TCC arqurbuvv MORFOLOGIA URBANA E SEGURANÇA PÚBLICA: CAMINHABILIDADE, VITALIDADE URBANA E VIGILÂNCIA

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UNIVERSIDADE VILA VELHA ARQUITETURA E URBANISMO

LUANA FERNANDES SALES DOS SANTOS

MORFOLOGIA URBANA E SEGURANÇA PÚBLICA: CAMINHABILIDADE, VITALIDADE URBANA E VIGILÂNCIA NATURAL

VILA VELHA 2020


LUANA FERNANDES SALES DOS SANTOS

MORFOLOGIA URBANA E SEGURANÇA PÚBLICA: CAMINHABILIDADE, VITALIDADE URBANA E VIGILÂNCIA NATURAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Vila Velha, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Professora Dr.ª Cynthia Marconsini Loureiro Santos

VILA VELHA 2020



AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer primeiro aos professores que me inspiraram, e agradecer em especial à minha orientadora Cynthia Marconsini pela parceria que se estendeu da Iniciação Científica ao Trabalho de Conclusão de Curso. Gostaria de agradecê-la pela paciência, pelo carinho desde sempre e por partilhar comigo seus conhecimentos e referências! Também gostaria de agradecer ao Giovanilton Ferreira, um professor que me inspirou em sala de aula e me fez olhar para a cidade com outros olhos. Obrigada por aceitar o convite de fazer parte da banca examinadora! Gratidão às amizades sinceras que pude colher ao longo da graduação, e por toda orientação e ajuda que recebi com o passar dos semestres. Gratidão aos familiares de sangue, em especial meu avô Antônio, que teve condições financeiras e generosidade para realizar o meu desejo de cursar Arquitetura e Urbanismo. Agradecer ao meu pai, por me estimular a ler e a estudar. Agradecer à minha mãe e vó materna, que sempre me orientaram a buscar conhecimento e a me profissionalizar, mesmo não tendo tido essas oportunidades. E minha irmã, uma de minhas inspirações mais fortes, por acreditar em mim e me encorajar. Gratidão também à família do coração, aos laços de amizades construídas que me incentivaram, me apoiaram e a quem pude compartilhar as alegrias e os desafios de se graduar. Por fim, gostaria de agradecer a espiritualidade, por ter me guiado até aqui na medida em que foi possível, e por ter me permitido aprender e conhecer coisas novas. Sou muito grata por toda a troca que vivi nos últimos cinco anos, levarei tudo guardado no peito com muito carinho!

Muito obrigada!


EPÍGRAFE

"As grades do condomínio são para trazer proteção, mas também trazem a dúvida se é você que está nessa prisão." (O Rappa)


RESUMO Este presente trabalho traz uma análise que busca correlacionar o grau de vitalidade urbana com os índices de criminalidade violenta. A morfologia das cidades foi se alterando com o passar do tempo e, a partir de determinado período, muitos edifícios urbanos passaram a incorporar elementos de autoproteção como grades, muros cegos e equipamentos eletrônicos. O reflexo dessas mudanças alterou não apenas a relação entre lote e espaço público, mas a relação das pessoas com o ambiente urbano também. Entretanto, a proposição deste trabalho é tratar o espaço público como eixo principal de estratégias para aumentar a vigilância natural a partir de estímulos à caminhabilidade e à apropriação do espaço pelas pessoas, com o intuito de contribuir positivamente para a diminuição do crime. Palavras-chave: morfologia urbana. segurança pública. caminhabilidade. vigilância natural.


ABSTRACT This present work brings an analysis that seeks to correlate the degree of urban vitality with the violent crime rates. The morphology of cities has changed over time and, after a certain period, many urban buildings started to incorporate selfprotection elements such as railings, blind walls and electrical equipment. The reflection of these changes has altered not only the relationship between lot and public space, but the relationship of people with the urban environment as well. However, the purpose of this work is to treat the public space as the main axis of strategies to increase natural surveillance from stimuli to walkability and the appropriation of space by people, in order to contribute positively to the reduction of crime. Keywords: urban morphology. public security. walkability. natural surveillance.


LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Ed. Grand Park Residencial Resort na Enseada do Suá, em Vitória, caracterizado como um enclave..............................................................................20 Figura 2 – Relação entre edifício e espaço público. (1) Edificação sem bloqueio de visibilidade (2) Edificação com barreira física e bloqueio de visibilidade..................24 Figura 3 – Acessibilidade física e visual: relação público e privado..........................24 Figura 4 – Gráfico mostrando a relação Média de pavimentos x taxa de crimes......26 Figura 5 – (1) Modelo de cidade dispersa; (2) Modelo de cidade compacta.............28 Figura 6 – Esquema gráfico de cidades com metabolismo circular..........................29 Figura

7

Avaliação

da

rua

após

as

modificações

urbanísticas

em

Copenhague...........................................................................................................30 Figura 8 – Esquema gráfico de incentivo ao uso misto............................................32 Figura 9 – Brascan Century Plaza...........................................................................32 Figura 10 – Praça central do Brascan Century Plaza...............................................33 Figura 11 – Rua Chapot Prevot, na Praia do Canto. Combina usos residenciais e comércios em uma escala agradável......................................................................34 Figura 12 – Rua Chapot Prevot, na Praia do Canto. Combina usos residenciais e comércios em uma escala agradável......................................................................34 Figura 13 – Esquema Esfera Pública.......................................................................35 Figura

14

Esquema

gráfico

das

zonas

da

calçada....................................................................................................................35 Figura 15 – Escola primária (Ypenburg) com térreo capaz de se flexibilizar em relação a uso e função.............................................................................................36 Figura 16 – Incentivo às fachadas ativas pelo Plano Diretor de São Paulo.......................................................................................................................37 Figura 17 – Fachadas com diferentes texturas, cores e com extensões na calçada. Rua Chapot Presvot, Praia do Canto.......................................................................39


Figura 18 – a) localização do bairro. b) seleção do trecho para área de estudo.....................................................................................................................39 Figura 19 – Ruas de intervenção e o diálogo entre espaço público e privado e as pessoas...................................................................................................................40 Figura 20 – Ruas de intervenção e o diálogo entre espaço público e privado e as pessoas.................................................................................................................. 40 Figura 21 – Ruas de intervenção e o diálogo entre espaço público e privado e as pessoas...................................................................................................................40 Figura 22 – Ruas de intervenção e o diálogo entre espaço público e privado e as pessoas...................................................................................................................40 Figura 23 – Tabela com dispositivos elencados no Artigo 23 da Lei de Mobilidade Urbana que podem ser usados pelo poder público local..........................................42 Figura 24 – 4 exemplos de ferramentas para priorizar e proteger os pedestres................................................................................................................43 Figura

25

Prioridade

ao

estacionamento

de

veículos...................................................................................................................43 Figura 26 – Obstáculos encontrados ao caminhar...................................................44 Figura 27 – Obstáculos encontrados ao caminhar...................................................44 Figura

28

Velocidades

médias

em

função

do

perfil

do

pedestre..................................................................................................................45 Figura 29 – Ligação entre qualidade de ambientes externos e atividades ao ar livre.........................................................................................................................45 Figura 30 – À esquerda, a vida na cidade acontecendo nas calçadas pelos frequentadores de bares e cafés (Estrasburgo, França)..........................................46 Figura 31 – À direita, a apropriação do espaço nas praças Times e Herald, com elevado nível de atividades e vitalidade nas ruas (Broadway, New York)................46 Figura 32 – Área de aterro e início da ocupação correspondente a Enseada do Suá..........................................................................................................................47


Figura 33 – Localização geográfica da Região 5 de Vitória. ....................................48 Figura 34 – Mapas de Uso e Ocupação do Solo: (1) Uso comercial e de serviço, (2) Uso residencial, (3) Uso misto.................................................................................49 Figura 35 – Mapa de Uso e Ocupação do Solo: Vazios urbanos..............................49 Figura 36 – Paisagem Urbana da Enseada do Suá – Vitória/ES..............................50 Figura 37 – Zoneamento funcional da Enseada do Suá...........................................50 Figura 38 – Dinâmica Urbana da Enseada do Suá..................................................51 Figura 39 – Mapa de Densidade da Enseada do Suá..............................................52 Figura 40 – Mapa de Figura Fundo da Enseada do Suá..........................................53 Figura 41 – Mapa de Usos x Vias do bairro Enseada do Suá...................................54 Figura 42 – Torres verticalizadas e isoladas, com áreas de baixa densidade e lotes destinados a estacionamentos................................................................................55 Figura 43 – Construções de no máximo 3 pavimentos, na Rua Elias Daher............55 Figura 44 – Palácio do Café, na Avenida Nossa Senhora dos Navegantes.............56 Figura 45 – Terceira Ponte vista da Enseada do Suá – Vitória/ES...........................56 Figura 46 – Monumento ao Imigrante Italiano, Av. Américo Buaiz, Enseada do Suá, Praça José Neffa.....................................................................................................56 Figura 47 – Resultado final da Categoria Atração na Enseada do Suá....................58 Figura 48 – Resultado Geral da Categoria Atração no Bairro Enseada do Suá........58 Figura 49 – Resultado do Indicador Fachadas Fisicamente Permeáveis na Enseada do Suá.....................................................................................................................59 Figura 50 – Resultado do Indicador Fachadas Visualmente Ativas na Enseada do Suá..........................................................................................................................60 Figura 51 – Resultado do Indicador Uso Público Diurno e Noturno na Enseada do Suá..........................................................................................................................62 Figura 52 – Resultado do Indicador Usos Mistos na Enseada do Suá.....................63


Figura 53 – Localização da área de intervenção mostrada no mapa do Resultado final da Categoria Atração.......................................................................................64 Figura 54 – Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá (trecho 1)................................65 Figura 55 – Trecho do Grank Park na Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá (trecho 2).............................................................................................................................65 Figura 56 – Trecho 1: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá................................66 Figura 57 – Trecho 1: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá................................67 Figura 58 – Imagem Noturna Trecho 1: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá.....67 Figura 59 – Trecho 2, Grand Park: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá............68 Figura 60 – Trecho 2, Grand Park: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá............69 Figura 61 – Imagem Noturna Trecho 2: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá.....69


SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO....................................................................................................14 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO....................................................................................14 1.2 OBJETIVOS......................................................................................................15 1.2.1 Objetivo Geral................................................................................................15 1.2.1 Objetivos Específicos.....................................................................................15 1.3 METODOLOGIA...............................................................................................15 1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO..........................................................................16 2. SEGURANÇA AMIGÁVEL: PREVENÇÃO DE CRIMES ATRAVÉS DO DESENHO URBANO.............................................................................................17 2.1 CONFIGURAÇÃO URBANA E SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL................17 2.2 INFLUÊNCIAS DO DESENHO URBANO NA SEGURANÇA PÚBLICA..........21 3. A RUA SEGURA................................................................................................27 3.1 DESENHO E VITALIDADE URBANA...............................................................28 3.2 USO DO SOLO: A INFLUÊNCIA DA DIVERSIDADE ......................................31 3.3 OS MUROS E FACHADAS ATIVAS.................................................................34 3.4 A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO ATRAVÉS DA CAMINHABILIDADE............40 4. ANÁLISE E PROPOSIÇÃO.................................................................................46 5. ENSEADA DO SUÁ: CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO................47 5.1 CARACTERIZAÇÃO MORFOLÓGICA DO BAIRRO.........................................49 5.1.1 USO DO SOLO, DINÂMICA URBANA E DENSIDADE DEMOGRÁFICA.......49 5.2 MALHA URBANA E MOBILIDADE....................................................................52 5.3 ANÁLISE DE CAMINHABILIDADE NA ENSEADA DO SUÁ..............................57 6. ANÁLISE DA RUA TACIANO ABAURRE, ENSEADA DO SUÁ...........................64 6.1 PROPOSIÇÕES................................................................................................66


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................70 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................72


1. INTRODUÇÃO 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO A atmosfera cultural, política, social, econômica e ambiental contribuiu para o processo de consolidação morfológica das cidades. No decorrer do tempo, tais transformações influenciaram a malha urbana, as tipologias arquitetônicas e os espaços públicos e privados. Mediante a isso, o modo de vida das pessoas e a maneira de ver e de se relacionar com a cidade, também se alterou. Muros, grades, cercas elétricas e câmeras, compõem o cenário atual das cidades brasileiras

e,

principalmente,

das

grandes

metrópoles.

