro. A Septuaginta traz uma leitura divergente e que também não ajuda muito, quando diz: "Um irmão ajudado por um irmão é como uma forte cidade." Para contrabalançar a dificuldade do verso 19, temos o 20.0, trazendo uma leitura muito diferente da comum encontrada em Provérbios. Do fruto da boca o coração se fada o do que produzem os lábios se satisfaz (v. 20). Refere-se à palavra boa, dita a seu tempo, do conselho sábio oferecido ao amigo. É certo que tanto Provérbios como Tiago apresentam palavras causticantes para os lábios e para a língua; este verso, porém, é um bálsamo na aridez da maledicência e ignomínia. Quanta coisa boa manipulam os lábios sadios! Quantos louvores, uma língua santificada! Graças a Deus que nem tudo é derrota de língua e de lábios. Bem diz o verso 21: A morte o a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come do seu fruto. Quantas almas abatidas são levantadas pela língua, e quantas são afundadas no lodo da maledicência! A língua é o instrumento que Deus colocou no corpo humano para o louvor e bendizer. Quando desviada de sua função, é praga, uma calamidade. Com isto vem o outro ensino muito nosso conhecido: O que acha uma esposa, acha o bem o alcançou benevolência do Senhor (v. 22). Não apenas uma mulher, mas uma esposa boa e verdadeira. Isso é realmente uma benevolência do Senhor, pois uma esposa rabugenta, queixosa, é uma goteira no quarto de dormir. A mulher foi dada ao homem para ajudá-lo; mas quantas se apercebem dessa função? Nem sempre a mulher é culpada, digamos, porque o homem deve levar a sua parte da culpa por ter uma esposa má. São fenômenos da vida conjugal, difíceis de ajuizar.


O pobre fala com súplicas, mas o rico respondo com dureza (v. 23). O pobre é sinônimo de humildade, mas nem sempre, pois há pobres arrogantes e malcriados. O que se ensina é que o pobre, por sua condição, é pessoa humilde, enquanto o rico se supõe senhor de tudo e é arrogante. Nem um nem outro tem de que se valer da sua condição, porque o pobre apenas é um deserdado da sorte; e o que o rico tem não é seu. Então ombreiam-se as condições de ambos. Um que não tem, e outro que tem o que não é seu. Este capítulo termina com o verso de ouro: O homem que tem muitos amigos sal perdendo, PORQUE HÁ AMIGO MAIS CHEGADO DO QUE UM IRMÃO (v. 24). Este Amigo que o autor de Provérbios não conhecia bem, nós o conhecemos, o Amigo que sempre está ao nosso lado, mais íntimo do que o mais íntimo dos irmãos. O Amigo que não muda nunca; e sempre oferece o mesmo rosto. Oh! que glória termos um amigo assim!

4.10. O CARÁTER E A PESSOA (19:1-29)

Caráter, na língua grega, significava um ponteiro de aço, com o qual eram registradas as letras na pedra. Pela fixidez do seu uso em gravar letras, passou a ter o sentido de qualidade da pessoa. A pessoa é o que é o seu caráter. Neste capítulo, entre outros diversos assuntos, o escritor sagrado trata do caráter do crente e suas correlações com os diversos deveres sociais. Nem sempre a relação entre um assunto enunciado e outro é bem correlato, mas isso é natural numa série de doutrinas versando sobre aspectos diversos da personalidade humana.

4.10.1 Diversos assuntos em catálogo - os pobres (19:1-7)

Há um pobre que anda na sua integridade, e um (rico) perverso de lábios e tolo (v. 1). Já se vê que a pobreza, com todo o seu desconforto, não é menosprezada na divina Palavra, antes o é o perverso e tolo. que não olha para os tais. Semelhante desprezo parece e deve ser mesmo uma estultícia, uma loucura, pois o pobre também é criatura de Deus, mesmo que pareça estar desprezado. É certo que as riquezas multiplicam amigos, mas o pobre, o seu próprio amigo o deixa (v. 4). O pobre não oferece atrativos, enquanto os ricos, em seus palácios, com a mesa farta "constituem atrativos para amigos do estômago", deveria dizer o texto. Outra vez seria


oportuno ver o ensino de Tiago 5. Junto a este ensino vem outro, de igual monta, em referência ao convívio humano. A falsa testemunha não fica impune o que profere mentiras não escapa (v. 5). Talvez a tal testemunha tenha ido a juízo contra o pobre, e por gula e interesse mentiu contra ele, para agradar ao rico. Isso é coisa vulgar na sociedade humana. Este ensino está de acordo com o verso 6, que afirma: O generoso, muitos o adulam e todos são amigos do que dá presentes. O contraste está em ser rico e ser pobre porque presentes só o rico pode dar e por isso todos o cortejam. Pelo menos, é isso o que insinua o texto, pois multa vez o pobre também oferece presentes, mas isso é outro ensino. Ainda outro contraste: Se os Irmãos do pobre o aborrecem, quanto mais se afastarão ciclo os amigos (v. 7). A pobreza não é falta, mas é contrária ao conforto, pois até os irmãos e amigos correm do pobre. Mesmo que corra após eles, com súplicas, não os alcança. É o isolamento do pobre, enquanto o rico é cortejado e adulado, seja por motivos políticos ou não, como pensam alguns comentadores. O verso 7 é o único com três linhas. Talvez para reforçar o ensino da situação do pobre que corre atrás do rico e não o alcança. Os grandes contrastes, tanto em Provérbios como em quase toda a Bíblia, consistem das diferenças do rico e do pobre, do justo e do injusto. Muito ensino rodela este duplo conceito.

4.10.2 O entendimento na vida é a coisa mais suave possível (vv. 8-1 0)

O que adquiro sabedoria (entendimento) ama a sua alma (v. 8). Sabedoria ou discernimento para entender os problemas da vida em suas relações sociais e conservar esta mesma vida, é o que acha o bem. Há certa insistência em Provérbios a respeito da sabedoria e seus efeitos como o sumo da sociedade salomônica, onde o saber ocuparia alta posição. As relações entre indivíduos na sociedade humana requerem discernimento, pois são muito variados os interesses em choque com mentirosos, falsas testemunhas, como nos informa o verso 9, em que a justiça social é prejudicada por estes elementos contrafeitos (ver o v. 5). Junto com o saber e discernimento, aparece o Insensato, a quem, não convém vida regalada, quanto menos no escravo dominar os príncipes (v. 10). Há muitos ensinos, tanto aqui como em Eclesiastes, em que o tolo, o insensato e o escravo não devem ter o domínio da coisa pública. Esta gente não está capacitada para governar o povo, mesmo que nem sempre os príncipes sejam os melhores. Todavia, estão mais preparados para o governo do que aqueles para os quais se pensou em direção. Os príncipes das monarquias são encaminhados logo depois do berço a professores qualificados, tiram todos os cursos universitários, servem em todas as armas do Estado, para depois, quando assumirem o poder, estarem senhores de todos os contornos da vida nacional. Não se pode dar isso com o pobre, o tolo ou insensato. Os príncipes de Gales passam por todos os quadros da vida estudantil como qualquer outro rapaz,


e servem ao exército como qualquer outro inglês. Só assim pode um homem governar uma nação. Nos regimes presidenciais as coisas são diferentes, mas ainda aí se procuram (ordinariamente) os mais qualificados, pois governar é muito difícil. Administrar é uma ciência que pede muito discernimento e inteligência. Nesta contextura chegamos a admitir que os candidatos a pastores deveriam ser submetidos a exames psicotécnicos para descobrirem as qualificações que devem constituir o caráter do candidato. Isto porque administrar na Casa de Deus (I Tim. 3:15) não é fácil, se é que se deseja uma administração qualificada como a que Paulo desejava para Timóteo. Infelizmente, quem não serve para muitas outras funções dá para pastor. Nós estamos acobertados com o fato de que o pastor é um vocacionado; se assim é, deve ser o melhor. Quantas desilusões por esse mundo a fora! (Com as desculpas do autor). A suposta frouxidão do verso 10 poderia ser ' contornada por uma outra tradução, segundo alguns comentadores, assim: "Administração não é própria para um tolo, e muito menos é próprio a um escravo dominar príncipes." Talvez uma outra tradução também não melhore muito o texto. Os ensinos da Palavra são claros, mas nós nem sempre acertamos com o verdadeiro sentido.

4.10.3 Outros assuntos correlatos (vv. 11-14)

Como já fizemos notar, os assuntos não são apresentados numa ordem lógica, e muitas vezes dito assunto se encontra deslocado. Isso, todavia, não nos deve preocupar, pois o que interessa é o ensino em si, e não a lógica da sua apresentação. Uma boa discrição humana é o pressuposto de uma boa vida, e a sua glória é perdoar as Injustiças (v. 11).. Com esta doutrina concorda Mat. 5:38-40. Contra as injustiças se levanta o rei, cuja ira é como o bramir do leão, mas o seu favor é como o orvalho da manhã (v. 12). A candura do governante está aqui bem delineada. Não sabemos se Salomão podia representar esta doutrina tão difícil, de quem governa, que, na maioria dos casos, é dura e implacável. Deve haver alguma referência ao governo de Salomão. A seguir vem um provérbio familiar: O filho insensato é a desgraça do pai, o um gotejar contínuo, as contenções da esposa (v. 13). Basta considerar o que significa um filho rebelde, insensato, na vida de um pai, que deseja fazer dele um bom cidadão. Todavia, as arengas de uma esposa contenciosa são piores que os desvios do filho. Pouco mais se pode adicionar a um quadro como este e de que muito se ocupou o sábio. A união da família é a bênção mais desejável da vida do casal, e quando os filhos se vão para um lado e a esposa para outro, tal homem está mesmo perdido. Não são poucos os casos. Os muitos divórcios e desquites no Brasil resultam desta questiúncula contínua de uma mulher que deveria estar ocupada nos quefazeres domésticos, em lugar de azucrinar a cabeça do esposo, talvez pedindo mais vestidos, mais utensílios domésticos, mais uma coisa e outra, nunca


estando satisfeita. Também há muitas que sempre estão resignadas com a pobreza de seus maridos e cooperam com eles nas durezas da vida. Louvores para estas.

Esta situação é logo contrabalançada pela afirmação de que a riqueza pode vir dos pais, mas do Senhor, a esposa prudente. Vê-se logo que a situação do verso 13 resulta de "esposas que não vêm do Senhor".

4.10.4 Dar aos pobres é emprestar a Deus (vv. 15-18)

Este é o verso-chave desta seção, mas há outras coisas a considerar. A preguiça faz cair em profundo sono, mas o ocioso vem a padecer a necessidade (v. 15). Esta é outra nota constantemente dada. Havia muitos que, em lugar de cultivarem a terra, ficavam pelas tabernas, bebericando e dormindo. Contra os tais os Provérbios se levantam para causticar. Destes há muitos no Brasil também. A preguiça é mais própria de regiões agrícolas que industriais. A concorrência aos empregos força o homem a procurar trabalho e, mesmo que a mendicância seja em muitos lugares um emprego rendoso, é sempre humilhante. O preguiçoso não guarda o mandamento, pois quem o guarda dá saúde à sua alma, o o que despreza os seus caminhos, esse morre (v. 16). O mandamento do Senhor é vida, e infelizes são os que não o guardam. Deve haver muita relação entre o trabalho e a guarda do mandamento. Os sinceramente religiosos são ativos e operosos, enquanto os relaxados na religião também o são em muitas outras coisas. O religioso se compadece do pobre o empresta a Deus, o este lhe paga o seu beneficio (v. 17). Há muito a dizer quanto a dar esmolas numa cidade grande, onde a mendicância é uma indústria explorada por muitos. Pessoas há que tomam emprestada uma criancinha e se assentam na soleira de um porta a pedir esmolas, e quem olha um inocente logo se sente comovido, porque deve estar com fome. No Rio de Janeiro têm sido presas mulheres fortes nessas condições. Já se vê então que dar esmolas constitui uma forma de aumentar a exploração. Isso, entretanto, não está contra o favorecer o pobre, porquanto deve-se naturalmente saber a quem e por que se dá ajuda. Em nossas igrejas há muitos que não pedem esmolas, mas carecem de auxílio. Dar a estes é emprestar a Deus. Com isso concorda Mat. 25:34, em que o Grande Juiz pede contas aos que podiam emprestar (dar), e não o fizeram. Depois dessa boa norma quanto ao pobre, vem outra doutrina, muito difícil na prática, visto se referir à disciplina que os pais devem aos filhos. Castiga o teu filho enquanto há esperança (v. 18); isso porque, depois de perdido ou desviado, a punição é mais difícil. A ciência da criação de filhos é coisa muito séria. Se castigar ou disciplinar parece ser desumano, não fazê-lo, pode perder o filho. Bem poucos pais são capazes de regular esse dever. Há alguns que se desmandam e castigam demais. Isso irrita e destrói o respeito paterno. O castigo, ou a disciplina, deve ser dado com amor, com o mesmo amor com que se chama o médico para tratar o filho; e o menino deve saber que está sendo


cuidado pelo pai com o mesmo carinho com que lhe dá o alimento. Algumas vezes convém, depois do castigo, chamar o filho e dizer-lhe: "Sabe por que apanhou? É para você não fazer mais aquilo que fez", etc. O texto manda que o castigador não chegue a matar o filho (v. 18). Não conhecemos casos tais. Só fatos fora do normal podem responder a esta observação. De qualquer sorte, o texto manda castigar, mas com medida.

4.10.5 Fazer tudo com cuidado (vv. 19-22)

Há muitos modos de o homem comum se desviar. Um deles é o excesso de ira; o iracundo é sempre um elemento intratável. O verso 19 é difícil de entender. O homem de grande ira tem de sofrer o dano; porque, se tu o livrares, virás ainda a fazê-lo de novo (v. 19). A sua interpretação acha-se nos versos 21 e 22. O homem que recebe conselho é sábio nos dias do porvir. Muitos propósitos há no coração do homem, mas o desígnio do Senhor permanece (vv. 21 e 22). A isto se poderia chamar fazer um homem de novo (v. 19). Receber conselho e reconhecer os planos ou propósitos de Deus na vida humana é o mesmo que fazer uma pessoa de novo, e de tal modo que não será o iracundo, o violento (v. 19). A medida da bondade de um homem também se vê por aquilo que deseja realizar, mesmo que não possa. As intenções aqui valem, e nós também somos responsáveis pelas mesmas, isto é, pelo que desejamos fazer, e não fazemos. O que se ensina é a misericórdia para com o necessitado, embora haja muitos casos que não podemos resolver. Se temos, porém, o desejo de o fazer, aí já realizamos o dever. Quantas vezes certas situações nos cortam o coração, e nada nos é dado fazer. Então a nossa compaixão vale.

4.10.6 Temamos ao Senhor (vv. 23-27)

O princípio da sabedoria é temer a Deus e honrá-lo. Daqui parte o destino da vida, pois que sem temor de Deus não há sabedoria alguma. Ninguém pode ser bom, caritativo, humano, se


não teme a Deus. Por isso o texto diz: O temor do Senhor conduz à vida; aquele que o tem ficará satisfeito e mal nenhum o visitará (v. 23). É um seguro de vida que custa pouco. Por certo quem teme ao Senhor e é guiado por ele irá a bom termo. Quantas Escrituras no Velho Testamento afirmam que o Senhor guarda os seus? Muitas. O judeu sabia que tinha o anjo do Senhor para protegê-lo e livrá-lo do mal; e deve ser a esta crença que se refere o texto: "O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra" (Sal. 34:7).

O verso 24 dá-nos um retrato do homem preguiçoso que, depois de meter a mão no prato, não tem ânimo de a levar à boca. É uma ironia, uma hipérbole, talvez para causticar os que só querem comer e não querem produzir. Noutros lugares já mostramos o que significa um homem que gasta e não produz, tornando-se um peso para os que produzem. Duas qualidades de elementos sociais que oneram a sociedade humana: os preguiçosos e os mendigos, muitas vezes elementos comparsas, pois há mendigos que podem trabalhar, mas acostumaram-se a viver da caridade e não querem outra vida. Deste texto, passa o autor inspirado a outro, não menos expressivo, do filho que maltrata a seu pai ou manda embora a sua mãe; é um filho que desonra a sociedade. Haverá filhos que procedem dessa forma? Talvez se trate de uma parábola. Recordamos uma anedota de um francês que construiu um barraco nos fundos do quintal para colocar lá o pai velhinho, dando-lhe uma escudela como prato. O filho do dito homem virou-se para ele e disse simplesmente: "Papai, quando o senhor ficar velhinho, vou construir um barraco para o senhor morar, a fim de o senhor não sujar as toalhas da mesa, como faz vovô." Boa lição. Depois do ensino de quem maltrata pai ou mãe, vem outro: Filho meu, se deixas de ouvir a instrução, desviar-te-ás das palavras do conhecimento (v. 27). A instrução paterna não é substituída pela do professor; nada substitui os conselhos e informações que o menino ou a menina recebem em casa. As influências dos pais levam consigo o calor paterno, o que não acontece com a instrução escolar. Nada substitui pai e mãe na formação do caráter dos filhos.

4.10.7 Os testemunhos falsos (vv. 28 e 29)

Mais uma vez volta o escritor sagrado a mencionar a falsa testemunha. Parece-nos, havia essa praga na sociedade hebraica com esta casta de gente, ou então é uma como que profecia da sociedade moderna, onde avultam esses elementos. A testemunha de Belial escarnece da Justiça... (v. 28). "Belial" é um sujeito desprezível, indigno, uma pústula social. Tal pessoa não tem respeito por qualquer coisa que eleve e enobreça a vida humana; é um perverso que devora a iniqüidade (v. 29). Por isso estão preparados os tribunais o os açoites para as costas dos insensatos. Provérbios contém multas reprimendas com elementos espúrios, mas também não os poupa nas suas invectivas. As sociedades sofrem mais com estes elementos do que mesmo com situações normais, onde problemas sociais agravam o convívio humano.


4.11. PRECEITOS E ADMOESTAÇÕES (20:1-30)

O vinho em Israel era produzido na casa do viticultor, como em muitos lugares da Europa. Tomado com moderação é um bom alimento, pois a dose de álcool é pequena, não chegando a 6%. Todavia, o excesso faz mal. Um homem seria capaz de beber dois ou três litros de vinho, a espaços, sem perigo.; todavia, bebendo desregradamente, cai na bebedeira. É Isso que o verso primeiro reconhece, dizendo: O vinho é escarnecedor, o a bebida forte, alvoroçadora (v. 1). O homem que se deixa vencer pelos excessos não é sábio. Uma parte talvez mais perigosa da bebida é o que se chama "bagaceira", uma aguardente destilada do bagaço da uva. Tomada com moderação, estimula os centros nervosos, mas o excesso é como a "cachaça" brasileira, uma praga tremenda no interior do Brasil. Toda forma de álcool é perigosa e fazem bem os evangélicos em se absterem de participar dessas bebidas. Pelo menos, de modo geral, os batistas são totalmente abstinentes. Nos países produtores de vinho já não se diria isso, como em Portugal, onde o vinho faz parte da mesa, sendo tomado com moderação.

4.11.1 Cumpro o teu dever (vv. 1-5)

Depois da recomendação de que o vinho é escarnecedor, isto é, leva o bebedor a zombar de si mesmo, vem o preceito de não irar o rei, não se levantar contra a autoridade. Há muitos provérbios recomendando moderação nas críticas ao rei, e aqui se diz que o terror do rei é como o bramido do leão (v. 2). Podemos imaginar o que seriam as Iras de um rei absoluto, tendo a seu dispor soldados para meterem o delinqüente na enxovia? Quando visitamos o palácio dos "Doges", em Veneza, e vimos as grades das enxovias, e nos mostraram a "Ponte dos Suspiros", tivemos um quadro ao vivo do que seria a onipotência dos donos de Veneza. Longe como estávamos daqueles dias sombrios, tivemos a sensação de calafrios. Quantos milhares de milhares sofreram as iras dos déspotas antigos? A lista é ignorada aqui, mas está bem certa lá em cima, onde esses verdugos prestarão as suas contas um dia. Quem provoca a ira do rei, peca contra a sua própria vida, Isto é, vai morrer. O Novo Testamento é muito claro quanto ao dever de respeito que se deve aos reis, especialmente em Rom. 13:1-7. Note-se que o rei do tempo de Paulo era o que se podia dizer de pior; todavia, era o rei. Apresenta este mesmo ponto de vista o conselho de que é honroso para o homem a desviar-se de contendas, mas todo insensato se mete em rixas (v. 3). Há tipos rixentos e contenciosos, sempre dispostos a provocar a paciência dos outros: são os Insensatos, os filhos do mau senso.


