FILHOS DO GOLPE:
A VIOLÊNCIA ENTRE A INTENÇÃO E A AUTONOMIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Escola de Belas Artes
Filhos do Golpe: a violência entre a intenção e a autonomia
Belo Horizonte, 2022
LINA HAMDAN RESENDE MORAIS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Colegiado de Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais. Habilitação: Desenho Orientadora: Camila Rodrigues Moreira Cruz Belo Horizonte 2022
DEDICATÓRIA
Às Adrianas, Brunas, Ana Paulas, Mirtes, Vitórias, Joyces Jackelines, Rosilenes, Marias, Vanessas, Lucianas, Rafaelas, Bárbaras, Beatrizes... A todas as mães daqueles que se tornaram filhos do golpe. A todos os filhos daqueles que foram golpeados.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a meus camaradas espalhados pelo mundo, àqueles que abriram as portas de suas casas sem nem me conhecer, aos que ainda não conheço, a todes vocês com os quais compartilho o desejo, a reflexão e a ação por mudar a sociedade que vivemos. A meus camaradas de Minas com quem compartilho todos os meus dias, com quem abri minhas dúvidas, inquietações e reflexões que o trabalho suscitava. A sensibilidade de vocês sem dúvida construiu também esse trabalho. Em particular, à sensibilidade de Clarissa, cujo retorno abriu meus olhos para as potencialidades do trabalho. À Flavia Valle pela amizade, pelas conversas, pelas críticas. Por receber minha arte com o seu coração sensível. Em especial, a meu camarada Marcelo Tupinambá, pela solicitude, pela enorme generosidade, respeito, paciência e escuta. Que a gente possa construir juntos as sequências que queremos dar a esse trabalho. A minha mãe e meu pai pela acolhida sensível e material no mundo. Por sempre terem me deixado ser quem escolhi ser. A meus “companheiros de viagem” familiares, colegas, artistas, pesquisadores, professores, estudantes e trabalhadores das artes. O mundo precisa do olhar sensível e crítico de vocês. Em particular, à Camila pela enorme paciência, disposição e compreensão. Ao Roberto pela sensibilidade e confiança no trabalho, com quem dei os passos iniciais das reflexões que aqui trago. À Liliza pela inspiração poético-teórica que marcou, com frases que nunca esqueci, minha experiência na graduação. A meus colegas de toda escola, professores, estudantes, trabalhadores, com os quais passei horas e horas debatendo, polemizando, aprendendo com vocês, produzindo, refletindo, pensando imagem, letra, cor, teoria e ação.
FILHOS DO GOLPE: A VIOLÊNCIA ENTRE A INTENÇÃO E A AUTONOMIA
UM MANIFESTO TEÓRICO-POÉTICO
Sempre encontrei dificuldades em falar dos outros. Na arte, é mais fácil falar de si E deixar sair autonomamente daí o que há de coletivo na subjetividade. Nesse trabalho, busco provar o salgado gosto contrário Para chegar ao tal “fracasso” social da arte, Partindo da premissa do olhar sobre os outros. E quando o trabalho chega noutro sujeito, Sinto o estranho gosto da minha própria sensibilidade.
As imagens e vídeos não legendados compõem o trabalho Filhos do Golpe (2019 - presente)
FILHOS DO GOLPE
Índice
PREMISSAS
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PARTE 1
INTENÇÃO: Introdução O “elmo de névoa” do racismo e a arte Homenagem Nomes de ruas Pintura e a placa de rua
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PARTE 2
AUTONOMIA: Introdução Potencializar tensões e dissonâncias As contradições da cor O fracasso
61 65 69 73
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CONCLUSÕES
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BIBLIOGRAFIA
REFERÊNCIAS
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INTRODUÇÃO
PREMISSAS - Filhos do Golpe [ 2019 - Presente ]
“Nenhum elemento social na arte é assim imediato, mesmo quando o ambiciona” Theodor Adorno, Teoria Estética
O presente trabalho, iniciado em 2019, primeiro ano do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, busca trazer reflexões fruto da obra em contínuo processo intitulada “Filhos do Golpe”. Nessa obra, desenvolvo (por enquanto) 27 telas de pintura em formato de placas de ruas com nomes (e ausências de nomes) de pessoas que foram violentadas ao longo dos últimos anos no Brasil, em particular mortes com marcas da opressão e exploração, todas instaladas no chão; além de um vídeo- registro do trabalho. Em busca de dois caminhos-objetivos, decidi realizar um trabalho que falasse do outro como forma de homenagem, saindo da zona de conforto da auto-reflexão, para poder ligar minha pesquisa e produção a uma realidade não somente individualmente diferente da minha, mas também que trouxesse um caráter histórico político. Ao mesmo tempo em que vemos um governo, junto a seus enraizamentos no regime político, escancarando um projeto de hiperprecarização da vida, fazendo-nos voltar “ao nível de exploração do século XVIII”1, observa-se claramente a incapacidade atual da classe dominante em apresentar um projeto consensual de regime que consiga hegemonizar uma perspectiva de saída à crise capitalista atual, sem gerar o temor de revoltas populares ameaçadoras a sua ordem, a seu poder. A burguesia nacional se divide, se estraçalha, não encontra unidade. Como dizia Pagu, há de se aproveitar suas divisões ao alto para contribuir com sua “marcha para o abismo e para a morte”2. Ao invés de conciliar com ela, apressemos seu fim.
