O futebol, ontem, hoje e amanhã

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O futebol ontem, hoje e amanhã: Uma análise histórica filosófica e sociológica do esporte no Brasil Resumo Este projeto descreve uma análise sobre o futebol e sua trajetória no Brasil, desde sua chegada até a sua expansão e popularização. O objetivo é compreender as mudanças durante o desenvolvimento da modalidade no país, analisando os momentos históricos, desde a modernidade até a contemporaneidade e perceber o que foi mais decisivo para transformá-lo em espetáculo midiático, num fenômeno da indústria cultural. O trabalho apresenta uma concepção de literaturas específicas sob a ótica de sociólogos e filósofos, com ideologias que podem ser encontrados e relacionados com o tema abordado. No campo metodológico fizeram-se diversas pesquisas em livros, revistas e a plataforma da internet, além de um aprofundamento dos conteúdos abordados e discutidos em sala de aula. Constatou-se que a modalidade esportiva tratada sofreu várias transformações ao longo dos anos e que essas mudanças fizeram com que o futebol se tornasse um verdadeiro instrumento ideológico. Palavras Chaves: Futebol. Modernidade. Indústria Cultural. Classes Sociais.

Neste artigo apresenta-se uma discussão a partir do futebol, o esporte mais difundido no Brasil, levando em consideração a relação de classes e a sua prática, na introdução e difusão pelo país, observando ainda a transição dos princípios da modalidade, desde a sua chegada até os dias atuais, onde o futebol é visto como um verdadeiro mercado, tanto de jogadores quanto de clubes. O projeto tem por finalidade observar a influência do futebol em seu primeiro momento, como um esporte moderno e tradicional, utilizado para descontração e mais tarde símbolo de lutas que foram travadas dentro e fora do campo; e na sua contemporaneidade, como futebol arte transformado em espetáculo esportivo. Além disso, pretende também perceber o que foi mais determinante para a sua transformação num produto midiático, adaptado pela indústria do entretenimento, que inverteu os valores sociais e culturais, presentes na essência do esporte, num produto meramente mercantil onde clubes viraram empresas e uniformes outdoors ambulantes. Trata-se de um trabalho exploratório, circunscrito no campo da filosofia e sociologia desse esporte tão popular no Brasil. O tema “O futebol ontem, hoje e amanhã” é desenvolvido nesse artigo sob a luz das transformações da modernidade e da contemporaneidade. Para tanto, nos serviremos de autores como Karl Marx e suas ideologias, além de Marshall Berman, Herbert Marcuse para fazermos reflexões sobre a


sociedade industrial moderna. O referencial teórico adotado, portanto, se baseará em algumas teorias dos autores supracitados, além do diálogo com outros pensadores. Como procedimento metodológico, foi feita uma revisão dos conteúdos trabalhados em classe e um aprofundamento da literatura filosófica e sociológica especializada, em livros e revistas, além de pesquisas a temas referentes através da plataforma da internet. O texto está dividido da seguinte forma: Breve história do futebol brasileiro; Principais características do esporte na sua introdução e difusão; Lutas Sociais; Identidades Culturais; O futebol e indústria cultural na modernidade; O futebol na contemporaneidade: mudanças e perspectivas; e considerações finais, com reflexão sobre o tema. O futebol não é simplesmente mais um esporte. Dentre tantos outros, esse tem um diferencial, tanto na forma de disputa quanto na sua popularidade no mundo inteiro. Colocar pessoas num campo para correr atrás de uma bola e chutá-la até acertar a meta do adversário parece uma coisa simples, às vezes, visto com desdenho por alguns críticos antipatizantes da modalidade. Porém, o futebol abre um leque de discussões quando analisado e estudado por uma ótica social, filosófica e cultural, fundamentado por grandes pensadores e seus ideários. O seu surgimento é incerto, leituras afirmam que existem resquícios de sua prática ou, pelo menos, de algo parecido na China e na Itália, muito antes da Inglaterra, país marcadamente conhecido como precursor do esporte no século XIX. Claro que os termos “esporte” e “futebol” foram criados tempos depois destes indícios, o que existia era algo parecido, um jogo com bola, que mais tarde viria a ser chamado de futebol. Enfim, o esporte na sua modernidade, foi realmente engendrado na Inglaterra, onde foi adotado um sistema de regras, tabelas e clubes, que eram formados basicamente por operários das mais diversas fábricas espalhados pelo país. O surgimento dessa modalidade esportiva pode ser considerada como uma atividade moderna de acordo com o pensamento de Berman (1986): Ser moderno é encontrar-se num ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas ao redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo que sabemos, tudo o que somos. (p.15)


