Visões Fantásticas

Page 1

Visões fantásticas A história do Novo Mundo esteve sempre povoada de lendas e mitos. Com o início das navegações para explorar o novo continente, um espírito de fanatismo por aventuras se apossa dos viajantes, mexendo com seu imaginário e levando-os ao delírio da fantasia. A partir desta ótica, este livreto se dispõe a apresentar uma abordagem do imaginário europeu para com a Amazônia, além de mostrar algumas fábulas, lendas e mitos que existem na região norte. “O estuário do Amazonas, visto em seu original fenômeno aquático pelos olhos surpresos dos espanhóis, como que marcou, através dos tempos, uma predisposição para a fantasia. ” (TOCANTINS, 1973, p.16) O INÍCIO DAS NAVEGAÇÕES


Depois das viagens realizadas por Vasco da Gama e Cristóvão Colombo, a família

Pinzon

demonstra

grande

interesse em explorar novas terras. Nesse contexto, Vicente Yañez Pinzon organiza uma expedição que parte em 1499 rumo ao desconhecido. Na sua viagem de volta à Europa passou por um rio que o chocou, este ele chamou de Marañon, nome pelo qual mais tarde veio a ser conhecido na Europa o próprio Amazonas. Algum tempo após Pinzon ter descoberto o Amazonas, Diogo de Lepe descobre o Rio Pará. O espanhol Vicente Yáñez Pinzón passou pela foz do Amazonas em fevereiro de 1500. Dando ao rio o nome de Mar Dulce (mar doce). Conforme a descida pelo rio, as cidades indígenas

Tratado de Tordesilhas Portugueses e espanhóis ainda estavam em processo de discussão pela América do Sul, o continente que era dividido pelo Tratado de Tordesilhas.


foram avistadas por conquistadores que navegaram naquela região. Considerado o primeiro europeu a descer o rio Amazonas o espanhol Francisco de Orellana desde a nascente nos andes, mais especificamente no Peru, foi o primeiro a ter um contato com os povos indígenas. Orellana ajudara, anos antes, Francisco Pizarro a subjugar o império Inca. Entre 1541 e 1542, desceu o Amazonas desde o rio Orinoco, nos Andes, até sua foz, no oceano Atlântico. Os relatos de suas viagens, e as histórias deixadas por colonizadores que vieram depois, alimentaram a imaginação dos europeus por gerações. O PAÍS DA CANELA Duas motivações míticas tiveram influências na descoberta do rio: o país da Canela e lenda das mulheres guerreiras (as amazonas). O país da canela, uma terra situada do outro lado da muralha dos Andes, na selva oriental, foi um dos motivos que fez com que Francisco Orellana viesse explorar a


terra desconhecida. Movido pelo imaginário de romper o monopólio das especiarias uma vez que a canela era a especiaria mais procurada na Europa e seu comércio era muito lucrativo. A lenda do País da Canela armou o espírito de Gonçalo Pizarro da ambição de conquista-lo e, diluída pela realidade do quadro físico, bem diferente do quadro imaginário. O companheiro do capitão espanhol, Francisco de Orellana, imediatamente substitui-a por outra, a das amazonas. Tocantins (1973, p.23)

A comida, porém, começou a escassear durante os trabalhos. Com o barco no rio e parte do grupo a cavalo, na margem, chegaram a cerca de 700 quilômetros de Quito. Deparando-se com árvores que não eram as de canela, sem encontrar El Dorado ou tribos ricas, com fome e passando privações, Gonzalo e Orellana decidiram que iriam se separar. Pizarro delega a Orellana a função de ir a vanguarda do Rio para conseguir alimento com os índios. A partir deste momento a


expedição da canela mudaria para entrar na história como o descobrimento do Rio Grande das Amazonas.

Dizem as crônicas haver Orellana ouvido dos índios de Quito os primeiros boatos sobre as amazonas. Ao ouvirem esta narrativa, os espanhóis, cientes da existência das Amazonas descritas pelos antigos gregos, ficam extasiados com a possibilidade em encontrá-las.