1. Ricardo Antunes, sociólogo e professor da Unicamp em entrevista à Diana Assunção, 2022. 2. GUEDES, Thelma, 2003.
Esse trabalho tem um caráter de denúncia, desde onde procuro chegar no segundo objetivo de instigar os sujeitos do meio artístico a uma reflexão e uma produção artística menos alienada em relação ao contexto político do país. Uma tarefa que considero de urgência, compartilhando do sentimento de diversos outros artistas e intelectuais hoje que buscam expressar essa reflexão. Todo o processo do presente trabalho suscitou reflexões teórico-poéticas, que considero iniciais, ao redor de diversos flancos: o racismo, a relação entre homenagem e a luta por justiça, a arte de cunho histórico-político, o significado de dar nomes para ruas, assim como reflexões sobre os des-
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dobramentos simbólicos a partir da autonomia do material plástico em diálogo com o sujeito que percebe o trabalho, o ambiente e as mudanças de situação. O texto está dividido em duas partes. A primeira trazendo os aspectos mais ligados à intenção inicial do projeto e os embasamentos para o mesmo. Na segunda parte, desenvolvo sobre os desdobramentos simbólicos produzidos ao longo da produção material e física e da exposição do trabalho nessa sua primeira etapa, que vai ultrapassando essa intenção. Entre esses dois momentos, em todo esse percurso reflexivo, é perceptível a latejante violência que perpassa o trabalho, ora mais descarada, ora mais ocultada, devido ao tema, às mudanças da sociedade e ao próprio material trabalhado. Ela vai se expressando de maneiras diferentes. Uma violência que permeia nossa história e que precisa ser discutida, em perspectiva de ser extinguida pela força da luta dessas mães, jovens, trabalhadores. Considero essa produção apenas um dos momentos do desdobrar desse trabalho, que acredito humildemente que ainda há muito caminho a percorrer para conseguir concretizar mais expressivamente os objetivos citados.
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PARTE 1 - Intenção
“Nem sempre a gente sabe o que está filmando” diz João Moreira Salles, diretor de No Intenso Agora (2017), nos primeiros minutos do filme.
1.1 INTRODUÇÃO
Quando comecei esse trabalho tinha um intuito muito claro de trazer a memória de pessoas que vieram sendo brutalmente assassinadas no decorrer dos últimos anos no Brasil, decorrente do crescente autoritarismo do regime, em particular desde o golpe institucional de 2016. Havia a necessidade de trazer um momento de luto a essas pessoas e suas famílias, de expressar a brutalidade e a violência que sai dos jornais, em particular contra a população trabalhadora, pobre, negra e LGBTQIAPN+, mas também mortes claramente políticas; de entregar para cada uma das pessoas que vivem essa experiência um pedaço do meu sentimento; e contribuir para amplificar suas vozes que lutam por justiça. Doutra parte, vinha fazer um chamado aos artistas ao meu redor para sermos “companheiros de viagem”1 e usarmos nossa sensibilidade para dizer a verdade de diferentes formas2. Um “chamado à consciência política e artística em caráter de urgência”3. Duas tarefas, dois interlocutores: conseguir chegar em um, conseguir ser exemplo a outro.
1. O termo costumava ser utilizado pelo movimento operário russo, no início do século XX, para designar intelectuais e artistas simpatizantes da luta revolucionária e sua ambição de reverter a sociedade para que os trabalhadores tomassem suas rédeas. Na segunda metade da década de 20, já no período stalinista da URSS, teve seu significado tornado pejorativo, segundo GUEDES, Thelma. op. cit.
Com a morte de Marielle Franco e Mestre Moa4, vimos seus nomes surgirem impressos como placas de ruas. Tais fatos me permitiram encontrar o substrato para trazer esses nomes e o de muitos outros, a maioria esquecidos para além do âmbito familiar e comunitário. Um esquecimento que começa a operar imediatamente após o acontecimento5. Enquanto os familiares, também de imediato, em contraste, se esforçam em uma luta perpétua contra esse esquecimento, por justiça. Na minha televisão, vi um deputado quebrar a placa de rua de Marielle Franco. Decidi. E, quando comecei, não sabia o que estava fazendo.
