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ARTISTAS

Apresentação 30 Cláudia Mariza Brandão Thays Vogt Julia Pema Matheus Abel Elivelto Souza Isadora Ferraz Tatiani Müller Kohls Daniela Picchiai Gabriela Cunha Alice Monsell Cris Rios Leme Ivete Souza da Silva Luciane Bucksdricker Ítalo Franco e Matheus Folha José Douglas Alves dos Santos Henrique Torres Eduarda Gonçalves Bruna da Silva Ribeiro Cristiane Guimarães Tatiana Duarte Diogo Minoru Virgínia Alves

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2018 PRÓXIMA PÁGINA (volume 1) Organizadora: Helene Gomes Sacco Projeto gráfico: Fernanda Fedrizzi, Henrique Torres. Editoração e montagem: Lugares-livro com a Editora Volta e meia a gente abre. Colaboradores: Elivelto Souza, Fernanda Fedrizzi, Folha, Gabriela Costa, Gabriela Cunha, Graça Gularte, Helene Sacco, Henrique Torres, Karina Gallo, Lais Posssamai, Leoa Pardal, Stela Kubiaki, Thiago Brum, Verônica de Lima. Impresso: Papelaria Papel Mix. Capa e miolo em Papel Offset 90g.

S119p Sacco, Helene Gomes (org.) Próxima página / Helene Gomes Sacco (org.). Pelotas: Editora Caseira, 2018. 48 páginas, 18x25cm ISBN 978-85-68923-55-9 1. Arte Contemporânea 2. Livro de artista 3. Publicação artística CDD 700 CDU 323.329 Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Ellen Mariana Zorzetto - CRB-14/1611

Promoção:

Apoio:


Um livro é uma sequência de espaços. Cada um desses espaços é percebido em um momento diferente: um livro é também uma sequência de momentos. [...] Um livro é um volume no espaço. É o terreno real da comunicação pela palavra impressa: seu aqui e seu agora. Ulises Carrión


Próxima Página surge como proposição para a criação de uma publicação coletiva, reunindo quarenta e cinco vozes do Brasil e do exterior, provocando e sustentando as palavras, o nosso direito de falar. A Publicação Próxima Página, foi constituída como um território erguido por esse direito de livre expressão, mas principalmente como espaço de criação como produção de pensamento. É no aqui e agora do mundo que essa experiência acontece. É dela que nasce o desejo de transpor ou criar como uma forma de resistir. Não estamos sozinhos e queremos estar mais do que nunca juntos, pensar e sonhar juntos e, principalmente cuidar e amparar os sonhos. É preciso pensar a Próxima Página, como um espaço crítico, um porvir, um vir a ser, pois o que virá também nos pertence, e o livro como espaço, terreno real do mundo, pode ser campo de cultivo, espaço livre para outros amanhãs. Essa publicação que propõe o encontro e a reunião de vozes foi realizada pelo grupo de participantes do Projeto de Pesquisa Lugares-livro: dimensões materiais e poéticas, junto ao Projeto de Ensino Espaço-Dobra com a Volta e meia a gente abre, editora formada pela união dos grupos que coordeno no Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas, e que propõem edições de livros como ações artísticas que resultam em publicações. Os projetos tem como objetivo o ensino, a produção e a pesquisa sobre Livros de Artista e o exercício da palavra e suas possibilidades na Arte Contemporânea. Profa. Dra.

Helene Gomes Sacco novembro/2018



Ministério da Utopia se o medo invadir teu peito e te roubar os últimos planos os teus 20 anos ou censurar o teu amor se andares cabisbaixo porque o grito te coagiu se as manchetes decretarem o fim da liberdade lembre de acreditar eles podem nos privar de tudo mas a esperança é erva daninha brota sem ter por onde resiste a qualquer sola concreto ou bala E na primavera as flores sempre florescem as solas passam as raízes ficam é proibido tudo menos sonhar e florir



muito tempo gasto em nada muito tempo gasto em muito tempo gasto muito tempo tempo