Essa prática expandiu-se pelo mundo inteiro e tem um pouco de tudo isso que foi proposto por Berman na sua visão do que é modernidade. Perpassado de forma superficial sobre o surgimento do futebol, podemos analisar e perceber que os princípios da modalidade do país inglês chegavam ao Brasil trazido por Charles Miller ainda no final do mesmo século. O país da República Velha, recém-proclamada, começava a dar seus primeiros chutes e, como na Inglaterra, funcionários e donos de fábricas faziam equipes para disputar partidas amistosas e descontraídas. O primórdio da modalidade no Brasil incluía apenas pessoas elitistas e brancas, no entanto, na década de 20, após lutas travadas, os negros foram aceitos no esporte, transformando o mundo da bola em uma cultura, mistura de conhecimentos e quebra de preconceitos, crenças, fazendo com que pessoas de díspares lugares se sentissem iguais. Cultura esta reforçada de acordo com Santos (2004): Cultura diz respeito à humanidade como um todo: ao mesmo tempo a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos [...]. Entendido assim, o estudo da cultura contribui no combate a preconceitos, oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações humanas (p. 8-9).

Podemos fazer uma pequena inferência aqui e notar que o futebol representou em seu primórdio no Brasil uma verdadeira luta de classes. Introduzido pela classe burguesa inglesa que morava em São Paulo e no Rio de Janeiro, o futebol durante, praticamente, toda República Velha, foi considerado um esporte para a elite, para os brancos. Assim como nas lutas de classes trabalhadoras, apresentadas e argumentadas por Karl Marx, o futebol também foi símbolo de confronto. Para Barbosa, Quintaneiro e Oliveira (2003): A história das sociedades cuja estrutura produtiva baseia-se na apropriação privada dos meios de produção pode ser descrita como a história das lutas de classes. Essa expressão, antes de significar uma situação de confronto explícito - que de fato pode ocorrer em certas circunstâncias históricas - expressa a existência de contradições numa estrutura classista, o antagonismo de interesses que caracteriza necessariamente uma relação entre classes, devido ao caráter dialético da realidade. (p.43)

Diversas lutas foram travadas por clubes que tinham operários e negros em suas equipes, a exemplo do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro e Santa Cruz, em Recife, que por essa razão chegaram a ser expulsos de ligas. Com isso, o conflito entre a burguesia e os operários, motivou a profissionalização do esporte no inicio dos anos 30, a classe


trabalhadora (operários) passou a lutar mais pelos seus direitos. Os atletas buscavam a profissionalização do esporte e para isso formaram uma associação de classe, para se sentirem representados e serem mais valorizados. Um dos princípios dessa agregação segundo Franzini (1998) era: Evitar terminantemente que os clubes tratem os jogadores como mercadorias, porquanto clubes ha que, se receberem pedidos de "passe" pedem indemnizações ás vezes exhorbitantes, á revelia do proprio jogador que se torna, desse modo, uma especie de objecto que se vende no mercado. [Original]

Enquanto os clubes de elite se organizavam para disputar campeonatos, os operários e negros que trabalhavam em diversas fábricas espalhadas no território brasileiro também se organizavam, mas com um detalhe, esses clubes por serem pobres não faziam registro de partidas e as fontes documentais, praticamente, negam a sua existência. Com a expansão, popularização e profissionalização do esporte, a elite afastouse do futebol e os clubes passaram a ser administrados por negociantes, que apresavam uma visão capitalista e sustentavam o ideário marxista das relações de classes, onde o dinheiro para a classe dominante falava e, fala até hoje, mais alto. No futebol isso é percebido, pois, o jogador que lutou para conseguir diminuir as desigualdades sociais, sair do amadorismo e se tornar um profissional, está cada vez mais se perdendo nesse quesito, sendo passivo muitas vezes aos seus empresários, que pensam no lucro e não na construção e identidade social. Começa o futebol a tomar outros rumos. Nas mãos de cartolas, empresários da bola. Os jogadores começam a receber salários em troca de partidas. Além dos vencimentos, os jogadores começam a ganhar prestígio perante a sociedade. Isso mais tarde transformou o futebol num esporte que mexia com brio das pessoas que se amontoavam para ver os jogos e as grandes disputas. Durante o Estado Novo o desporto, assim como toda sociedade brasileira, passou por profundas transformações, principalmente, na constituição de suas regras, instituição e passagem do amadorismo para o profissionalismo, onde de fato o futebol se tornou popular. Esse complexo processo de incorporação do futebol na sociedade