Estes

elementos

demonstram a ineficiência da segurança pública, assim como evidencia uma forte sensação de insegurança por parte dos moradores frente ao aumento da criminalidade urbana. Essa sensação potencializa a aplicação de sistemas de autoproteção que, invariavelmente, segregam os ambientes e os diferentes grupos sociais (CALDEIRA, 2000). Em decorrência da segregação espacial e do distanciamento social, as interações no ambiente urbano são afetadas negativamente. Isso se dá, pois, a imagem da cidade não é formada unicamente pela relação entre observador e elementos físicos do espaço, mas também pelo imaginário individual, que assume significados práticos e emocionais ao ambiente (LYNCH, 1960). Dessa maneira, tem-se, como alguns dos malefícios provocados pelo enclausuramento: a desumanização dos espaços públicos, os efeitos causados pelos mecanismos de autoproteção e a falta de vitalidade nos ambientes urbanos (CALDEIRA, 2000). Entretanto, existem diferentes maneiras de criar condições que podem contribuir para espaços vivos e seguros na cidade. O desenho da rua precisa ser pensado em uma escala humana, de forma a incentivar o pedestre a caminhar (GEHL, 2010). Este tipo de estrutura urbana passou a refletir em maior vitalidade e qualidade de vida. A relação que a calçada estabelece com o pavimento térreo dos edifícios também é fundamental para a dinâmica da cidade e para a interação das pessoas com o espaço no qual transitam. Alguns autores (KARSSENBERG & LAVEN, 2015; TEIXEIRA & SILVA, 2018; GEHL, 2010) defendem a aplicação das fachadas ativas como modo de interação social e manutenção da permeabilidade visual. A ideia das fachadas ativas passou a ser incentivada também, por exemplo, no Plano Diretor 14


de São Paulo (SÃO PAULO, 2014). A variedade de usos do solo, combinada às fachadas ativas e às estratégias de desenho urbano, contribuem de forma positiva para a movimentação e fluxo de pedestres. Diante de todos esses fatores que se articulam, que compõem a imagem da cidade e que fazem a manutenção dos espaços públicos e privados, é possível observar que, quando combinados de maneira harmônica, produzem espaços ativos e mais seguros, contribuindo positivamente para a relação e intimidade das pessoas com a cidade, através da promoção de segurança dos ambientes em diferentes horários e da apropriação dos espaços pelo viés da caminhabilidade. 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 GERAL O trabalho tem como objetivo geral intervir no desenho urbano pelo viés da arquitetura e do urbanismo como mecanismo de contribuição positiva para a diminuição da criminalidade urbana, criando espaços mais integrados e com mais vitalidade. 1.2.2 ESPECÍFICOS - Analisar a relação entre a morfologia urbana e a criminalidade urbana; - Intervir no desenho urbano com estratégias que contribuam para a diminuição de crimes a partir da vigilância natural; - Estimular e priorizar a apropriação do espaço pelo viés da caminhabilidade. 1.3 METODOLOGIA A metodologia deste trabalho é dividida em duas etapas. A primeira etapa consiste na elaboração de um levantamento bibliográfico, buscando estudar – através de livros, sites, artigos e revistas – a perspectiva de alguns autores em relação à temática de criminalidade urbana e desenho urbano, como Jacobs (2000), Caldeira (2000), Gehl (2010), Lira (2014) e Saboya (2019). A segunda etapa deste trabalho diz respeito à análise e proposta de intervenção. O objetivo é selecionar uma rua de algum bairro central da cidade de Vitória que tenha maiores taxas de ocorrências criminais e sensação de insegurança, para então 15


propor uma intervenção urbanística com melhorias na área do recorte a fim de promover vitalidade urbana positiva através da vigilância natural e da caminhabilidade. Juntamente a isso, também será utilizado o material existente já coletado do Grupo de Pesquisa SCP (Sistemas Contemporâneos de Projeto). Cabe registrar que alguns recursos de dados e processos de coletas de informação de campo e algumas análises não foram possíveis de serem executados e aplicados devido ao atual contexto de pandemia. 1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO O trabalho será dividido em duas partes. A primeira consiste na elaboração de dois capítulos a partir de resumos bibliográficos, falando sobre a relação da morfologia urbana com a segurança pública e caracterizar como é uma rua mais segura, respectivamente. A segunda parte, um projeto de intervenção urbanística com o objetivo de melhorar as condições espaciais da rua de forma a contribuir para a vigilância natural e segurança.

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2. SEGURANÇA AMIGÁVEL: PREVENÇÃO DE CRIMES ATRAVÉS DO DESENHO URBANO As cidades passam por diferentes processos de construção e refletem em diversos aspectos do espaço geográfico, como questões de ordem econômica, social, de desenho urbano e da própria arquitetura. O desenho das quadras, a malha viária, as tipologias arquitetônicas e as funções dos espaços contribuem para uma maior ou menor segurança nas ruas. Muitos elementos passaram a ser incorporados aos edifícios e fachadas devido ao aumento da criminalidade urbana violenta e da insegurança da população, que por sua vez, investe em diferentes mecanismos – sejam mecânicos ou elétricos – na tentativa de se defender. Como Caldeira (2000) descreve, esse movimento gera um efeito oposto ao desejado, criando lotes e edifícios privados com pouca ou sem interação com o espaço público, provocando segregações socioespaciais e, muitas vezes, contribuindo ainda mais para a facilidade de atos criminosos. Assaltos, invasões a residências e roubos no comércio, são alguns dos delitos realizados, que tem o espaço também como influência determinante para que isso ocorra (BARAUSE & SABOYA, 2018). Dessa forma, no campo da arquitetura e do urbanismo, compreender os fluxos e percursos dos pedestres, as funções e usos do solo, a maneira como as pessoas utilizam e se apropriam do espaço urbano e como esses fatores socioespaciais se articulam durante diferentes horários do dia, contribui para prevenir situações de insegurança e condições propícias ao crime, assim como explorar as potencialidades espaciais da cidade para aumentar a vitalidade das ruas e a vigilância natural. 2.1 CONFIGURAÇÃO URBANA E SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL Segundo Lynch (1960), a cidade é uma construção no espaço em grande escala. Não é apenas um objeto perceptível por milhões de pessoas das mais variadas classes sociais, mas é o produto de muitos construtores que constantemente modificam a estrutura por razões particulares e, portanto, caracterizada por ser uma contínua sucessão de fases, não podendo atingir um estado final.

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Para Negri (2008), o reflexo da produção do espaço urbano irá ressoar na arquitetura que, muitas vezes, está associada a questões de renda e do tipo de ocupação, o que acabam por segregar os ambientes. Portanto, organização espacial envolve problemas de ordem social, política, econômica e ideológica. Pobreza, exclusão, periferização, desemprego, violência, entre outros, são problemáticas que compõem a complexidade da sociedade atual e que refletem nas habitações e consequentemente no desenho urbano. Esse registro social, que arranja e separa o ambiente, seja ele público ou privado, é marcado por padrões de diferenciação que se organizam em grupos comunitários que compõem o espaço da cidade e estabelecem inter-relações que influenciam na materialização de formas de expressão de segregação socioespacial (CALDEIRA, 2000). As cidades concentradas, que tiveram protagonismo do final do séc. XIX até a década de 1940, são marcadas por um grande adensamento populacional – com tendência da elite ocupar as melhores áreas em relação aos trabalhadores, embora vivam relativamente próximos –, com uso do solo desorganizado, com áreas delimitadas e com infraestrutura direcionada, potencializadas principalmente pelo desenvolvimento industrial. As cidades dispersas, desenhadas com uma lógica de centro-periferia, é marcada por uma queda de densidade populacional e uma forte segregação espacial e socioeconômica, em que as classes mais altas se concentram nas áreas centrais mais equipadas, e as classes baixas se alocam mais afastadas dos centros e consequentemente em áreas precárias e quase sempre ilegais. Há ainda um terceiro padrão de cidade que vem se configurando desde a década de 1980, ainda que marcado pela relação centro-periferia. Esse padrão possui novas forças que alteraram os padrões de distribuição dos grupos sociais e das atividades econômicas, formando novos tipos de espaços e tendo como principal instrumento os enclaves fortificados, em que os grupos comunitários estão relativamente próximos, mas são separados por muros e tecnologias de segurança. Esse modelo provoca uma falta de circulação e interação social em áreas públicas (CALDEIRA, 2000, p.211). Dessa maneira, o desenho das cidades acaba gerando diferentes paisagens e ambientes com suas características e peculiaridades.

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De acordo com o autor Gordon Cullen (1983), em “Paisagem Urbana”, o enclave fortificado, muito presente nas cidades atuais, se define como sendo um recinto alcançado com facilidade que permite a observação do exterior a partir de um ponto seguro, embora fique apartado do movimento principal da rua. Os enclaves fortificados são espaços privatizados que atendem à diferentes funções (lazer, consumo, trabalho e moradia). Essa tipologia tem sido largamente implantada nas cidades. A relação da forma urbana e das interações sociais embasam o conceito do espaço aberto igualitário, conceito que perdeu força pela promoção de espaços homogêneos privados que atendem grupos isolados, consolidados através da reverberação dos enclaves (CALDEIRA, 2000). O reflexo da sociedade e das cidades pôde ser visto não só em pinturas como em obras literárias ao longo do tempo. Estorvo (1991), livro escrito por Chico Buarque, descreve, em alguns momentos, o cenário espacial da cidade. O eu-lírico faz um relato sobre o trajeto necessário para fazer uma visita à sua irmã, em seu condomínio. A necessidade de passar por porteiro, seguranças, cães de guarda e um portão eletrônico interno, mostra que, muito embora o uso privado seja coletivo, existem elementos que demonstram como essas conformações urbanas criaram novas maneiras de estabelecer fronteiras entre as pessoas, assim como novas hierarquias, fazendo com que sejam literais na sua forma de separação e no controle de acessos. Caldeira (2000) correlaciona esse desenho à intolerância dos moradores em relação às pessoas de diferentes grupos sociais e à falta de interesse em procurar soluções coletivas para os problemas urbanos. Além do que já é classificado como enclave fortificado, novos espaços estão se adaptando a essa classificação, como escolas, hospitais, parques temáticos e centros de lazer. Todos eles partilham de características básicas: cultuam a relação de ruptura e negação com a cidade, voltam-se para o seu interior, rejeitam a vida pública de maneira explícita e, portanto, impactam a natureza do espaço público aberto, criando ambientes externos marcados por suspeita e restrição, a partir de artifícios de distanciamento que vão desde muros e grades à sistemas de segurança e guardas (CALDEIRA, 2000). Os edifícios multifamiliares demoraram a serem aceitos pelas classes mais altas, pois eram associados aos cortiços, habitações precárias coletivas de aluguel, 19


construídas pelas indústrias para famílias de classe baixa. Caldeira (2000) relata que existiam diferenças entre os apartamentos da década de 1970 e 1990. Muitas edificações dessa época foram marcadas pelo período da ditadura, em que elementos de proteção passaram a ser incorporados já que, para muitos, ter sua identidade investigada era visto como ameaçador. A autora afirma ainda, que essa situação potencializou o enclausuramento, que foi incorporado fortemente aos anúncios imobiliários através de empreendimentos como os Alphavilles, como estratégia de marketing arraigado a um simbolismo de status. Figura 1 – Ed. Grand Park Residencial Resort na Enseada do Suá, em Vitória, caracterizado como um enclave.