Salvem os sonhos! Eu insisto em gritar, mas eles me tapam a boca Então escrevo E no meu silêncio, a dor do sonho partido As denúncias surgem de todos os lados Não há mais lugar seguro Até nosso pensamento é ameaçado Há tempos atrás gritei: salvem os sonhos Ninguém ouviu E eles gritavam: marchem! E a sociedade, de cabeça baixa, iludida com os falsos anúncios, foi marchando, acreditando nas promessas de um futuro promissor E nessa norma ilusão eles comemoram, enquanto as turvas nuvens encobrem o céu E nessa enxurrada, a esperança foi levada, a liberdade ameaçada e a diversidade encarcerada E por aqui eu insisto: salvem os sonhos! Mas qual sonho? O meu, o teu, o nosso! Pois em uma sociedade sem sonhos, o que resta é obedecer. Tatiani Müller Kohls


Antes, o Golpe. Na tramitação, Israel, China, Rússia, EUA, Trump, Steve Bannon, Cambridge Analytics, militares, tanques de guerra, Edir Macedo, homens machistas, homens brancos, homens e seus espelhos, governando para si. No durante, a milícia do cidadão de bem, Record, Havan, Coco Bambu, Centauro e outros tantos, além dos robôs, mensagens, inversão da ética, fake news, alcance largo, frequência a última do creu, antigos e novos medos surgem. Medo de perder o lugar, medo de perder a propriedade, medo do rico virar pobre, medo do pobre virar mais pobre, medo da mulher, da bicha, do professor, medo dos livros. Tantos medos, direcionam para um só lugar, um Estado que nos proteja uns dos outros. Não, calma, ainda somos humanos, não precisa ter medo, vira, vira, vira homem, não, vira voto. Tira essa colônia de mim que ela não me pertence. Ateu não reza, reza sim, apela para o santo, faz simpatia, vale tudo. Eeeee ... não foi dessa vez. Desespero, fodeu, choro, choro, choro, ódio, muito ódio, libera esse ódio. Agora é a vez do poder, da venda, do neoliberalismo com uma pitada de autoritarismo, ou seria o inverso? O que fazer? Falta palavra, falta sentido, falta significado, o deserto habitou e estiou o amor. Não, calma, o amor é importante. Mas cadê ele? Volta aqui amor, por favor. O presente ainda não é exatamente o terror do que está por vir ou talvez esse terror seja justamente a possibilidade de imaginar o que está por vir? Ministérios de mais homens, brancos, gordos, possuidores de babas nos cantos das bocas, ávidos por poder, por dinheiro, por ganhar mais dinheiro, por juntar dinheiro, por gastar dinheiro protegendo o seu próprio dinheiro, dessa forma não existem chances de roubarem o seu dinheiro. Notícias, censura, poder para polícia, mira na cabecinha e atira. Mata preto, mata gay, mata índio, MST, mata travesti, mata quilombola, mata mulher, mata, mata, mata. Quem vai segurar? O amor, mas cadê ele? Ficou obstruído pelo medo. Os corpos precisam entrar em ação. Manifestação, rua, grito, encontro, bolha, polícia, bombas de gás e porrada. Anarquistas, jovens, estudantes, jornalistas independentes, presos. Assim não dá, não dá. Não é essa a forma, não pode ser essa forma. A resistência precisa mudar. Permanecer no incômodo, enfrentar o que desagrada, ocupar o fora da bolha, ocupar a conversa com a alteridade. Como? Eliminando a mediação e aumentando o grau de realidade. O corpo político nunca foi tão importante. Corpo e mente juntos em movimento. Acordado. Presente na vida. Desconfiando do medo. Desarticulando artesanalmente a cegueira e a surdez. No toque, na escuta, no olho no olho. No dia a dia, a cada encontro. Se estão esvaziando os significados. Se estão desmoronando as conexões. Um vão surge. Chegou a hora de aproveitar. Usar, se apropriar dos vocabulários que estão vazios de sentidos. Do cidadão de bem a doutrinação ideológica. Se as palavras estão livres, vamos ocupá-las. Daniela Picchiai danipicchiai@gmail.com 11-995229566



Partitura de uma performance As sobras da violência, AJM, 2018. Pesquisa

de

campi

-

alguns

dias

antes

da

pessoas

no

apresentação, realize entrevistas, faça uma lista

de

assaltos

sofridos

por

entorno do Centro de Artes e ICH ou outro campus da UFPel. Duas horas. A performance O primeiro performer leia a lista de nomes e os atentados, assaltos e violações.