Assim, Francisco de Orellana se separa de Pizarro e segue pelo rio em busca das tão exuberantes amazonas. “O espanhol diante da região amazônica, já prevendo o império das amazonas em seu imaginário à imagem e semelhança, prende-se a ideia de conquistá-las. ” (TOCANTINS, 1970) LENDAS E FIGURAS DO FOLCLORE As lendas podem ser definidas como narrações populares que são baseadas em fatos históricos. Portanto, as lendas são baseadas em fatos reais, porém, sempre que narradas são modificadas. O simples fato de oralizar uma lenda, já remete ao imaginário particular de cada um. A quadra encantada da infância na Amazônia, onde as lendas e figuras do folclore exercem forte influência na mente do regional, é a prova disso. As lendas estão lá para fornecer elementos psicológicos para saciar a curiosidade infantil e estimular sua


imaginação no mundo sobrenatural e pitoresco das histórias de fazer dormir. Dessas águas amazônicas surge o reino dos botos, Iaras e das cobras grandes. TEARES MITOLÓGICOS Mito é a tentativa de uma resposta não científica para fenômenos antes sem explicação. Os mitos são narrativas utilizadas pelos povos antigos para explicar fatos da realidade e eventos da natureza que não eram compreendidos por eles. Por isso fazem uso de alguns recursos

como

os

deuses,

heróis

e

personagens

sobrenaturais para explanar suas ideias. “Um dia todos os mitos acabam morrendo, espero estar vivo para ver o dia em que esse mito vai morrer. ”

Cello Vieira

Essa herança espalhada pelos 4 cantos do globo, exaltada e colorida pela imaginação de quantos povos a usufruíram, teve na Amazônia o mais propício aos seus significados inescrutáveis. Os bichos, as águas, as matas,


foram o melhor agente adaptativo, bem ao calor da fantasia, à ideia do mistério, ao clima indefinido dos ares da floresta. Daí a propagação, das assombrações e histórias de animais fantásticos sendo tecidas nas vidas das pessoas. Qualquer pessoa criada a beira do rio estabelece com a natureza uma relação de amizade, e por isso, quando em contato com as lendas e mitos são seduzidas pelas mesmas. Todas estas lendas vêm sendo tecidas numa teia secular, por todas as paragens do vale, numa aliança de conservação mental, sob a forma de contos populares, que são resíduos de mitos e fábulas refeitos por pessoas singelas, afastados uns dos outros por algumas épocas e maneiras de dizer A LENDA DAS AMAZONAS Elas eram ferozes, fortemente armadas e atacaram os homens de Francisco Orellana no dia 24 de junho de 1542. Eram doze, e oito foram mortas. Na descrição de


frei Gaspar de Carvajal, “são muito alvas e brancas, usam cabelos compridos trançados e enrolados na cabeça; pernas e braços bastante desenvolvidos, andam nuas em pelo e dissimulando seu sexo, com seus arcos e flechas nas mãos, fazendo tanta guerra quanto dez homens”.


Como não podia ser diferente a natureza exótica que se postava diante da tripulação de Orellana, já era um incentivo

à

urdidura

da

lenda,

encaixando-se

perfeitamente aquele tipo misterioso que era o cenário da floresta e nos dorsos do rio. Contribuiu para fortalecer o imaginário que já tinha se formado previamente na cabeça do europeu, devido aos relatos da existência das amazonas na Capadócia, África e Ásia. As amazonas, como foram batizadas pelos integrantes da expedição, inspiraram o nome do maior rio do mundo. Viviam só entre mulheres e segundo descrições de índios, matavam seus filhos varões e as suas filhas mulheres eram tratadas com uma educação diferenciada. De acordo com os relatos de Carvajal, tribos pagavam tributos a elas. As amazonas não eram casadas, mas geravam filhos com índios de outras tribos, capturados na vizinhança. Os homens com os quais elas desposavam recebiam um amuleto, o muiraquitã, este amuleto trazia sorte e protegia de doenças. O muiraquitã mais comum tem o formato de sapo e é esverdeado.


As guerreiras nunca mais foram vistas por nenhum outro autor e continuaram permanecendo no plano do maravilhoso, à conta de um ciclo de conquistas no qual o mito sempre desempenhou função estimulante. As entradas amazônicas estão cheias

de

narrações

tão

extraordinárias quanto as das amazonas, uma mistura fantasiosa do índio e do branco. Cronistas, em

seus

relatos,

afirmaram

encontrar, no Purus, as nações dos gigantes. No Juruá, a dos anões. Até notícias de monstrengos que possuíam

pés

ao

avesso.