2. BRECHT, Bertolt, 1967. 3. GUEDES, Thelma. op. cit.
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4. Marielle Franco, vereadora pelo PSOL-RJ, foi assassinada em 14 de março de 2018 pouco depois de denunciar a intervenção federal no Rio de Janeiro imposta pelo governo de Michel Temer (MDB), há quase dois anos do golpe institucional que tirou Dilma Roussef (PT) da presidência, e meses antes da prisão arbitrária do ex-presidente Lula (PT), fatores essencias para a vitória de Jair Bolsonaro (ex-PSL) e Hamilton Mourão (ex-PRTB) em novembro do mesmo ano. Mestre Moa do Catendê, capoeirista e compositor, assassinado aos 63 anos, a 8 de outubro de 2018, por argumentar que as políticas do então candidato à presidência Jair Bolsonao eram anti-operárias e racistas. 5. Como expressa a artista visual Doris Salcedo, em entrevista à Comissão da Verdade na Colômbia, sobre trabalho no qual escrevia com vidro os nomes de pessoas desaparecidas e mortas na guerra civil em seu país, a transparência do vidro simbolizando o esquecimento, 2020. 30
1.2 O “ELMO DE NÉVOA” DO RACISMO E A ARTE
“Perseu necessitava de um elmo de névoa para perseguir monstros. Nós puxamos o elmo de névoa sobre nossos olhos e ouvidos para poder negar a existência dos monstros” Karl Marx, O capital.
1. BREITMAN, George, 2019. 2. MARX, Karl, 2017. 3. ”Se o dinheiro, segundo Augier, ‘vem ao mundo com manchas naturais de sangue numa de suas faces’, o capital nasce escorrendo sangue e lama por todos os poros, da cabeça aos pés” MARX, K. op. cit.
No dia em que termino de escrever esse texto, a extremadireita está fazendo um evento chamado “O Brasil não é um país racista”. Isso não é um delírio. Para retirar algumas primeiras reflexões de dentro do peso que o tema e a plasticidade do presente trabalho suscita, começo trazendo a pergunta que George Breitman fazia em 1954 no texto “Quando surgiu o preconceito contra o negro?”. Pensando a formação da sociedade capitalista, Breitman afirmava como: “racionalizações sempre surgem quando interesses econômicos poderosos as necessitam (…) e nesse caso, a teoria de que os negros são ‘inferiores’ surgiu logo após a descoberta de que a escravidão era excepcionalmente lucrativa” 1.
Portanto, para formar as bases da acumulação primitiva capitalista, forjou-se talvez a maior mentira da história da humanidade. E a arte, talvez aquela com “A” maiúsculo, cumpriu papel crucial, além da ciência e da Igreja, para que essa mentira se tornasse verdade, reforçando padrões estéticos corporais e aspectos culturais para ser parte ativa da construção ideológica necessária para impor a escravidão a todo um continente por causa da cor da pele. E para, assim, fazer nascer poderosa, branca e jovial, a burguesia europeia, pronta para declarar liberdade para si enquanto decreta a miséria para todos aqueles de onde tira seu fulgor. Essa relação entre o desenvolvimento da burguesia na Europa e a construção da opinião pública, através de diferentes mecanismo ideológicos, basilar para a expansão mundial da sua dominação capitalista, é ilustrada por Marx quando este afirmava que: “com o desenvolvimento da produção capitalista durante o período manufatureiro, a opinião pública europeia perdeu o que ainda lhe restava de pudor e consciência. As nações se jactavam cinicamente de toda infâmia que constituísse um meio para a acumulação de capital”2.
À sua maneira científico-literária de escrever “O capital”, Marx tomava da bíblia para dizer que “essa acumulação primitiva desempenha na economia política aproximadamente o mesmo papel do pecado original na teologia”. O pecado original do capitalismo carrega a cor vermelha do sangue negro3. O pecado bíblico condenou a humanidade
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4. MARX, K. op. cit.
a cair fora do paraíso para ter que trabalhar arduamente para conseguir seu pão. O pecado original capitalista revela que “pode haver gente que não tem nenhuma necessidade disso”, tendo deixado de trabalhar há muito tempo. E, para isso, explora o suor, as costas e as mãos negras. “Deu-se, assim, que os primeiros acumularam riquezas e os últimos acabaram sem ter nada para vender, a não ser sua própria pele” (Idem). “[A] origem [do capitalismo] nos é explicada com uma anedota do passado. Uma época muito remota haviam, por um lado, uma elite laboriosa inteligente e sobretudo parcimoniosa, e, por outro, uma súcia de vadios a dissipar tudo o que tinham e ainda mais. (...) Na história real, como se sabe, o papel principal é desempenhado pela conquista, a subjugação, o assassínio para roubar, em suma a violência. Já na economia política, tão branda, imperou sempre o idílio. (...) Na realidade, os métodos de acumulação primitiva podem ser qualquer coisa, menos idílicos”4.
