santos, alves e serra 2010_filosofias da comunicação

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Rui Sampaio da Silva

adequados e inadequados, iluminadores e obscurantes. Os dois pontos estão estreitamente ligados; quanto menos consciência se tiver do papel desempenhado pelos preconceitos no nosso pensamento, tanto menor é a capacidade de corrigi-los9 . Mas como controlar a acção dos preconceitos? Como veremos, os preconceitos são controlados por aquilo que eles tornam possível: a compreensão e a comunicação.

O significado hermenêutico da tradição e da autoridade A reabilitação da noção de preconceito faz-se acompanhar por uma defesa das noções de tradição e de autoridade. Todavia, esta defesa não é aquilo que parece ser: a adopção de um conservadorismo e tradicionalismo vulgares. A preocupação de Gadamer é essencialmente epistemológica e ontológica. A análise da noção de tradição permite confirmar este ponto. Enquanto património herdado de preconceitos e práticas, a tradição é uma condição do conhecimento e parte integrante do nosso ser. De modo a exprimir «o poder da história sobre a consciência finita do homem»10 , Gadamer apresenta a noção de Wirkungsgeschichte: “história dos efeitos” ou, numa tradução menos literal, “acção da história”. Na base da referida noção, está o reconhecimento do carácter incontornavelmente histórico da existência humana: «Na verdade, não é a história que nos pertence, nós é que lhe pertencemos. Muito antes de nos compreendermos a nós próprios na auto-reflexão, compreendemo-nos de forma natural na família, na sociedade e no Estado em que vivemos. O foco da subjectividade é um espelho deformador. A auto-reflexão do indivíduo é apenas um lampejo no círculo fechado da corrente da vida histórica. Por isso, os preconceitos [Vorurteile] do indivíduo são, muito mais do que os seus juízos [Urteile], a realidade histórica do seu ser»11 Esta passagem exprime bem a dupla dimensão epistemológica e ontológica da nossa relação com a história, bem como o anti-subjectivismo de Gada9

Cf. WM, p. 366: «Quem está convencido de que não tem preconceitos, porque se apoia na objectividade dos seus procedimentos e nega o seu próprio condicionamento histórico, sofre o poder dos preconceitos, que o dominam de forma descontrolada, como uma vis a tergo». 10 Ibidem, p. 306. 11 Ibidem, p. 281.

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