brasileira é compreendido como fenômeno social utilizado pelo Estado Novo para esparzir valores ligados a um determinado caráter nacional. O resultado dessa transformação foi à criação de laços cada vez mais intensos entre jogadores, equipes e torcedores, o que acabou criando uma forte identidade O esporte é uma das formas de universalização e de cidadania mais belas e interessantes que existem. Nele todas as raças estão presentes e se destacando nas mais diferentes modalidades. O futebol é uma prova real de interferência na formação de identidades e valores individuais e coletivos. Gostar de esporte, ter entusiasmo por um clube e evidenciar sentimentos sobre a entidade e seus desportistas, está acima de qualquer explicação dados por eles mesmos. As pessoas não se dão conta do envolvimento espontâneo ou não, estão e são sujeitos de uma transformação social que acontece por diversos fatores. Os estudos sociais de Stuart Hall nos revelam mudanças das definições de identidade/sujeito ocorridas ao longo da modernidade tardia. Para autor, existem três concepções de identidade, o sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e sujeito pós-moderno. Podemos incluir nessa discussão o futebol, colocando-o como o objeto modificador e influente, um verdadeiro instrumento ideológico. Um torcedor de futebol, especialmente o brasileiro, por diferentes razões dedicam parte de suas vidas ao esporte. Seja acompanhando notícias do clube favorito, indo a estádios, discutindo sobre jogos, etc. O fato é que ele desenvolve uma identidade a partir do futebol. Segundo Hall, a identidade só precisa ser reafirmada porque existe a diferença, se fossemos todos iguais, não precisaríamos afirmar nossa identidade para o mundo. Essa explicação nos conduz ao seguinte juízo: o torcedor brasileiro é um sujeito misto, pois pode ser um sujeito sociológico, com uma identidade formada na interação com a sociedade (e com os meios de comunicação a qual são submetidos), no entanto, a sua identidade pode aparecer no seu nascimento e desenvolver-se ao longo da vida em um processo contínuo (quando os pais induzem seus filhos). O futebol é, portanto, primordial na construção da identidade dos cidadãos e dos diversos grupos sociais no país. A prática virou uma espécie de tradição e popularização entre os brasileiros. Canclíni (1989) apud Catenacci afirma que: A história do popular sempre foi relacionada com a história dos excluídos, que não têm patrimônio ou não conseguem que ele seja reconhecido e


conservado. Por conseguinte, na maioria dos estudos feitos sobre a cultura, o avanço é considerado como promovido única e exclusivamente pelos setores hegemônicos, já que no tradicional estão arraigados os setores populares. (p. 31)

A difusão do esporte, assim como as do ideário marxista, faz parte do pensamento de milhões de pessoas mundo afora. Marx e outros teóricos seguidores de sua ideologia, baseado no materialismo histórico e nos estudos sobre a economia, acreditava que as práticas físicas eram utilizadas para desviar a atenção, que era a tomada de poder proveniente do conflito entre a classe burguesa e a classe operária. Assim, podemos notar que o esporte, além de atividade lúdica, foi utilizado como instrumento ideológico e como elemento de manipulação de pessoas em vários momentos da nossa história. A sociedade passa por uma transição que direciona e só faz aumentar o desejo de consumir o que o modo capitalista impõe. O futebol é exemplo claro da influência dessa onda que contagia toda humanidade. Hoje é praticado por pessoas de diferentes raças e níveis sociais. O futebol é considerado como a grande “paixão nacional” e no Brasil verifica-se uma maior identificação das pessoas com tal esporte. Estima-se que 140 milhões de brasileiros são mobilizados pelo futebol, demonstrando a importância social deste esporte que contém forte caráter de envolvimento coletivo. Esse encantamento pelo espetáculo futebolístico é tamanho que leva as pessoas a adaptar a vida cotidiana ao cronograma esportivo. Os domingos, por exemplo, transformaram-se em “dia de futebol”, já que seus adeptos estão acostumados com a transmissão de partidas neste dia. A televisão acabou transformando o espetáculo em setor financeiro e vendedor de produtos, preocupados com a audiência e o lucro. O capital virou a mãe-mestre do futebol. Para Freitag (2004, p.71), “o produto cultural integra a lógica do mercado e das relações de troca deixa de ser “cultura” para tornar-se troca”, um exemplo disso é o futebol, explorado como um espetáculo midiático. O futebol mexe com os corações das pessoas oscilando sentimentos diversos que variam de alegrias a decepções de acordo com o decorrer da partida. Cabe perfeitamente designá-lo como “o circo dos tempos modernos”, pois nenhum outro desporto provoca tantas emoções a tanta gente.