Com esta advertência vem uma nota muito comum em Provérbios, a respeito do preguiçoso, de que já nos ocupamos diversas vezes: o homem que não lavra durante o inverno (por causa do frio) no verão não tem o que colher. O trabalho no inverno é penoso, em lugares frios, porém é quando tem lugar a sementeira de certas espécies que dão fruto no verão. Agora, sim, vem uma nota altissonante: Como águas profundas são os propósitos do coração do homem (v. 5). Quem pode sondar o coração humano? É como um profundo oceano, indevassável ao estranho. Todavia, há homens de Inteligência a que sabem descobri-lo, isto é, que controlam tais propósitos. Diz-se que o coração humano "é terreno onde ninguém pisa", e é certo. Quando o adágio afirma que "o coração tem razões que a inteligência não entendo", diz muito bem, pois até a inteligência, ou a razão, é incapaz de sondar o coração do homem. É de lá, dessas profundidades, que vêm os maus pensamentos, as piores decisões, no dizer de Jesus.

4.11.2 Há muitos propósitos bons (vv. 6-10)

Há gente que se jata da sua bondade, mas o homem fidedigno, quem o achará? (v. 6). Há, felizmente, pessoas boas no mundo e cremos que a maioria assim é; fidelidade, porém, é coisa diferente de bondade. Muitos maridos bons enganam suas esposas, e muitos empregados bons ludibriam seus patrões. Estes não são fidedignos, embora bons, no sentido vulgar. Bondade e fidelidade não são sinônimas; podem andar juntas, mas não são iguais. É o caso do justo: este anda na sua integridade e por isso felizes lho são os filhos depois dele. Temos, então, aqui três termos muito interessantes: benignidade, fidelidade e integridade. Todos três são bons vocábulos, que nem sempre andam juntos. Quando o rei se assenta no trono do juízo... quem pode dizer: purifiquei o meu coração, limpo estou do meu pecado? (v. 9). O rei aqui deve ser um símbolo do grande Rei, o rei Ideal, ao assentar-se no seu trono para julgar vivos e mortos. Quem dirá: Purifiquei o meu coração, estou limpo do meu pecado? Há em o Novo Testamento três tronos: O do Juízo em Mat 25:31-46; Apoc. 4:2; 20:11-15, e o do cap. 5:10 de 11 Coríntios. Todos se referem a um mesmo fim, bem diferente do mencionado aqui. Entre os muitos pecados do gênero humano está o de roubar o próximo por meio de balanças e pesos falsos, coisa abominável ao Senhor, porque é uma forma muito sutil de fazer o mal. Com a medida a que faltam algumas gramas, no fim do dia se terá roubado meia dúzia de quilos de muitos. O pecado é tão sutil e matreiro que Até a criança se dá a conhecer pelas suas ações, se o que faz é puro e reto (v. 11). Desde bem cedo na vida o menino ou a menina


revelam o veneno que trazem na sua natureza. Pode ser inconsciente, mas revela o que não entendem. Isso nos leva a ver que há um mal em a natureza humana que só um remédio específico pode curar: o sangue de Jesus. Nós somos muito indulgentes com as nossas faltas, quando deveríamos ser rigorosos e fazer força para mudar. Quem, porém, deseja julgar-se mau?

4.11.3 Diversos preceitos (vv. 12-17)

Os nossos órgãos, Deus os fez, tanto o ouvido como o olho, e são a nossa maior riqueza na vida, pois quando falham os olhos ou os ouvidos, estamos aniquilados para multa atividade. Como deve ser grato a Deus aquele que ouve e enxerga bem! Só depois de perdermos estas jóias é que tomamos conhecimento do seu valor. óculos e aparelhos auditivos ajudam, mas não resolvem. Deus fez tudo muito bem feito. Não ames o sono (v. 13) é o mesmo que dizer: não sejas preguiçoso, não empobreças; abro bem os olhos, e terás fartura. Olhos abertos são sinal de atividade, olhos fechados, de parada na vida. Parece esta ser a filosofia do abrir e fechar dos olhos. No fundo da maioria dos provérbios há um sentido filosófico, nem sempre claro, e nós temos de procurar descobri-lo. É assim com o verso 14, quando um negociante oferece o seu artigo e o comprador diz: não vaio nada; isso para comprar barato, e depois se gabar da boa barganha que fez. Chama-se a isso regatear. Quantas vezes um comerciante não sabe o que está vendendo! Quanto a falar bem, é bom, pois os lábios Instruídos são jóias preciosas (v. 15). Nada há igual à inteligência, que se expressa em lábios puros.

Volta-se ao fiador (veja 6:1 e ss.). Tome-se a roupa, refere-se ao penhor oferecido pela fiança (Êx. 22:26 e ss.). O afiançado dava, por sua vez, uma garantia pela fiança, para salvaguardar o prejuízo porventura causado. Assim, o dano do fiador seria menor. A fiança era comum em Israel, mas sempre vista como perigosa, tanto mais a estrangeiros, que se iam de viagem e não se sabia se voltariam ou não. A fiança é duvidosa. É pior que emprestar dinheiro. Uma outra admoestação é dada no verso 17: Suave é o pão ganho por fraudo, mas depois a boca se enche de pedrinhas de areia. Eis uma outra maneira de roubar, mais sutil e mais perigosa. Sempre houve muitos modos de fraudar os outros, especialmente os governos, que, por sua vez, enchem a boca de areia aos fraudadores. Pague o que deve, seja a quem for, e, se ao governo, muito mais, porque ele cobra enchendo a boca de areia. No Brasil já se vai à cadeia por fraudar o governo nos impostos.


4.11.4 É bom fazer planos (vv. 18-27)

Planejar para ir à guerra. Lucas apresenta uma doutrina a respeito em 14:31. Os conselhos nem sempre dão o resultado desejado, a guerra torna-se perigosa. Vem depois o cuidado com o que muito abre os lábios, o mexeriqueiro, pois logo revela o segredo. O pairador, que de tudo fala e pouco entende de alguma coisa, é tipo perigoso. A maldição ao pai ou à mãe é um pecado terrível, pois (ao tal) se Em amwã a làmpade nas mais densas trovas (v. 20). Só um degenerado pode cometer tal pecado, visto como os pais estão no lugar de Deus, para a procriação. e o encaminhamento da pessoa humana na vida. Tal criatura será desarralgada da terra. É o mandamento com promessa (Êx. 20:12; Ef. 6:2). O castigo é morrer cedo; mas quem tal pecado comete deveria morrer logo. Uma poam antecipada de herança no fim não será abençoada. Certos pais distribuem a fazenda entre os filhos antes de morrer, por medo de brigas. No final, quando chegar o tempo de efetivamente receber a herança, esta já não existe, 'pois foi gasta ou dissipada antes do tempo. O verso seguinte tem uma lição proveitosa: Não digas: vingar-me do mal; espera no Senhor, o elo te livrará (v. 22). Neste mundo nós estamos sujeitos a muitos tropeços, inclusive ao de sermos prejudicados e sentirmo-nos desejosos de vingança. Todavia, ensina-se aqui o dever de esperar pela vingança do Senhor, que poderá demorar, mas chega. A vingança pertence ao Senhor (Sal. 94:1; Rom. 12:19; Heb. 10:30). É duro o tempo da espera, mas vale a pena. Novamente o assunto de pesos e medidas falsos, tantas vezes referidos. Dois pesos são coisa abominável ao Senhor; balança enganosa não é boa (v. 23). O verso 24 dá-nos uma admirável idéia de como a vida é dirigida sem o sabermos. Os passos do homem são dirigidos pelo Senhor; como podo, pois, o homem entender o seu caminho? (v. 24). Coisa misteriosa é a vida humana. Quantas coisas planejamos, e saem erradas; quantas não planejamos, e dão certo. A coisa melhor é ser diligente com tudo que vier à mão, sem avançar, porque não sabemos o que está no caminho. Isto não contraria o fazer planos na vida, e, sim, é contra fazer quaisquer planos. Quanta coisa este autor já planejou, e deu errado; e quanta sem planejamento, e deu certo! Se sempre tivéssemos ante nós este verso, e, em oração, consultássemos o Senhor, melhor nos correria a vida.

O verso 25 reza: Os votos precipitados e não cumpridos são uma vergonha. Dedicar alguma coisa a Deus, dizendo: é SANTO! é perigoso. É a doutrina ou costume hebraico de declarar corbam alguma coisa devida ao Senhor (Mar. 7:11). Depois de fazer o voto, é tarde para refletir. Tem de ser cumprido. Recordemos o caso de Jefté, que votou oferecer a Deus quem primeiro lhe saísse ao encontro, voltando vitorioso da guerra, e a primeira pessoa a Ir ao seu encontro foi a filha. Que horror sacrificar a própria filha! (Juí. 11:29-40) (Sobre essa interpretação, veja Estudo nos Livros de Josué e Juizes, do autor). Depois de votar, cumpra, se tem palavra, é a recomendação do escritor sagrado.


O rei sábio "Ira os perversos o faz passar sobra elas a roda (v. 26). É difícil saber o que ensina este verso, mas deve referir-se ao castigo que o rei dá aos faltosos, submetendo-os ao tronco, como faziam os senhores de escravos no tempo da escravatura. O espírito do homem é a lâmpada do Senhor, a qual esquadrinha todo o seu mais íntimo ser (v. 27; comp. 1 Cor. 2:11). O espírito do homem é o que o distingue dos outros animais. Um irracional tem a nephesh, alma vivente; nas narinas do homem, porém, Deus soprou o seu próprio fôlego. Esse fato o distingue de tudo quanto foi criado. Mesmo que em alguma escritura se leia que o homem também é nephesh, fôlego de vida ou alma vivente, ainda assim, o fato de Deus soprar nas narinas do homem, o faz totalmente diferente de todos os animais (veja Estudo no Livro de Eclesiastes, Cap. 3, do autor). Os Testemunhas de Jeová e outros insistem em que o homem e os animais são iguais; todos têm fôlego de vida. Portanto, quando o homem morre, morre tudo quanto tinha e era; nada fica da alma ou espírito. É doutrina materialista e animalista. O homem tem a lâmpada de Deus no seu espírito. Este não morre.

As qualidades que sustentam o trono do rei são: amor, fidelidade e benignidade (v. 28). Com estas qualidades ele sustenta o seu trono. Jamais algum povo se levantou contra um dominador que assim rege a sua gente (veja 11 Sam. 7:12). O ornato dos moços é a sua força, e a beleza dos velhos, as suas cãs. O ancião é respeitado pela idade, mas o moço o é pela força. Quem seria capaz de bater num velho? Só mesmo um celerado; todavia, bater num jovem é desafiá-lo para a luta. Este verso é lindo. Quando este escritor distribui folhetos nas praças do Rio de Janeiro, todos o acatam, todos param para receber o papel. Olham as suas cãs e param. Vale a pena ser velho, mesmo porque não se pode ser moço mais. Os vergões das feridas purificam do mel... é o bem da disciplina que faz bem ao corpo e à alma de quem é disciplinado (v. 30).


4.12. A VIDA REAL E A LEI DE DEUS (21:1-31)

Há de contínuo uma representação do rei, ora em sua bondade, ora em sua fereza. O rei, nos antigos tempos, era mesmo o fiel da balança. Tudo estava na sua mão: dava e tirava como e de quem queria. Nos tempos modernos, felizmente, já não é tanto assim, porque há justiça para discernir os casos, mesmo admitindo-se todas as fraquezas humanas. No caso do nosso texto - Como ribeiros de águas, assim é o coração do rei na mão do Senhor... (v. 1). Admite-se aqui que o Senhor é quem guiava o coração do rei; no caso de Salomão assim foi por muitos anos. Depois que se entregou aos desatinos das suas - mulheres, até a direção divina se foi.

Todo cantinho do homem é reto aos seus olhos, mas o Senhor sonda os corações (v. 2). É uma triste verdade que nós sempre achamos os nossos caminhos retos, se bem que a retidão seja conferida só pelo Senhor. Nem todos os nossos caminhos são retos, mesmo que assim nos pareçam. Talvez por isso mesmo o verso 3 apresenta uma outra doutrina importante: Exercitar justiça o juízo é mais aceitável ao Senhor do que sacrifício. Muitos sacrifícios eram rejeitados por Deus, porquanto o coração dos ofertantes não estava conforme as regras mosaicas. Então o sacrifício era uma hipocrisia. Deus ama a justiça (Miq. 6:8). Beneficência também é outro requisito da Lei. Por isso que o coração altivo (orgulhoso) é lâmpada dos perversos (v. 4). Com tal gente, Deus não tem nada a ver. Deus não pode tolerar altivez e orgulho, porque no homem não há nada, nem condições a permitirem tais qualidades. Não temos nada que não nos fosse dado; se temos alguma coisa, nos foi dada por Deus. Logo, por que orgulho? Só os perversos ou pervertidos podem agasalhar tais defeitos na sua vida.

Os planos do diligente tendem à abundância, mas a pressa excessiva, à pobreza (v. 5). Que significa esta doutrina? Talvez se refira aos que querem enriquecer depressa, por quaisquer meios, quando com menos pressa se chega à riqueza, e esta será mais segura. Portanto, trabalhar para adquirir tesouro com língua falsa é vaidade o Ia" mortal (v. 6). Parece que não há muita relação entre esses dois versos, mas há pelo menos qualquer ligação. Língua falsa aqui pode ser fruto de negócios ilícitos, embora tais riquezas durem pouco. Ainda talvez em conseqüência dessa maneira de adquirir riquezas com língua mentirosa, venha esta outra observação: A violência dos perversos os arrebata, porque recusam praticar a justiça (v. 7). Quantos amontoaram grandes fortunas com violências, e depois tiveram de ver que Deus soprou nelas, e se foram. Antes a pobreza com justiça do que a riqueza com violência ou injustiça. Antigamente era muito comum deslocar um marco divisório de uma fazenda para dentro de outra; e, se o pobre reclamasse, até se mandava um verdugo matá-lo. Ainda há resquícios dessas violências no interior dos Estados, mas não com tanta freqüência como antes. Então: Tortuoso é o caminho do homem carregado de culpas, mas reto o proceder do honesto (v. 8). Todos esses versos ou provérbios estão ligados à conduta do homem que quer tudo para si, seja qual for o meio. Deus está contra o tal e no devido tempo verá a recompensa da sua conduta. Já sabemos que não adianta lutar contra a justiça e contra Deus: não dá resultado.


4.12.1 A má esposa o seus conseqüentes (vv. 9-15)

O comentador A.D. Power apresenta uma paráfrase interessante: "É melhor habitar umas águas furtadas, debaixo do telhado, do que num salão duplo com uma esposa rixosa" (Novo Comentário da Bíblia). Quem pode suportar tal esposa que de tudo se queixa, nunca está satisfeita, nunca está contente? Quantas referências a esposas já vimos em nosso estudo! (18:22; 14:1; 12:4 e outras). A mulher, como estamos fartos de saber, foi dada ao homem como ajudadora; e quando se afasta dessa norma, torna-se, então, rixenta e questionadora. Perde a sua função de ajudadora. O Livro dos Provérbios não poupa adjetivos tanto para a louvar como para a criticar. No verso 19 voltamos a ver a esposa por outro ângulo ainda.

Da esposa rixenta, passa o sagrado escritor a tratar do perverso, outro tipo humano muito comentado nesses capítulos. A alma do perverso descia o mal, nem o seu vizinho recebe dele compaixão (v. 10). A boa vizinhança é coisa desejável em toda e qualquer circunstância, mas para um perverso nem o bom vizinho lhe merece qualquer atenção. A perversidade é o oposto da bondade; o perverso é um tipo degenerado, cuja vida foi invertida, virada para o avesso. É parente próximo do escarnecedor, o tipo asqueroso, que de tudo zomba e por isso, quando é castigado, o simples se torna sábio (v. 11). Há um ensino muito profundo neste verso. Quando um escarnecedor recebe castigo, o homem simples verifica a diferença entre ele e o escarnecedor. Tal diferença é o mesmo que instruir um sábio; este aumenta o seu conhecimento. O sábio deseja ser mais sábio; o simples deseja ver a sua condição elevada. Parece que este é o ensino. Em contraste com esta lição, vem outra, de não menor significado: O justo considera a casa dos perversos, e os arrasta para o mal (v. 12). Não há misericórdia para o perverso. Ele e os seus são arrastados para o mal, que bem merecem. Por que deve uma pessoa ser perversa, ter a natureza torcida? O pecado é o único fato que pode perverter uma criatura feita à imagem e semelhança de Deus. Adão foi pervertido pela sua falta, isto é, de santo e bom, tornou-se inimigo de Deus. Coisa terrível é esse pecado na vida. Dessa situação nasce outra; a insensibilidade. O que tapa o ouvido ao clamor do pobre também clamará e não será ouvido (v. 13). O pobre é nosso semelhante; por qualquer motivo caiu na indigência. Só a perversidade pode tapar os, ouvidos ao seu clamor. Deus reconhece a existência dessa qualidade de gente desprovida, e não manda pão do céu para ela, entretanto, espera, dos que podem, se compadeçam dela; porém os perversos de natureza não têm sensibilidade, e então o pobre fica mesmo sem nada. Como tudo na vida tem recompensa, quando o rico clamar também não será ouvido. Agora uma nova diferente. O presente que se dá em segredo abate a ira, o a dádiva em sigilo, uma forte indignação (v. 14). Se você tem um inimigo, dê-lhe um presente em segredo, que ninguém saiba; a sua irá se acalmará. Quem irá fazer isso? O princípio é válido; como fazê-lo é o negócio. Outro assunto: Praticar a justiça é alegria para o justo, mas espanto para os que praticam o mal (iniqüidade) (v. 15). O justo sempre tem prazer em o ser, pois é da sua natureza boa. Já o iníquo não sente gozo nisso, por ser contrário à sua índole. Tudo depende do estado do espírito da pessoa. Fazer o bem é coisa natural para a pessoa boa, e praticar o mal é próprio da pessoa má.


4.12.2 Boas normas são desejáveis para a vida (vv. 16-23)

Uma pessoa que se desvia do caminho do entendimento cal na congregação dos mortos (v. 16). Isto se aplica aos tolos, aos falhos de entendimento, que terminam na ruína e na miséria. É quase o mesmo que - quem ama os prazeres empobrecerá, o a quem ama o vinho e o azeite jamais enriquecerá (v' 17). Prazeres e vinho, eis a dupla do pobre gozador. No verso 1 do capítulo 20 há outra advertência contra o vinho, mas contra o azeite, desconhecemos. Amar o azeite para quê? Algo havia em Israel, não claro para nós. O verso 18 diz: O perverso serve de resgate para o justo. Isto lembra-nos ls. 43:3, 4, quando o Egito e a Etiópia foram dados em resgate por Israel. Certo comentador diz: "Há uma espécie de substituição; um resgate pago para permitir que o justo escape; e o resgate é a pessoa do iníquo." Para que Israel fosse resgatado, o Egito sofreu um pedaço de mau caminho. O ímpio dado em resgate do justo.

Novamente a mulher. Melhor é morar numa terra deserte do que com a mulher rixosa e iracunda (v. 19; veja verso 9). Que haveria com os sábios de Israel para tanta queixa das mulheres? Uma terra deserta deve ser alguma coisa indesejável; isso mesmo, uma mulher rixosa em casa. Contra esta situação vem outra, diferente: Tesouro desejável a azeite há na casa do sábio, mas o homem insensato os desperdiça (v. 20). O azeite servia para a comida, para empastar os cabelos, para iluminação. É um elemento de paz e ordem, e por isso não sabemos por que o azeite e o vinho foram postos lado a lado no verso 17. Noutro lugar aludimos ao negócio que se fazia com azeite nos lugares onde não havia olivais. Israel era rico em oliveiras. Até no Jardim de Getsêmane as havia e ainda há. Lá está uma do tempo de Cristo, da qual este autor tirou um raminho cheio de azeitonas verdes.

