santos, alves e serra 2010_filosofias da comunicação

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Rui Sampaio da Silva

De modo a reforçar este ponto, será útil invocar um outro tema importante da obra de Wittgenstein, a crítica da ficção de uma linguagem mental ou espiritual (geistig) que poderia ser, num segundo momento, traduzida para uma linguagem verbal. Usando uma imagem esclarecedora, Wittgenstein afirma que uma tal ficção concebe a relação entre pensamento e linguagem nos mesmos moldes em que se concebe a relação entre a melodia e a letra de uma música; tal como a música pode ser entoada sem a letra, assim também o pensamento poderia fluir sem a linguagem14 . Contra tal ilusão, Wittgenstein sublinha a conexão íntima entre linguagem e pensamento, afirmando que «a experiência do pensamento pode ser apenas a experiência da fala»15 . No mesmo sentido, ele declara o seguinte: «O que é dito só se pode explicar através da linguagem, por isso não se pode explicar a própria linguagem, neste sentido. A linguagem tem que falar por si própria. Pode dizer-se: A intenção surge a partir da linguagem [Die Meinung fällt aus der Sprache heraus], pois o que uma frase quer dizer é dito de novo através de outra frase»16 O reconhecimento da relação estreita que une o pensamento e a linguagem permite esclarecer a crítica da concepção mentalista da comunicação. Como não é possível pôr entre parênteses a linguagem para aceder a um pensamento puro, e como, além disso, dominar uma linguagem é dominar uma técnica social, a ideia de que a comunicação consiste em captar um “sentido espiritual” desmorona-se de imediato. A comunicação não pode ser concebida como uma ponte pública entre esferas privadas (os sujeitos). A concepção do significado como uso, ao estabelecer que o significado de uma expressão consiste no papel que esta expressão desempenha nas nossas práticas, tem como consequência a tese de que a compreensão deve ser entendida como uma capacidade prática, e este é precisamente o tema de que nos devemos ocupar de imediato. 14

Cf. IDEM, Das Blaue Buch, pp. 70-2/80-2. Ibidem, p. 73/83. 16 IDEM, Philosophische Grammatik, pp. 40-41. 15

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