(Tocantins,1973) O BOTO VERMELHO O boto amazônico, para os ribeirinhos, apresenta-se sob duas abordagens diferentes. O boto tucuxi (conhecido como boto preto), salva os náufragos do afogamento, já o boto rosa, é tido como traiçoeiro e antropomorfo.


A lenda conta que em noite de festa, quando as pessoas estão distraídas, o boto se aproveita do momento para se transformar na forma de um bonito e elegante rapaz, usando roupas brancas e sempre com um chapéu, porque sua transformação não é completa, pois suas narinas se encontram no topo de sua cabeça fazendo um buraco. Como um príncipe formoso, ele encanta as belas jovens e as leva para o fundo do rio. Sendo ele, então, o responsável pela maternidade inexplicada das cunhãs. Ainda hoje, mães solteiras na região do Amazonas dizem que foram enganadas e que o pai de seus filhos é o boto que as confundiu.


COBRA GRANDE A Lenda da Cobra Grande possui várias versões que se apresentam entre as comunidades, uma delas diz que em numa tribo indígena da Amazônia, uma índia, grávida da Boiúna, deu à luz a duas crianças gêmeas que na verdade eram cobras. Um menino, que recebeu o nome de


“Honorato ou Norato”, e uma menina, chamada de “Maria Caninana”.

Ao saber que as crianças eram cobras, a mãe reseolve jogá-las no rio. As cobras então se criaram no rio. “Honorato” tinha um bom coração e vinha sempre visitar a mãe. Por outro lado, sua irmã, "Maria Caninana", era uma cobra má que sempre fazia perversidades, nunca veio. Assim mesmo andavam sempre juntos e percorreram todos os rios da Amazônia. "Maria", sendo muito má, fazia sempre coisas deixavam o seu irmão chateado. Afogava viajantes e banhistas. alagava canoas, mexia com os bichos, assombrava e fazia naufragar embarcações.



Eram tantas as maldades e atentados praticados por ela que um dia Honorato acabou por matá-la para pôr fim às suas maldades. LENDA DO MUIRAQUITÃ A lenda do muiraquitã está relacionada com a das mulheres guerreiras. Quando a última vive somente no âmbito da imaginação, a primeira realmente existiu. A lenda conta que nas ribas de Nhamundá, as mulheres guerreiras ofereciam o talismã aos homens da tribo dos Guacaris com o qual se relacionavam uma vez por ano. Após uma longa noite de relações sexuais, as mulheres guerreiras mergulhavam no lago Espelho da Lua, localizado no lago de Jaciuara, e traziam em suas mãos um barro verde, ainda mole que ia sendo esculpido pelas mãos das amazonas e ganhando formas variadas: de sapo, tartaruga e outros animais, presenteando seus amados com este talismã. Os verdadeiros muiraquitãs têm um orifício por onde os possuidores enfiavam um cordel para pendurá-lo ao


pescoço como um colar. Os guerreiros acreditavam nos dons milagrosos do talismã confeccionado na pedra de Jade que podia despertar o amor, curar doenças, evitar o mau olhado e estimular riquezas. LENDA DA VITÓRIA RÉGIA



“Havia numa tribo do Amazonas linda Cunhã que embora recebesse o carinho e a amizade de todos de sua taba considerava-se muito infeliz. Durante a noite punha-se

a

fitar

o

céu,

cheia

e

nostalgia,

contemplando miríades de pontos reluzentes, que eram mulheres transformadas em estrelas pelo amor do astro noturno. Todos os anos a lua descia dos páramos celestes escolhendo na terra as virgens de sua predileção e com elas se envolvia nos mantos das nuvens antes de transfigurá-las em constelações. A moça, apesar de seus atrativos físicos, não merecia a atenção do amante volúvel. Uma noite, indo banhar-se no lago, viu a imagem amada espelhar-se nas águas, e nestas se atirou num impulso amoroso. O luar coava-se pelas árvores da mata, quando o corpo da Cunhã, com os cabelos envoltos por uma grinalda de flores de aguapé, pairava adormecido eternamente no dossel verde dos mururés, como a Ofélia de Hamlet. A lua, pesarosa com o sacrifício da virgem e não podendo fazê-la