O que segue a justiça e a bondade, achará a vida, a Justiça a a honra (veja Mat. 6:33 e Miq. 6:68). Uma antecipação da mensagem de Cristo (v. 21). Lindo, não é? Nunca há prejuízo em se ser justo e bom para com os outros, porque só essas qualidades valem na vida. Justiça e amor são coisas exigidas dos que andam com Deus, e, quem possui essas coisas, tem tudo. Isso faz parte do Sábio que escala a cidade com valentes a derriba fortalezas em que ela confia (v. 22). Deve tratar-se da força moral do justo ou do sábio, pois escalar uma cidade é coisa para guerreiros. Um preceito muito útil é o do verso 23: O que guarde a sua boca o a sua língua, guarda a sua alma. É o preceito de Tiago 5, que muito vale em qualquer situação. A língua é objeto terrível e é coisa muito boa. Que seria da pessoa sem a língua? Talvez seja preferível perder a vista. Li uma história no Readers Digest em que um fumante teve de submeter-se a uma operação na garganta, e, quando entrou na clínica, viu um grupo de homens sem língua e sem garganta, alimentando-se por meio de tubos. Quem pode imaginar o que seja isso? Mas os fumantes continuam a crer nos anúncios das empresas de cigarros e fumam ,até que o câncer lhes bata à porta. O verso 24 não tem conexão com os demais; trata do zombador, figura muito aparecida nos Provérbios. Passa depois ao preguiçoso, que morro desejando, visto como suas mãos recusam o trabalho (v. 25). Um dos provérbios mais constantes é o do preguiçoso. Por quê? Haveria tantos assim em Israel? Junto a isso está o cobiçoso que cobiça


todo dia, enquanto o justo dá o nada retém (v. 26). Sempre um louvor para o justo e uma critica severa para o injusto, o iníquo e o preguiçoso. Qual será o sentido do perverso que oferece o sacrifício com intenção maligna? (v. 27). Que intenção será essa? Não entendemos, mas aí está e deve conter uma lição. Desafiar a Deus? Quem sabe? O meio em que vivemos e as intenções do coração humano são tão diversos que muitos provérbios ficam sem explicação. A testemunha falsa perecerá, mas a auricular falará sem ser contestada (v. 28). Não há contestação para a testemunha veraz; e, mesmo que seja contestada, logo a verdade virá à tona. Havia muitas testemunhas falsas naqueles dias distantes, e disso nos informa o sábio dos Provérbios. Tal pessoa é como o perverso que mostra a dureza do seu rosto, mas o reto considera o seu caminho (v. 29). O rosto da pessoa diz muito da sua natureza; mesmo que haja bastante dissimulação. Todo o capítulo 21 se resume nos dizeres do verso 30: Não há sabedoria nem Inteligência, nem mesmo conselho contra o Senhor. Perfeitamente. Quem pode dar conselho ao Todo-Sábio, Todo-Poderoso, Todo-Inteligente? A sabedoria está com Elo e tudo que é desejável na vida. O homem, como o cavalo, prepara-se para o dia da batalha, mas a vitória vem do Senhor (v. 31). Deus é quem dá a vitória ao homem, como lhe dá tudo quanto precisa, se pedir. Finalmente, tudo se resume em se ser fiei a Deus e às virtudes do caráter humano; a vida sem isto é uma farsa, uma hipocrisia.


4.13. CAUSAS E EFEITOS NA CONDUTA HUMANA (22:1-16)

Este é o último capítulo do primeiro grupo de Provérbios, pois o livro divide-se em diversos grupos ou seções. Como tem sido notado, por vezes, não é fácil concatenar os assuntos versados nos diversos provérbios ou versículos, pois é bem raro haver conexão entre o ensino de um e do outro que lhe segue. Todavia, usando de uma certa ginástica mental, procuramos dar o melhor que nos foi possível, num mundo de saber religioso, literário, filosófico, econômico e social. Do seu valor julgarão os poucos leitores do trabalho ora apresentado.

4.13.1 O valor de um bom nome (vv. 1-6)

"Não dirás falso testemunho contra o teu próximo" (Ex. 20:16). O falso testemunho é a ruína do nome de alguém Inocente e que talvez só tenha mesmo o seu nome. O nome vale mais do que as muitas riquezas (v. 1). A difamação, o falso testemunho, a mentira a respeito da pessoa são os grandes pecados cometidos contra o ser humano. Os antigos entendiam que o nome da pessoa estava na barriga. Se lhe tirassem o nome, tiravam-lhe a vida. Há muitos mitos antigos a respeito do nome e das palavras. O Livro de Provérbios é um manancial de respeito e de honra ao nome da pessoa, fato tão insignificante nos modos de vida dos brasileiros, em geral, pois se diz tudo a respeito de uma pessoa, sem qualquer pejo ou temor. A maledicência contra o nome destrói a estima, que é melhor que prata o ouro, ou as muitas riquezas (v. 1). No sentido do respeito ao nome não há rico nem pobre: todos são iguais, pois que a um o outro o Senhor os fez (v. 2). Ainda de acordo com esse princípio, o verso 3 nos informa que o prudente vê o mal e esconde-se; porém o simples (simplório) passa adiante e sofre a pena (v. 3). Todos somos iguais perante o Criador, e por isso o galardão da humildade o temor do Senhor são riquezas e honra o vida (v. 4). Já temos feito notar que não há lugar no viver humano para a vaidade ou orgulho, pois tudo que somos e temos vem do Senhor. A nossa vida, pobre ou rica, os nossos haveres, poucos ou muitos, tudo vem do Senhor, que dá a todos liberalmente (Tiago 1:5). O orgulho, a vaidade e outros pecados da natureza humana, pervertida por Satanás, são o nosso grande flagelo. Não obstante as muitas advertências, o perverso tem espinhos e laços no seu caminho; o que guarda a sua alma retira-se para longo deles (v. 5). É o recurso que tem o justo em se afastar do caminho dos perversos, dos que maquinam o mal, dos que torcem a verdade e a trocam pela mentira. Talvez como uma conseqüência deste verso, consta o seguinte, que diz: Ensina a criança no caminho em que deve andar, a ainda quando for velho não se afastará dele (v. 6). Este é um verso-chave nas atividades dos pastores nas igrejas, no seu cuidado para com as crianças, sabendo que uma criança, depois de crescida, pode seguir ou não os caminhos do Senhor. Todavia, o que


aprendeu na infância e na igreja a levará por toda a vida. São as chamadas "primeiras impressões", que se gravam na mente plástica da criança e vão com ela para sempre. É um prazer encontrar cada domingo 100 ou mais crianças na igreja, para receberem das suas professoras os ensinos, que as devem guiar por toda a vida. Na Igreja Batista de Ipanema, logo depois da abertura da Escola Bíblica Dominical, é dado um lanche às crianças e a seguir o ensino de acordo com as idades. Que maravilha! Depois vão para casa, onde talvez não haja conformidade com o que ouviram e ainda depois para a Escola Pública. Seja para onde for que a existência as leve, o que aprenderam na igreja irá com elas pela vida afora. Quantos adultos temos encontrado que receberam as primeiras noções de moral na igreja! Não seguiram o caminho de Cristo, mas conservam os ensinos recebidos.

4.13.2 Conselhos úteis na vida (vv. 7-12)

O rico domina sobra o pobre o que toma emprestado é servo do que empreste (v. 7), mas quem pode fugir a essas condições? Sempre os ricos dominam sobre os pobres e quem toma emprestado fica na dependência do que empresta. As mutações da vida moderna têm modificado muito estes conceitos. No entanto, no interior dos Estados, onde a civilização ainda não chegou, estas condições ainda prevalecem. Um fazendeiro domina sobre um pobre meeiro, e lhe toma o suor e a vida, bem assim da sua família. As estórias que correm são simplesmente tétricas. Todavia, o que semeia a injustiça segará maios (V. 8). A justiça é muito vagarosa e custa a chegar, mas chega um dia; e a vara do que semeia a injustiça falhará (,v. 8). isso também é certo em nosso convívio moderno, onde muitos injustos recebem em troca o devido pago. Com o pensamento neste verso 8, vejamos o que diz Gálatas 6:7 e o comparemos com isaías 10:5. A vara da sua indignação falhará, e quando faltar, o tal receberá em dobro. Deus é o defensor dos oprimidos e dos Pobres; e &i dos que ofendem essa gente indefesa. Contra os tais surge o generoso, que dá o seu pão ao pobre o será abençoado (v. 9). O socorro que se dá ao pobre não é perdido, porque há um que sabe galardoar. irá a contenda, Lança fora o escarnecador, o com elo se cessarão as demandas o a Ignomínia (v. 10). Este tipo de gente é a que zomba da justiça e da pureza; para tais não há justo nem sério nem virtude nem opróbrio, para eles tudo é Igual o que presta algum bem o faz por interesse, dizem. São mesmo uma ignomínia na sociedade. Uns crápulas, uma escória social. Mas o que ama a pureza do coragem, o é grácil no falar, terá por amigo o rei a terá o apoio dos homens de bem (v. 11). Ainda há gente boa no mundo e cremos até que em maior número que os maus e zombadores. O verso 12 termina esta série de conceitos importantes, afirmando: Os olhos do Senhor conservam o que tem conhecimento, mas os iníquos, aia os despreza. Assim, se não há louvor dos homens para os justos, há, e com certeza, ou louvores do Senhor.


4.13.3 Coitado do preguiçoso (vv. 13-16)

Um leão está lá fora; serei morto no meio da rua, diz ele (v. 13). Esse é um pobre a quem se deve apenas misericórdia e paciência. Não vai à rua, com medo de ser morto pelo leão; e não vai à cidade, com medo de ser assassinado. Então fica em casa dormindo. Parece ser igual ao nosso Jeca-Tatu de Monteiro Lobato. Quanto a mulheres estranhas (v. 14), ver as anotações de 5:7 e 7:1-27. É praga social muito antiga e que jamais encontrou solução. O Senhor é contra esta situação, mas até em Israel desde tempos imemoriais, havia essas mulheres. Um provérbio, cuja doutrina nos surpreende: A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela (v. 15). Interpretemos "estultícia" por "inocência" ou "simplicidade" mesmo. Todavia, o ensino do mestre é que a disciplina levará a criança a fugir das conseqüências da sua inocência ou estultícia. De qualquer modo, vale o ensino porque tem sido referido diversas vezes. Está de acordo com o verso 6, que manda ensinar à criança o caminho em que deve andar. Cabe aos pais e preceptores esta tarefa. Depois vem um provérbio muito rico de ensinamentos: O que oprimo ao pobre para enriquecer a si, ou o que dá ao rico, certamente vai empobrecer (v. 16). Tirar do pobre para dar ao rico é uma iniqüidade, mas acontece e era já coisa conhecida de Salomão e do seu tempo. É fato estranho e que exige imaginação.


5 - O LIVRO DOS SÁBIOS (22:17-24:22)

Esta seção do Livro de Provérbios, já referida na Introdução, é muito diferente da primeira. Nesta, os provérbios são agrupados conforme a doutrina, sendo, portanto, o ensino muito mais prático. Os comentadores reconhecem haver grande relação entre esta parte e o livro egípcio conhecido pelo nome de Amem-en-ope, em que a sabedoria egípcia é catalogada. Onde o colecionador do livro de Provérbios foi buscar essa doutrina e encaixá-Ia num livro inspirado, não sabemos. Como fizemos notar na Introdução, os nossos provérbios têm paralelos com os de outras nações, e que foram usados em Israel como doutrina boa. Como a Sabedoria não tem pátria, e seu autor é o Senhor do mundo e dos sábios, não há o que estranhar pelo fato de encontrarmos paralelismos entre os provérbios egípcios e os do livro inspirado. A doutrina é que vale, e não a sua nacionalidade.

Com esta observação, passaremos a comentar esse catálogo dos sábios.


5.1 O QUE CONVÉM SABER DA VIDA (22:17-23:11)

Inclina o teu ouvido e ouve as palavras dos sábios, o aplica o teu coração ao meu conhecimento (v. 17). Os versos 17-21 constituem um convite ao aluno para observar bem as coisas que dizem respeito à vida, para que as siga fielmente, aplicando-lhes o coração. Declara o sábio que o fim é implantar a sabedoria e o temor de Jeová no coração do jovem estudante, para que bem lhe vá na vida (v. 18). O conselho é pessoal e direto: Para que a tua confiança esteja em Jeová, quero dar-te hoje a instrução a ti mesmo (v. 19). Continua dizendo que lhe havia escrito (ao aluno), a quem revelara excelentes coisas acerca de conselhos e conhecimentos (v. 20), a fim de que possas responder claramente aos que te enviarem (v. 21). Parece, esse conselho está em conformidade com Tito 2:1-10 e ss. Quem teria sido esse discípulo não é dito, e isso Importa pouco, porque todos nós somos estudantes.

A expressão excelentes coisas tem dado muito trabalho aos comentadores, devido ao fato de o termo original hebraico sheloshim ser de origem egípcia, como o é a maior parte do ensino desse capítulo. O pergaminho denominado Amem-en-ope, título dado a um sábio egípcio, uma espécie de "Salomão egípcio" e que não se sabe como chegou a circular em Israel, foi a fonte de onde derivou o ensino encontrado no capítulo em estudo, todo ele ou quase todo. Assim a frase excelentes coisas pode significar trinta coisas ou trinta capítulos, talvez "trinta princípios ou normas", constantes do referido pergaminho. Deixando de parte o verdadeiro sentido da expressão ou mesmo do termo hebraico, visto como não tem sido possível determinar com segurança o que significa, voltemo-nos para o assunto doutrinário, importante, pois resume uma série de normas úteis, tanto ao hebreu como ao gentio.

O que não deve deixar de causar certo interesse é o fato de um sábio egípcio chegar a exercer tal influência em Israel, ao ponto de o seu escrito chegar a emparelhar-se com o ensino de Salomão. Já noutro local, dissemos que muitos dos nossos provérbios são de origem estrangeira, ditos correntes que se tornaram máximas internacionais, como algumas que temos em nossa língua, umas de origem francesa, língua que exerceu muita influência no linguajar brasileiro, e outras de origem Inglesa ou americana. A sabedoria não tem pátria, e em qualquer parte ela é bem-vinda. Termos técnicos ainda hoje são importados de outros centros culturais. Portanto, também o fato de ensinos ou doutrinas egípcias ou árabes circularem em Israel não nos deve causar surpresas.

Outrossim, estamos no ar quanto aos autores dessa seção ou compilação. Seriam esses sábios membros de alguma academia literária oficial ou oficiosa, a quem Salomão teria cometido a tarefa de aproveitar tudo quanto interessasse ao seu ensino, ou seriam sábios, por ele mesmo delegados, à moda dos sete sábios da Grécia, segundo a lenda? Seria uma espécie de sinédrio literário, grupo dedicado a colecionar e promover a literatura hebraica? Pensa-se que Salomão


teria delegado, a um grupo da sua confiança, a tarefa de colecionar a sabedoria hebraica numa forma de enciclopédia, e desta nos vieram esses provérbios. O fato de ser esta coleção muito diferente da anterior e . da seguinte, leva-nos a admitir tal possibilidade. Finalmente, ao certo nada sabemos. O ensino é que vale e é bom, pois trata de preparar um aluno para saber responder claramente aos que te enviarem (v. 21). Uma pessoa qualquer seria enviada em missão literária e deveria saber responder a quesitos necessários à missão. Tomemos para nós a parte prática, que foi a mesma que Paulo deu a Tito, o organizador do trabalho na ilha de Creta, na Grécia antiga. Creta havia sido por séculos o refúgio das artes e das letras, e parece até ter-se tornado uma outra Atenas ou Alexandria, antes de existirem esses centros culturais. Como o evangelho penetrou ali, mal sabemos; entretanto, Tito foi comissionado para por em ordem as coisas em Creta e tem mesmo algumas palavras, bem pouco recomendáveis, a respeito dos crentes (Tito 1:10-14). Ele deveria saber como responder aos que o interrogassem. Quem sabe, o sábio está referindo-se a um aluno que iria prestar exame de sabedoria em qualquer escola? Isso porque a sabedoria desta seção não é totalmente egípcia nem hebraica, mas também babilônica. Logo, para entender tudo, era necessário estar bem preparado. Ditas estas palavras, podemos passar a examinar os ensinos dos sábios e verificar em que eles se conformam com a doutrina hebraica, ou dela se afastam.

5.1.1 Coisas que o aluno deve evitar (vv. 22-29)

Não roubes ao pobre, porque é pobre, nem oprimas em juízo ao aflito (v. 22). A exploração do pobre pelos ricos era coisa normal nas sociedades antigas, como nas modernas. Parece tratarse de ação legal em juízo. O Senhor é defensor, tanto de uns como de outros. Jeová é o advogado dessa gente pobre, e, quando não houver quem as defenda, Jeová aí está para o fazer, Portanto, seria perigoso oprimir os pobres e atropelar em juízo (na porta) o oprimido. O resultado de tais cometimentos seria a iniqüidade? O mundo tem sofrido muito e ainda tem muito a pagar pelas injustiças cometidas contra os pobres e desafortunados, dos quais Deus é o Fiador.

O segundo conselho é que não te associes com o iracundo (v. 24), para que não aprendas as suas veredas o assim te enredos o percas a tua alma (vida). O colérico sempre chega a mau fim, pois, destemperado em seus ímpetos, enlouquecido em seus desatinos, leva a pior, bem assim os que seguem nessa desalmada caminhada. Há outro perigo na vida: o que se envolve em fianças sem ter com que pagar. Por diversas vezes esta advertência vem aos nossos olhos. Quando mal isso traz à memória! Bem recentemente um homem ficou de fiador; tendo o afiançado desaparecido, correu para os amigos e conhecidos para o livrarem de protestos de títulos em que após o seu nome. Agora, aflito e sem saber o rumo a tomar, vê-se perdido ante a sombra de um protesto de letras, que lhe arruinaria o futuro por largo tempo. Cuidado! Não


estejas entre os que se comprometem o ficam de fiadores. Este provérbio, é claro, não pertence a Amem-en-ope, pois é perfeitamente israelita. Igualmente, não removas os marcos antigos que puseram teus pais (v. 28). O remover marcos de divisas de fazenda é vício antigo, e já em Israel havia essa tentação de aumentar a fazenda à custa da remoção de marcos, pedras fincadas nos extremos de duas propriedades, sobre as quais cresciam os musgos, como a indicar que aquilo era sagrado, não devia ser mexido (veja Deut. 19:14).

Por fim: Vês um homem perito na sua obra? Perante reis será posto, e não entro a plebe (v. 29). Os peritos sempre são escolhidos para posições de destaque, e isto vem de longe. Atualmente muito se fala em peritos nisto e naquilo, e tais homens são sempre cobiçados para posições destacadas, por sua perícia. Amem-en-ope era criado civil; talvez se refira a esse fato.

5.1.2 Sequem-se outros conselhos úteis (23:1-11)

Quando te assentares a comer com um governador... (v. 1), presta atenção para ver como se conduz o que está ao teu lado, para não acontecer que faças um papel feio. É o conselho aos glutões, que se deixam embriagar com os pratos vistosos e fazem papel de pessoas sem costumes. Uma figura impressionante: mete a faca na garganta (v. 2), no caso de seres homem glutão, isto é, se te perderes à vista dos pratos desconhecidos, mas de aparência vistosa. ;É o conselho da ética social, da maneira como nos devemos conduzir num meio acima do nosso. Tais comidas vistosas são enganadoras. Não podemos ver em que tais comidas são enganadoras, a não ser para pessoas desacostumadas. Os banquetes são uma sedução a tolos, para desejarem enriquecer e poderem dar banquetes; tais desejos, porém nunca levam à boa situação. A inteligência tem outros fins, pois fitar a riqueza é o mesmo que olhar a miragem no deserto, porquanto fará para si asas como a águia que voa pelos céus (v. 5). Se alguém ao teu lado é rico e tu és pobre, não comas o pão do invejoso; noutras palavras: não sejas invejoso e não cobices os seus delicados manjares (v. 6), pois o tal é como é, e as suas palavras são enganadoras, quando se diz: come e bebe, mas o seu coração está longe de ti (v. 7). Cuidado em fitares os olhos naquilo que não é nada (v. 5), pois a vista é enganosa. A antiga versão traduzia: olhos malignos, que desejam o que não convém. Certamente vomitarás o bocado


que comeste (v. 8). Uma série de conselhos úteis a qualquer indivíduo imaturo e cobiçoso, que deseja o que não pode ter e vai atrás de conversas de amigos que não o são, pois o seu coração não está contigo (v. 8). São os conselhos de amigos que não o são; e quantos se deixam levar pelos tais até encontrarem a sua ruína.