Fonte: GoogleMaps

Na perspectiva de Gomes (2005), o território excluído da cidade – seja ele um enclave fortificado ou espaços ocupados de maneira irregular – podem, em alguns casos, criar fragilidades sociais ao abster a população de participar da vida pública. Jacobs (2000) cita forças que atuam negativamente para o desenvolvimento da cidade e das civilizações. Uma dessas forças diz respeito à tendência pela escolha de elementos isolados que contribuem para a decadência da vitalidade urbana. Na visão da autora, o urbanismo e o planejamento urbano possuem responsabilidades – na medida em que a política e a ação pública o permitam – de reconhecer essas forças e transformá-las em forças construtivas, desenvolvendo cidades com lugares social e economicamente convenientes para a vida pública.

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2.2 INFLUÊNCIAS DO DESENHO URBANO NA SEGURANÇA PÚBLICA De acordo com o Art. 144 da Lei n° 13.675 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. Ela é exercida para preservar a ordem pública e a segurança das pessoas e do patrimônio através de alguns órgãos públicos. Lira (2014, p.17) fala sobre uma construção reducionista criada em relação ao artigo 44, que sustenta a ideia de que a “segurança é um problema de polícia”, perpetuada ao longo da década de 1990 e que mantém resquícios até hoje no entendimento popular brasileiro. O autor ainda afirma que a criminalidade urbana não se distribui de maneira homogênea no território nacional. Se concentra essencialmente nas áreas urbanas, talvez pela sua estrutura centralizadora e concentradora, e, em menores proporções, se concentra nas áreas rurais. Caldeira (2002) fala sobre a crescente violência urbana e sobre a ineficiência das instituições da ordem – a polícia e o sistema judiciário – de garantir, à população, segurança pública e padrões mínimos de justiça e respeito aos direitos. Ela caracteriza isso como um problema intratável no Brasil contemporâneo, e um dos maiores desafios para a democratização efetiva da sociedade, pois a violência e a democracia expandiram-se de maneira interligada, complexa e paradoxal. Lira (2014 apud Santos, 2004 p. 306) traz o conceito de macrocefalia urbana, em que há uma concentração massiva de atividades econômicas em algumas metrópoles, que desencadeiam processos descompassados: redirecionamento e convergência de fluxos migratórios, ocupação desordenada de determinadas regiões da cidade e estigmatização de estratos sociais, fatores que comprometem substancialmente a segurança pública. De acordo com Barause & Saboya, 2018, p.429: Crimes de roubo, furto e violação de domicílio dependem diretamente do espaço físico para ocorrer, e crimes contra a vida e drogas são influenciados pelo espaço (localização, estado de conservação, visibilidade, possibilidade de fuga, entre outros aspectos), mesmo que parcialmente, e podem ser precedidos ou sucedidos pelos outros crimes citados anteriormente.

O território ocupado pela elite, o tecido urbano da classe popular e o intermédio entre esses territórios dominada pela classe média, produzem o espaço geográfico de maneira fragmentada, segmentada, mas extremamente articulada. O espaço das 21


classes dominantes é marcado pelo consumo de bens e pela infraestrutura com alto padrão de qualidade financiada pelo governo. Já nos espaços periféricos, nota-se uma predominância da autoconstrução, que não atende às exigências mínimas de uma habitação normal, frutos da informalidade e da cultura de subsistência (FERREIRA & PENNA, 2005). Esses fatores desencadeiam espaços desvalorizados, e a quebra do contrato social por parte do Estado e das instituições públicas, principalmente em áreas que abrigam a população excluída social e espacialmente. Vivan (2012) evidencia que roubos e furtos a residência, por exemplo, ocorrem em áreas mais segregadas. Tais processos refletem as diferenças sociais relacionada ao direito do indivíduo à sobrevivência, à saúde, ao trabalho, à vida etc., uma vez que aproxima espacialmente esse grupo, mas o distancia socialmente, tornando mais difícil a mobilidade social e com isso mais vulnerável às ações criminosas (FERREIRA & PENNA, 2005, p.158). Os efeitos históricos e espaciais do processo de formação das cidades incluem várias formas de violência, desde a discriminação, a falta de acesso aos direitos do cidadão e à própria cidadania. Em decorrência disso, cria-se o território da violência, porções que articulam a violência estrutural com a violência organizada do crime. Ferreira & Penna (2005) ainda citam outros fatores que agravam o problema da violência urbana, que vai muito além da criminalidade, como, por exemplo, o crescimento das carências materiais urbanas e o pouco alcance dos programas sociais. No livro “Cidade de muros”, Caldeira (2000, p. 9) destaca que: Os discursos sobre o medo que simultaneamente legitimam essa retirada e ajudam a reproduzir o medo encontram diferentes referências. Com frequência, dizem respeito ao crime e especialmente ao crime violento. Mas eles também incorporam preocupações raciais e étnicas, preconceitos de classe e referências negativas aos pobres e marginalizados. Invariavelmente, a circulação desses discursos do medo e a proliferação de práticas de segregação se entrelaçam com outros processos de transformação social: transições democráticas na América Latina; pósapartheid na África do Sul; pós socialismo no leste europeu; transformações étnicas decorrentes de intensa imigração nos Estados Unidos. No entanto, as formas de exclusão e encerramento sob as quais as atuais transformações espaciais ocorrem são tão generalizadas que se pode tratá-las como parte de uma fórmula que elites em todo o mundo vêm adotando para reconfigurar a segregação espacial de suas cidades.

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A espacialidade da cidade é composta por pessoas que a orbitam e se encontram. Esses movimentos e vivências sociais impulsionam a vida urbana e fomentam o conceito de urbanidade (NETTO, 2012), não em seu sentido figurado comumente aplicado a pessoas no que diz respeito a civilidade, mas associados aos edifícios, ruas e cidades, podendo assumir um caráter positivo ou não. A arquitetura do espaço é considerada a partir de diferentes escalas, desde o corrimão da escadaria às definições sobre os desenhos dos bairros. Essas variações garantem diferentes contribuições no espaço a partir de sua qualidade e adequação. Portanto, quando no sentido positivo, gera espaços que acolhem; quando no negativo, gera o oposto, tratado como violência arquitetônica. Ou seja, a urbanidade está no modo como essa relação espaço/corpo se materializa (NETTO, 2012, p.21). Saboya (2019) analisou como os macropadrões de deslocamento, a configuração da malha urbana e o uso do solo vão influenciar e ter um papel central nas condições para ocorrência criminal. Esses fatores, de acordo com o autor, vão determinar os encontros e as frequências das atividades das pessoas no seu dia a dia, e em quais circunstâncias isso acontece dentro do desenho urbano, estabelecendo uma relação tempo-espaço dentro do âmbito da criminalidade. Além disso, o nível de visibilidade e vigilância natural são fatores espaciais que contribuem para o crime, pois, muitas vezes, o agressor busca se aproximar do alvo para conseguir enxergá-lo sem obstáculos e, assim, cometer o crime (SABOYA & RIBAS, 2016). Dessa maneira, os estudos de Saboya (2019) mostram uma ligação entre visibilidade e acessibilidade. Isso se relaciona às estratégias de restringir a visão sobre os alvos, tratado por Teresa Caldeira em “Cidade de Muros”, que nem sempre funcionam, pois o infrator, ao adentrar na edificação com muros altos, estará protegido dos olhares externos, dificultando possíveis intervenções e auxílio de vizinhos.

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Figura 2 – Relação entre edifício e espaço público. (1) Edificação sem bloqueio de visibilidade (2) Edificação com barreira física e bloqueio de visibilidade

Fonte: urbanidades.arq.br

Vivan (2012) aponta que o maior número de conexões visuais e funcionais podem reduzir o sentimento de insegurança como também inibir a ocorrência de delitos – principalmente em áreas predominantemente residenciais –. A autora também pontua que a presença de terrenos sem edificações pode proporcionar áreas inseguras e influir na ocorrência de crimes em áreas vizinhas a estes. Figura 3 – Acessibilidade física e visual: relação público e privado.

Tradução: Mulher – “Eu estaria perdida sem poder ver todas essas pessoas” Homem: – “Que flores adoráveis!” Fonte: Bently, 1985

A quantidade e posição de portas e janelas visualmente permeáveis nas faces de quadra também se mostram como influenciadores nas ocorrências criminais. Vivan (2012) mostra que a violação de domicílio ocorre com mais frequência em áreas com bloqueios de visibilidade na parte frontal do lote. Para Saboya (2019) isso se dá porque existe uma relação entre as ruas e as calçadas com as faces de quadra, 24


que possibilitam visualizar e supervisionar os ambientes a partir das aberturas das edificações, chamado por Jacobs (2000) de “olhos da rua”. A ruas e calçadas estão relacionadas à circulação de veículos e pedestres na cidade, mas que, por si só, não garantem a vitalidade urbana. A vitalidade da calçada é influenciada pelos usos determinados nos edifícios próximos a ela. Da mesma forma, as ruas precisam servir para outros fins além de suportar o trânsito. Estes dois elementos são os principais locais públicos da cidade e, portanto, seus órgãos mais vitais (JACOBS, 2000). Na perspectiva de Jacobs (2000), ruas livres de violência e medo irão refletir em cidades razoavelmente livres da violência e do medo, assim como ruas violentas e que despertam medo vão caracterizar cidades perigosas. Para a autora, isso ocorre porque as pessoas não se sentem seguras na calçada. Jacobs ainda sinaliza que isso ocorre de maneira diferente em metrópoles, quando comparada a cidades pequenas e subúrbios. Para Bently et al (1985), a face de quadra deve permitir que as atividades internas do edifício coexistam e se aproximem das atividades públicas externas. Entretanto, Teixeira & Silva (2017, p.236) afirma que, a partir do quinto pavimento, a conexão entre os pedestres e o edifício se perde devido aos sentidos de visão e de audição, que são ineficazes nessa distância vertical. Em relação ao número de pavimentos, Barause & Saboya (2018) constataram que, quanto maior o número de pavimentos – e consequentemente mais janelas e “olhos da rua” –, menores são as incidências criminais. Os autores justificam em detrimento das edificações mais baixas serem mais vulneráveis a arrombamentos devido à facilidade de acesso. Logo, os dados levantados reforçam a noção de que apartamentos são mais seguros que casas.

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Figura 4 – Gráfico mostrando a relação Média de pavimentos x taxa de crimes

Fonte: BARAUSE & SABOYA, 2018

Neste mesmo estudo, analisando outros dois gráficos sobre número de aberturas (apenas janelas e janelas do pavimento térreo), Barause & Saboya notaram que, trechos com menor densidade de aberturas, registravam maiores taxas criminais, reafirmando que, onde há menor visibilidade, há menor possibilidade de vigilância. Outro fator importante é a iluminação dos espaços. Em “Morte e Vida de Grandes Cidades”, Jacobs (2000) diz que a boa iluminação é importante, mas ela por si só não garante a segurança das ruas. Para ela, não se pode atribuir apenas à escuridão a enfermidade das áreas apagadas. Na perspectiva de Saboya (2019), a luz está no imaginário popular como um fator de associação ao risco de crime. Isso se dá porque a iluminação pode melhorar ou comprometer a visibilidade, assim como assume papel relevante na seleção da vítima e de como acessá-la. Assim como o desenho urbano, o poder público, os profissionais de arquitetura e engenharia, bem como o cidadão, juntos podem construir espaços urbanos mais seguros (VIVAN, 2012). Dessa forma, é possível utilizar essas análises e os fatores determinantes para promover estratégias de planejamento dos espaços voltados à segurança, como: a criação do sentimento de pertencimento através da ocupação, manutenção e gestão, supervisão pelos moradores e transeuntes dos espaços, iluminação adequada, aumento do campo visual, implementação de barreiras que dificultem o acesso, diminuição de áreas vulneráveis, promoção do uso misto, criação de atividades de lazer e convivência social (NETO & VIEIRA, 2014).