A segunda pessoa está em pé na frente de uma

mesa com folhas. Cada papel tem o nome da pessoa

violada

impresso

em

papel

reutilizado, tamanho A4. Quando o nome da pessoa assaltada for lida em voz alta, o segundo performer levanta a folha

com

seu

nome

e

a

mostra

para

o

público. Em seguida, com pincel grande, o

segundo performer passa uma mistura de cola e água por cima de cada folha.

Cada nome-

papel

é colado por cima do outro.

massa

de

Enquanto

a primeira pessoa leia os nomes-assaltos, a papel

colada

cresce.

Depois

do

formando

as

último nome, o segundo performer amassa as folhas

na

mão

que

é

molde,

sobras da violência. O que sobra é uma massa de nomes ilegíveis de papel.

A medida da desordem num sistema é devir da vontade de transformar as sobras do cotidiano, perdurar, soprar, voar.



Entre o caos e a esperança

...

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começo...




Saída de Emergência José Douglas Alves dos Santos [Desmistificador de Dálias] (25.10.2018) Eu estou buscando uma saída, Assim como você. Também não suporto esses problemas, Já nem assisto mais TV. Estamos todos buscando uma saída, Não é difícil perceber. Basta olhar à sua volta, O que falta para ver? Não estamos um contra o outro, Não precisamos. Você pode pensar diferente E ter seus próprios planos. Não estamos um contra o outro, Mas assim nos colocamos. Como se nossos caminhos não se cruzassem E levasse ao mesmo ponto. Eu estou buscando uma saída, Assim como você. Também não entendo direito esse mundo, O que não me impede de aprender. Estamos todos buscando uma saída, Não é difícil perceber. O mundo vai continuar girando, Tanto para mim como para você. Não estamos um contra o outro, Não precisamos. Você pode acreditar no que quiser, E nem por isso somos forçados ao confronto. Não estamos um contra o outro, Mas assim acreditamos. Como se nossos caminhos se separassem E não terminasse no mesmo ponto. Eu estou buscando uma saída, Assim como você. Também não sei de tudo, E nem preciso saber. Estamos todos buscando uma saída, Isso já deu para perceber. O mundo continuará girando... Mesmo que eu já não esteja mais aqui, e nem você.



paisagens cotidianas para camuflagem em dias cinzentos nov/2018


HISTÓRIA DA (P)ARTE





Razão-sentimento Ao olhar para o céu vemos os passados que se unem para formar o presente. Informações são continuamente perdidas por nossa limitação em percebê-las e/ou processá-las. Achamos que podemos conhecer e entender para além de nossa capacidade. Tamanhos, tempos e relações impossíveis de termos noção nos estimulam: desconhecido ou incognoscível? Nossa mente, neste espaço minúsculo que tende a zero, é capaz de dar conta do eterno, do infinito? Simplesmente ser parte não é suficiente? Será que perceber significa alterar? O sopro da vida é maravilhoso!