Cuidado nas conversas com um tolo, pois desprezará a tua sabedoria, e perderás o teu tempo. Quanta conversa fútil a gente usa na vida, e pessoas há que se deleitam em tais bate-papos, que nunca levam a coisa alguma (v. 9). Outra vez: Não removas o marco antigo nem entres no campo do órfão, pois estes têm um grande advogado, o go'el, o remidor de Rute (3:12), chamado resgatador e também referido em Jó (17:3). No Velho Testamento o go'el é geralmente o parente mais chegado, mas também é o que defende outrem contra possíveis injustiças. Os órfãos tem seu golei, que os defende contra a ganância dos desavisados (veja Núm. 35:19). Este Remidor é uma figura admlrável do nosso grande GO'EL, o Remidor dos pecadores, o Amigo mais chegado que irmão. Na instituição judaica, bem poucos ensinos eram mais tocantes do que este, e isso se pode ver na simples e elevada narrativa de Rute.

5.2. O QUE DEVEMOS PROCURAR NA VIDA (23:12-25)

Muitas são as seduções da vida, e muitos, os deveres de cada um. Alentar para tais deveres e obrigações devo ser a busca de todos nós.

5.2.1 Atenção para o ensino o a disciplina (vv. 12-18)

Aplica o teu coração ao ensino. Os egípcios eram extremamente cuidadosos quando à educação, e foi de lã que vieram muitos ensinos para o mundo. O nosso grande Moisés foi um


produto da cultura egípcia, e nunca seremos capazes de admirar demais essa nação, que passou à história hebraica como a escravizadora, se bem que, fora dessa mancha, tão vulgar naqueles tempos, fosse uma grande nação, cujos ensinamentos permearam o mundo todo. Antes de Moisés legislar: "Não cometerás adultério" (Êx. 20:14), já os egípcios respeitavam as mulheres dos outros, isto ficando bem patente quando Abraão e depois ]saque foram morar perto do Egito, e tiveram de negar a realidade das suas relações com as esposas, alegando que eram primas ou irmãs, o que era verdade, visto como, se dissessem que eram casados, poderiam ser mortos, a fim de suas esposas poderem então ser levadas para os haréns egípcios (Gên. 20:1, 2; 26:7, 8 - veja Estudo no Livro de Gênesis do autor, p. 180 e ss.). Junto ao dever de estudar, vem outro de não retirar da criança a disciplina, pois se a fustigares com a vara, não morrerá (vv. 13 e 14). A disciplina, como temos visto, é uma recomendação pertinente nesse livro, como se a criança não pudesse viver e ser o que deve sem ela. O fato de ela não morrer da disciplina, indica que seria aplicada com amor.

Volta novamente o apelo. Filho meu (veja o estudo nos primeiros capítulos), se o teu coração for sábio, alegrar-se-á também o meu (v. 15). O filho sábio dá gozo ao coração do pai, mas o coração do insensato é a tristeza de sua mãe, como ensina outro verso anterior. Falar a verdade, sem as incertezas do coração, é um pressuposto de veracidade contra a mentira, tão causticada nesses provérbios. Com esta admoestação, o discípulo não deve ter inveja dos pecadores, pois são uma classe desfigurada da sociedade. Sobretudo, que o temor do Senhor não abandone o jovem, pois é pelo temor a Deus que o MOÇO pode assegurar a sua felicidade. Estes são alguns conselhos dados a um jovem e que bem podem ser aplicados a todos nós. Corações sábios, lábios que falem a verdade, e, sobretudo, o temor do Senhor, eis a receita de um sábio e seguro na sua vida.

5.2.2 Filho meu, sê sábio (vv. 19-25)

Volta e meia esta recomendação do pai ao filho. Nos primeiros capítulos de Provérbios, esta era a Insistência, como se um apelo direto ao filho tivesse o dom de desviá-lo dos maus caminhos. O apelo agora é para ele se afastar dos bebedores de vinho e dos comedores de carne; noutra linguagem: fuja dos bêbados e glutões, práticas muito comuns em diversos lugares. Isto porque o beberrão termina na miséria (v. 21), como a glutonaria torna o homem um trapo humano (v. 21). Ouve a teu pai, que te gerou, e a tua mãe quando vier a envelhecer. A obediência aos pais, tantas vezes exigida, até com promessa de longa vida, volta aqui a ser requerida, como um dever e respeito à velhice da mãe.

Depois passa a outro campo de ensino. Compra a verdade, o não a vendas (v. 23), pois com sabedoria tua mãe grandemente se alegrará. É o apelo ao saber, tão grandemente procurado


pelos hebreus, em todos os círculos da sua existência e até em nossos dias mesmo. Justamente agora 65.000 judeus desejam sair da Rússia, mas o governo quer cobrar uma taxa, que somaria a três -bilhões de cruzeiros. Entre eles estão grandes físicos, escritores e outros, que os russos não desejam perder. Os técnicos em Israel estão sobrando, enquanto faltam em muitos países. Os judeus têm sido, por séculos, o cérebro do mundo, e a eles se devem algumas das maiores descobertas científicas. Por Isso a recomendação do pai ao filho, para cumprir a sabedoria, pois quem gerar um sábio, nele se alegrará (v. 24). Alegrem-se teu pai e tua mãe, e regozije-se a que te deu à luz (v. 25). É a mais alta condecoração que um filho pode desejar: alegrar seu pai e sua mãe por terem dado ao mundo um sábio.

5.3. O CUIDADO COM AS ARMADILHAS DA VIDA (23:26-24:2)

A vida constitui uma ciência perigosa, uma espécie de faca que corta dos dois lados; se oferece muitos prazeres ao homem também lhe causa muitos perigos. Por isso o aviso do pai ao filho contra as multas seduções da vida. a) Cuidado com a prostituição: ela é como um poço estreito; é como o salteador, que mata às escondidas. Ela multiplica os males dos homens; é o calvário de muitos (vv. 26-28). b) Cuidado com as bebidas, pois para quem são os ais, senão para os que se demoram no vinho e atendem a bebidas misturadas? Queixas, rixas e feridas estão à porta dos homens que se demoram na bebida. Não olhos para o vinho quando se mostra vermelho, quando resplandece no copo a se escoa suavemente, pois ao fim morderá como cobra o picará como o basilisco (vv. 29-32). As conseqüências da bebedeira são !numeradas nos versos 33-35.

c) Não tenhas inveja dos malignos, pois o seu coração maquina a iniqüidade e os seus lábios falam para o mal (24:1 e 2). Estas e outras admoestações são o vade-mecum do bom filho, e, se ele seguir os conselhos, será feliz.


5.4. CURRÍCULO SOBRE A SABEDORIA (24:3-22)

Esta série de conselhos do primeiro grupo termina no verso 24:2, para começar outra série de conselhos, a terminar em 24:3-22.

5.4.1 Efeitos da sabedoria (vv. 3-7)

Com a sabedoria encha-se a casa a com a Inteligência ela se firma (v. 3). Então, é a sabedoria que constrói e edifica. Nunca se deu tanto valor ao saber como agora, quando os governos dedicam uma soma equivalente a 10% sobre P.I.B. (Produto Interno Bruto), e alguns, até mais. O desenvolvimento do país depende da técnica, e, para que haja técnicos, tem de haver escolas onde a sabedoria seja ministrada. Pela sabedoria se compram muitas coisas preciosas e muito poder, pois mais poder tem o sábio que o forte. É o mesmo que dizer: "Não há fortes onde não houver sábios." Mais vaio o sábio que o robusto; com medidas de prudência farás a guerra a na multidão de conselhos está a vitória (vv. 5 e 6). Por esta série de preceitos se toma conhecimento de, nos antigos tempos, o saber já ter valido mais do que exércitos. É bem certo que o poder dos canhões ainda vale, mas os conselhos dos sábios podem abreviar o fim da guerra. Muito há a dizer sobre tais fatos, mas passemos adiante. O insensato não atinge estes valores, e a sua boca não profere sabedoria (v. 7).

5.4.2 Os efeitos do saber continuam (vv. 18-20)

Ao que cuida fazer o mal, mestre de Intrigas lhe chamarão (v. 8). Tal criatura é destituída do saber, pois nenhum lucro há para alguém em fazer mal ao seu próximo. Só o estulto, o ignorante e mau pode maltratar os outros. Tais desígnios são pecado (v. 9); o escarnecedor torna-se desprezível aos outros (v. 10). Na adversidade não te mostres fraco, diria o sábio (v. 10). É nessas ocasiões quando o espírito do homem de bem se revela e sobrepuja os contratempos que lhe sobrevierem. Para essa situação também a sabedoria serve.

Uma doutrina admirável nos é dada pelo verso 11: Salva os que estão sendo levados para a morte, talvez a um tribunal injusto, onde a verdade vale pouco, ou talvez por causa da opressão de poderosos, que só entendem do seu próprio ponto de vista. Ainda, como pensam alguns comentadores, estão sendo levados aos tribunais por causa de dívidas. Essa gente deve ser socorrida, mas não se diz como. E se disseres: não o soubemos, ainda não será desculpa,


porque diante de Deus esses fatos estão claros e ele dará a cada um conforme o seu proceder. E não pagará ele ao homem segundo as suas obras? Essa doutrina é o que nós chamaríamos doutrina da solidariedade humana, em que quando um sofre, todos sentem igualmente. Os que podem ajudar a livrar os oprimidos e não o fazem tornam-se culpados, e serão julgados por Aquele que atenta para a tua alma (v. 12). Muitas são as ocasiões quando se esbulha um pobre e os outros fazem que não sabem, Deus, porém, vê tudo. Isto sempre se fez e ainda se faz.

Filho meu, saboreia o mel, porque é saudável (v. 13), pois assim é a sabedoria para a tua alma (v. 14). Por esta sabedoria não será frustrada a tua esperança, e o teu futuro dela depende. É o louvor da sabedoria que o aluno deve seguir para livrar-se das conseqüências dos maus atos, como ensina o verso seguinte: Não te ponhas. de emboscada contra a habitação do justo, porque sete vezes cairá o justo e se levantará, mas os perversos são derrubados pela calamidade (v. 16). A queda do justo é em calamidades, e não em pecado. Por calamidade pode um justo naufragar sete vezes, todavia, sempre se levantará. Mas o iníquo, esse será derrubado na primeira calamidade, e não se levantará mais. Também o teu inimigo pode cair em calamidade; não te regozijes com este fato, para que o Senhor vela Isso a lho desagrado (vv. 17 e 18).

Não te aflijas por causa dos malfeitores, porque o maligno não terá bom futuro (v. 20). Isto vemos todos os dias; os malignos vencem uma vez, duas e três, porém depois são derrubados. Não devemos imitar essa gente. Há um Juiz que toma conta. Recentemente, um assaltante roubou diversos Bancos e sempre fugia. Um dia foi morto. Por que não desistiu no primeiro roubo? Teria bastante para viver o resto da vida. O pecado é assim: dá uma queda e outra, mas o pecador não se emenda, até ser destruído. Teme ao Senhor, filho meu, a não te associes com os revoltosos (v. 21), porque a sua vida não leva a bom fim. Essa gente, que busca mudanças governamentais e pretende, pela subversão, mudar os governos, já demonstrou não ter moral para governar. O termo revoltosos (v. 21) tem dado um pouco de trabalho aos críticos, que pretendem mudar o sentido da palavra no hebraico. A idéia é ser leal ao rei e a Deus, e qualquer que se levanta contra um dos dois, ou os dois ao mesmo tempo, pode estar certo de que o fim está próximo (veja I Ped. 2:17). Modernamente há um espírito de insurreição generalizado, mas livre-nos Deus de isso vencer, porque não haverá sabedoria para governar. As revoluções que visam alterar o Estado são defensáveis; porém insurreições não, pois não levam a nada.


5.5. FIM DO LIVRO DOS SÁBIOS (24:23-34)

O verso 23 apenas declara que as palavras seguintes são também provérbios dos sábios, mais não faz qualquer destaque, prosseguindo na doutrinação, como vinha fazendo na série anterior. Tratam especialmente da conduta nos julgamentos, não devendo haver parcialidade no julgar (v. 23). O que disser ao perverso: Tu és justo, pelo povo será maldito (v. 24). O que vai a um tribunal e diz que a mentira é verdade, um dia será amaldiçoado pelo povo. Como beijo nos lábios é a resposta com palavras retas (v. 26), que alguns desejam interpretar como aquele que equipa os seus lábios para dizer a verdade, dar uma sentença correta. É o juiz desejável. As sentenças dos sábios são ministradas em forma figurativa, de maneira que nem sempre é possível interpretar o texto literalmente.

Outra série de bons conselhos (v. 1). Cuida da tua fazenda primeiro, e depois edifica a tua casa. Se isso trata do casamento do homem, que deve, antes de casar, ver se está em condições de fazê-lo, dado o costume dos hebreus de casarem muito jovens, talvez tal ensino não se aplique ao caso. De qualquer maneira, serve o conselho, quer se refira aos judeus ou não. Muita gente casa por casar, embora não esteja em condições; e então a mulher tem de trabalhar também para ajudar a edificar a casa. O que talvez seja certo, e muitos concordam com isso é que antes de edificar a casa, deve saber o homem quanto vai custar, e isso devido ao ensino do Mestre em Luc. 14:28 e I Reis, caps. 6 e 7.

A seguir vem uma série de assuntos aparentemente fora do contexto. Não sejas testemunha sem causa contra o teu próximo (v. 28). Ninguém gosta de ser testemunha em tribunais, especialmente sem causa ou sem motivo. Isso nos enreda numa causa. Não o enganes com os teus lábios. Não digas: como cio me fez a mim, assim a ele farei (v. 29). Esta lei era justificada no Velho Testamento como a lei de Talião. No entanto, Jesus interpretou-a de outra maneira, dizendo: "Ao que demandar contigo e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa" (Mat. 5:3842 e ss.). Vê-se, pois, que, já no Velho Testamento, havia uma outra lei além da lax talionis. Até onde ela seria aplicada, não sabemos, pois estava em vigor a outra, até a chegada do Novo Testamento. Que fazer, então? Qual é a lei que está em vigor? A de Cristo? Sim, mesmo que seja muito boa para uma raça amaldiçoada pelo pecado, onde o irmão não respeita o irmão, onde o irmão ,mente contra o irmão, e nada acontece. Nada? Veremos depois.

Seguem algumas observações a respeito do preguiçoso, em figura ridícula, tantas vezes repetida nos provérbios. Passei Pelo campo do preguiçoso o eis que tudo estava cheio de espinhos... (v. 31). Só o trabalho constrói; a preguiça é uma doença que tudo destrói. Para ridicularizar o preguiçoso, o sábio diz que passou pelo seu campo e tudo estava cheio de mato e espinhos, e o muro da divisa, arrombado. Isso lhe deu uma oportunidade de dar outra lição, um aforisma interessante:


"Um pouco para dormir, um pouco para tosquenejar, Um pouco para cruzar os braços, em repouso, Assim sobrevirá a tua pobreza como um ladrão" (vv. 33 e 34). Como o açoite para o preguiçoso, não há coisa melhor, porque um pouco disto -e um pouco daquilo, lá se vai a fazenda do homem que não trabalha. Quantos terão usado este aforisma nas suas ilustrações?


6 - O SEGUNDO LIVRO DOS PROVÉRBIOS DE SALOMÃO (25:1-29:27)

(Sobre o título ver notas na Introdução.) Não sabemos, ao certo, como se teria originado esta divisão, senão que os homens de Ezequias, rei de Judá, foram os colecionadores desse grupo de provérbios. Entre as grandes reformas de Ezequias, conforme II Crôn. 29:25-30, que incluíram cânticos de Davi e Asafe, por muitos anos relegados ao esquecimento, houve um reavivamento da literatura salomônica, incluindo grande parte dos seus ditos ou provérbios. Estes são constituídos de comparações, símiles e de regras correntes na corte de Salomão. Ao estudarmos estes ditos, faremos bem em voltar, mentalmente, aos dias faustosos de Salomão antes da sua queda, e assim teremos uma visão do que seriam aqueles dias, entre centenas de cortesãos, criados e secretários, uma multidão toda tomada de fausto e grandeza.


6.1. COMPARAÇÕES INSTRUTIVAS PARA A VIDA (25:1-28) 6.1.1. Os caminhos de Deus (vv. 1-7)

Os caminhos de Deus são inexcrutáveis, ou, como diz o texto: A glória de Deus é encobrir as coisas (v. 2). Enquanto isso, a glória dos reis é descobrir os mistérios e esquadrinhá-los. A profissão dos reis não era apenas governar, mas tentar interpretar os desígnios de Deus, como representantes que eram do Rei Ideal. Temos para nós que a preocupação de Salomão, nos seus primeiros anos, era descobrir o que Deus desejava, e praticar. Qualquer pessoa que se encaminhe nessa direção será sempre bem-aventurada. Nessa tarefa de descortinar a sabedoria divina, o texto faz uma comparação interessante: Como a altura dos céus o a profundeza da terra, assim o coração dos reis é insondável (v. 3). Um rei bem intencionado e desejoso de servir a Deus deve tornar-se, perante os seus súditos, como um mistério incompreensível. Cada dia se espera uma nova providência, uma outra medida sobre as coisas do reino. Isso então se apresentava como uma coisa insondável. Hoje, quando vemos um novo decreto governamental, inquirimos: quantas noites e dias teria levado essa nova lei a ser forjada? Não acreditamos que Salomão sozinho produzisse as leis e decretos, como não acreditamos que o Presidente da República sozinho os produza em nossos dias. Todavia, tanto num caso como no outro, eles são os responsáveis. Isso é quase coisa inexplicável. Purifiquese a prata, e teremos material para um vaso limpo (v. 4). Igualmente, tirem-se os tolos da presença do rei, e o seu trono se formará na justiça (v. 5). Os governantes sempre se muniram de elementos escolhidos para as diversas tarefas, tanto hoje como dantes. Imagine-se um governo assessorado por tolos ou idiotas... Quanta desgraça tem ocorrido nas coisas humanas, quando tolos ou indivíduos mal orientados deram os seus palpites na determinação de cursos a serem tomados! Que o digam os evangélicos e até os batistas. Valha-nos a admoestação.

Os versos 6 e 7 apresentam uma lição que nosso Senhor repetiu em Luc. 14:8-10, quando aconselhou a modéstia. A doutrina é: Não te metas em lugar destinado a outros; não tomes os primeiros lugares, para que depois não te digam: "Amigo, este lugar está destinado a outra pessoa. Passa para trás." Há gente que sempre quer estar na frente de tudo e sem ser capaz de ocupar o lugar.


6.1.2 O litígio (vv. 8-10)

O ensino é não tentar ações litigiosas e de duvidosa conclusão, para que depois o outro contendor não zombe de ti. Há multas questões em juízo sem uma justificada razão, mas há mesmo pessoas contenciosas. Jesus teve uma palavra para muitos desses casos, quando aconselhou o entendimento antes de ir a juízo. Quando o entendimento falha, então que fazer? Há gente que não ama o bom senso, mas o seu capricho. Em tais casos a injustiça não deve ficar impune. Paulo manda que haja mediadores entre os litigantes, se são Irmãos; entretanto, nem sempre há quem queira mediar. Esse nosso mundo está mesmo às avessas. A solução que Jesus dá é radical: Não resistas ao honram mau, isto é, não contendas. Se ele quer a túnica, larga-lhe também a capa (Mat. 5:39-42). Deve ser mesmo a melhor coisa, mas nem sempre aplicável.

6.1.3 Outras comparações (vv. 11-17).

Como maças de ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tampo (v. 11). Eis aí a lição para os pairadores, para os que sempre gostam de falar, a tempo ou fora de tempo. A palavra "maças" talvez devesse ser trocada por outra fruta, mas qual? pouco importa, aceitemos mesmo a que nos dá o texto. A lição é muito ilustrativa. A palavra dita a seu tempo, nem antes nem depois, é a chave de uma decisão. Numa discussão convencional, a última palavra talvez decida o assunto no melhor sentido. Outra ilustração interessante: Como pendentes de ouro, assim é o sábio repreensor para o ouvido atento (v. 12). Parece melhor dizer conselheiro, pois repreensão não agrada. Continuam as símiles: Como o frescor da nove no tempo da ceifa, assim é o mensageiro fiel (v. 13). No tempo da ceifa há calor, mas um frescor da neve seria uma saudável atmosfera para os segadores. Um mensageiro que entrega a mensagem no devido tempo e com fidelidade é como o frescor da neve no calor. O verso 14 diz respeito ao vangloriador, o sujeito que sempre se gaba dos seus feitos e das suas virtudes. O tal é como nuvens e ventos que não trazem chuvas. Só vento. Isso não interessa, pois vento sem chuva seca ainda mais a terra. Contra essa doutrina está o verso 15, em que a longanimidade do príncipe e a língua branda esmagam ossos, isto é, derribam contendas. Achaste mel? Como apenas o que te basta (v. 16). Sê moderado, não glutão, porque se comeres demais podes vomitá-lo. Essa lição serve para glutões, para pessoas que se desmandam, que exorbitam. São os exagerados. No mesmo estilo de linguagem vem o verso seguinte, aconselhando a não freqüentarmos amiúde a casa do amigo, para que não se enfade e se aborreça (v. 17). Há gente que gosta de ser inconveniente e sem cerimônia. Uma visita a tempo é coisa desejável, porém uma importuna é como goteira em telhado quebrado.