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3. A RUA SEGURA A rua é a unidade básica do espaço urbano, composta por diversas superfícies e estruturas nas quais acontecem as vivências humanas. A identidade local desses ambientes e o desenho urbano das ruas variam de acordo com políticas, códigos, diretrizes e processos construtivos (NACTO, 2018). É um espaço dinâmico que tem atividades desde o âmbito econômico às manifestações culturais. Entretanto, é um espaço que recebe diferentes grupos sociais e precisa atender as diferentes necessidades de seus usuários. Dessa forma, deve ser pensada não apenas como um espaço de circulação pois, na prática, apresenta outras funções como comércio, convivência, lazer, paisagismo etc., que por sua vez podem acabar gerando conflitos. Alguns elementos compositivos da rua ajudam a mantê-la segura, saudável e dinâmica. Intercalar atividades de rua, oferecer uma boa iluminação pública para estimular o senso de lugar, equilibrar os modais para contribuir de maneira eficiente com a mobilidade urbana, e investir em infraestrutura verde em detrimento das demandas e do diálogo com o clima local são exemplos de cuidados que contribuem, de maneira efetiva, para uma experiência mais convidativa de caminhada e uma qualidade maior do espaço urbano. A segurança da rua acontece a partir de uma combinação de diversos fatores, podendo também ser beneficiada por alguns elementos arquitetônicos e urbanos. Jacobs (2000) fala sobre os “olhos da rua”, conceito caracterizado pela ideia de as pessoas fazerem, de forma involuntária ou não, a manutenção da segurança da rua a partir da utilização dos espaços públicos. Para que essa vigilância natural aconteça, é preciso que o contexto morfológico favoreça essa dinâmica. Com isso, pensar na ideia de estimular a caminhabilidade, ou seja, aumentar a quantidade de pedestres nas ruas, contribui para uma rua mais segura. Aliado a isso, implementar usos distintos para que exista uma distribuição mais equilibrada de fluxos ao longo do dia e no período da noite, e aplicar o conceito de fachada ativa para maior interação visual e mais acessos, trará mais vitalidade urbana, segurança e identidade ao local.

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3.1 DESENHO E VITALIDADE URBANA Para Oliveira (2008), o cenário globalizado e a grande densidade populacional deixam à mostra a necessidade de formular soluções para a ocupação territorial. O desenvolvimento de alta densidade vem sendo apoiado por organizações que estão de acordo com mecanismos de sustentabilidade e com desenvolvimento de baixo custo, tendo como exemplo as Nações Unidas, que se manifestou contra o crescimento espalhado, de baixa densidade. Essas movimentações criam novas possibilidades na arquitetura, pois cidades compactas (Figura 5, item 2) otimizam o uso do solo, reduzem a necessidade de deslocamento, liberam o território para agricultura, preservam as áreas naturais e otimizam recursos energéticos. Figura 5 – (1) Modelo de cidade dispersa; (2) Modelo de cidade compacta.

Fonte: Rogers, 2018

A cidade compacta busca resolver suas dificuldades dentro dos próprios limites, sem que haja uma expansão desorganizada e um maior consumo de terrenos. Isso acontece a partir da diminuição das distâncias e da oferta de transporte público eficaz e de alta capacidade, de modo que a população passa a depender menos do automóvel. Percebe-se que o fator mobilidade é muito importante nessa maneira de pensar a cidade. Entretanto, cabe citar que a cidade compacta não diz respeito a um modelo urbano, pois, apesar de ser muito associada às cidades centralizadas, também pode ser aplicada em outros modelos (GOMES, 2009). É importante ressaltar que as cidades brasileiras – e dos países em desenvolvimento – tem trilhado um caminho distinto das cidades dispersas e, portanto, as ideias de ruas mais acessíveis e seguras pensadas em uma perspectiva de cidades compactas tornam-se mais difíceis em cidades fragmentadas.

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Para Rogers (1997) não há lugar melhor do que na cidade para implementar a sustentabilidade como um mecanismo benéfico. As cidades com metabolismo linear são aquelas que consomem e poluem em alto grau. Já as cidades com metabolismo circular (Figura 6) são caracterizadas por minimizar novas entradas de energia e maximizar a reciclagem. Figura 6 – Esquema gráfico de cidades com metabolismo circular

Fonte: Rogers, 1997

O crescimento exponencial das cidades ocorrido a partir do séc. XX, e o planejamento elaborado em função da crescente circulação de automóveis, começaram a ser questionados nas últimas décadas. Muitas cidades passaram a repensar os espaços urbanos que, em sua maioria, estavam sendo dedicados ao transporte motorizado. Em relação aos espaços, pensar em cidades com escalas pequenas significa pensar em cidades calorosas, pessoais e convidativas. É necessário que se analise os exemplos e resultados a partir do quadro socioeconômico e da segurança pública, relativizando e ponderando a transposição de modelos. Gehl (2010, p.15) exemplifica a cidade de Melbourne, na Austrália, e as mudanças na estrutura urbana que modificou a relação das pessoas com a cidade: (...) As calçadas foram aumentadas, novos pisos criados com a utilização de pedra local, basalto azul, e criou-se um novo mobiliário urbano, com bons materiais. O perfil de cidade confortável às pessoas foi seguido por uma extensa estratégia “verde” que incluía o plantio anual de quinhentas novas árvores para proteger o caráter local e para dar sombra às calçadas. Um programa amplo de arte na cidade e um bem elaborado sistema de iluminação noturna completam o quadro de uma cidade que tem perseguido uma política dedicada a criar convites para a movimentação e permanência de pedestres.

Gehl (2010) relata que, depois de dois grandes levantamentos, feitos em 1994 e 2004, sobre o tipo de vida no espaço público, notou-se que a movimentação de 29


pedestres ao longo do dia no centro da cidade cresceu 39% e, no período da noite, a movimentação dobrou. O autor segue dando o exemplo de Copenhague, na Dinamarca. A cidade diminuiu a prioridade dos carros e reorganizou a cidade em prol dos pedestres e dos ciclistas, ou seja, Copenhague procurou melhorar o espaço urbano para dar mais vida a cidade. Faixas de automóveis e áreas de estacionamentos passaram por alterações de usos para que as bicicletas e pedestres pudessem circular com mais segurança. Em um espaço de tempo de dez anos (entre 1995 e 2005), a escolha por utilizar a bicicleta como meio de deslocamento dobrou, assim como 37% dos meios de transportes para estudar e trabalhar foram feitos por este mesmo modal. A imagem abaixo demonstra a avaliação feita em Strøget, a rua principal de Copenhague e a primeira a começar a receber intervenções de pedestrização na cidade. Figura 7 – Avaliação da rua após as modificações urbanísticas em Copenhague.

Fonte: Nacto, 2018

Outra cidade apontada por Gehl (2010) é Veneza, que para o autor, possui características voltadas à escala humana, como: densa estrutura urbana, térreos ativos, intensa mistura de usos, curtas distâncias a pé e belas paisagens. Para o autor, analisar essas cidades, em especial Copenhague e Melbourne, evidenciou que melhorar as condições para o pedestre e para a cidade levam a novos padrões de usos e mais vitalidade no espaço urbano. Jacobs (2000) fala que a relação que os moradores estabelecem com os espaços da vizinhança podem representar uma vitalidade urbana positiva. O planejamento das cidades deve catalisar e nutrir essas relações, através de usos diversos, tamanho das quadras, necessidade de concentração, e rotas diretas e compactas. As políticas de meio ambiente também podem melhorar a vida dos cidadãos. As soluções ecológicas e sociais se reforçam mutuamente e garantem cidades mais

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saudáveis, cheias de vida e multifuncionais, não só para a geração presente, mas também para as do futuro (ROGERS, 1997). O aumento da acessibilidade, o rejuvenescimento das áreas centrais, a preocupação na manutenção e qualidade de vida dos espaços verdes e a qualidade dos espaços públicos, são benéficos à qualidade de vida da população, promovendo saúde pública, maior interação social e deslocamentos menores e mais facilitados. Essa combinação torna os transportes não motorizados (TNM) os principais meios de locomoção na cidade, dando maior prioridade às bicicletas e à caminhada (GOMES, 2009). 3.2 USO DO SOLO: A INFLUÊNCIA DA DIVERSIDADE Jacobs (2000) afirma que a diversidade é algo natural das grandes cidades. A autora trata a combinação de usos do solo como um fenômeno natural e complexo e, dessa forma, a monotonia se torna fatal à cidade. Isso se dá porque, no âmbito social, a variedade de atividades – morar, trabalhar, lazer, comprar etc. – atrelado a espaços abertos e permeáveis, promove uma constante circulação de pessoas em diferentes horários do dia, o que contribui para a segurança urbana e afeta positivamente a economia do comércio local. Caldeira (2000, p.319) ainda cita: (...) como as ruas em geral são bem movimentadas, os efeitos da constante suspeita não são tão severos como em áreas mais vazias. Nessas áreas de intenso uso misto, os obstáculos materiais no nível da rua são complementados por uma série de práticas de vigilância menos visíveis que reforçam diferenças sociais.

Vale ressaltar que muitos edifícios multifuncionais possuem força suficiente para impactar o espaço urbano, negando seu entorno e restringindo suas funções ao ambiente interno, sendo, os shoppings centers, um exemplo prático dessa fragmentação socioespacial. Essa tipologia arquitetônica ignora a escala do pedestre, que transita pelo espaço público – rua, calçada, praça – sem dialogar com o ambiente semi-público – comércio do térreo –, desconsiderando algo inerente a ambos: sua relação (DZIURA, 2009). Hoth (2014) fala sobre os edifícios híbridos e sua relação com a dinâmica da cidade. Na perspectiva da autora, a multifuncionalidade dos edifícios pode ser usada como ferramenta de integração e requalificação do espaço urbano através do diálogo 31


entre funções internas e externas. Isso estabelece uma relação de influenciar e ser influenciado, resgatando o que Jacobs (2000) cita como crucial para manter a vitalidade e segurança urbana. Entretanto, não basta ser multifuncional, o edifício precisa ter uma arquitetura no pavimento térreo que dialogue positivamente com a cidade, relação que se estabelece através das fachadas ativas. O Plano Diretor Estratégico de São Paulo (SÃO PAULO, 2014) implementa o estímulo ao uso misto – comércio, serviço e usos institucionais – no térreo como uma das formas de humanizar a cidade (Figura 8). Nas chamadas ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), comércio, serviços

e

equipamentos

são

considerados não computáveis até 20% Figura 8 – Esquema gráfico de incentivo ao uso misto Fonte: gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br

da área construída de um determinado empreendimento. Com isso, pretende-se aproximar emprego e moradia além de qualificar e dinamizar a vida urbana nos

espaços públicos, especialmente nas calçadas. Juntamente a isso, exercitar a associação de usos de acordo com as demandas locais é fundamental para tratar o problema da monotonia dos espaços e equilibrar a presença e a quantidade de pessoas em horários distintos; pois, de acordo com Dziura (2009), é a partir da relação do espaço interno com a rua que transcorre os fluxos, barreiras e permeabilidade. Este edifício (Figura 9) está localizado no bairro Itaim Bibi, zona sul de São Paulo. É um projeto

Figura 9 – Brascan Century Plaza Fonte: galeriadaarquitetura.com.br

desenvolvido

em

2003,

Königsberger

Vannucchi,

pelo

escritório

implementando

o

conceito de uso misto a partir das demandas locais. Os arquitetos buscaram aproveitar ao máximo o espaço de acordo com as restrições 32


legais, levando em conta o impacto gerado pelo empreendimento no tecido urbano da microrregião já adensada e desabastecida de equipamentos públicos. O complexo é formado por três edifícios com funções e atividades distintas, reunindo pavimentos para flats hoteleiros, conjuntos comerciais, espaços corporativos, centro de convenções, cinemas e praça de alimentação. Interligando esse complexo, existem estruturas que oferecem lazer e consumo, com destaque para o open mall, um espaço que interliga um centro comercial a uma praça. Os autores do projeto afirmam que esse mix de usos propicia acessibilidade e rotatividade de pessoas, alternando a incidência e a identidade dos usuários.