A expressão “pão e circo” foi utilizada pela primeira vez na Antiga Roma como uma estratégia dos Imperialistas que providenciavam que não faltasse pão e circo para a satisfação do povo romano. Essa atitude nada mais era que uma jogada de mestre utilizada para distrair a população para que esta se mantivesse alienada com relação aos problemas sociais existentes. Algo bastante similar ocorre com o futebol. No Brasil observa-se uma forte presença dessa espetacularização do futebol, sendo explorado pelos meios de comunicação de massa (televisão, rádio, jornal, etc.) e outras formas de entretenimento baseadas na cultura, visando o lucro. As mídias exploram a reprodução excessiva deste tema, fazendo com que as pessoas se prendam a ele, de modo que acabam dando maior importância a essa modalidade esportiva esquecendo-se dos reais problemas sociais do país, como os de ordem política e econômica. Partindo do pressuposto de que “na indústria cultural tudo se torna mercadoria” o que antes era uma arte, tornou-se um meio de manipulação e aquisição de vantagens. Um grande exemplo dessa alienação das pessoas perante os problemas sociais brasileiros acontece nos anos de realização de Copas do Mundo que coincide com o momento político de maior importância do Brasil, as eleições presidenciais. Percebe-se que até o final da Copa ou até a eliminação da Seleção brasileira desta competição os meios de comunicação não falam sobre outro assunto a não ser esse. Certamente o futebol é o esporte preferencial do povo brasileiro e a sua capacidade de aglutinação de pessoas é inegável. Esse fato foi logo percebido por políticos e grandes empresários. Aliado a isso, os veículos de comunicação de massa se utilizam de habilidades para manipular os envolvidos nos eventos esportivos, não apenas para vender, mas também, para criar um perfil de consumidor padrão. Marcuse afirma que os meios de comunicação são garantidores do consenso, criando uma sociedade sem oposição. Podemos usar o Flamengo, time da capital carioca, como um exemplo. É muito fácil nos deparar com um flamenguista produzido pela mídia. Muitos, assim se tornaram, devido o grande sucesso da equipe dos anos 80 sob o comando de Zico, mas, sem sombra de dúvidas, o marketing “global” sobre os rubro-negros com rótulo de maior torcida do mundo conseguiu milhares de adeptos proporcionando ao time uma visibilidade mundial, mesmo anos depois. Esses meios acabam esquecendo outros temas. Violência, fome, desemprego, corrupção ou qualquer outra dificuldade presente na sociedade desaparecem como em um passe de mágica. A mídia explora de modo exaustivo a imagem do futebol atuando