6.1.4 Ainda os símiles (vv. 18-23)

O homem (ou a mulher) que levanta falso testemunho é como cacete, espada e flecha, instrumentos de agressão. O que jura falso é uma criatura que deve esperar pela recompensa de cima, pois arruína a vida do próximo, talvez até o nome, que é tudo quanto a pessoa realmente possui. Um símile gozado é o que diz: Como dente quebrado o pé sem firmeza, assim é a confiança no desleal em tempo de angústia (v. 19). De que vale um dente quebrado e um pé sem segurança? Não valem nada. O homem desleal no tempo da necessidade é justamente assim. Tal pessoa é como quem se despe em tempo de frio a como vinagre em ferida (v. 20). Comparações ferinas, dignas de quem as merece. Bote vinagre na ferida e mande pular de dor. Não suavisa, não cura. O amigo que entoa canções a um coração aflito é mesmo como colocar vinagre numa ferida. Em contraste com estas comparações ferinas, segue um verso suave e desejável, ilustrado por Paulo em Rom. 12:20 e por Jesus em Mat. 25:35. Não obstante a dureza da lei, em que "dente por dente e olho por olho" era a norma, aqui vem uma mensagem de amor que resplandece grandiosamente no Novo Testamento. Foi uma das bases do juízo final contra os que podiam dar de comer aos famintos, e não deram. Muitos amontoam brasas sobre a sua cabeça, e outros tiram as poucas que lá haveria. Esse é, sem dúvida, um dos mais lindos provérbios da nossa imensa coleção.

6.1.5 Que coisas melhores poderá haver? (vv. 24-28)

Uma é: melhor morar no canto de um eirado, do que com uma mulher rixosa numa mesma casa. São sem número as vezes que a mulher rixosa aparece nessas sentenças. Por ser um fato comum e intolerável, havia muitos provérbios a respeito de mulheres rixentas, e cada qual com as mulheres variantes. Podemos imaginar o que será um fato desses. Outra: Como água fria para um sedento, são as boas-novas vindas de um país remoto (v. 25). Certamente, se nesse país estiver pessoa de nosso interesse particular, deve ser o sentido. O verso 26 tem mais uma comparação interessante: Um justo que cede ao perverso é como a fonte que foi poluída. Veja-se o alcance desta sabedoria: Fonte perturbada é ter água turvada, poluída: Antigamente não havia água encanada nas cidades, e cada qual se abastecia da fonte comum. Esta era preservada com carinho. Se se poluísse, muitas famílias sentiriam o efeito. O verso 27 pode ser comparado com o 16 deste capítulo, e outros. Comer muito mel faz mal, da mesma forma que procurar a honra, não é honrar, porque esta deve vir por si mesma em virtude de atos. Honra não se busca: recebe-se. A seguir: Como cidade derribada que não tem muros, assim é o homem que não tem domínio próprio (v. 28). Não são muitas as pessoas a quem se pode aplicar esta sabedoria, isto é, pessoas que não se dominam a si mesmas. Tais pessoas não podem dominar os outros, não podem governar o povo.


6.2. UMA CIDADE GOVERNADA POR TOLOS (26:1-28)

Esse livro dos tolos e tratantes (vv. 1-12) é uma coletânea de adágios a respeito de pessoas destituídas de bom senso e critério, e também de indivíduos sem compostura. E o que nós chamamos de cidade governada por tolos. O contraste estabelecido é que há, na sociedade, muita gente destituída de bom senso, e muitas vezes é esta gente que deseja governar os outros. Vale a pena estudarmos essa classe de gente, pobre de senso e de juízo. São 12 os versos (com exceção do verso 2, que fala do pássaro - deve ler-se pardal - que foge como a andorinha, como se fosse da mesma espécie) que tratam dos tolos.

6.2.1 Deixe os tolos com os tolos (vv. 1-12)

Como a nove no verão o como a chuva na ceifa, assim a honra não convém ao insensato (v. 1). Mas são justamente estes que buscam essa honra e encontram outros de igual jaez, que lha concedem. Uns e outros são todos iguais. Dar honra a um camarada que não sabe usá-la é maior estultície do que a estultícia mesma. Isso está conforme 25:7 e João 5:44 e outros. Como o pássaro (pardal) que fogo como a andorinha no seu vôo (migratório) assim a maldição sem causa não se cumpro (v. 2). O pardal não emigra como as andorinhas; não é da sua natureza. Do mesmo modo a maldição sem causa não produz efeitos. O escritor sagrado deve estar pensando nos sortilégios dos tolos, invocando forças estranhas, uma espécie de mandinga, macumba. Quem tem medo de macumba? Só outros tolos, como um pássaro de diferente modo de vida, que quer seguir os de vida migratória.

Os versos 3 e 4 não são interpretados uniformemente por muitos escritores. Até os rabinos tropeçaram nesses versos. Talvez a doutrina seja: ao tolo não se dá resposta, pois o mais a produzir, seria o mesmo que uma chibatada nos lombos do cavalo - acirrava-o. Se o tolo diz uma asneira, não se responda, é o ensino; deixá-lo é melhor do que tratar com ele. Se responder, conforme a última sentença do verso 4, deve ser de acordo com a sua tolice; e então a pessoa se torna igual a ele. "Dar as costas" é a melhor tradução.

Os versos 6 e 7 dão outra doutrina. Não mandes mensagem por um tolo; quem faz isso é o mesmo que cortar os pés, pois as pernas do insensato são bambas; ele é coxo; não responde à missão. Os tolos devem ser deixados a sós. A palavra na boca do tolo é o mesmo que um coxo de pernas bambas. Comparações ferinas e até um tanto descaridosas, pois o insensato


não se fez a si mesmo, a não ser o que, assim sendo, pensa ser entendido. Então deve ser tratado como petulante. Pela sabedoria antiga, só os sábios podiam e tinham direitos na sociedade; talvez não seja este o fim desse ensinamento, mas, sim, o fato de os de menos capacidade não deverem ser guindados a postos de mando ou de ensino. Em tempo de eleições no Brasil, o que vemos muitas vezes são os menos capazes fazendo barulho para se elegerem. Dar-lhes ouvidos é o mesmo que atirar pedras preciosas no montão de ruínas (v. 8). Muita vez quem não dá para outra coisa, dá para político. Um provérbio, uma parábola, é coisa fora de lugar para um tolo. Como o galho de espinhos na mão do bêbado, assim é o provérbio na boca dos tolos (v. 9). Moffat interpreta este verso assim: "Honrar um tolo é o mesmo que colocar uma pedra numa funda para não ser atirada." A comparação entre ramo de espinhos o provérbios na boca dos tolos é que tanto uma coisa como a outra são inconvenientes. Um tolo nada diz que se aproveite; e, que faz um bêbado com um ramo de espinhos na mão? Quaisquer que sejam os sentidos desses versos, o que fica evidente é que os insensatos não devem ser levados em conta. Esta é a súmula de todos esses ensinos. O verso 9 continua a série: Um flecheiro que a todos fere, assim é o que assalaria insensatos e transgressores. Uma fazenda cultivada por esta gente só poderia dar danos ao seu proprietário. Assim faz o flecheiro - a todos fere. O ensino é que deva haver, bom siso na escolha de trabalhadores; não escolher qualquer um.

O verso 11 deve ser comparado com II Ped. 2:23 e ls. 19:14. O insensato que reafirma a sua tolice é como cão que volta ao seu vômito. A capacidade de ficar calado é próprio dos sábios. O insensato, porém, fala a tempo e fora dele. Esta doutrina deve ser aplicada a muitos oradores em nossas convenções, que de tudo falam e de tudo sabem e entendem. Já se tornaram motivo de troça. Para terminar essa seção sobre os tolos, veja-se o verso 12: Tens visto a um homem que é sábio a seus próprios olhos? Maior esperança há para um tolo do que para elo. Então perguntamos: Que é que vale? Esperar que os outros nos reconheçam como sábios? Nem uma coisa nem outra. O sábio não tem que se preocupar, porque a seu tempo lhe reconhecerão esta qualidade. Proclamar a sua sapiência é que é tolice. Aliás, o sábio não se proclama a si mesmo; é modesto, ainda que modéstia também seja uma virtude nem sempre condizente. Terminamos aqui o Livro dos Tolos, e vale a pena um estudo, um exame de tais ensinos, que nos vêm de tempos muito antigos (veja Rom. 1:22 e ss.).

6.2.2 O livro dos indolentes (vv. 13-16;22:13;19:24) O preguiçoso era um tipo desprezível em Israel, e ao redor da sua preguiça giravam então diversos provérbios, como o do leão na rua, e, com pretexto de medo o preguiçoso ficava em casa, remexendo-se na cama ou no catre como a porta se move nos seus gonzos para lá e para cá e nunca sai do lugar. Ou então como quem mete a mão no prato, mas não tem coragem de a levar à boca (vv. 14 e 15). Todavia, o preguiçoso também tem suas opiniões, e é isso que diz


o verso 16, pois se julga mais capaz do que sete homens que sabem o que dizem. A preguiça recebe no livro dos Provérbios a sua condenação, porque ela é a causa do atraso de muitos povos, que ficam de braços cruzados, à espera do que os outros fazem, de que os outros pesquem o peixe para eles comerem.

6.2.3 O livro dos traficantes (vv. 17-22) Se o preguiçoso é um elemento inútil na sociedade, o tratante é elemento perigoso. Dos dois, não temos escolha; nada queremos com qualquer deles. O intrometido em tudo se mete. Diz o verso 17: Quem se mete em questão alheia é o mesmo que pegar pelas orelhas o cão que passa. Muitos, que se metem a desapertar brigas, levam o pior, um tiro pela frente. Mas há um pior do que o que se intromete em questões dos outros: é o que faz mal ao seu próximo e diz: "foi por brincadeira". Tal pessoa é como um louco, que lança fogo e flechas e morte (vv. 18 e 19), pois ninguém deve prejudicar a outrem nem por brincadeira, pois não há cabimento para tal brincadeira. Rouba um porco ou um cabrito e diz: "Foi por brincadeira!" A moral do provérbio é bem clara: o ladrão pratica o roubo. Se for descoberto, sairá com esta: "Foi por brincadeira." Se não for descoberto, ficará com o roubo.

Sem lenha, o fogo se apaga; o sem maldizente (mexeriqueiro), cessa a contenda (v. 20). Tipo repulsivo é esse, que anda de casa em casa, ateando fogo em desentendimentos antigos ou recentes. Este autor já sofreu com essa gente, ao ponto de uma sua igreja decidir, em sessão, ser excluída qualquer pessoa que fosse pegada intrigando ou mexericando, que é a mesma coisa. As nossas igrejas já têm sofrido muito com essa casta de gente. Os tempos estão melhorando, felizmente. O mesmo ensino está no verso 21: Como o carvão para a brasa o a lenha para o fogo, assim é o homem contencioso para acender rixas. Se não houver carvão, o fogo se apaga; se não houver mexeriqueiro, a contenda cessa. Muitos desentendimentos entre irmãos e amigos nascem dessa casta de gente que se mete na vida dos outros para fazer o mal. O fuxiqueiro deveria ser marcado com ferro em brasa na testa. Assim todos o conheceriam; no entanto, as nossas leis são omissas nesse ponto. Deveria ser incluído um artigo no Código Penal para cuidar dessa gente. As palavras dos tais são como a comida que desce para o estômago e é depois evacuada.

6.2.4 A classe dos hipócritas (vv. 23-28). Como o vaso de barro, coberto de escórias de prata, assim são os lábios amorosos e o coração perverso. É o beijo de Judas. Mas há muitos judas neste mundo, pessoas que louvam com os lábios, mas seu coração está cheio de rapina (Luc. 11:39 e Mat. 23:25). Quem pode livrar-se deles? É caso de desconfiar de certos elogios, pois algumas vezes, mesmo bem intencionados,


são forjados por Satanás, para encher de vaidade a pessoa e botá-la a perder. Certo pregador moço, elogiado uma vez por um bom sermão que pregara, respondeu: "O Diabo já ma disse isso mesmo." Uma resposta grosseira, sem dúvida. Melhor nada falar e não acreditar em tudo que se nos diz. Há elogios sinceros e há os de segundas intenções. O que aborrece dissimula com os lábios... quando te falar suavemente, não creias nele (vv. 24 e 25). É o mesmo que já afirmamos: não aceitemos todos os elogios, pois quem sabe como está o coração da pessoa que elogia? No entanto, tal criatura será descoberta, porque o seu ódio encobre com engano, porém a sua malícia se descobrirá publicamente (v. 26). É o mesmo que dizer: "A malícia não fica encoberta para sempre." Nós vivemos num mundo mau, cheio de Invejosos, de frustradores, que não têm coragem de se declarar publicamente. Um dia se mostrarão tais como são, porque nada há encoberto que não haja de ser revelado (Mat. 4:22 e I Ped. 3:4). Pouco se perde por esperar que a luz se faça. Deus mesmo se encarrega de a fazer brilhar.

Quem abro uma cova, nela cairá, o a pedra rolará sobre quem a revolve (v. 27). É um antigo adágio de aplicação dúbia, pois nem sempre, especialmente na cidade, isso se aplica. No interior, porém, a verdade é esta, e o autor de Provérbios, morando numa cidade antiga, conhecia essas verdades. São adágios antigos que passaram de geração à geração, até perderem muitos deles o sentido. Todavia, fica uma lição para tais casos. Igualmente o verso 28 é de leitura difícil e por isso alguns comentadores preferem ler: "A língua falsa aborrece a quem ela afligiu." Isto porque falar falsamente aflige mais do que mesmo fere. A boca lisonjeira é causa de ruína (v. 28). O sentido parece ser: a boca tanto pode lisonjear sem motivo e sem causa, como pode arruinar. Os que nunca têm uma palavra de reprovação para certos atos são mais culpados do que quem mesmo os pratica. São muitos os textos que versam sobre o uso da língua; ora sobre a que fala falsamente, ora sobre a que elogia sem causa. Já noutros lugares citamos a doutrina de Tiago, capítulo 5. Aqui termina o catálogo das quatro classes anormais de uma sociedade: os tolos, os preguiçosos, os traficantes e os hipócritas. Qual a sociedade humana livre deles?

O segundo livro de Salomão continua ainda nos capítulos 27 e 28 e 29:27. Neste, os assuntos, como vimos, são tratados em classes quase sempre. Não são provérbios isolados, sem nexo, multas vezes. Dessa forma o ensino é mais compreensivo e fácil, mesmo que neste capítulo nem sempre se observe isso.


6.3. ENSINOS SOBRE RELAÇÕES ENTRE INDIVÍDUOS (27:1-27)

A primeira lição é que não nos devemos louvar quanto ao dia de amanhã, porque não sabemos o que nos trará. Tiago 4: 13-16 apresenta esta doutrina, que possivelmente foi daqui copiada. Se assim for, verificamos que o Livro de Provérbios era um dos mais lidos em Israel. Paulo mesmo e Pedro fazem largo uso dele. Ainda sobre o verso 2, podemos invocar Tiago outra vez (4:16; veja 26:12). Noutro provérbio lemos que louvor em boca própria é vitupério (Prov. 18:27). Outra vez volta à cena o tolo, cuja ira é mais pesada que pedra e areia. Deve ser uma espécie de ira irracional, filha de sua própria insensatez. Todo homem normal se controla, até nos seus momentos mais críticos; todavia, o insensato se descontrola, ao irar-se. Deve ser isso que se entende deste verso. Pelo verso seguinte, o 4, temos outra idéia do que sejam o furor e a ira, sendo a inveja pior que a pior ira. De fato, quem pode vencer o invejoso, que é traiçoeiro, e, se não se arremete contra o adversário, também não o poupa.

6.3.1 O valor de um amigo (vv. 5-11)

Leais são as feridas feitas pelo que ama, a melhor é a repreensão franca do que o amor encoberto (vv. 5 e 6). Não se trata de repreensão no sentido vulgar, mas de aconselhar, quando essa repreensão ou conselho é melhor do que uma amizade embutida. Quando amamos alguém, desejemos o seu bem; então nos achegamos a tal pessoa e lhe dizemos o que nos parece lhe ser útil. É o mesmo que afirmar: "Pancadas de amor não doem." Há muita sabedoria em Provérbios e nas variadas formas de expressão popular.

A alma farta pisa o favo de mel; mas à alma faminta amargo é doce (v. 7). A ironia é muito fina neste verso. Uma pessoa farta, mesmo que se veja num banquete, não se transmuda, mas a um faminto tudo é doce e bom. Qual ave longo do seu ninho, assim é o homem longo do seu lar (v. 8). Uma suave comparação. Uma ave longe do seu ninho está distante de sua casa, de seus filhotes e sua companheira; o homem longe do seu lar, da esposa e dos filhos é um coitado atirado ao mar. Destes versos isolados, passa o escritor sagrado a uma série de ensinos sobre amizade. Como o óleo o perfume alegram o coração, assim o amigo encontra doçura no conselho cordial (v. 9). Há um bom amigo; quem o tem? Diz-se que o Padre Antônio Vieira escreveu: "Há certos amigos que não são amigos certos." Sim, um amigo leal, que nos honra na presença e na


ausência, é qualquer bênção que alegra como o óleo. Igualmente, o verso 10: Não abandones o teu amigo, nem o amigo de teu pai ... Se temos um amigo, é nosso dever socorrê-lo, se preciso, e, se foi amigo de nosso pai, por causa de sua memória, ainda devemos ser seu amigo. O amigo da família deve ser prezado. O resto do verso é um complemento admirável: Mais vaio o vizinho perto que o irmão longe (v. 11). Nós sabemos o que é ter um bom vizinho, que ao primeiro sinal de aflição está à nossa porta para nos ajudar. Se nosso irmão está longe, que poderá fazer? É isso que o texto nos ensina.

O verso 11 tanto pode pertencer a essa seção como à seguinte, pois está isolado. É o apelo do pai ao filho para que seja sábio e alegre o seu coração, porque assim poderá responder aos que o afrontam. O sentido doutrinário não é muito claro, a não ser que o bom filho é um encorajamento para o pai na sua adversidade. Não se trata tanto do dever de o filho acudir ao pai, mas de encorajá-lo por ser um bom filho.

6.3.2 Algumas observações interessantes (vv. 12-16)

O verso 12 deve ser comparado com 22:3, onde é repetido, e com o 13 (veja 20:16). São ensinos análogos e que os homens de Ezequias repetiriam, por acharem interessantes os seus ensinos. O homem prudente afasta-se do mal, mas o tolo mete-se nele. Ficar por fiador é fato que Provérbios condena sem misericórdia; e tomar por penhor aquele que se obriga à mulher estranha é ensino que a gente não entende. O verso correspondente em 20:16 refere-se a desconhecido; mas essa qualidade de mulher, que sempre tem sentido pejorativo, parece-nos bem esquisita. Ficar-lhe por fiador seria rematada loucura. A mulher oriental não tinha direitos civis, nem o domínio da casa paterna; então como é que se faz tal recomendação?

O que bendiz o seu vizinho em altas vozes logo de manhã (v. 14) deve referir-se a uma laudação palavrosa, insincera; e os que ouvem tais saudações são tomados no sentido de mandinga. Talvez se refira aos que conversam sobre os eirados; ainda assim, de madrugada, soa algo fora do normal. É costume que não se conhece, mas deveria estar em uso nos dias de Ezequias.


Uma outra expressão sobre a mulher rixosa a assemelha ao gotejar contínuo em tempos de chuva. Pobres mulheres. Algumas merecem todas essas recriminações, embora muitas mereçam os nossos louvores. Nossas igrejas têm experiência do que são as boas mulheres, sem as quais um pastorado não progrediria. A vida tem de tudo. O verso 16 vai adiante, usando figuras de conter a mulher rixosa como seria conter o vento e tentar agarrá-la, o mesmo que pegar numa coisa untada de óleo. Escorregaria como enguia na mão. Essa pequena seção tem muitas lições que devemos anotar.