Figura 10 – Praça Central do Brascan Century Plaza. Figura – Brascan Century Plaza (2003), São Paulo. Fonte: galeriadaarquitetura

Fonte: galeriadaarquitetura.com.br

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Figuras 11 e 12 – Rua Chapot Prevot, na Praia do Canto. Combina usos residenciais e comércios em uma escala agradável.

Fonte: GoogleEarth

3.3 OS MUROS E FACHADAS ATIVAS O plinth – andar térreo de um prédio – é crucial para a cidade, visto que é nele em que vivências do pedestre são construídas através da relação com o entorno: prédios, usos, desenhos etc. Segundo Karssenberg & Laven (2015), o térreo é um elemento da esfera pública que determina 90% da contribuição do prédio à experiência do entorno. A esfera pública é o ambiente no qual os moradores urbanos vivem a cidade, sendo composta pelas fachadas de prédios e por tudo o que pode ser visto ao nível dos olhos. Se forem espaços seguros, limpos e fáceis de compreender, aumenta-se em três vezes o tempo de permanência desses visitantes, assim como aumenta-se o consumo, se comparado a uma estrutura antipática e confusa.

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Figura 13 – Esquema Esfera Pública

Fonte: Karssenberg & Laven, 2015

As “zonas híbridas” retratadas na imagem acima correspondem à zona de transição entre o espaço público e o privado. De acordo com Scopel (2017, p.3), o objetivo das fachadas ativas é priorizar a interação do edifício com o pedestre, através do estímulo visual e social. Para isso, os andares no nível do térreo necessitam de variedade de usos (comércio, serviço, equipamentos etc.) e atividades constantes. Aguiar e Netto (2012) e Scopel (2017) correlacionam as aberturas no térreo e o convívio dos usuários no local com a diminuição dos índices de criminalidade, sugerindo que o controle sobre o que acontece na calçada contribui para a segurança do espaço. A chamada Zona de fachada (Figura 14, item 1) é o espaço de transição entre o edifício e a rua pública, ou seja, é a interface que permite acessos físicos e visuais através de portas e janelas e funciona como extensão do edifício. Ao lado dela, está a Faixa livre Figura 14 – Esquema gráfico das zonas da calçada (Figura 14, item 2), área

Fonte: Nacto, 2018

efetiva que o pedestre utiliza pela realizar seus trajetos. Para que ela seja segura e acessível, orienta-se medidas que variam de 1,8m a 2,4m em áreas residenciais e, em áreas comerciais com alto volume de pedestres e nos centros das cidades, indica-se medidas medias que variam de 2,4m a 4,5m. Já o item 3 (Figura 14) diz respeito à Zona de Mobiliário Urbano, localizada entre o meio fio e a faixa livre. É 35


composta por elementos como iluminação, assentos, bancas de jornal, postes, canteiros de plantas etc., e elementos verdes, como árvores e trincheiras de detenção. Por fim, A Zona de amortecimento (Figura 14, item 4), localizada imediatamente ao lado da calçada, que pode assumir diferentes elementos, como parklets, elementos de gestão de águas pluviais, faixas de estacionamento, ciclovias etc. (NACTO, 2018). Na arquitetura contemporânea, muitos edifícios realizam o movimento de direcionar as atividades e a atenção ao seu interior, como os shoppings e os complexos multifamiliares de lazer. Além disso, a atenção primária do carro e plantas monofuncionais com atividades únicas pioram a situação de vitalidade na esfera pública urbana (KARSSENBERG & LAVEN, 2015). Figura 15 – Escola primária (Ypenburg) com térreo capaz de se flexibilizar em relação a uso e função.

Fonte: Karssenberg & Laven, 2015

A relação entre público e privado das fachadas em edificações que possuem uso residencial no pavimento térreo também precisa se articular. Caldeira (2000) e Kronenberger (2017) citam os edifícios e os conjuntos habitacionais multifamiliares que normalmente criam planos fechados que se estendem por toda a face de quadra e não conversam com o espaço público. Denominados “enclaves fortificados”, esses edifícios criam cidades muradas a partir de mecanismos de autoproteção causados, principalmente, pela sensação de insegurança. Jacobs (2000) ainda afirma que fachadas muito amplas provocam a explosão da rua, ou seja, causam desintegração. Segundo Kronenberger (2017), manter um certo 36


afastamento entre a edificação e a testada do lote, preenchendo esse espaço com áreas verdes ou área de lazer e preservando a permeabilidade visual, contribuindo tanto para a privacidade quanto para a vitalidade das ruas e para a manutenção e saúde do espaço público. Por outro lado, Gehl (2010) aponta a importância dos pavimentos térreos ativos, abertos para a calçada com muitas portas e transparências e se possível com usos mistos que incentive a permanência de pedestres na calçada. Os Planos Diretores de São Paulo (SÃO PAULO, 2014), Belo Horizonte (BELO HORIZONTE,

2017)

e

Curitiba

(CURITIBA,

2015)

são

exemplos

de

regulamentações, em cidades brasileiras, que determinam um número mínimo de acessos em uma edificação de acordo com o comprimento da calçada e com os critérios que influenciam na relação de permeabilidade visual. Essa forma de configuração da zona híbrida permite que as calçadas fiquem mais seguras e atrativas para as pessoas (TEIXEIRA & SILVA, 2018). Figura 16 – Incentivo às fachadas ativas pelo Plano Diretor de São Paulo.

Fonte: gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br

As pessoas precisam naturalmente de diversidade de estímulos sensoriais e, para que isso ocorra de forma acolhedora e convidativa, planejar espaços públicos de qualidade é importante para promover o bem-estar social. Gehl (2010) afirma que a escala menor, utilizada no âmbito do planejamento urbano, combinada com os sentidos humanos é capaz de gerar boas condições para que inúmeras atividades aconteçam e se desdobrem em outras mais. Na perspectiva do autor, considerar no 37


mínimo 10 acessos a cada 100m, por exemplo, geraria variedade de usos e atrativos aos pedestres. Ele ainda afirma que considerar os sentidos das pessoas é essencial para entender e determinar onde elas irão andar, falar, ouvir e se sentar, sejam essas ações dentro do edifício ou no espaço público (bairro ou cidade). Na perspectiva de Kronenberger (2017), a calçada é um elemento de conexão entre o espaço público e privado, e está diretamente relacionada ao sucesso ou fracasso das fachadas ativas pois, é a partir dela que se observa o nível de circulação de pedestres. Desse modo, a garantia de acessibilidade – rampas e escadas, por exemplo – se deve ao fato de suas instalações serem feitas em áreas adequadas, ou seja, o acesso à calçada deve acontecer na faixa de serviço, e o acesso ao lote deve acontecer dentro do lote, evitando obstáculos na faixa de circulação e garantindo a interação do pedestre com as edificações. Sobre as interferências nas zonas híbridas e sua influência positiva na esfera urbana, na perspectiva de Karssenberg & Laven (2015), é necessário olhar para atores como: promotores imobiliários, locatários, empreendedores e proprietários, uma vez que são eles que tomam as decisões sobre a utilização e uso daqueles espaços e edifícios. Entretanto, muitas vezes o pavimento térreo não é tratado de forma a dialogar com a rua, sendo, muitas vezes, apenas um bônus aos olhos desses atores. Essa maneira de atuação juntamente com a falha no design das fachadas, acaba fazendo com que essa vivência não venha em primeiro lugar, e gera uma reação, aos usuários privados, de fechar suas cortinas para a rua. Detalhes nas fachadas, texturas, cores, avanços e recuos, vitrines, portas e janelas, chamam a atenção e enriquecem a experiência do pedestre (KRONENBERGER, 2017, p.5). Com isso, novas tendências podem melhorar a qualidade de plinths, bem como a do comércio autêntico, a necessidade de bares novos para co-working, funções criativas temporárias e lojas pop-up (KARSSENBERG & LAVEN, 2015, p.18), que tendem a ser uma maneira de se adaptar à nova realidade e demanda da população frente a algumas evoluções tecnológicas, por exemplo, como as compras on-line.

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Figura 17 – Fachadas com diferentes texturas, cores e com extensões na calçada. Rua Chapot Presvot, Praia do Canto.

Fonte: GoogleEarth

Teixeira & Silva (2018) realizaram um estudo de caso no bairro Moinhos de Vento, localizado em Porto Alegre (RS), nas proximidades da zona central da cidade. Trechos do bairro passaram por intervenções para uma melhor adaptação das edificações com o espaço público. Figura 18 – a) localização do bairro. b) seleção do trecho para área de estudo.

Fonte: Teixeira & Silva, 2018

Os pavimentos térreos de algumas fachadas tiveram seus usos alterados, assumindo um caráter particular. Bares, cafés, restaurantes, armazéns, mercados especializados, feiras e lojas de artigos artesanais passaram a compor o cenário local. Os andares superiores – não ultrapassando 4 pavimentos em sua maioria – funcionavam como sobreloja ou tinham uso residencial. Lucas Figueiredo, no livro Urbanidades (2012), traz o conceito de urbanidade estando também atrelado às 39


fachadas ativas implementadas nessas tipologias arquitetônicas que conversam diretamente com a rua, seja por portas, janelas, ausência de recuos ou muros baixos, por exemplo, que permitem e auxiliam no controle do que acontece no espaço público. Figuras 19 a 22 – Ruas de intervenção e o diálogo entre espaço público e privado e as pessoas.

Fonte: Teixeira e Silva, 2018

As autoras notaram que as adaptações de usos seguiam juntamente com o tratamento da zona híbrida e, com isso, a rua passou por algumas adequações. Calçadas largas, implementação de mobiliários que dialogassem com as fachadas visualmente permeáveis, vegetação e arborização para conforto e proteção solar, são

exemplos

de

modificações

realizadas.