(Série Possessos. 2017. Imagem: Fabrício Simões)




enquanto esperamos pela próxima página, pela próxima folha de árvore a cair, pela próxima palavra, dita ou escrita. Enquanto não sabemos cuidar do mais importante: de nós. É cuidar de si, mas no plural. Estas linhas são dedicadas à primeira pessoa que vem no coletivo, que nunca é uma pessoa só. É a quem precisa ser dito que:

Os que estão contra nós estão se armando. Querem abrir temporada de caça à vida. Como sempre se fez nessa História humana. Isso deve ser avisado à pessoa certa. Sem desespero, avisado. Os sons destas palavras são os tambores e sopros de terreiros interiores, com bruxarias y nuestros cantos de lucha. Agora só precisamos entregar esta carta, de peito em peito. Só posso adiantar que, quando todas as pessoas, sem exceção, tiverem lido esta mesma carta que você, isso significará que finalmente nós

a carta violeta precisa ser entregue a você: saib como (e o porquê) procurando pela edição barat



p a l a v r a s há um excesso delas quase nunca estão só

ritam acanhadas na folha,

grudadas aos afetos g num gesto, no muro, na camiseta, na calçada, na parede,

na timeline da vida virtualizada. dia desses um punhado delas me fisgou, capturada por um colega pelas ruas do Pelô(BA) numa espécie de imagem bélica, explodiram em mim: T U A P R I M E I R A C A S A F O I U M A M U L H E R . T E U P O R TA L PA R A E S S E M U N D O F O I U M A VA G I N A .

todo ser vivente move sua existência entre batalhas. a maior delas é se manter vivo/a. todo ser vivente batalha para viver. alguns guerreiam mais, outros menos. não há como passar pela vida sem se envolver de algum modo com alguma guerrilha.

mas é fato que sempre haverá corpos que sofrerão mais sanções que outros enquanto não DESCOLONIZARMOS nossos pensamentos. o o o o

corpo corpo corpo corpo

negro - #MestreMoaPresente feminino - #MariellePresente afeminado - #MatheusaPresente periférico/marginalizado.

intersecções de modos de viver diversificado que desequilibram o poder e expandem potências de existir. e

r e - e x i s t e m .

qual o antídoto para a desesperança? o que farão com toda sua fúria violenta após o apagamento das cores e a eliminação da diferença? vem pra luta amada (sheila hempkemeyer)





Peleja

Confiro o relógio. Uma, duas, três, quatro vezes. Se passaram dois minutos. Cinco, seis vezes. Nada mudou, ainda faltam cerca de 20 minutos. Olho para ela em busca de algo, quase enxergo um sinal de esperança em seus olhos, um pouco recoberta por uma nuvem de dúvidas e medo. Ah, o medo. Pensar que acreditávamos que ele nunca mais seria tão grande quanto nossa própria existência. “Saímos há anos, e não vamos voltar!” É, nós ainda não vamos, mas ele está voltando, aos poucos. Ah, o medo. Sete, oito, nove, dez. Treze, quatorze. Perdi as contas, já não sei quanto falta. “Vamos respirar, por favor.” Meditação não vai funcionar agora. “Meditação sempre funciona.” Desta vez, não. Vários números depois, o desfecho. A ignorância concretizada, ela agora tem nome e um rosto conhecido. Alguns minutos que parecem horas. Os olhares não se cruzam. As vozes não ecoam mais. Acabou a música, sem confetes aqui dentro. Ah, ouço fogos de artifício lá fora. Enquanto uns choram, outros riem – penso. Será que eles pensam também? Tento quebrar o silêncio, não consigo. Ela me estende os braços, me oferece o coração. Eu ofereço o meu. “Agora é seguir, estamos juntas.” Sorrimos sem entender. A bestialidade não nos atingiu, ainda somos humanas. Isabella Rechecham