6.3.3 Comparações importantes (vv. 17-22)

Como o ferro com ferro se afia, assim o homem ao seu amigo (v. 17). Um ajuda ao outro e os dois se completam. Uma ferramenta cega, embotada, não corta, não serve; um amigo que não auxilia não serve também. É a lei da reciprocidade. É como o homem que trata da figueira o come do seu fruto, a o que cuida do seu senhor é honrado (v. 18). A figueira paga o trabalho que se lhe dá; e o senhor bem servido recompensa o seu servidor, honrando-o. As nossas relações se aperfeiçoam pelo contato e uso, os que bem desempenham as suas tarefas são honrados (veja Mat. 25:21). O egoísta acha não ser assim, mas sua opinião não vale. A mesma doutrina ainda continua no verso 19, onde a água reflete o rosto da pessoa que dela se aproxima; do mesmo modo o coração do homem se espelha no do amigo. Continua a lei da reciprocidade - bem com bem, mal com mal.

Doutrina estranha oferece o verso 20. O inferno, Shool, e o abismo, Abadom, nunca se fartam, são como a sepultura que está sempre pronta a receber mais um. Deve referir-se ao ganancioso, que é como os olhos, que nunca se cansam de ver; o ganancioso jamais está satisfeito, sempre quer mais e mais, até se arruinar. A lei é procurar primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e todas as coisas serão acrescentadas. Quantos se deixam levar por essa doutrina? A seguir vem um teste. O crisol prova a prata, e o forno, o ouro, e só por esses elementos a prata é prata e o ouro é ouro. Então que significa esse ensino? Que o homem é provado pelos louvores que recebe (v. 21). Se é louvado é porque o merece, e isso será a prova da sua atividade. Os louvores muita vez estragam a pessoa de caráter fraco; o forte, porém, não se lava nesses elogios e os recebe humildemente, reconhecendo que não fez tudo quanto podia


ou devia fazer. Essa doutrina está em desacordo com o verso 22, ao dizer que o insensato, ainda que seja pisado com mão de gral, não se vai dele a sua tolice. ' Pobres tolos, que têm em Provérbios a sua maior condenação

6.3.4 - Um tratado sobro a vida pastoril (vv. 23-27).

Sobre este breve relato a respeito da vida pastoril em Israel muito se tem escrito, pensando alguns comentadores tratar-se de influenciar a vida do campo contra a vida palaciana e especulativa, pois era do campo que vinham a riqueza e a fartura. Se este ponto de vista puder ser aceito, só temos a lamentar a brevidade desse tratado, pois consta apenas de três versos: 25 a 27. Temos por norma não especular demais sobre os ensinos da Sagrada Palavra. Entretanto, admitimos, em muitos casos, termos de imaginar, de supor, pois a laconicidade do texto nos leva a isso. Assim achamos que o sagrado escritor tivesse mesmo em mente encorajar a vida campesina.

Nas colheitas ou no fim delas, fica sempre o que se chama de restolho, o que cai das hastes do trigo, cevada ou centeio, bem como as partes rentes ao chão, de onde foi cortado o cereal. Este restolho forma mesmo uma camada, que serve para conservar a umidade do solo contra as geadas do inverno. Então diz o texto: Quando, removido o feno (restolho), aparecerem os renovos (v. 25), então surgem as ervas, e os cordeiros te darão as vestes (a lã), os bodes o preço do campo, pela procriação e multiplicação de animais, o as cabras, leito em abundância para teu alimento (v. 27). Passado o inverno, ao começar a despontar a primavera, limpo o campo, os gados encontram pastagens em abundância, o que propicia a procriação e a riqueza do fazendeiro. Esse tipo de vida campesina é bem mais interessante que a vida especulativa da cidade, com os seus preguiçosos, os traficantes, as mulheres vadias, que, segurá-las, é o mesmo que controlar o vento", e "agarrá-las", o mesmo que pegar o óleo na mão (27:16). No campo está a fartura de lã para fazer os vestidos, leite para o queijo e a manteiga, e a renda da venda de animais.


6.4. PROVÉRBIOS ANTITÉTICOS SOBRE A PUREZA DA RELIGIÃO (28:1-28)

Este tipo de provérbios é muito interessante na contextura da doutrina, pois o que a primeira linha afirma, a segunda contesta. Há quase sempre o "MAS" para modificar o sentido da primeira linha, como, por exemplo: "Os homens maus não entendem o que é justo; MAS os que buscam o Senhor entendem tudo" (v. 5). É uma espécie de debate próprio, em reuniões sociais ou religiosas, ainda em uso em nosso Nordeste, entre os violeiros ou cancioneiros. Numa quadra, um afirma certa coisa, ao que o outro responde o contrário. O uso desses provérbios em Israel era comum. Tal ensino abrange os capítulos 28 e 29. Um debate entre a mocidade, numa noite festiva, seria alguma coisa inédita. Infelizmente, se há alguma parte da Bíblia ignorada, esta é a de Provérbios, justamente a que deveria ser mais lida e conhecida pelos que estão começando a viver, para saberem como se conduzir na vida, pois o Livro de Provérbios é uma resenha de todo o saber oriental, tanto dos judeus como dos gentios, como já vimos quando estudamos O Livro dos Sábios em 22:17-24:22. Como já dissemos, alguém sugeriu às Sociedades Bíblicas fazerem edições especiais de Provérbios, bem encadernadas, com aparência atraente, para distribuir entre a juventude. Isso seria admirável contribuição à formação do caráter da mocidade.


6.4.1 Fidelidade à lei de Deus (v. 1-8)

A comparação entre os perversos e o justo é interessante; aqueles fogem, mas o justo é intrépido como o leão (v. 1). Não há coragem para os perversos, que se escondem de si mesmos. Os justos são valentes. Esta doutrina deve referir-se à situação de Israel no tempo de Ezequias, pois no norte os reis se sucediam a intervalos, e as transgressões da lei eram uma calamidade, e, por causa dessas transgressões, mudavam-se freqüentemente os príncipes ou reis (v. 2). O Reino do Sul, permanecendo por mais de 135 anos sobre o do Norte, teve o mesmo número de monarcas, a demonstrar que só a fidelidade à religião dá permanência. Um sábio e prudente se faz estável, como Ezequias, que reinou de 729-682 a.C., ou seja, por 42 anos. Enquanto reinava em Jerusalém, em Israel os monarcas se sucediam a Intervalos. Por isso o Reino do Norte não demorou a cair nas garras dos reis assírios. O verso 3 também deve estar em consonância com a situação de Israel do norte. O homem pobre que oprime os pobres é como chuva (v. 3). Isso deve referir-se ao empobrecido dono das terras, obrigado a pagar impostos sobre impostos, para sustentar um governo sem segurança, e que, por sua vez, oprimia os outros; ou então um delegado do governo, também empobrecido e que ia extorquindo dos coitados o pouco que tinham. Essa casta é como chuva que tudo arraste o não deixa trigo (v. 3). A situação no norte, comparada com a do sul, é mesmo como chuva que arrasta tudo e deixa a terra escalvada e nua. Tudo isso acontece aos que desamparam a fel o louvam o perverso (v. 4). Os governos dos povos vizinhos, sírios e assírios, exploradores, eram louvados ou bajulados, povos perversos; mas os que guardam a lei se Indignam contra ele (v. 4). Os judaítas, louvados na sua lei, eram invencíveis e repeliam os Iadravazes reis do norte. Uma espécie de loucura coletiva tomou conta do pobre povo do norte de Israel, onde não havia castigo que bastasse para se emendarem, e por isso o texto diz: Os homens maus não entendem o que é justo, MAS os que buscam o Senhor entendem tudo (v. 5). Segurança e felicidade existem para os que buscam a lei do Senhor, como foi o caso de Jerusalém nos dias de Ezequias, mesmo que antes e depois também houvesse multa loucura no abandono da lei de Deus.

O verso 6 faz uma comparação interessante. Ser melhor um pobre que ande na sua integridade, do que um perverso nos seus caminhos, ainda que seja rico (v. 6). Riqueza não é condição para bondade. Deve haver aqui uma referência ao indivíduo usuário e extorsivo, coisas proibidas em Israel e condenadas pela lei. Veja-se Levítico 25:36, em que se proíbe receber juros de importâncias emprestadas ao irmão (veja Deut. 23:19). O verso 8 completa a doutrina, em que o extorsivo ajunta para o que se compadece do pobre. A usura é filha da ganância e muito comum modernamente entre os gentios, em que humildes funcionários hipotecam os seus salários ou proventos com juros de até 20% ao mês. A isto deveria chamarse roubo. Emprestar dinheiro a juros legais é normal, mas a extorsão é praga. Muitos pensam que os judeus implantaram essas normas; se assim é, os gentios aprenderam bem as lições. O que vale é guardar a lei, pois o tal é filho prudente, mas o companheiro de libertinos envergonha a seu pai (v. 7). Outra praga das sociedades é a libertinagem, a vadiação e perdulação. Quantos pais por esta razão vivem amargurados com os seus filhos. Talvez esta


condição leve ao verso 8, já estudado, em que o ganancioso ajunta para o que se compadece do pobre. Os libertinos não têm consciência da desdita dos outros, só pensam em si. A justiça divina não falha, mesmo que pareça tardia. Quantas fortunas mal ganhas serviram não para os que as ajuntaram, mas para outros! Nem sempre tal fato sucede, porém está previsto na Escritura e deve ser certa. Esta seção completa-se com a condenação da usura e da exortação, filhas naturais de gente perversa, que não tem o temor de Deus e só pensa no seu estômago (veja Lev. 25:36).

6.4.2 Só a justiça é louvada (vv. 9-12)

Não há religião que sirva para salvar o que se desvia da lei, pois até as suas orações não são ouvidas, conforme 15:8. Isto lembra-nos a parábola do fariseu e do publicano em Luc. 18:13. Palavras não convencem; a prática da lei e da justiça é que valem. Deus não ouve aos que abandonam a sua palavra e se entregam a devaneios. O que desvia os retos para o mau caminho, ele mesmo cairá na cova que fez (v. 10). O mal por si se destrói, diz o adágio popular; mas os íntegros herdarão o bem (v. 10). Integridade aqui significa fidelidade à lei de Deus; estes não se desviam dos retos caminhos. O escritor sagrado passa a outro assunto no verso 11. O homem rico é sábio aos seus próprios olhos, mas o pobre que é entendido sabe desprezá-lo (v. 11). A riqueza é presunçosa, egolátrica e só vê o dinheiro, enquanto o pobre fiei, porém, à lei, sabe desprezá-lo, isto é, não liga para ele. Esta é melhor tradução. Pobres e ricos ocupam grande parte do Livro dos Provérbios, não tanto pela riqueza ou pobreza em si mesmas, mas pelos seus efeitos na vida social. Há sempre louvores para o pobre, por ser a parte mais fraca da sociedade, enquanto o rico, em geral, sofre as vergastadas do sagrado escritor. Outro verso de grande importância: Quando triunfam os justos, há grande festividade (v. 12). Deve ter alguma relação com a subida de Ezequias ao trono, governando ele juntamente com seu pai, um rei mau. Logo que este morreu e tomou Ezequias conta do governo, houve grande regozijo e por todo o seu reinado houve felicidade. Quando os perversos (maus) sobem, os justos se escondem (v. 12). Houve reis que morreram e nem deixaram de si saudades (II Crôn. 21:20).


6.4.3 Sinceridade na religião o conduta (vv. 13-20)

O verso 13 deve ser estudado à luz do Salmo 32. O que encobre as suas transgressões jamais prosperará (v. 13). O verso 3 do Salmo 32 declara: "Enquanto calei os meus pecados, os meus ossos envelheceram." O que confesse os seus pecados o os deixa alcançará misericórdia (v. 13). Esta doutrina aplica-se a certos cristãos pecadores, que nunca declaram as suas faltas. Diz o texto que os tais não prosperam. Todavia, temos visto velhos pecadores, impenitentes, em franca prosperidade. Serão salvos? A Palavra de Deus não pode falhar. Há muitos que se dizem crentes e não o são. Só o juízo perante o trono de Jesus esclarecerá muita coisa (Mat. 25:31-40). Por isso diz mais o

texto: Feliz é o homem constante no temor do Senhor (v. 14). Veja 1 João 1:8, 9. Temor de Deus. não é o mesmo que ter medo de Deus, conforme Oséias 3:5, onde a palavra tremendo significa pavor por pecados cometidos. O que endurece o seu coração cairá no mal (v. 14). É o mesmo que dizer: O que muitas vezes é repreendido e não se arrepende cairá sem remédio. Os versos 15 e 16 tratam de governos insensatos. Como leão que ruge o urso que ataca... fazem o mesmo que um perverso dominando os pobres. Imagine-se um cretino governando uma nação de pobres! Que desgraça! Isso, todavia, tem acontecido muita vez. Um perverso governando um povo pobre é o mesmo que um príncipe falho de inteligência, que multiplica opressões (v. 16). Em contraste com esta situação, segue uma outra, admirável: O que aborrece a avareza viverá muitos anos (v. 16). Esta linguagem dirige-se a um povo crente, porque os incrédulos não têm noção dos pecados que cometem, roubando o seu próximo, como temos visto noutros passos. Os Provérbios nasceram em Israel, no meio de um povo supostamente temente a Deus. Se tais ditos fossem escritos na França ou no Brasil, cremos que a linguagem seria outra. O verso 17 trata do homicídio, e é o único verso em Provérbios vazado em prosa. O homicida vai matando, até chegar a sua vez de cair também na cova, isso tem acontecido bastantes vezes em nossa sociedade. Só o que anda em integridade será salvo (v. 18) ou estará a salvo, porque o perverso fogo cairá. O mal não dura para sempre, como diz o pregador do seu púlpito: "O teu pecado te apanhará." Há recompensa em ser justo e viver justamente, porque o pecado sempre traz maus resultados. Só trabalho honesto recebe louvores na Palavra divina, como se vê no verso 19, em que o que lavra a sua terra virá a fartar-se de pão, mas o que se ajunta a vadios (vagabundos), se fartará de pobreza (v. 19).

O verso 20 deve ser estudado à luz de 6:29, onde a fidelidade tem o sentido conjugal; todavia, aqui parece tratar-se de fidelidade para com Deus, pois o que se apressa a enriquecer não passará sem castigo (v. 20). A pressa de ficar rico leva o indivíduo a cometer muitas faltas, tais como a sonegação de impostos, a usura, a extorsão e outras. Para tal pessoa não se pode esperar um fim bom. Riqueza é uma boa coisa, mas riqueza com iniqüidade é chaga que produzirá um dia as suas dores. 6.4.4 A justiça em tudo (vv. 21-28).


Justiça nos tribunais, visto que parcialidade não é bom, pois até por um bocado de pão (suborno) o homem prevaricará (v. 21). Parcialidade do juiz ou da testemunha, quando estão em jogo interesses materiais ou morais, é um crime de que muitos provérbios se ocupam. Quantas injustiças se cometem, quando o mais fraco é quem leva o prejuízo. Por isso nós suspiramos por uma era de justiça, que há de vir, em que os ladrões, os perjuros, as falsas testemunhas não terão vez. O Milênio será esta era. Essa parcialidade se estende até o verso 22, em que aquele que tem olhos invejosos corra atrás de riquezas, mas não sabe que há de vir sobre ela a penúria. Não adianta ser invejoso e ganancioso; as muitas riquezas adquiridas fraudulentamente já desapareceram e seus donos vieram a cair na penúria. O dinheiro é um sujeito sem moral e quando encontra um outro sem dignidade, então um mundo de iniqüidade desaba. Um certo mestre dizia a pregadores jovens: "Cuidado com o dinheiro e com as mulheres!" São mesmo duas coisas boas, porém, mal usadas, são uma desgraça para pregadores e outros.

O que repreendo ao homem achará depois mais favor do que o que lisonjeia com a língua (v. 23). Por mais de uma vez temos tratado das lisonjas e dos louvores, e temos visto que estas coisas são bem mais agradáveis que a repreensão, a todos indesejável. Um bom conselho, ou mesmo repreensão, virá a produzir seus benéficos resultados, enquanto a lisonja, o louvor barato, a nada conduzem, senão talvez desviar a pessoa. O verso 24 parece tratar de filhos que tentam obter as propriedades de seus pais antes do tempo, à moda do Filho Pródigo. Possivelmente, terá relação com o dever dos filhos de sustentar os pais, e que, em nome da lei lhe recusavam este dever (Mar. 7:10). Tanto num caso como no outro, eram transgressão da lei mosaica. Então o filho israelita dizia: "Não há transgressão, não é pecado." Todavia, tanto o nosso texto como Jesus condenam tal procedimento. Há casos raros em que os pais doam aos filhos os seus haveres antes de morrerem, isso, porém, é outro procedimento. O verso 25 está dentro deste contexto. O homem cobiçoso (heb., largo de olhos) levanta contendas, mas o que confia no Senhor prosperava (v. 25). Trata das lutas e contendas ao redor de heranças ou de litígios entre indivíduos. Apanhar um pedaço de terra a mais indevidamente é crime, e, pela Bíblia, é pecado; entretanto, isso acontece muito. O verso 26 continua este mesmo pensamento, admitindo que um homem que pratica o que diz o verso 25 se supõe ser entendido (esperto), mas o que anda em sabedoria será salvo (v. 26). Sabedoria aqui é aquela que vem de Deus e de uma consciência serena e correta. O que dá ao pobre ("empresta a Deus") não terá falta (v. 27). Este não é ganancioso, o que só quer para si, mas o que esconde dele os olhos será cumulado de maldições (v. 27). Os pobres, as viúvas e os órfãos são objeto de especial carinho por parte de Deus, e quem nega auxílio a estes seres humanos desprovidos de meios não passa sem a sua recompensa. Finalmente vem o verso 28, em que os maus governantes voltam a merecer o repúdio do sagrado escritor, e só há alegria quando eles perecem e os justos se multiplicam (v. 28). Termina aqui este capítulo de provérbios antitéticos. Vale a pena o leitor meditar nos seus ensinos (veja 29:2).


6.5. DEUS E A SOCIEDADE HUMANA (29:1-27)

Os provérbios antitéticos continuam neste capítulo, e é com prazer que gastaremos alguns minutos na sua apreciação.

6.5.1 O homem justo é o alvo desta seção (vv. 1-10)

Há um homem que não deseja ser justo e, por mais que seja repreendido em suas loucuras, nunca aprende. Quando endurece a sua cerviz, será quebrantado de repente sem que haja cura (v. 1). Devido, talvez, a essa dureza de coração, tal pessoa não alcança a láurea de justo, pois a correção ou a repreensão tem o fim de corrigir de modo a fazer da pessoa alguém direito ou justo. Então, que acontece? Quando se multiplicam os justos o povo se alegra, MAS quando domina o perverso... (v. 2). O alvo da vida é fazer de cada indivíduo um ser humano justo para consigo e para com os demais; e este ideal só se consegue pela admoestação contínua, como se faz nas igrejas, e ainda muito fica por fazer. Maus governos administradores são os elementos visados neste verso. Todavia, há alguns que amam a sabedoria e alegram o seu pai; MAS o companheiro de prostitutas desperdiça os bens (v. 3). Compare com Lucas 15:11-30, especialmente 30. Esta praga social tem sido a ruína de muitos jovens, embora pareça não haver jeito. Recordamos quando um chefe de polícia, certa vez no Rio, determinou extirpar da cidade essa gente e como tantos se levantaram contra ele. Logo caiu, também por causa do jogo do cavalo. Certos pecados sociais parecem invencíveis, e o meretrício e o jogo são dois deles. Só seria possível se reformássemos a sociedade. Como? O evangelho é o único remédio.

A justiça da terra depende de reis justos (v. 4), porém, se eles são amigos de impostos, ou, segundo uma outra tradução, "homens cobiçosos", então não há possibilidade de justiça. Todo mau governante estrangula os seus súditos ou compatriotas, escorchando-os com impostos, maneira fácil de arranjar dinheiro. Isso é contra a Bíblia. Os tradutores lutam com a versão de muitas palavras do hebraico, termos idiomáticos, com sentido aforístico, de modo que nem sempre é possível saber bem o que o autor sagrado queria dizer.