Além

dessas

intervenções,

esporadicamente o bairro realiza pequenos shows em bares e feiras organizadas, o que reforça o convívio entre as pessoas e atribui personalidade ao ambiente, reforçando a relação entre vitalidade e segurança urbana. 3.4 A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO ATRAVÉS DA CAMINHABILIDADE A mobilidade urbana brasileira, muitas vezes, é planejada a partir de dois focos: o transporte público e o transporte individual motorizado (automóveis e motocicletas). Com a invasão dos carros, os pedestres foram empurrados, primeiro, contra as fachadas dos prédios e, depois, apertados em calçadas cada vez menores (GEHL, 2010, p.122). No que diz respeito à mobilidade, a forma mais simples de deslocamento é a pé, pois o ato de caminhar é a forma universal de deslocamento das pessoas, embora negligenciada, numa análise histórica, em muitos planos e projetos no Brasil (VASCONCELLOS, 2017). 40


No livro “Cidades de Pedestres”, Vasconcellos (2017) afirma que essa falta de prioridade gera reflexos que podem ser vistos na cidade, a começar pela decisão de atribuir ao dono do lote o dever de construir e fazer a manutenção das calçadas, tratando o ato de caminhar como um tema privado, e não público. A falta de sinalização voltada ao pedestre nos cruzamentos de via e o alto índice de acidentes por conta de buracos e rupturas são exemplos do reflexo da desvalorização do pedestre. Para o autor, a consequência dessas negligências faz com que o planejamento viário seja voltado exclusivamente para a pista de rolamento, ou seja, há uma valorização primária dos automóveis, e uma atenção secundária àqueles que caminham. Rogers (2001) diz que, nas últimas décadas, os espaços públicos nas cidades e os espaços entre os edifícios, tem sido dilapidado e negligenciado. Essa dinâmica de planejamento fez com que a maioria das cidades brasileiras tenham calçadas inadequadas e inseguras à população. Isso se agrava em cidades com topografia não plana, como por exemplo Ouro Preto (MG), que, muitas vezes, são tomadas por degraus, obstáculos e desníveis, tornando a caminhada algo desafiador para o pedestre. Com o passar do tempo, devido às reflexões sobre a qualidade de vida das pessoas e das cidades, assuntos relacionados à importância do transporte não motorizado e aos deslocamentos a pé se tornaram mais frequentes, e novas alternativas começaram a ser discutidas. Em 2012 foi promulgada a Lei 12.587/12, conhecida como a Lei de Mobilidade Urbana, que busca, juntamente com o Estatuto da Cidade, planejar o crescimento sustentável urbano, priorizando o modo de transporte não motorizado e os serviços de transporte público coletivo. Figura 23 – Tabela com dispositivos elencados no Artigo 23 da Lei de Mobilidade Urbana que podem ser usados pelo poder público local.

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Acesso restrito a veículos motorizados em determinados locais e horários visando uma maior utilização do espaço público por pedestres e ciclistas

Definição de faixas exclusivas para o transporte coletivo e para os modos não motorizados, como forma de distribuir de forma mais justa o uso do espaço físico das vias e privilegiar pedestres e ciclistas.

Tal solução pode ser adotada em áreas comerciais tornando-as mais agradáveis, com menor poluição sonora, visual e do ar e maior acessibilidade aos consumidores. Essa requalificação acaba por estimular o comércio local transformando vias em áreas de lazer. Alternativamente, esta medida pode ser adotada apenas em determinados horários e dias da semana, como são os casos de vias que se transformam em ruas de lazer aos sábados, domingos e feriados.

Um ônibus comum transporta em média a mesma quantidade de passageiros que 50 automóveis, o que justifica que os ônibus possuam um espaço exclusivo nas vias garantindo a fluidez de um número muito maior de passageiros com menor poluição do meio ambiente. A maior eficiência da operação de transporte coletivo, com o aumento da velocidade média, economia de tempo, combustível e outros insumos, diminui os custos da operação, possibilitando redução da tarifa aos usuários. Os modos não motorizados de transporte favorecem a utilização do espaço urbano pelo cidadão.

Fonte: produzido pela autora.

Ao contrário do que se imagina, a maior ameaça à segurança dos pedestres não vem do crime, mas do perigo real de veículos que trafegam em alta velocidade, que aumenta à medida que a pista de rolamento se torna mais larga (SPECK, 2016). O autor sugere o controle de velocidade como uma das alternativas, citando, como um dos exemplos, o caso do Reino Unido, que teve um movimento amplamente difundido pelo seu território, denominada “Zona 20” (20’s Plenty for Us). Depois de analisar que 5% das colisões com pedestres que resultavam em morte aconteciam em uma velocidade de vinte milhas por hora (32km/h), contra 85% das colisões que aconteciam em uma velocidade de 40 milhas por hora (64km/h), muitas cidades introduziram o limite de vinte milhas por hora (32km/h), tendo pelo menos 25 jurisdições britânicas que já estabeleceram esse limite em áreas residenciais, e, em 2011, o Comitê de Transportes da União Europeia recomendou a regra para todo o continente. Em “Guia Global de Desenho de Ruas” (2018), são citadas algumas ferramentas para pedestres como medida de priorizá-los e protegê-los. Dentre elas estão: faixas de pedestres, refúgios de pedestres (Figura 24, item 1), extensões de calçada (Figura 24, item 2), rampas de acesso (Figura 24, item 3), orientação para deficientes visuais (Figura 24, item 4), semáforos sonoros, sinalização viária e orientativa, proteção contra condições climáticas (toldos e marquises, por exemplo), recipientes de resíduos etc.

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Figura 24 – 4 exemplos de ferramentas para priorizar e proteger os pedestres.

Fonte: Nacto, 2018

Speck (2016) afirma que a segurança da calçada não está ligada a sua largura, mas sim à “barreira de aço”, que consiste na proteção do pedestre a partir de uma linha de carros estacionados entre a via pública e a calçada, afirmando que esse mecanismo – assim como as bicicletas – influencia na diminuição da velocidade do tráfego e na atração de pessoas para uma caminhada. O autor ainda cita os pontos visíveis de táxi e a ausência de semáforos com botões como indicadores de caminhabilidade. Em contrapartida, Gehl (2010) critica a alta prioridade ao tráfego e estacionamento de veículos, pois, para ele, isso cria condições desfavoráveis para os pedestres. Figura 25 – Prioridade ao estacionamento de veículos.

Fonte: Gehl, 2010

Árvores e composições paisagísticas são essenciais para o conforto do pedestre, não apenas na sensação térmica como também como um mecanismo de proteção e barreira em relação às vias. Outro fator atrativo diz respeito às bicicletas. Cidades com mais ciclistas são consideravelmente mais seguras tanto para ciclistas como para pedestres (SPECK, 2016).

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Gehl (2010) descreve as dificuldades encontradas pelos pedestres ao transitarem pela cidade. A necessidade de desviar de obstáculos – postes de iluminação, parquímetros, anúncios, placas etc. –, os veículos estacionados que invadem as calçadas que interrompem o trajeto, e as interrupções nos passeios para facilitar o acesso à garagem, fazem com que o pedestre precise manobrar em calçadas que geralmente já são estreitas. Figura 26 e 27 - Obstáculos encontrados ao caminhar.

Fonte: Gehl, 2010

Gehl (2010) ainda afirma que, ao contrário do que muito se vê, a caminhada precisa ser confortável e agradável, com espaços relativamente livres e desimpedidos e dispondo calçadas intactas, como parte de uma política convidativa, encorajando o pedestre a caminhar. O autor pontua as diferenças identitárias pois, um jovem, uma criança, uma gestante, um cadeirante e um idoso necessitam de espaços e tempos distintos para se deslocarem. Enquanto as velocidades de caminhada variam de 0,3 m/s a 1,75 m/s ou de 1 km/h a 6,3 km/h, as pessoas que andam com auxílio – em forma de bengalas, andadores ou outros dispositivos – limitam-se a velocidades entre 0,3 m/s e 0,5 m/s ou de 1 km/h a 1,8 km/h (NACTO, 2018, p.72). Essas diferenças significam que as ruas precisam permitir uma variedade de velocidades, atendendo àqueles que precisam se deslocar com velocidade maior, sem impor atrasos, e àqueles que caminham mais lentamente, sendo acomodados durante suas travessias.

44


Figura 28 – Velocidades médias em função do perfil do pedestre.

Fonte: Nacto, 2018

Planejar distâncias que sejam percorridas em torno de 5, 10 e 15 minutos, especialmente para as paradas de transporte coletivo e redes de bairro para locomoção em bicicleta e a pé, pode ajudar a orientar o potencial de uma rua para se tornar parte importante da rede de transporte ativo (NACTO, 2018, p.70). Gehl (2010) afirma que vários fatores influenciam na velocidade da caminhada, sendo a qualidade do percurso, a quantidade de pessoas, a mobilidade do pedestre e o projeto do espaço, aspectos decisivos para determinar se o pedestre irá se deslocar rápida ou lentamente. O motivo que faz as pessoas circularem pelas

ruas

varia,

podendo

ser

por

necessidade ou escolha. Sendo assim, aumentar

a

qualidade

dos

espaços

públicos também aumenta o estímulo às atividades opcionais, como sugere o gráfico (Figura 29). As cenas da cidade são as mais variadas e muda a cada instante. Há muito a se ver: Figura 29 – Ligação entre qualidade de ambientes externos e atividades ao comportamentos, rostos, cores e ar livre. sentimentos. E essas experiências estão Fonte: Gehl, 2010 relacionadas a um dos mais importantes temas da vida humana: as pessoas (GEHL, 2010, p23).

45


Figura 30 – À esquerda, a vida na cidade acontecendo nas calçadas pelos frequentadores de bares e cafés (Estrasburgo, França). Figura 31 – À direita, a apropriação do espaço nas praças Times e Herald, com elevado nível de atividades e vitalidade nas ruas (Broadway, New York).

Fontes: Gehl, 2010 4. ANÁLISE E PROPOSIÇÃO O objetivo é selecionar uma rua do bairro Enseada do Suá em Vitória (ES) e fazer intervenções no desenho urbano de forma a contribuir com os estímulos ao pedestre, dando mais conforto, prioridade, atratividade e segurança a quem caminha. Para isso, será usado como ponto de partida o quesito ‘Atração’ do iCam (Índice de Caminhabilidade), sem desconsiderar as demais categorias, para determinar os ensaios projetuais.

46


5. ENSEADA DO SUÁ: CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO Vitória é a capital do Espírito Santo, fundada em 1551 e possui grande conexão com a paisagem – principalmente com o mar e os morros –. Estes elementos naturais possuem forte ligação com o processo de ocupação da cidade. A porção de terra firme, originalmente, era pequena, mas passou por diversos aterros que ocuparam áreas alagáveis devido ao crescimento econômico, populacional e à justificativa de criar paisagens cênicas (ESPÍNDOLA E MENDONÇA, 2017). Figura 32 – Área de aterro e início da ocupação correspondente a Enseada do Suá.

Fonte: http://deolhonailha-vix.blogspot.com

Dentre as áreas aterradas, está a Enseada do Suá. O bairro teve início a partir da elaboração do Plano de Urbanização da Praia do Suá desenvolvido pela COMDUSA, uma empresa vinculada ao Governo do Estado do Espírito Santo, através de um convênio assinado em 1967 entre as prefeituras dos municípios pertencentes à Grande Vitória para a criação do Plano Integrado da Grande Vitória – COPI (ESPÍNDOLA E MENDONÇA, 2017). A Enseada do Suá está localizado na Região 5 da cidade de Vitória (ES), e foi construída através de um processo de expansão territorial a partir da década de 1970 com o objetivo de criar uma área de ampliação do comércio, serviço e de áreas 47


residenciais em relação ao maciço central localizado na Cidade Alta, no centro de Vitória. Possui uma área de 1,25km², que corresponde a 1,34% da área total do município, e aproximadamente 34 mil habitantes (IBGE, 2010). A região escolhida faz divisa ao Sul com o Canal da Baía de Vitória, ao leste com a Baía de Vitória, com os bairros Ilha do Boi e Ilha do Frade, ao norte com a Praia do Canto, e a oeste com os bairros Santa Helena, Praia do Suá e Jesus de Nazareth. Figura 33 – Localização geográfica da Região 5 de Vitória

Fonte: PMV, 2010

De acordo com a Prefeitura Municipal de Vitória (PMV), possui a maior renda média (de 1 a 20 salários mínimos) dentre todas as Regiões Administrativas e uma das melhores no quesito infraestrutura urbana, tornando-se uma área privilegiada devido ao seu contexto geográfico, ambiental e socioeconômico. Vale sinalizar que a dissertação de mestrado de Pereira (2019), desenvolvido no âmbito da pesquisa realizada no Grupo Sistemas Contemporâneos de Projeto, intitulada “Efeitos da forma arquitetônica/urbana no movimento de pedestres e vitalidade da rua: estudos investigativos na cidade de Vitória”, conduzida com verbas da Fapes. O trabalho de Pereira analisa a relação da forma urbana e caminhabilidade no bairro Enseada do Suá e será usado como referência e base para os estudos e propostas projetuais nas ruas da Enseada do Suá. Isso significa 48


que este trabalho diz respeito também a uma continuação da pesquisa do grupo SCP (Sistemas Contemporâneos de Projeto). 5.1 CARACTERIZAÇÃO MORFOLÓGICA DO BAIRRO 5.1.1 USO DO SOLO, DINÂMICA URBANA E DENSIDADE DEMOGRÁFICA A partir da pesquisa realizada no Grupo SCP (Sistemas Contemporâneos de Projeto) e pela continuidade feita no trabalho de dissertação de Pereira (2019), é possível perceber que a Enseada do Suá apresenta forte característica do uso comercial e institucional em comparação aos demais usos (residencial, misto, lazer, etc.), ou seja, não há uma distribuição harmônica de usos que fomente a dinâmica do bairro em diferentes horários e dias da semana, evidenciando a carência urbana de espaços variados e a falta de estímulo ao pedestre.