mais estrela do firmamento, tornou-a estrela das águas e rainha das plantas lacustres- a vitória-régiacujas flores só se abrem a noite, para que lá do céu o astro a contemple, sozinho a afloração da amante inatingível. ” Trecho retirado do livro O Rio Comanda a VidaUma Interpretação da Amazônia A IARA DO ESTREITO DE BREVES O Estreito de Breves é um lugar muito conhecido na região amazônica por uma finalidade singular, serve de ligação à navegação entre os Estados do Pará e seus vizinhos, como Amapá, Amazonas, além de municípios da região. O mesmo é canal fluvial necessário para quem navega na direção do Arquipélago do Marajó. Conhecido por ser um trecho de águas turbulentas. Esse rio estrondoso, que é calmo quando quer e se mostra poderoso quando menos se espera. É o rio onde o curumim pula n’água, onde o ribeirinho vai pescar, onde


a mulher vai lavar roupa na sua beirada. É o rio que está dentro de nós, é o rio que comanda a vida. Ali naqueles estreitos tudo contribui para essas visões fantásticas, dede histórias de duendes que naquelas paragens recobertas de selva faziam suas traquinagens, até ribeirinhos que já transformaram as lendas em rituais de oferendas. É nas águas do Aturiá, numa volta chamada Vira-Saia, que a gente local costuma prestar sua reverência para com a mãe natureza. É uma história que é contada há gerações e está concreta como o real para os ribeirinhos. “Uma canoa subia o furo nos primitivos tempos da conquista e, ao dobrar a volta da Vira-Saia, surgiram pela proa centenas de botos, fungando e ameaçando a pequena embarcação, que ficou paralisada, sem poder prosseguir a derrota ou retroceder. Repentinamente, um coro de vozes se fez ouvir, entoado por jovens desnudas que afloravam das águas. As lindas Iaras pediam roupas


Para cobrir o corpo e, tão logo as peças eram jogadas pelos caboclos atemorizados, as visões desapareceram, e a canoa pôde continuar a viagem. ”

Trecho retirado do livro O Rio Comanda a Vida UmaInterpretação da Amazônia.


Os anos se passaram e ainda hoje no Furo do Aturiá a superstição permanece. Quando se passa por aquelas bandas, está sempre viva e presente os farrapos arremessados nas águas pelos ribeirinhos.

Hoje, os mistérios da Amazônia, porém, não são os mesmos do século XVI. Em seu livro O pensamento mestiço, o historiador francês Serge Gruzinski mostra que mesmo essa idealização passa por uma espécie de “atualização através do tempo”: “Desde o Renascimento, os mistérios da grande floresta excitaram todos os imaginários,

fossem

eles

espanhóis,

portugueses,

franceses, ingleses ou italianos: (...) por último, as ameaças que hoje pairam sobre essa região do globo introduzem uma tensão dramática que a tornam ainda mais atraente. A Amazônia está se transformando num paraíso perdido, se é que já não se transformou”.


UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM Curso de comunicação social- Jornalismo Disciplina: A Comunicação no Amazonas e na Amazônia Docente: Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues Discente: Lucyleny de Souza Rocha Ilustrações por: Bruno Guerra Lima

Referências:


A Lenda do Boto. Acessado em 24/01/2017. Disponível na Internet: http://noamazonaseassim.com.br/a-lenda-doboto/ Carvajal, Orellana, El Dorado e o País da Canela. Acessado em 22/01/2017. Disponível na Internet: http://www.portalgentedeopiniao.net/noticia/carvajalorellana-el-dorado-e-o-pais-da-canela/43808 Cobra Grande (Cobra Honorato). Acessado em 15/01/2017. Disponível na Internet: http://www.sohistoria.com.br/lendasemitos/honorato/ Francisco de Orellana, o conquistador do Amazonas. Acessado em 15/01/2017. Disponível na Internet: http://origin.guiadoestudante.abril.com.br/aventurashistoria/francisco-orellana-conquistador-amazonas735039.shtml TOCANTINS, Leandro. O Rio Comanda a Vida- uma Interpretação da Amazônia. Publicação 437, volume 114, Ed.-Manaus: Editora Biblioteca do Exército/ 1973.


Um paraĂ­so misterioso chamado Brasil- Acessado em 15/01/217.DisponĂ­vel

na

Internet:

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/um_par aiso_chamado_brasil.html


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.