VANAGLORIA As pétalas de rosas protegiam o que parecia ser uma figura de porcelana, em repouso eterno, embaixo da água. A silhueta era resguardada por um homem em pé em um extremo da banheira, e por uma menina, que tinha um balde de agua com sabão e uma esponja de banho na mão, e uma toalha no ombro. De repente um delicado pé emergiu, a menina roçou com a esponja de banho o tornecelo, depois a comprida perna que surgia gloriosa com pétalas nas coxas. Logo saiu a cabeça, puxando o ar que cabia no mundo. O homem a tomou pelas cadeiras, como se fosse uma leve boneca, e a colocou na frente da menina, que a secou. A sua pele crispou-se com o vento, a banheira estava no jardim traseiro da casa, acima de uma torre circular de seis metros de altura, que permitia ela divisar a imensidade do bosque no pátio, que ela mesma tinha mandado prantar com arvores centenárias africanas, trazidas com as suas raízes, sua terra e sou rocio. O homem a tomou de novo pela cintura, e desceu com ela as escadas, entraram na casa pela porta do pátio, atreveram a cozinha, que tinha cheiro de mar. Atravessaram a sala de reuniões aonde o barão, seu esposo, encontrava-se conversando com o capataz da sua Charqueada das aforas da cidade, a jovem alcançou a ouvir, “mais dois fugiram para o Quilombo meu senhor”. E o homem que a carregava fez um leve sorriso. Ela foi sentada no comedor, uma moqueca de peixe foi trazida por uma velha senhora, que tomou uma colher de prata e deu a comida para a jovem. Não comeu todo, a senhora voltou com o prato para a cozinha, jogou no lixo a moqueca que sobrou, e pegou com a mão um pouco de Charque de um saco, para ela comer. Após à sua refeição, a jovem foi levada no quarto. Outra senhora estava deitada na cama, amamentando a filha recém nascida da jovem. Ao entardecer foi levada no jardim frontal, adornado ao estilo inglês, com um canal artificial de agua, e uma gruta ou caverna feita de pedras e quartzos, que simulava ser uma montanha. Os seus pés tocaram o chão, então entrou sozinha dentro da gruta. Os seus dedos acariciavam as pedras preciosas inseridas na parede. No centro da gruta estava escrito de forma inverossímil com raízes de arvores, “Amélia, 1883”, o nome da sua filha. Hoje, 135 anos depois, a gruta está erodida e desgastada, sem pedras preciosas, o nome, Amélia, foi reescrito várias vezes com raízes novas. As crianças brincam a esconde-esconde nas ruínas. E na entrada da gruta tem um letreiro que diz “Senzala dos escravos”. O jardim está aberto a os visitantes. A casa exibe objetos pessoas da Barão e sua esposa, o cartaz de uma negra aparece na cozinha, só. Acima da entrada da casa de Barões destaca um outro letreiro, “Museu da Baronesa: exemplo de mãe e mulher”. Sendo sinceros, o letreiro deveria dizer; “Museu da Vanagloria, exemplo de branquitude e credito roubado”.


livro de charque


(Affectio. Afficere. AffĂŞctus) Resist apud affectio.


São séculos, décadas, anos, meses, semanas,

dias,

horas,

minutos

este exato momento de luta...

e

...mesmo que tantxs não queiram.

Imagem: Adriani Araujo. Da Fome I − Série Outrar-se. Impressão. 21x30cm. 2014


A NOSSA LUTA VERDADEIRA É CONTRA UM SISTEMA DE PENSAMENTOS OPRESSORES QUE TÊM SE ARRASTADO POR MILÊNIOS

gustavoreginato@editoracaseira.com



assim, no rasgo do amanhã, veio pousar uma nuvem. então... talvez, na sarjeta da palavra, venha chover. então... talvez, na alegria da risada, venha brotar um trovão. então... talvez, na transparência da lágrima, venha desaguar a chuva. então... tanto mar, tanto mar, sei que há léguas a nos separar. pois! da lágrima, da risada, do então... talvez... choverá, na margem da palavra, outra língua. talvez... choverá, na próxima página, outra nuvem. então...


MEMORIA

ESQUECIMENTO



ARTISTAS

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Fabrício Simões Lais Possami Sandra Brito (Brittox) Enrique Aue (Edição Barata) Luana Alt Sheila Hempkemeyer Joana Schneider Thiago Rodeghiero Fernanda Fedrizzi Isabella Rechecham Ivete Souza da Silva Marina Gomes Carolina Ramos e Karine Joulie Lino Zabala Mara Nunes Daniele Borges Adriani Araujo Gustavo Reginato Karina Gallo Wenceslao Oliveira Alexandra Eckert Yuri Morroni



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