Figura 34 – Mapas de Uso e Ocupação do Solo: (1) Uso comercial e de serviço, (2) Uso residencial, (3) Uso misto. Fonte: Adaptados pela autora. Arquivo do Grupo SCP, 2019

Embora a maior parte da região já esteja bem consolidada, ainda existem lotes e áreas vazias (Figura 35) que, por vezes, são utilizados como estacionamentos. Juntamente a isso, há intensos investimentos imobiliários que estimulam o alto adensamento no interior do bairro, incentivado pelo plano diretor urbano. Figura

35

Mapa

de

Uso

e

Ocupação

do

Solo:

Vazios

urbanos.

Fonte: Adaptado pela autora. Arquivo do Grupo SCP, 2019 49


Figura 36 – Paisagem Urbana da Enseada do Suá – Vitória/ES.

Fonte: http://www.unimov.com.br/fotos/241/d0_57ee9eef3b6d0.jpg

De acordo com Pereira (2019) a Enseada do Suá possui um zoneamento funcional que divide o bairro em cinco áreas distintas. Seguindo o mapa de referência da Figura 37, existe a predominância do uso comercial e de serviço no setor laranja; em seguida, na mancha marrom, tem-se o uso contemplativo/lazer e institucional; já nas porções azul escura e verde, destacam-se o uso residencial unifamiliar e comercial; por fim, na região azul clara, o único uso predominante é o comercial. Figura 37 – Zoneamento funcional da Enseada do Suá.

Fonte: Pereira, 2019 50


A falta de combinação de usos distintos nos lotes do bairro – principalmente atividades noturnas – e a baixa proximidade das atividades devido às quadras extensas, fazem com que haja pouca movimentação de pedestres em detrimento das grandes distâncias, tornando a região pouco atraente e dificultando a vitalidade urbana do bairro. Pereira (2019) cita que a partir de relatos dos próprios moradores apresentados pelo Instituto Jones Santos Neves (IJSN) no processo de revisão do PDU de Vitória, 2018, indicam que a baixa densidade populacional (Figura 39) e o incentivo ao uso comercial e institucional tem provocado o esvaziamento do bairro nos períodos noturnos e aos fins de semana, sendo um fator que acaba por influenciar e fomentar a sensação de insegurança, como pode ser visto e analisado pelo mapa abaixo (Figura 38). Figura 38 – Dinâmica Urbana da Enseada do Suá.

Fonte: Pereira, 2019

51


A densidade demográfica do bairro é caracterizada como muito baixa, como pode ser visto na Figura 40, sendo até 100hab/ha, enquanto a alta densidade varia de 600 a 400hab/há e, a média, 200hab/ha. De acordo com a publicação Vitória Bairro a Bairro (2013), a faixa etária dos moradores está entre 15 a 64 anos e está distribuída, predominantemente, em unidades domésticas de caráter nuclear (72%), além de famílias unipessoais (12%), estendidas (11%) e compostas (5%). Logo, a quantidade de habitações no bairro é baixa e a população residente possui um perfil familiar nuclear dentro de um limítrofe de rendimento mensal domiciliar médio e alto (PEREIRA, 2019, p.88). Isso se contrapõe a densidade construtiva do bairro, que oferta muitos edifícios comerciais, de serviço e institucionais – muitas vezes sem serem destinados ao cotidiano dos moradores, como farmácias, padarias, restaurantes, lojas, etc. – que gera uma densidade flutuante no bairro, em que há uma grande presença de pessoas no período diurno e um esvaziamento no período noturno. Figura 39 – Mapa de Densidade da Enseada do Suá.

Fonte: Arquivo do Grupo SCP, 2019

5.2 MALHA URBANA E MOBILIDADE O traçado do bairro de estudo é caracterizado por ser majoritariamente geométrico ortogonal, à exceção do eixo viário principal (Av. Nossa Senhora dos 52


Navegantes/Av. Américo Buaiz) devido à sinuosidade da porção de terra ao longo de sua extensão. Além dessas duas avenidas, a Rua Tenente Mario Francisco Brito e a Avenida Capitão Joao Brandão estimulam o fluxo de veículos com o restante do município, embora funcionem como uma barreira física ao pedestre. De acordo com Pereira (2019), a Enseada do Suá possui quadras com dimensões médias, lotes contínuos e regulares, com exceção de duas áreas: na quadra do Shopping Vitória e da Praça do Papa; e na região próxima à Ilha do Boi, que não possui uma malha ordenada, sendo marcada por grandes quadras que acompanham os eixos viários, como pode ser observado na Figura 40. Figura 40 – Mapa de Figura Fundo da Enseada do Suá.

Fonte: Arquivo do Grupo SCP, 2019 De acordo com Pereira (2019), a Enseada do Suá dispõe de vias largas que permitem fácil e rápido acesso ao centro de Vitória e ao restante do município, como a Av. Nossa Senhora dos Navegantes e a Rua Tenente Mário Francisco Brito (vias arteriais metropolitanas), e à Vila Velha através da Terceira Ponte. 53


Além disso, são identificados alguns pontos nodais – áreas de concentrações que surgem ao longo do dia devido à movimentação de pessoas, veículos e atividades – importantes para a compreensão socioespacial do bairro. Os dois pontos de embarque e desembarque de transporte público na Av. Américo Buaiz e a Praça do Pedágio são exemplos dessas aglomerações e fluxos, visíveis principalmente nos horários de pico por conta do caráter de conexão intermunicipal das vias. Vale ressaltar que estas vias funcionam como barreiras físicas que também prejudicam o fluxo de pedestres no bairro, desestimulando a caminhada. Na Figura 41, tem-se a relação do uso do solo com a hierarquia viária, demonstrando de que maneira as vias principais se interligam às atividades do bairro. Figura 41 – Mapa de Usos x Vias do bairro Enseada do Suá.

Fonte: Arquivo do Grupo SCP, 2019

Cabe salientar que as vias principais que cortam o bairro ajudam a demarcar tipos de ocupações distintas, ora pautada na verticalização de edifícios de múltiplos pavimentos com grandes afastamentos, isolados no lote e atividades comerciais

54


(Figura 42), ora caracterizada por construções de até três pavimentos com uso residencial unifamiliar, comercial e institucional (Figura 43). Figura 42 – Torres verticalizadas e isoladas, com áreas de baixa densidade e lotes destinados a estacionamentos.

Fonte: Gama, 2014. A Gazeta. Novos rumos para a Enseada do Suá. Caderno 3, Imóveis, novembro/2014

Figura 43 – Construções de no máximo 3 pavimentos, na Rua Elias Daher.

Fonte: Arquivo do Grupo SCP, 2019

Tangenciando as questões de mobilidade urbana do bairro, a autora cita marcos – elementos físicos de orientação de trajeto cuja escala pode variar – importantes na dinâmica local. Nas imagens abaixo estão alguns destes marcos visuais importantes 55


para a região, todos localizados em vias de grande relevância para o bairro de estudo e para as regiões vizinhas. Figura 44 – Palácio do Café, na Avenida Nossa Senhora dos Navegantes. Fonte: modernismoemvitoria.files.wordpress.com Figura 45 – Terceira Ponte vista da Enseada do Suá – Vitória/ES.

Fontes: folhavitoria.com.br

Figura 46 – Monumento ao Imigrante Italiano, Av. Américo Buaiz, Enseada do Suá, Praça José Neffa.

Fonte: vitoria.es.gov.br/turista/monumentos-culturais

56


Fatores como: o uso predominantemente comercial e institucional no bairro – e em uma proporção menor, o uso residencial multifamiliar –; a baixa densidade populacional; a falta de atividades e serviços noturnos; e a pouca presença de usos mistos combinados contribuem para a baixa vitalidade espacial do bairro, de acordo com as análises feitas por Pereira (2019), o que, por consequência, desestimula a caminhabilidade na região devido à insegurança. A autora também aponta que a falta de segurança sentida por quem circula pelo bairro também está relacionada às quadras extensas com pouca ou nenhuma divisão de lotes, às barreiras físicas viárias, aos condomínios fechados e a grandes empreendimentos, configurados como enclaves fortificados (CALDEIRA, 2000), que isolam os edifícios da dinâmica das ruas, segregando os usuários e esvaziando os espaços públicos.

5.3 ANÁLISE DE CAMINHABILIDADE DA ENSEADA DO SUÁ A avaliação de caminhabilidade do bairro foi feita a partir do iCam (Índice de Caminhabilidade), uma ferramenta de análise espacial dividida em categorias, sendo elas: segurança viária, atração, calçada, ambiente e segurança pública. Cada categoria possui seus respectivos indicadores, preenchidos através da coleta de dados em campo para obtenção de um resultado quantitativo e qualitativo da área. Dessa forma, a dissertação de Pereira (2019) registra, documenta e mapeia, de forma descritiva, os resultados dessa avaliação na Enseada do Suá. Sendo assim, é possível compreender as potencialidades e fragilidades do desenho urbano e, de maneira mais assertiva, traçar estratégias, diretrizes e ensaios projetuais capazes de trazer mais vitalidade ao bairro a partir do incentivo à caminhabilidade e da vigilância natural estabelecida pelos próprios residentes e visitantes. Para este trabalho, será levado em consideração os aspectos gerais analisados por Pereira (2019), com ênfase na categoria Atração (Figura 48).

57


Figura 47 – Resultado final da Categoria Atração na Enseada do Suá.

Fonte: Arquivo do Grupo SCP, 2019

Na categoria Atração são estabelecidos quatro indicadores:

fachadas

fisicamente

permeáveis,

fachadas visualmente ativas, uso público diurno e noturno e usos mistos (Figura 48). O resultado encontrado a partir da média aritmética entre as pontuações dos quatro indicadores foi de 0,33, o que classificou

a

categoria

como

insuficiente

na

avaliação do iCam (PEREIRA, 2019). Destes, apenas o indicador Fachadas Fisicamente Permeáveis Figura 48 – Resultado Geral da

Categoria

Atração

(Figura

49)

obteve

a

pontuação

suficiente.

no

Bairro Enseada do Suá.

Tendo

como

métrica

para

este

indicador a

quantidade de entradas e acessos a cada 100 Fonte: Arquivo do Grupo SCP,

metros

de

quadra,

dos

174

segmentos

2019

58

foi


constatado que 21% deles atingiram pontuação ótima e 31% caracterizam-se como insuficiente. Além disso, Pereira (2019) indica que os segmentos com melhor avaliação deste indicador são em áreas em que o parcelamento do solo é menor e com maior quantidade de lotes por quadra, o que confere a possibilidade de atrelar a maior diversidade de lotes à mais variações de usos e funções. Esses fatores, quando ligados a permeabilidade visual dos espaços público e privado, também podem influenciar nos fluxos e dinâmicas locais em diferentes dias e horários, como já apontado por Gehl (2013) e Jacobs (2000), mudando o cenário atual caracterizado por ruas vazias e inseguras principalmente no período noturno e nos finais de semana. Figura 49 – Resultado do Indicador Fachadas Fisicamente Permeáveis na Enseada do Suá.

