Misto Quente

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Abrimos a porta do banheiro. Fedido não parecia estar lá dentro. Então o vimos. Tinha caído dentro da banheira. Seus pés pendiam para fora da borda. Seus olhos estavam fechados, ele estava fora de combate. Voltamos para a mesa. - O dinheiro é seu - disse Harry. - Que tal me deixar pagar por algumas dessas garrafas de uísque? - Esqueça. -Tem certeza? -Sim, claro. Recolhi o dinheiro e coloquei as cédulas no meu bolso direito. Então olhei para a bebida do Fedido. - Não tem sentido desperdiçar um trago - eu disse. - Você está dizendo que ainda vai beber isso? - perguntou Lana. - Por que não? A saideira... Tomei num só gole. - Bem, pessoal, vejo vocês por aí, foi genial! - Boa noite, Hank. Saí pela porta dos fundos, saltando por sobre o corpo d'O Estripador. Encontrei uma passagem por lá e peguei a esquerda. Avancei mais um pouco e avistei um Chevy sedã verde. Eu cambaleava um pouco quando o alcancei. Agarrei a maçaneta da porta traseira para recuperar o equilíbrio. A maldita porta estava destravada e abriu, me lançando ao chão. Caí feio, esfolando meu cotovelo esquerdo no pavimento. A lua estava cheia. O efeito do uísque se abatera sobre mim de uma só vez. Senti que não seria capaz de me erguer. Mas eu precisava. Tinha que manter minha fama de durão. Ergui-me, choquei-me contra a porta semiaberta, agarrei-a, segurei-a. Então alcancei a maçaneta da parte de dentro e comecei a me levantar. Consegui me arrastar até o banco traseiro e fiquei sentado ali. Por um bom tempo. Foi quando comecei a vomitar. E foi violento. Parecia que aquilo não ia terminar nunca. O vômito cobriu todo o piso traseiro do carro. Então fiquei sentado por mais uns instantes. Depois dei um jeito de sair do carro. Já não me sentia tão tonto. Peguei meu lenço e limpei o vômito das minhas calças e dos meus sapatos da melhor forma que pude. Fechei a porta do carro e segui adiante. Precisava encontrar a linha "W" do bonde. Eu encontraria. E encontrei. Subi no carro. Saltei na rua Westview, caminhei pela 21a, virei ao sul e segui pela avenida Longwood até o número 2.122. Entrei pela casa do vizinho, encontrei o arbusto, subi por ele e entrei pela janela do meu quarto. Tirei a roupa e me deitei na cama. Devia ter bebido mais de um litro de uísque. Meu pai continuava roncando, assim como quando eu o deixara, com a diferença de que agora o som era mais alto e mais horroroso. De qualquer modo, adormeci. Como sempre, cheguei na aula do Senhor Hamilton com trinta minutos de atraso. Eram sete e meia. Fiquei do lado de fora da porta, escutando. Estavam novamente no Gilbert e Sullivan. E ainda era aquela baboseira sobre a Marinha da Rainha. Hamilton não conseguia se cansar daquilo. No ensino médio eu tivera um professor de Inglês e tinha sido Põe, Põe, Edgar Allan Põe. Abri a porta. Hamilton foi até o toca-disco e ergueu a agulha. Então anunciou à classe: - Quando o senhor Chinaski chega, sempre sabemos que são sete e meia. O senhor Chinaski sempre é pontual. O único problema é que o horário está errado. Fez uma pausa e olhou para os rostos dos estudantes. Ele era muito, muito digno. Então olhou para mim.

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