como uma ferramenta de manipulação e controle social. Em 1970, por exemplo, o Brasil vivia um momento político bastante crítico, a ditadura militar do governo Médici. Enquanto muita gente era perseguida, presa e torturada o restante da população esquecia tudo de ruim que estava acontecendo no país, à única coisa que tinha importância era o desempenho da seleção brasileira na Copa do Mundo que estava ocorrendo. Nesse período, assim como no Estado Novo, o futebol e a Seleção brasileira eram utilizados como o “ópio do povo” e os jogos serviam como uma anestesia, para aliviar as tensões de um povo reprimido pela ditadura que arrasava o país. Desse modo, o futebol, por intermédio dos meios de comunicação, serviu e pode-se dizer que ainda serve de propaganda para vários governos. Outro ponto que merece ser citado é a forte relação de mercado existente entre a mídia (principalmente a televisão) e o futebol, este é explorado como uma das maiores fontes de renda dos meios de comunicação. Esse vínculo comercial dentro da sociedade capitalista vigente é inegável e é praticamente impossível desvincular o campo esportivo do econômico. Os direitos de transmissão das partidas dos principais campeonatos são comercializados a altos preços, e os espaços publicitários valem milhões. Isso representa cifras significativas tanto para os meios de comunicação quanto para os clubes. Quanto a esse assunto, no Brasil, é indiscutível o monopólio televisivo exercido pela Rede Globo em torno do futebol. Portanto, para as pessoas assistirem aos jogos, obrigatoriamente elas têm que dar audiência a essa emissora e serem bombardeadas com as propagandas de idéias e produtos que a mesma decidiu divulgar. É perceptível a existência de um mercado cheio de produtos da Indústria Cultural no futebol. A publicidade e a propaganda são exploradas com bastante intensidade pela mídia e os patrocinadores aproveitam-se do grande espetáculo midiático em torno do futebol para promover e disseminar cada vez mais os seus produtos no mercado. Vale salientar ainda a utilização da imagem dos jogadores que muitas vezes atuam como garotos propaganda desses produtos, isso sem falar que estes atletas são verdadeiras “mercadorias” vendidas em transações milionárias. Essa espetacularização do futebol pela mídia esconde as reais pretensões dessa com relação a esta modalidade esportiva, se fazendo somente para garantir obtenção de lucro e para atuar como alienadora da sociedade. Ou seja, as mídias acabam deformando esse espetáculo e o futebol passa a ser, essencialmente, financeiro, promotor de marcas e alienador do meio social.


Não há dúvidas de que o futebol faz parte da “Indústria Cultural”, termo utilizado pela primeira vez por Adorno e Horkheimer no texto Dialética do Esclarecimento (1942). De acordo com Sodré (2001, p.22), “Indústria Cultural, é o nome que vem recebendo a organização particular da transição da cultura burguesa elitista para uma cultura burguesa de massa”. Porém, não se pode afirmar que a televisão por utilizar de recursos publicitários em cima do futebol, esteja desvalorizando a cultura – paixão, sentimento, vibração, alegria, entrega de coração ao time ou seleção nacional, a força de formação do povo brasileiro, e principalmente construção social. De acordo com Gramsci (1975): Entretanto, a inserção da mídia na sociedade e seu “poder” ideológico no reforço a certos padrões culturais não devem ser tomados em um grau absoluto. As pessoas não são autômatos manipulados por uma única ideologia centralizadora (p. 1638).

Culturas no Brasil como o futebol sofrem uma intervenção grande das mídias e seus anunciantes, ao mesmo tempo em que divulgam histórias do futebol, e é bem provável que muitos jornalistas esportivos e seus “patrões” não saibam sequer a origem desse, muito menos seu poder de convencimento, como parar uma guerra, por exemplo. Para Sodré (1986) a relação mídia e cultura é algo desumanizante, como a citação a seguir: Essa é a cultura que os meios difundem, no Brasil, hoje: além de seu baixíssimo nível e de seu teor desumanizante, tende cada vez mais, a desnacionalização, ao esmagamento de nossa herança cultural. Nosso povo, destituído de quaisquer direitos, inclusive o que afeta a sua cultura, para não falar do impedimento à ampliação dela é ainda acusado pelo nível baixo. (p.79)

A transformação de clubes, tradicionais ou não, em empresas revelam um novo cenário da modalidade no Brasil. Estamos vivendo a era do futebol S/A (Sociedade Anônima), onde empresários e políticos invadem essa área esportiva para financiar e comercializar jogadores. O futebol arte brasileiro, marcadamente reconhecido no cenário mundial, vem sendo modificado pelas estruturas econômicas que assolam os clubes. Podemos exemplificar a equipe paulista Grêmio Prudente, clube que recentemente mudou de nome e de cidade, de uniforme e de escudo, isso em prol de


melhores condições financeiras. Esse troca-troca de cidades faz o esporte tradicional virar um comércio. Essa é uma realidade contemporânea de diversos times brasileiros. E conforme Marx apud Oliveira (1997): É exatamente essa forma acabada - a forma dinheiro - do mundo das mercadorias que objetivamente vela, invés de revelar, o caráter social dos trabalhos privados e, portanto as relações sociais entre os produtores privados. (pag. 158)