Fonte: Arquivo do Grupo SCP, 2019

Em relação ao indicador Fachadas Visualmente Ativas (Figura 51), seguindo os critérios da ferramenta ITDP, a pontuação avaliada é insuficiente (0,66). A métrica utilizada é “a porcentagem da extensão da face da quadra com conexão visual com 59


as atividades no interior do edifício”, sendo assim, constatou-se que, das 174 quadras

analisadas,

64%

foram

consideradas

insuficientes,

10%

foram

consideradas boas e 10% foram consideradas ótimas (PEREIRA, 2019). A autora ainda faz uma análise destes resultados com alguns aspectos de outros mapas – como o de uso e ocupação do solo, gabarito e cheios e vazios – para elaborar algumas possíveis relações. Com isso, foi possível perceber que os segmentos de calçada avaliados como ótimas estão próximos a praças e jardins, o que permite um alcance visual completo da área. Os segmentos avaliados como bom e suficiente estão em quadras que possuem maior diversidade de usos, o que permite mais oportunidades de atividades, além de ter uma tipologia arquitetônica de edifícios residenciais unifamiliares com até cinco pavimentos, marcados por gradis e esquadrias que dividem o espaço público e privado de modo a permitir conexão e alcance visual do pedestre. Figura 50 – Resultado do Indicador Fachadas Visualmente Ativas na Enseada do Suá.

Fonte: Arquivo do Grupo SCP, 2019

Por fim, os segmentos avaliados como insuficiente são em áreas majoritariamente comerciais, com pouca variedade de usos entre seus pavimentos. Outro fator 60


contribuinte para essa pontuação é a quantidade de torres isoladas com grandes afastamentos que aumentam o distanciamento do edifício privado com o espaço público, e a característica de utilizar o pavimento térreo para estacionamentos e garagens, o que impede a aplicação de usos distintos, esquadrias e aberturas que promovam a interação entre o lote e a rua. O indicador Uso público diurno e noturno (Figura 51) segue à métrica de um número médio de estabelecimentos de uso público diurno e noturno a cada 100 metros de face de quadra. A avaliação encontrada para a Enseada do Suá foi insuficiente (0,27), sendo que, das 174 faces de quadras analisadas, 88% obtiveram pontuação 0. Pereira (2019) cita que para que a pontuação seja igual ou superior a suficiente, é necessário que exista uso público noturno, o que evidencia uma carência do bairro de atrativos no período da noite, constatando a baixa dinâmica urbana de usos em diferentes horários do dia e da noite, criando ambientes ociosos e ermos. Comparando os mapas de dinâmica urbana, uso e ocupação do solo e o resultado deste indicador (Figura 51), é possível perceber que a predominância dos edifícios de escritórios e instituições públicas impedem uma dinâmica maior no período noturno, trazendo uma baixa movimentação de pedestres e aumentando a sensação de insegurança, embora a iluminação pública na região seja boa.

61


Figura 51 – Resultado do Indicador Uso Público Diurno e Noturno na Enseada do Suá.

Fonte: Arquivo do Grupo SCP, 2019

Usos Mistos é o último indicador da categoria Atração, tendo como métrica “a porcentagem do total de pavimentos com uso predominante nas edificações confrontantes ao segmento de calçada”. A pontuação atingida foi de 0,20, ou seja, uma avaliação muito baixa. A análise mostrou que 91% das 174 faces de quadras registraram uma pontuação insuficiente. Isso mostra que, apesar de ser um bairro com usos comercial, de serviço e institucional, a área possui uma baixa quantidade de usos residenciais, e essa distribuição desequilibrada reflete na pontuação obtida pelo indicador (PEREIRA, 2019).

62


Figura 52 – Resultado do Indicador Usos Mistos na Enseada do Suá.

Fonte: Arquivo do Grupo SCP, 2019

A partir dos dados analisados pelo iCam, das características socioespaciais, das carências e necessidades do bairro, foi escolhida uma rua que apresentasse elementos possíveis de se trabalhar intervenções que trouxessem mais vitalidade e atratividade ao bairro. A Rua Taciano Abaurre, área escolhida para o ensaio projetual, possui um mal aproveitamento do solo e não explora a variedade de usos, tem um baixo adensamento populacional, vários lotes ociosos e vazios, uma infraestrutura pouco confortável ao pedestre e sem atrativos, assim como alguns condomínios fechados classificados como enclaves fortificados, que anulam a relação do lote com a rua e contribui para o distanciamento entre os diferentes grupos sociais.

63


6. ANÁLISE DA RUA TACIANO ABAURRE, ENSEADA DO SUÁ Figura 53 – Localização da área de intervenção mostrada no mapa do Resultado final da Categoria Atração

Fonte: Arquivo do Grupo SCP adaptado pela autora, 2019

A Rua Taciano Abaurre (Figura 53) atingiu uma avaliação insuficiente dentro dos parâmetros necessários do iCam (Índice de Caminhabilidade). Dessa forma, pôdese constatar algumas deficiências morfológicas e socioespaciais na área. Dentre elas, estão: o mal aproveitamento do uso do solo para gerar maior diversidade e dinamicidade urbana, o baixo adensamento populacional, a presença de lotes vazios e a infraestrutura viária precária que não traz qualidade e conforto aos pedestres, tornando a rua pouco convidativa (Figura 54). Entretanto, o entorno da região possui alguns atrativos de uso coletivo possíveis de serem explorados e integrados à área de intervenção, como a Praça do Papa e o campo de futebol. Em outro trecho da rua (Figura 55), está localizado o Edifício Grand Park Residencial Resort, um condomínio fechado cercado por grades, com torres residenciais e caracterizado pelos grandes afastamentos. Este empreendimento – além da presença dos lotes vazios e murados – dificulta as vivências da rua, como afirma Caldeira (2000), uma vez que anula a relação entre o que é público e o que 64


é privado. Neste trecho, é possível ver que existe uma boa arborização, mas carece de iluminação pública adequada e possui uma má preservação das calçadas, o que contribuir para tornar ambiente pouco atraente e inseguro, influenciando no baixo fluxo e permanência de pessoas. Figura 54 – Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá (trecho 1)

Fonte: GoogleMaps, 2020

Figura 55 – Trecho do Grank Park na Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá (trecho 2)

Fonte: GoogleMaps, 2020

Mediante os pontos identificados na análise, esta rua foi escolhida para local de intervenção e proposta. O ensaio ilustra as possibilidades que poderiam ser ampliadas para demais ruas com baixa caminhabilidade no bairro. 65


6.1 PROPOSIÇÕES Figura 56 – Trecho 1: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá

Fonte: Acervo pessoal, 2020

1. Deve ser proposto usos comerciais voltados para as demandas locais no pavimento térreo das edificações, assim como estimular usos noturnos como bares e restaurantes para suprir a falta de vitalidade da rua na parte da noite; 2. Instalação de equipamentos públicos e mobiliário urbano para estimular a circulação e permanência de pessoas em diferentes horários do dia (banco, lixeiras etc.); 3. Implementação de arborização por toda a calçada em detrimento da carência de massa de vegetação no trecho da rua; 4. Instalação de postes para iluminação da via e postes de pedestres para que haja maior conforto visual e contribua para a sensação de segurança, estimulando o pedestre a transitar e desfrutar das atividades da rua; 5. Aplicar a calçada cidadã por todo o trecho para maior acessibilidade; 6. Incentivar o modelo de quadra aberta para maior fruição pública, assim como usar os afastamentos do lote como ferramenta de extensão das atividades do térreo dos edifícios, trazendo mais olhos para a rua.

66


Figura 57 – Trecho 1: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá

Fonte: Acervo pessoal, 2020

Figura 58 – Imagem Noturna Trecho 1: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá

Fonte: Acervo pessoal, 2020

67


Figura 59 – Trecho 2, Grand Park: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá

Fonte: Acervo pessoal, 2020

1. No lote vazio, incentivar o modelo de quadra aberta com edifícios híbridos que disponibilizem o andar térreo para atividades noturnas e de dia a dia (como bar, restaurante, padaria, lojas, etc.), com fachadas que variem de 5m a 7m para proporcionar maior diversidade de usos, assim como promover o incentivo à permeabilidade visual das fachadas do térreo, permitindo que os pedestres transitem por entre a quadra com maior vigilância natural e conforto; 2. Implementação de iluminação pública adequada (tanto voltada para a via quanto para o pedestre) e balizadores para trazer maior sensação de segurança para os usuários; 3. Utilização de marquises e toldos ao longo dos trechos de comércio e serviço que possam atrair e proteger os pedestres; 4. Manter a massa de vegetação já presente na rua, e adicionar outras com cor para trazer mais diversidade visual, assim como arte urbana nos trechos com muros cegos; 5. Aplicar a calçada cidadã por todo o trecho e ampliar a faixa livre para maior acessibilidade e melhor circulação;

68


6. Aproveitar o afastamento disponível no lote do edifício Grand Park, implementando usos variados de atividades que estejam voltadas para o pedestre (banca de jornal, mobiliário urbano para permanência, barraquinhas fixas de comida e comércio de rua. Figura 60 – Trecho 2, Grand Park: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá

Fonte: Acervo pessoal, 2020

Figura 61 – Imagem Noturna Trecho 2: Rua Taciano Abaurre, Enseada do Suá

Fonte: Acervo pessoal, 2020 69


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho buscou estudar sobre como o desenho da cidade é capaz de influenciar e afetar as vivências urbanas. A partir de determinadas características morfológicas, equipamentos urbanos, usos do solo e infraestruturas, é possível perceber que as pessoas se apropriam e aproveitam o espaço público com mais frequência ou menos. De acordo com Caldeira (2000) e Jacobs (2000), a morte e o esvaziamento das ruas acontecem em detrimento de um mal aproveitamento e má elaboração do desenho urbano que, por não ofertar diversidades e variedades em diferentes horas e dias da semana, deixa de trazer vitalidade para as ruas. Outro fator que dificulta a movimentação e o fluxo de pedestres é a dependência do automóvel que, muitas vezes, se torna o objeto protagonista nas ruas das cidades, e consequentemente contribui para que o desenho urbano acompanhe essa “hierarquia”, desvalorizando e desestimulando aqueles que caminham. Esses fatores, afetam a relação estabelecida entre as pessoas e o lugar. Todavia, é necessário compreender que cada região possui suas particularidades, demandas e personalidade, fazendo com que as leituras e proposições precisem acontecer de maneira específica em cada lugar, levando em conta o entorno e as necessidades das pessoas. Pensar em calçadas confortáveis e acessíveis, fachadas interativas, conforto térmico e sonoro, equipamentos que permitam a permanência e a apropriação de pedestres, trabalhar e explorar de maneira consciente o adensamento populacional, traçar diretrizes urbanas que incentivem essas ferramentas, trazer opções distintas de usos do solo que fomentem o fluxo de pessoas, diminuam distâncias e tragam mais olhares para as ruas, são maneiras de potencializar a integração entre o espaço público e privado. Dessa forma, pensar em uma cidade segura também significa pensar em uma cidade atrativa, em que parte da segurança possa acontecer pelos olhares dos próprios usuários que circulam nas ruas. Seja durante o dia ou a noite, o espaço urbano precisa se manter ativo e convidativo para os pedestres. Com isso, este ensaio projetual e este estudo foram feitos como mecanismo de exemplificar, na prática, intervenções positivas que diminuam a sensação de

70


insegurança e estimulem as pessoas a fazer deslocamentos à pé, desfrutando do lugar onde moram e estabelecendo relações sociais.

71


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