O homem que lisonjeia o seu próximo, arma-lhe uma rede nos passos (v. 5). Já vimos noutros provérbios o perigo da lisonja, da laudação, e multas vezes com fins duvidosos. Aqui o que lisonjeia arma uma rede aos seus passos; quer dizer, vai enredar-se nas malhas da rede. Talvez o verso 6 queira completar o sentido, quando diz: Na transgressão do homem meu há laço a só o justo será capaz de cantar vitória. O justo cante o se regozija. É o louvor do justo tantas vezes elogiado. O justo, sempre o justo, pois ele se informa da causa dos pobres; MAS o


perverso de nada disso quer saber (v. 7). O perverso não tem coração temente a Deus, logo, pouco se importa com os que sofrem. O homem perverso é como os escarnecedores; alvoroçam a cidade, MAS os sábios desviam a ira (v. 8). No alvoroço de uma cidade só mesmo os sábios podem controlar a situação; pois um povo amotinado é um povo inconsciente. Tanto este verso como o seguinte tratam do sábio, que discute com o tolo e, quer se encolerize, quer ria (v. 9), não haverá fim. Para que discutir com um tolo? Ele tanto pode rir como zangar-se. É o mesmo para ele. Quem discute com tal gente perde o seu tempo. Os sanguinários aborrecem o íntegro. O resto do verso 10 deve ser assim traduzido: "mas quanto aos retos, eles, os sanguinários, procuram tirar-lhes a vida." O reto é um estorvo no caminho dos maus (v. 10).

6.5.2 Os efeitos de um mau governo (vv. 11-17)

Se um governo dá atenção a palavras mentirosas, como sói acontecer tantas vezes, então virão a ser perversos todos os seus servos (v. 12). Isso significa apenas que, se um governo der ouvidos a perversos, todos os demais se perverterão. Será então o reino da anarquia... O verso 13 trata outra vez do pobre e seu opressor, os quais o rei deve julgar eqüitativamente, para poder firmar-se no trono (v. 14). Um governo sem justiça é condenado por si mesmo. Tal ensino se encontra em 22:2 e Sal. 13:3. Repetimos o cuidado que Deus tem para com o pobre e o castigo que promete a quem o maltrata ou não o defende. O trono que despreza os pobres não dura para sempre. Note-se que há pobres e pobres; os que realmente o são, e os que exploram a caridade humana a troco de um lugar favorável na eternidade. Neste mundo perdido até as boas coisas da vida são pervertidas. Jesus, em Mat. 5:45, estabelece uma doutrina da equanimidade para todos, bons e maus. De modo geral, o que ele ensina é que todos somos da mesma família, sendo alguns transviados.

A vara e a disciplina dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma vem a envergonhar sua mãe (v. 15). A lição deveria aplicar-se a Absalão e a Roboão mesmo. Absalão era um rapaz mimado, que seu pai jamais contrariou e fez o que fez (I Reis 1:6). Muitos filhos são bem disciplinados e se perdem, mas a verdade é que a muitos faltou a vara. Quantas escrituras nos falam dessa verdade! Seria bom os pais aprenderem na sua Bíblia como criar os filhos com amor e vara. O verso 16 está conforme o nosso dia e a nossa história. Quando os perversos se multiplicam, multiplicam-se as transgressões (v. 16). A anarquia do mundo deve a sua situação à multiplicação dos perversos, subversivos e criminosos comuns ou políticos. Uma verdadeira


amostra de que os tempos estão chegando ao fim da nossa era. Não há paz nem harmonia. A diplomacia falhou, o entendimento entre os povos já se tornou quimera. O verso 17 deve ser estudado conjuntamente com o 1 5, dando-nos a medida das preocupações dos redatores de Provérbios, quanto à educação dos filhos. Corrige o teu filho, o te dará descanso... (v. 17). É uma admirável promessa, que mesmo Salomão e seu pai Davi não souberam praticar. Um cavalo não se amansa sem trabalho; um menino não se educa sem esforço.

6.5.3 Guardar a lei é certeza de felicidade (vv. 18-27)

A palavra profecia no hebraico é hazon, e a que significa revelação corresponde ao que dizem ls. 1:1 e Jer. 14:14. Com a profecia vem sempre a guarda da lei, que era a nota tocante em todos os apelos proféticos. Sem essa guarda não há segurança para o crente. Vejamos a história triste dos hebreus que, por causa das suas transgressões da lei, têm sofrido os horrores da sua desobediência até hoje, perseguidos em toda parte, e até agora na sua própria terra, com os árabes ao seu derredor. O lembrete não havendo profecia, o povo se corrompe é a lição desse pobre mundo, que nunca teve o privilégio de alguém lhe falar: ASSIM DIZ JEOVÁ. Então veio a derrota das nações que não tiveram profecia e não receberam a Bíblia.

No verso 19 há uma lição a respeito da escravatura, comum nos tempos de Salomão, afirmando: O escravo (servo) não se emendará com palavras; mesmo que entenda, não obedece (v. 19). É a lição triste da história, pois o escravo é por natureza um revoltado e sua única ambição a liberdade, a grande conquista do homem moderno. Os povos da América têm muita experiência desse fato. Mais adiante diz: Se alguém amima o escravo desde a infância, por fim quererá ser filho (v. 21). É natural; se foi tratado como filho, quererá ser filho mesmo. Não sei que lição poderemos tirar dessa escritura, senão a da igualdade de todos.

O iracundo, o soberbo, são tratados nos versos 22 e 23 como elementos de discórdia, em que só o humilde de espírito obterá honra (v. 23). Este ensino deve também relacionar-se com elementos perturbadores em Israel, que os havia também lá, pois em toda parte se encontra essa casta desavinda. Com o verso 22 confirmamos 15:18, onde o ensino é o mesmo; em Mat.


5:13 e Luc. 14:11 há a instrução final para este povo. Jesus estaria com Provérbios sempre em mente, pois lia a Septuaginta e o hebraico.

O que tem parte com o ladrão aborrece a sua própria alma (vida), pois a sua sorte é a morte, mais tarde ou mais cedo. O tal ouve as maldições e nada denuncia (v. 24). Está comprometido com o ladrão e é igual a ele. Os receptadores de furtos estão inclusos nessa maldição. O assunto deve relacionar-se com o juiz num tribunal, que ajuramenta todos quantos têm conhecimento do crime, para que o denunciem; mas o amigo do ladrão fica calado, sabendo do furto. O tal é tão criminoso como o ladrão. São iguais. Um rouba e o outro consente.

O verso 25 tem um ensino que se aproxima de muitos que Jesus ensinou. O que teme o homem defende-se armando ciladas, porém o que teme ao Senhor está seguro. O temor do Senhor é a tábua de salvação para todo homem. O último ensino deste capítulo ainda é o temor do Senhor. Muitos buscam favor de quem governa, mas para o homem a justiça vem do Senhor. O Senhor promete fazer justiça aos seus, mesmo que pareça tardio para com eles (Luc. 18:7, 8). Pelo menos 127 escrituras podemos relacionar com respeito à justiça de Deus, justiça em todos os quadrantes da vida. Graças a Deus, não estamos abandonados à mercê dos malfeitores. Contra o justo se levanta o perverso, o ímpio, para quem o justo é abominável, e todo o seu caminho, uma abominação ao mesmo perverso (vv. 26 e 27).

Terminam aqui os provérbios de Salomão. O resto do livro é uma espécie de memorial, tratando de muitos assuntos que teremos o prazer de examinar.


7 - AS PALAVRAS DE AGUR (30:1-33)

Não se sabe bem quem foi Agur, filho de Jaque, nem onde viveu. Massá é o lugar dado pelos textos sagrados. Como vimos na introdução, Massá foi o filho de lsmael, filho de Agar, concubina de Abraão. A terra a que deu o nome fica lá para as bandas de Dumá, no Monte Seir (Gên. 25:14 e I Crôn. 1:30). Temos então que esse personagem não era israelita; era filho do deserto, uma região árabe, meio esquecida e da qual nem os historiadores se lembram em suas pesquisas. O texto sagrado não inclui este nome; ele se encontra numa nota marginal, mas isso não enfraquece o fato de que Massá e Agur, filho de Jaque, pertenciam a uma região bem pouco relacionada com a vida dos hebreus. Como então interpretar tal coisa? Que relações haveria entre a vida de Salomão e seus provérbios, e a vida de Massã ou de Agur, filho de Jaque? Há muito a pesquisar, muito a adivinhar, e os comentadores nem demoram para apreciar fatos dessa natureza, que, se têm algum valor, pouco interessam ao texto sagrado. Vamos então seguir a trilha dos outros e partir para o exame apressado dos seus ensinos, que, aliás, diga-se de passagem, são muito profundos e atuais. Alguns comentadores acham que o nome de Agur seja um pseudônimo de Salomão, mas não vemos razão para isso, pois se Salomão aparece como autor de tantos provérbios, poderia surgir como dono desses ditos no capítulo 30. Preferimos aceitar o pensamento clássico de que Agur e tantos outros orientais, como os amigos de Jó, pertenciam a uma casta de sábios florescida em épocas remotas. O saber não tem pátria e nem época. Voltando ao nosso livro de Jó, caso se aceite a autoria de Moisés, ficamos convencidos de já em 2.000 anos antes de Cristo a filosofia e as letras terem sido o apanágio de tantos sábios. É certo que a palavra Massá faz parte de uma anotação marginal, que alguns comentadores rejeitam, embora não vejamos motivos para tal rejeição. Cheine afirma que este discurso não difere do de Elifaz em Jó 4:12-21, com o que alegremente concorda este autor, assim atribuindo alta sabedoria a tempos mui remotos. Os motivos por que esta doutrina foi incorporada aos divinos oráculos não sabemos, mas isso apenas nos ajuda a reconhecer que o saber não era patrimônio israelita. Não poucos autores têm descoberto muita sabedoria em Sócrates e tantos outros filósofos gregos, sabedoria que, não sendo inspirada, nem por isso deixa de ser sabedoria que a onipresença divina na raça humana, por meio dos seus maiores vultos, teria propiciado pela imanência divina. As grandes diferenças entre o saber étnico e o saber profético está em que este é diretamente inspirado e infalível, enquanto aquele não conta com essa qualidade. Todavia, não deixa de ser sabedoria, e esta não falha em demonstrar a presença divina em todo saber humano. Se o Espírito de Deus se afastar do coração humano, este desaparecerá.

Com essas palavras, com as quais desejamos apenas demonstrar que a sabedoria não é exclusivista, não pertence unicamente a uma raça ou a um povo, passaremos ao estudo das palavras de Agur.


7.1. O CONHECIMENTO (30:1-4)

Agur se confessa exausto de investigar a respeito de Deus e do governo do mundo e termina confessando-se estúpido por não ter conseguido o seu desejo. Esta é a confissão que todos fazemos quando desejamos conhecer mais de Deus. A sua ironia a respeito do conhecimento aparece no verso 2, quando diz: "Não tenho a inteligência do homem, não aprendi sabedoria (v. 3), nem tenho conhecimento do Santo." Então oferece-nos uma quadra poética dizendo: "Quem subiu ao céu e desceu?

Quem encerrou os ventos nos seus punhos? Quem amarrou as águas na sua roupa? Quem estabeleceu todas as extremidades da terra? Qual é o seu nome e qual o nome do seu filho? Se é que o sabes?"

Voltando os nossos olhos para Jó 28:41, que vemos? Que o conhecimento é coisa particular de Deus e o dá a quem quer. Parece que quem escreveu Jó escreveu esse trecho, e isso nos leva a ver não apenas a universalidade do saber, mas a sua perenidade. Parece que Agur estava desafiando aqueles que tudo sabem, como se tivessem ido ao céu e voltado com as abas do avental cheias de sabedoria. Na verdade somos muito ignorantes a respeito de tudo e especialmente de Deus. O Sagrado texto não menciona o nome de Deus, mas está subentendido.

7.2. A PALAVRA DE DEUS É PURA (30:5 e 6)

Toda a Palavra de Deus é pura e segura; não é como a de homens, que podem estar total ou parcialmente errados. As especulações humanas têm trazido, para o gasto da humanidade, muita coisa boa, mas também muito fato errado: Só a Palavra de Deus é segura para o encaminhamento do homem; e, aceitando a origem étnica dessa doutrina, confessamos que Deus é quem fala, tanto aos oráculos israelitas como a outros. O que importa é que ELE FALE. A recomendação aos sábios é que nada acrescentemos ao que Deus falou, para não sermos achados por mentirosos. Felizmente, os escritos dos sábios do mundo grego, indu, persa e


tantos outros não trazem o cunho de - Deus disse! Só os oráculos israelítas podem proclamar: ASSIM DIZ JEOVÁ. Isso não era porque fossem israelitas, e, sim, porque Deus para isso os escolheu. Foi o povo israelita o eleito para dar ao mundo a Revelação, e desde Moisés até Jesus Cristo essa foi a grande verdade (Rom. 3:1-3).

7.3. UMA GRANDE ORAÇÃO (30:7-9)

Duas coisas te peço, não mas negues antes que morra (v. 7). A Deus é que é feita esta oração, e o sábio desejava conseguir algumas coisas difíceis nesta vida (v. 1). Que Deus afastasse dele a mentira e a falsidade, essas duas chagas malignas do gênero humano. Nos Provérbios anteriores já notamos como o autor se agastava contra a mentira e a falsidade, até nos tribunais humanos. Esta agora é a oração de um oráculo, a fim de ser honesto para com Deus e para com os homens (v. 2). Não me dês nem pobreza nem riqueza: dá-mo o pão que me for necessário (v. 8). O pão nosso de cada dia (Mat. 6:1 1). Adorável oração de um homem que temia a pobreza e tinha medo da riqueza, duas coisas muito comuns na vida. O medo de, estando farto, ficar soberbo e dizer: Quem é o Senhor? Isso tem acontecido a muitos, que enriqueceram e se esqueceram de Quem lhes deu a riqueza. Ou que, empobrecido, não venha a furtar e profanar o nome de Deus (v. 9). O alvo da oração era o nome de Deus, que não devia ser esquecido na riqueza e profanado na pobreza. Quantas orações fazemos nós assim, desejando em tudo honrar o nome de Deus? Muitas, é certo, mas nem todas. Os que oram com longas palavras no meio das congregações têm aqui um modelo. Poucas palavras, embora diretas.

7.4. FIDELIDADE PARA COM OS OUTROS (30:10) Trata-se de um aforismo. Caluniar um escravo diante do seu senhor era uma falta grave, como falar mal de um filho ante seu pai. Paulo, em Romanos 14:4, interpreta esta norma de um modo muito sábio, pedindo que não se julgue o servo (escravo) alheio. Paulo aplica isso aos crentes, pois todos somos servos de Deus, e não é de nosso interesse falar mal do servo alheio. A maledicência tem aqui a sua perfeita condenação. Falar mal do escravo alheio perante o seu senhor importava em ser amaldiçoado e culpado. Esta doutrina traz-nos um sentido de respeito pela pessoa humana, até dos escravos, que nunca tinham direitos nem recompensas, e tudo que havia de mau podia ser dito deles. A história da escravatura tem muito fato que nunca foi nem será contado.


7.5. QUATRO CLASSES DE PESSOAS (30:11-14)

A primeira é: Há daqueles que amaldiçoem seus pais (v. 11). Não pode haver pior procedimento do que um filho amaldiçoar seu pai e mãe, os que lhe deram a existência. O mandamento é Honra a teu pai e a tua mão para que se prolonguem os teus dias na terra (Êx. 20:12). Uma lei de longevidade repousa no respeito dos filhos aos pais. Paulo, em Efésios 6:1 e 2, apresenta igual doutrina, e Jesus escalpelou os judeus que deixavam de sustentar seus pais sob a alegação de que o que tinham para eles era corbã, isto é, dedicado ao culto, e, sob essa farsa, deixavam os velhos sem alimento (Mar. 7:11). A oração desse oráculo é, pois, oportuna, e parece-nos até que só filhos desfibrados e desumanos podem amaldiçoar o pai e a mãe.

A segunda é: Há daqueles que são puros aos seus olhos...(v. 12). Ora, para que seja livre do grupo daqueles que se julgam perfeitos os que jamais foram lavados da sua imundícia (v. 12). A justiça própria é um pecado que Jesus condenou naquele fariseu que subiu ao templo junto com um publicano (Luc. 18:13). o louvor em boca própria é loucura, diz o adágio, e os que se louvam a si mesmos, jamais foram lavados da sua imundícia. A terceira é: Há daqueles que são altivos aos seus olhos (v. 13). Os orgulhosos são os altivos, os que passam como parecendo os heróis do dia, mas, em verdade, não são mais do que vaidosos. Passam de pálpebras levantadas.

A quarta é: Há daqueles cujos dentes são espadas a cujos queixos são facas (v. 14). Trata-se da classe dos exploradores do povo, dos que sem alma e coração devoram a fazenda dos mais humildes, que não têm quem se compadeça deles. São os que consomem na terra os aflitos e os necessitados. Se há uma classe perigosa, e deveria ser desprezível, é a dos exploradores, que só pensam na sua barriga. Desses desejava o oráculo que Deus o livrasse. Essas são as quatro coisas que ele pediu a Deus antes de morrer, e vale a pena nos determos na consideração das mesmas, tão importantes.

7.6. QUATRO COISAS INSACIÁVEIS (30:15 e 16)

O catálogo de objetos e pessoas escolhidos para estas ilustrações é muito interessante. Alguns se referem a fatos; outros apenas a aforismos ou ilustrações. De qualquer forma temos neste capitulo uma série de ilustrações que vale a pena apurarmos. Quanto a estas quatro coisas insaciáveis, temos experiências em cada dia.


1) A sanguessuga, que nunca se farta de sangue. Acreditam alguns comentadores que a sanguessuga não era usada em Israel com fins medicinais. Todavia, o era em outros lugares, na Europa especialmente. Em lugares onde não havia médico, os casos de congestão cerebral, causados por hipertensão, eram tratados com sanguessugas, que sorviam o sangue e quando estavam entumescidas eram expremidas e colocadas de novo na carne do paciente. A sanguessuga nunca se farta. Ela sempre diz: Dá, dá.

2) A sepultura não se farta. Fecha-se para um e fogo se abre para outro. 3) A terra, que não se farta da chuva. 4) O fogo, que nunca diz: Basta. Queima enquanto há combustível.

7.7. O FILHO TURBULENTO E MAU (30:17)

Um outro aforismo. Os olhos do que zomba do seu pai ou de quem despreza sua mãe, os corvos dos ribeiros o arrancarão, e os filhotes da águia os comerão. Uma maldição para os que maltratam seus pais e desobedecem às suas determinações. Como filosofia, não pode haver melhor, pois há mesmo muitos filhos que assim usam seus olhos - as janelas da alma.

7.8. QUATRO COISAS MARAVILHOSAS (30:18 e 19)

Quem pudesse, poderia escrever um livro sobre estas quatro coisas maravilhosas que de maravilha têm muito pouco: apenas muita doutrina, muito ensino. O próprio oráculo não as entendia, nem nós. A primeira, os caminhos de água nos céus. Quem sabe de onde vem e para onde vai? Ele faz o ninho no mais alto penhasco, onde nem o homem nem os animais podem ir. Quando alça o seu vôo pelos ares, não se sabe de onde vem nem para onde se dirige: Vai para o ninho, ou vem do ninho? A filosofia do caso tem sua aplicação na vida. Nem sabemos de onde vimos


nem por qual caminho vamos. A água é bem um símbolo da vida humana. Há aqui um bom plano para um sermão.

A segunda é o caminho de cobra no penhasco. Onde está o buraco em que se esconde? Qual a estrada por onde vai e por onde vem? Não será também um símbolo daquilo que nós vemos e não entendemos? Parece-nos, não era de cobra na penha que o autor dessa ilustração tratava. Ele não o disse, mas podemos inferir haver no aforismo uma doutrina. A cobra é um animal traiçoeiro, insidioso e perigoso, por seu veneno. No seu caminho, que ninguém conhece, deverá estar a lição do coração humano, que ninguém vê, ninguém sabe entender, nem mesmo o seu possuidor. O ditado popular diz: "O coração tem razões que a inteligência não entende." É muito certo. órgão propulsor do sangue para as mais remotas partes do organismo animal, é no gênero humano a sede das sensações e dos impulsos. Quem o entende?