Outro fato muito visível e presente no cotidiano das agremiações esportivas é a comercialização de seu uniforme, transformando-o num verdadeiro outdoor ambulante. Os ternos estão sendo ridicularizados com propagandas excessivas que tomam praticamente todo o espaço que é vendido de acordo com a localização. Por exemplo, mangas, parte frontal superior e inferior da camisa, shorts e até meias, expõem a logomarca ou nome dos seus patrocinadores. A camisa do centenário do Sport Club Corinthians Paulista é um modelo de como o futebol tem sofrido influências da mídia e de como ele tem se tornado um verdadeiro mercado capitalista. Existe ainda outra realidade em se tratando da relação da Seleção brasileira com clubes que cedem seus jogadores para sua composição. Alguns por considerar o jogador uma mera mercadoria de uso comercial, dificultam a cessão deste quando convocado. Atualmente, além de atuar dentro das quatro linhas, o profissional tem a missão de alavancar recursos financeiros para o clube transformando-se em garoto propaganda. Muitos jogadores da Seleção brasileira atuaram nesse sentido fazendo propaganda para a marca Nike, uma das patrocinadoras da Seleção. Outro exemplo foi à estréia de Ronaldinho Gaúcho no Flamengo, que foi adiada devido o interesse econômico da empresa fornecedora de material esportivo e dos patrocinadores Giddens (2003) apud Costa vai dizer que: [...] com freqüência as tradições também sucumbem à modernidade, e em algumas situações isso vem ocorrendo para o mundo todo. Tradição que é esvaziada de seu conteúdo, e comercializada, torna-se kitsch – as bugigangas que se compram na loja do aeroporto. Tal como desenvolvida pela industria da herança, herança é tradição reembalada como espetáculo. Os prédios restaurados nos locais turísticos, podem parecer esplêndidos, e a restauração pode parecer autêntica até os mínimos detalhes. Mas a herança que é assim protegida está dissociada da seiva da tradição que é sua conexão com a experiência que é a vida cotidiana. (p.54)


O futebol do modo que é apresentado e explorado pela indústria cultural, deixa de ser uma “paixão nacional” tornando-se mais compatível com uma “ilusão nacional”. Enquanto arte e espetáculo verdadeiro, o futebol é totalmente distorcido pela mídia, perdendo assim a sua essência. Essa modalidade esportiva pode ser traduzida como um pão sem nutrientes, que somente engorda aos detentores do poder e, como um circo que acresce pouco ou quase nada de útil para a formação do pensamento crítico da massa. No decorrer da sua existência o futebol de campo já teve varias funções sociais, como o exemplo de luta de classes já supracitado. Mas, no futebol atual o atleta e os clubes, acabaram virando produtos, artigos a serem consumidos, para manter o sistema capitalista circulando, tendo que a todo instante agradar os que o rodeiam, muitas vezes indo de encontro aos seus ideais, ou seja, ao seu “eu”. Na pós-modernidade, a identidade cultural tornou-se uma mola rotativa, onde o sujeito não mais escolhe pela identificação, conceitos e ideais, mas sim, pelo simples fato de seguir o que a maioria das pessoas idolatram e consomem, ou seja, o que está mais em ascensão. O futebol tornou-se uma promessa iluminista de um mundo melhor, da felicidade ao alcance de todos, mas, a realidade não é bem essa, pois, nem toda criança que vai adentrar no mundo da bola vai ser um craque e ganhar milhões de dinheiro, muitos até acabam conquistando essa independência financeira, mas, se perdem na ilusão de que são felizes, auto- realizados e que as desigualdades das quais são meras vítimas sanou. Pereira (2008) relata isso: Com o assédio constante de imagens e informações, o indivíduo pode passar a viver uma vida idealizada, na qual a ficção tende a misturar-se à realidade e vice-versa. São jovens sonhando e acreditando que podem se tornar reis, fenômenos, heróis e que, baseados neste sonho, consomem produtos que os aproximam do objeto que o simboliza. (p.13)

Observa-se que esse esporte ainda passará por transições, onde a tradição e as identidades culturais sofrerão cada vez mais ataques da mídia capitalista, isso porque o futebol está sendo tratado como um verdadeiro comércio que envolve clubes, jogadores e empresários. Existem indicadores que as mudanças continuarão, resta saber até quando o futebol brasileiro sobreviverá a essas pressões do mundo contemporâneo.


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