Carrie

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Do livro: Nós Sobrevivemos ao Baile Negro, de Norma Watson (publicado em agosto de 1980 pela The Reader’s Digest, como artigo da série “Drama na Vida Real”): ...tudo foi tão rápido que ninguém realmente sabia o que estava acontecendo. Estávamos todos em pé aplaudindo e cantando o hino da escola. De repente - eu estava na mesa da guarda, logo atrás da porta principal, olhando para o palco - vi um reflexo, quando os enormes refletores armados por cima do palco incidiram em qualquer coisa metálica. Estava ao lado de Tina Blake e Stella Horan, e acho que elas também viram. No mesmo instante desceu no ar um enorme esguicho vermelho. Parte dele atingiu o mural e ficou escorrendo em longas goteiras. Soube no mesmo instante, antes mesmo que eles fossem atingidos, que aquilo era sangue. Stella Horan pensou que fosse tinta, mas eu tive um pressentimento, como daquela vez em que meu irmão foi atingido por um caminhão de feno. Eles ficaram encharcados. Carrie levou a pior. Parecia exatamente como se tivesse sido mergulhada dentro de um balde de tinta vermelha. Continuou sentada. Sem se mover. O conjunto que estava mais próximo do palco, Josie e os Moonglows, ficou todo respíngado. O instrumento do guitarrista principal era branco, e ficou manchado de alto a baixo. - Meu Deus - disse eu - é sangue! Ao ouvir minhas palavras, Tina deu um grito. Um grito alto, que ecoou por todo o ginásio. Todos tinham parado de cantar e o silêncio era profundo. Não consegui me mexer. Estava como que pregada no chão.Olhei para cima e vi dois baldes balançando no alto, por cima dos tronos, balançando e batendo um no outro. Pingavam. De repente despencaram, com um monte de corda solta descendo atrás deles. Um acertou Tommy na cabeça. Ressoou alto como um gongo. Alguém riu. Não sei quem, mas não era riso de alguém que viu uma coisa engraçada, divertida. Era brutal, histérico, horrível. No mesmo instante Carrie abriu os olhos, arregalando-os. Foi aí que todos começaram a gargalhar. Eu também, que Deus me perdoe. Era tão... tão fantástico. Quando era pequena, tinha um livro de estórias de Walt Disney chamado Canção do Sul; nele havia a estória do boneco de piche, contada por Tio Remus. Tinha uma figura do .boneco de piche sentado no meio da estrada, igualzinho àqueles velhos menestréis negros, de cara preta e enormes olhos brancos. Quando Carne abriu os olhos foi exatamente igual. Eram única parte de seu corpo que não estava inteiramente vermelha. A luz incidia neles, pareciam de vidro. Que Deus me perdoe, mas juro que era o perfeito Eddie Cantor naquela sua cena de olhos arregalados. Foi isto que fez todo mundo rir. Não havia jeito. Era um destas cenas que você ou ri ou enlouquece. Há tantos anos Carrie vinha sendo o alvo de todas as pilhérias, e todos sentímos que naquela noite éramos parte de algo muito especial. Era como se estivéssemos observando um ser humano se juntando novamente à raça humana, e eu, por minha parte, agradecia a Deus. E foi acontecer aquilo. Aquele horror! Portanto, não havia outra coisa a fazer. Ou a gente ria ou chorava, mas como seria possível chorar por Carrie, depois de todos estes anos? E ela ficou sentada, de olhos fixos, e as gargalhadas aumentavam, iam crescendo, crescendo. Tinha gente segurando a barriga, se dobrando de rir, apontando para ela. Só Tommy não olhava para ela. Arriado em sua cadeira, parecia adormecido. Não dava para ver se estava ferido: estava todo coberto de sangue. De repente o rosto de Carrie. . . desmantelou. Não encontro outra palavra para descrevê-lo. Cobriu-o com as mãos, e ergueu cambaleando. Quase se embaraçou em suas próprias pernas, ameaçou cair, o que fez a assistência rir mais ainda. Depois saiu como que saltando do palco. Era como se fosse um enorme sapo vermelho pulando de um canteiro de


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