A terceira coisa maravilhosa é o caminho do navio no nulo do mar. De onde vem e para onde vai? Não se sabe. Que leva nos seus porões? Desconhecemos. Que lições nos pode fornecer? Mesmo que não saibamos, o navio leva em sua carga, talvez, o pão do povo ou a metralha de guerra. Logo, é maravilhoso símbolo dessa humanidade, que tanto tem de bom como de mau. Como filosofia vale um capítulo. A quarta é o caminho de um homem com uma donzela. No idílio amoroso do jovem com a donzela há mil devaneios. Quem pode entender os arroubos dos namorados; os planos que fazem e quase nunca cumprem, os sonhos que os animam e embalam, e as esperanças que se aninham em seus corações? Não se veja no verso 19 uma idéia de procriação, mas de amor. Haverá bênção mais misteriosa do que o amor, que o Criador colocou dentro do coração humano, essa tendência para o amor, de onde provêm os filhos, a família, a sociedade, a felicidade humana? Coisas maravilhosas Deus fez e colocou na terra. Quem vai resistir-lhes? Quem se levantará para contrariá-las? A vida está cara, diz-se, há deficiência de moradias, há falta de trabalho, problemas de saúde pela frente, enfim, mil outros problemas, mas o amor lá vai adiante e lavra o seu caminho no coração do homem e da mulher e nada há que o contrarie. Quem entende Isso? Só Deus mesmo.

7.9. UMA COISA AINDA MAIS ENIGMÁTICA (30:20)

O caminho da mulher adúltera é como o da cobra que rasteja e se mete entre as pedras. Ela vai de pouso em pouso, até encontrar o seu parceiro de infelicidade (9:13-18). Comete o pecado, como e limpa a boca, e diz: não cometi maldade (v. 20). É o retrato da sem-


vergonhice, expressa na frase: "come e limpa a boca, e diz: não cometi maldade." Quantos males tem causado essa mulher pública, excremento da sociedade, pocilga, onde se chafurdam os homens de igual jaez! Não há jeito para estas pobres mulheres desavergonhadas, que têm infelicitado a tantos. Logo que o Brasil tomou forma de País, para cá correram as parisienses, acompanhadas de moças alouradas, estabelecendo os seus bordéis nas partes mais centrais do Rio de Janeiro, até que alguém se levantou para esconjurar o perigo, porém tarde demais. A Instituição estava fundada. Depois vieram as polacas, e infestaram as cidades do norte, onde havia muito dinheiro. Agora são mesmo as brasileiras, algumas ainda assalariadas das polacas antigas. Elas comem, limpam a boca, e dizem: não cometemos maldade. É o seu trabalho.

7.10. QUATRO COISAS INDESEJÁVEIS (30:21-23)

1) Um escravo que se tornou rei deve ser uma calamidade, pois nunca soube o que é governar, e, sim, ser governado. Naturalmente trata-se de um aforismo para destacar que governo não é assunto para lnexperiente, e, sim, para treinados, como sói acontecer com os filhos dos reis. 2) O insensato que anda farto de pão não o sabe apreciar, pois por sua condição é sempre um pária. Depois de estômago cheio, não se lembra da condição anterior e despreza os seus companheiros. 3) Uma mulher desdenhada, quando se casa, é o pior acontecimento que pode acontecer numa sociedade. A vaidade e o orgulho a inflamam, e quem a poderá suportar? Tem acontecido uma rameira se casar e dar certo, mas isso deve ser a exceção da regra. Este autor já viu isso - uma rameira casada com um deputado, um casal exemplar.

4) A serva, quando se torna herdeira de sua senhora, foi o caso de Agar e Sara. Aquela logo se envaideceu e pensou que era mesmo a senhora da casa, até que Deus interveio e ela foi posta na rua. A história é bem conhecida. Todos estes aforismos condensam multa sabedoria, especialmente para uma sociedade primitiva, como seria o caso de uma tribo oriental.


7.11. QUATRO PEQUENAS COISAS, CUJOS ENSINOS SÃO MUI GRANDES (30:24-28)

Esta série de ensinamentos é muito ilustrativa e com ela se poderia escrever um livro, pois o ensino oferecido a uma sociedade, qualquer que ela seja, é admirável. 1) As formigas. Não têm rei nem senhores, porém devem ter uma organização qualquer. Com efeito, elas oferecem uma sabedoria admirável. No verão, se dirigem a lugares distantes, abrem um carreirinho e lá se vão, cada qual carregando um grão de qualquer cereal, para seus celeiros subterrâneos. No inverno têm o que comer. Não são perdulárias; são uma sociedade trabalhadora, ordeira, cada qual ajudando a outra, num esforço comum, para o bem da coletividade. Que fartura de ensino elas oferecem! Os preguiçosos devem aprender esta lição (conf. 6:6).

2) Os arganazes. Talvez teixugos das rochas. Na versão antiga são denominados coelhos; o contexto, porém, não ajuda essa tradução. Esses tipos de animais inofensivos não trabalham em bandos, mas casal por casal, e vivem harmoniosamente em suas tocas. 3) Gafanhotos. Insetos bem conhecidos e que vivem em bandos, em forma de soldados armados, cada qual em sua ordem. Diz o texto que não têm rei, mas devem obedecer pelo menos a uma determinada ordem de formação. Numerosíssimos, não se atropelam e, quando é dada a ordem de baixar sobre o campo, todos o fazem e devoram em pouco tempo qualquer colheita, nada deixando. No Oriente essas pragas são muito comuns e até no Brasil, onde já se usam aviões para os destruir por meio de inseticidas. O que se ensina é a ordem, a compostura, que muitos grupos humanos desconhecem (veja Joel 2:7 e 8).

4) O geco. Uma espécie de aranha inofensiva e quase inútil, mas vive até nos palácios dos reis, como se fizesse parte da comitiva real. O ensino é: sendo tão insignificante e inútil, vive nos palácios. Aprenda-se a lição: Não há nada inútil ou demais; tudo em a natureza tem o seu lugar, e o que parece desprezível ensina lições ao Homo Sapiens.


7.12. QUATRO SERES ALTANEIROS (30:29-31)

Em todos os casos o que se ensina é a altivez, a elegância da forma, em animais de insignificante porte e utilidade. Por que então o homem, que é o mais sábio do reino animal, não sabe ser altaneiro e soberano? 1) O leão. O mais respeitável dos animais, o chamado rei das florestas, passa altaneiro no seu caminho e não dá atenção a nada. Os outros animais o respeitam. Não ataca o homem a não ser quando faminto. Na África é comum vê-los atravessar a estrada, e os automobilistas param seus carros para que passe o rei.

2) O galo no quintal. Não pode haver dois no galinheiro: Um deles levanta a crista vermelha e como um guerreiro é senhor da companhia. Por isso se diz: "Dois galos não cantam no mesmo terreiro." 3) O bode. Já viram o bode de pescoço alto, chifrudo, como caminha? O autor devia estar acostumado a ver esse animal, andando inofensivamente, mas provocado, arremete e chifra impiedosamente. 4) O rei no comando do seu exército. Quem pode resistir a uma ordem sua? Só ele é o senhor de tudo e de todos. É uma ilustração da lmponência. Montado no seu corcel, dá as ordens ao seu ajudante, e quem vai dizer - Não vou, não faço? Naturalmente, nas condições modernas, a situação é diferente e o rei nem sai do seu palácio. O texto reflete uma situação primitiva, naturalmente.

7.13.

UMA ADMOESTAÇÃO FINAL (30:32 e 33)

As lições são admiráveis. Se procedeste insensatamente, bota a mão na boca, porque insistir é coisa de loucos, pois o bater do leite produz manteiga e o torcer o nariz produz sangue; isto é, não insistas no mal e verifica o que a natureza te ensina. os mais insignificantes objetos do mundo animal são lições para todos. É a reprimenda aos vaidosos, aos insensatos, aos preguiçosos e desordenados. Não convém açular a ira dos outros; sê calmo e trabalha, é o ensino do mestre.

As lições magistrais, que nos vêm de tempos mui antigos, trazidas pelo oráculo Agur, servem até hoje e até o final dessa ordem de feitos terrenos. É certo que a Palavra de Deus é instrutiva e capaz de corrigir, como nos ensina o Novo Testamento. Voltamos a dizer: Seja lá onde for que fique Massá, qualquer que seja a tribo, a sabedoria divina lá está, pois está em toda parte.


8 - AS PALAVRAS DE LEMUEL (31:1-9)

Outra vez estamos em dificuldades para interpretar o texto que nos oferece o rei Lemuel. Ele pertencia à mesma região de Agur, filho de Jaque, um lugar perdido lá para os confins do monte Seir. Massá, como vimos, era o nome de um filho de lsmael, filho de Agar, concubina de Abraão (Gên. 25:14). Que relação haverá entre Lemuel e Agur? Ambos da mesma terra, mesmo que de origem étnica diferente? Se não fosse esta particularidade, de tanto Agur como Lemuel virem de Massá, aceitaríamos, com certa candura, a opinião de que Lemuel era um pseudônimo usado por Salomão. Mas por que Salomão usaria um pseudônimo, quando era tão famoso e internacionalmente conhecido como sábio? Parece ser preferível admitir Massá fosse uma região como tantas outras onde floresceram grandes sábios. Agur era filho de Jaque; e Lemuel é filho de uma santa mulher, bem parecida, na sua história, com Ana, mulher de Elcana (I Sam. 1:1). Abandonando essas indagações, vamos ao texto.

O assunto desta seção consta de conselhos ou oráculos, que a boa mãe de Lemuel deu ao filho, a fim de ele precaver-se contra os vícios e pecados do meio social, onde parece que as mulheres públicas já exerciam preponderante papel na vida dos jovens. Ela, a mãe do moço Lemuel, declara que o filho lhe viera por uma promessa feita e um voto a Deus. Parece ser uma repetição da história de Ana e Samuel (I Sam. 1:11). Lemuel era rei, segundo o verso 4. Rei de onde? De que país? De Massá, na Arábia? Não sabemos. Por isso julgam alguns comentadores, como já dissemos, tratar-se de Salomão, e os conselhos seriam então dados por uma das muitas mulheres de Salomão. Todavia, isso carece de substancial prova em seu favor. Lamentamos não poder oferecer maiores evidências históricas a respeito de Lemuel, mas podemos consolar-nos com o fato de haver centenas de outros casos em que o historiador lamenta por não poder dispor de luz para um esclarecimento maior. Especialmente na história bíblica, lutamos com a carência de documentos que esclareçam fatos e acontecimentos.

Entre outros conselhos, aparece um que nos parece muito à moda de Salomão: Para que não bebem e se esqueçam da lei o pervertam o direito de todos os aflitos (31:5). Justiça era, de modo geral, o tomo do governo de Salomão; e, se injustiças havia, eram elas fruto de uma sociedade incipiente e falha de governo descentralizado. O vinho como o uísque embrutecem os homens do governo, e por esse embrutecimento se esquecem de praticar a justiça. Não nos parece ser muito próprio de um rei de qualquer província árabe, pelo que voltamos à tecia de que possivelmente se trate de Salomão. Todo o restante da seção de 30:1-9 versa justamente sobre justiça para com os pobres e aflitos.


9 - A ESPOSA PERFEITA (31:10-31)

Uma análise mais completa corresponderia ao nosso desejo, pois não conhecemos, em toda literatura profana, algo que se assemelhe a esse acróstico. Todavia, sentimo-nos limitados a dar cumprimento a este desejo, em obediência ao plano que nos impusemos de não alongar demais o comentário a Provérbios, para que a obra não se torne inacessível ao público.

9.1. MULHER VIRTUOSA, QUEM A ACHARA? (31:10 e 11)

O texto continua afirmando que ela é mais preciosa que o ouro, excede a tudo que o seu marido possa desejar. É uma redundância hebraica bem conhecida, mas nem por isso menos apreciada. Efetivamente, uma mulher assim é difícil de ser encontrada, e o homem que a recebe acha uma fortuna. O coração do marido é um coração tranqüilo, porquanto ela cuida de tudo e lhe dá muito ganho.

9.2. ESSA MULHER É INDUSTRIOSA (31:12 e 13)

Ela só faz-lhe bem, na sua faina de aumentar os bens da casa, trabalhando no armazenamento do linho, da lã para os vestidos caseiros, que vai fiar com a roca e o fuso (v. 19).


9.3. É UMA BOA COMERCIANTE (31:13)

Vai à feira, compra lã e linho da mão dos mercadores, para depois fiar e tecer esses elementos, e com eles fabricar as roupas de casa. O linho e a lã eram, em geral, de propriedade doméstica; o linho era semeado no campo e depois colhido e, à custa de um processo moroso e muito trabalhoso, posto em condições de ser fiado na roca e no fuso, para então ir ao tecelão também caseiro, para o preparo dos tecidos. A lã era oferecida pelas ovelhas e pelos carneiros domésticos, e quase todos os hebreus possuíam as suas granjas, onde criavam esses animais. Esta é realmente a tarefa da mulher hebréia e até das mulheres européias, especialmente nos centros mais atrasados.

9.4. ELA É COMO O NAVIO MERCANTE, QUE DE LONGE TRAZ MANTIMENTO (31:14 e 15)

O uso de navios para transporte de mercadorias era bem conhecido em Israel. Salomão tinha as suas frotas no Mar Vermelho, de parceria com os fenícios, e esses navios traziam de longe as suas mercadorias, para o consumo real e particular. Esta mulher é como o navio que de longe traz o pão para o sustento do homem. Uma mulher admirável, sem dúvida. Ainda de noite, ela fabrica e prepara o alimento dos seus, e de manhã cedo todos têm o que comer. Essa tarefa é bem conhecida das populações árabes e ibéricas, que talvez tenham herdado o costume nos tempos da dominação árabe na Palestina Ibérica: Portugal e Espanha.

9.5. ELA COMPRA E VENDE (31:16-18)

Como fazendeira, examina uma propriedade, adquire-a, planta vinhas, colhe os frutos e depois os vende no comércio local. Nessa tarefa, arregaça as mangas e põe mãos à obra como qualquer trabalhador braçal. É o retrato da mulher que não se contenta em ostentar a sua beleza física, em passar cosméticos nas faces e aparecer bonita ao marido. Toma parte nos negócios do lar e com isso ajuda a construir uma casa farta e próspera. Nisso ela se entusiasma com os lucros do seu trabalho e apresenta ao marido, orgulhoso de tal mulher, os resultados do seu braço. Mesmo que se dê um desconto ao poeta hebraico, pela fartura de símiles e de imagens, fica ainda um saldo admirável para uma mulher campesina, das muitas que há na Palestina e noutros lugares.


9.6. NÃO DORME A NOITE TODA (31:19-22)

A noite, depois das tarefas do dia, lança mão da roca e do fuso e, junto a outras, senta-se à lareira, no inverno, fiando o linho e a lã, com que vai fabricar as vestes domésticas. Há aqui um costume desconhecido do povo brasileiro. No Oriente, como na Europa, as mulheres, especialmente no inverno, reúnem-se em grupos e sentam-se junto ao fogo da lareira, cada uma com a sua roca e seu fuso, e lá se vão noite a dentro, fiando e contando estórias, que os meninos acompanham até dormir. Muitas estórias que correm mundo foram ouvidas ao pé da lareira. É um costume tradicional muito interessante. O linho, depois de fiado, é feito em meadas, que vão ser branqueadas ao sol, na ausência de detergentes, que não havia naqueles longínquos tempos. Só depois é que os novelos são mandados para o tecelão, para serem feitas as peças de fazenda. A lã não oferece um trabalho tão intenso como o linho, mas tem o seu processo de preparação e lavagem, até poder ser usada na confecção dos tecidos. Qualquer viajante, visitando a Pérsia, ainda verá mulheres tecendo os seus tapetes, tão do gosto dos ocidentais. Tudo é feito por elas, desde a colheita da lã das ovelhas, por meio de tosquia, até a sua preparação em panos ou tapetes Um retrato digno de um bom pintor. Com o produto do seu trabalho atende aos pobres, coisa tão recomendada na Bíblia, especialmente em Jó 20:19 e 29:4. Ela podia fazer a sua caridade sem ter de consultar o marido. Porque os ganhos eram seus. Recordemos essa nota: Abro a mão ao aflito o ainda a estende ao necessitado (v. 20). Os rigores do inverno não a perturbam, porque todos os seus estão bem vestidos. O autor dessas notas pode recordar os casacos feitos de lã tosquiada em casa e preparada para o tecelão, bem como os findos lençóis de linho fino, que ainda guarda como relíquia da sua infância. Ela, a mulher virtuosa, cuida da sua casa, pois todos andam vestidos de lã escarlate, e as cobertas das camas são de pura lã, que ela mesma tece. Faz roupas de linho fino e as vende com o bom faro de comerciante, oferecendo aos mercadores cintas vistosas feitas por sua mão (v. 24).

9.7. TEM UM MARIDO FELIZ (31:23)

Parece que o marido dessa mulher ocupava um lugar destacado junto às portas da cidade, onde eram decididos os assuntos menos graves entre o povo. Os maiores eram levados ao rei. Esse marido é estimado entre os juizes, pois uma mulher assim honra o seu marido em qualquer posição social. Era costume primitivo entre os orientais assentarem-se os homens de respeitabilidade à porta de entrada das cidades e ali eram decididas. queixas de uns contra os outros. Foi à porta da cidade que os anjos encontraram Ló (Gên. 19:1).


9.8. É MULHER DILIGENTE E LOUVADA POR TODOS (31:24-28)

Não apenas o marido era feliz, mas todos os comensais da casa (v. 28). Uma mulher de coragem e dignidade, seus vestidos prediletos (v. 25). Ela não tinha preocupações com o dia de amanhã, porque antes providenciava tudo (v. 25). A sua fala era respeitada, visto como não usava de gírias nem de palavras vãs, mas de sabedoria, pelo que todos a admiravam. Não comia o pão da preguiça doméstica, como tantas mulheres dos nossos dias, que gastam o tempo andando acima e abaixo, negligenciando' as suas obrigações caseiras. Mesmo que se dê um desconto ao poeta admirável, ainda nos fica muito material para podermos escrever um romance sobre a mulher virtuosa de Prov. 30:10. Seu marido a louva e sem regateios, pois quem teria mulher igual? Os filhos lhe chamam ditosa, o mais elevado elogio que uma boa mãe pode esperar dos seus filhos.

9.9. ESSA MULHER É UM EXEMPLO A SER SEGUIDO E IMITADO (31:29-31)

O Livro dos Provérbios não podia terminar com maior felicidade, senão com este acróstico sobre a mulher virtuosa. Elogio admirável. Parece que aprouve ao divino Espírito Santo agraciar a humanidade com esta peroração aos Provérbios. Todavia, nem tudo era fruto da sua diligência, e, sim, do seu temor a Deus, pois a mulher que temo ao Senhor, essa será louvada. Não é sem superiores razões que, através do livro, o refrão é sempre o "temor do Senhor", pois sem este temos de pouca valia os lucros da família e da sociedade. Os grandes males de nossos dias decorrem da falta do temor de Deus por parte dos pais, que, em lugar de estarem em casa, cuidando dos filhos, estão pelos restaurantes e cabarés, sessões de TV e quejandas. Depois nos queixamos do desmazelo da sociedade. Diga-se então que o que está faltando nas sociedades modernas é o temor do Senhor Isso não existe em nossas sociedades e por isso as famílias se decompõem assustadoramente. As mulheres, com a necessidade de promoverem a sua independência, poderem comprar os seus cosméticos e seus vestidos, atiram-se ao ganha-pão de cada dia. Se casam, continuam essa mesma luta. Então que vai acontecer em seus lares? Se têm filhos, quem cuida deles? A rua aí está para os receber e perverter. Esta é a nossa situação. Graças as nossas igrejas, multa coisa está sendo sanada e melhorada, mas as igrejas não conseguem atingir todos os quadros sociais.

Completamos aqui o nosso Estudo no Livro de Provérbios. Mencionamos as letras do alfabeto hebraico, apenas como uma amostra do texto na sua forma original. Por motivos que desconhecemos, os revisores das versões modernas abandonaram os originais, tanto de Provérbios 31, como do Salmo 119. Talvez porque o povo não conhece hebraico e então de pouco adianta encher o texto com letras que se ignora. Isso ou outra causa que não sabemos.


Ao darmos por terminado esse Estudo, a que nos impusemos, por motivos de consciência, reconhecemos ser muito imperfeito o que aí fica. Uma das nossas maiores dificuldades foi a supressão de vários comentários, que gostaríamos de aumentar, porém, se o fizéssemos, tornaríamos esta pequena obra mais difícil de vender-se. Escrevemos para um povo que não gosta muito de ler e dispõe de escassos recursos para comprar livros.

Por isso, a limitação e até pobreza de nossos comentários. Tanto quanto possível, copiamos o texto sagrado, para que os comentários tenham sabor da Palavra inspirada. Isso feito, aí fica para os leitores, que desejam nutrir a sua alma com os sábios e eternos ensinos de Provérbios.


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