Observando o mundo hoje, o comportamento característico de uma pequena elite que humilha entregadores na porta de suas alvas casas5, nos perguntamos com Breitman: “se os preconceitos e ideias contra os negros surgiram da necessidade de justificar e manter a escravidão, por que não definharam depois de sua abolição?”. Brevemente, penso que para reduzir salários, para explorar mais, para dividir e enfraquecer os trabalhadores, para poder abandonar sem culpa uma criança sozinha no elevador e apertar o último andar.6 Para manter as desigualdades que colocam uns com tanto e outros com tão pouco, é preciso conter a revolta que a dominação baseada na exploração gera, uma revolta que corre incessante. Como dizia C.L.R James: “O negro dócil é um mito (...). O único lugar que os negros não se rebelaram é nos livros dos historiadores capitalistas”. E para conter essa revolta, alimenta-se continuamente o racismo perpetuado em cada fresta da sociedade. E dessa forma dividem trabalhadores fazendo com que seja “natural” que os empregos mais precários, como os terceirizados da limpeza das nossas universidades donde saem textos como esse, sejam desempenhados majoritariamente por negros e mulheres. Ou que a morte violenta de negros diariamente - inclusive em chacinas que levam dezenas de vidas de uma vez – não vire de
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5. Aqui lembro particularmente o ataque racista ocorrido em 2021 de um cliente, branco de classe alta, que busca humilhar o entregador, sem ter pago pelo serviço chegando a dizer: “Você tem inveja dessas famílias, você tem.inveja dessa cor”. O entregador, negro, responde: “Eu posso ter a mesma coisa que o senhor” e ouve “Você nunca vai ter”. De cabeça erguida, com duas perguntas o entregador expõe as centenárias contradições de uma sociedade dividida em classes: “Você conseguiu por quê? Porque seu pai te deu ou porque você trabalhou?” 6. Em 2020, Mirtes Renata, negra, trabalhadora doméstica de um condomínio de luxo em Recife, precisa levar seu filho Miguel ao trabalho na casa de Sari Corte Real, porque as escolas estão fechadas em meio à pandemia. Enquanto Mirtes passeia com o cachorro da patroa, esta não se dá ao luxo de cuidar do filho da empregada. Miguel se torna mais um “filho do golpe” em nosso Estado racista ao ser assassinado, caído do 9º andar do prédio onde sua mãe trabalhava, tendo sido deixado sozinho no elevador por Sari, que apertou o botão do último andar.
imediato uma explosão generalizada de revolta, unificando todas as cores contra tamanha violência. Como dizia Breitman: 7. BREITMAN, George, op. cit. 8. Idem. 9. Em 2018, “surfando na onda bolsonarista”, Wilson Witzel se elegeu governador do estado do Rio de Janeiro com um discurso de “mirar na cabecinha” para atirar na favela. Hoje, em ano de eleição para governador, as sequências de chacinas, matando dezenas de jovens de uma só vez no Rio de Janeiro, mostram como essa política de extermínio segue sendo uma política eleitoral no “país do golpe institucional de 2016”. 10. “Mãe, eu sei quem atirou em mim, eu vi quem atirou em mim. Foi o blindado, mãe. Ele não me viu com a roupa de escola?” – Marcus Vinícius, 14 anos, agonizando antes de morrer, fala com sua mãe, Bruna Silva, hoje incansável na luta por justiça por seu filho. Em cada ato ou manifestação, ela carrega a blusa de escola ensanguentada e denuncia o Estado e a polícia que assassina a juventude das favelas.
“Os capitalistas adotaram, cuidaram, alimentaram [o racismo], deram-lhe nova roupagem e infundiram-no com um vigor e uma influência que nunca antes havia possuído. (…) foi mantido (…) por sua utilidade como um instrumento de exploração; e por essa mesma razão, não será abandonado pela classe dominante(...)”7.
Como podemos ver, contra toda ilusão reformista construída ao longo dos anos 2000, de que a história do Brasil caminhava lenta e gradualmente para um “país de primeiro mundo”, em que paulatinamente estaríamos em uma sociedade com menos preconceitos e opressões, chegamos ao início do ano de 2019 - 130 anos 7 meses e 19 dias após a abolição da escravatura - com dois racistas orgulhosos, Bolsonaro e Mourão, no alto do poder de nossa racista república, alimentando coragem de ódio e extermínio, que resultam em cenas como a que vimos com Mestre Moa. Concluímos que uma classe que domina usa ainda mais brutalmente do racismo quanto mais está em crise, quando não consegue por vias menos sanguinárias, pelo consenso, impor o seu domínio. “Nenhuma classe exploradora descarta em vão armas que podem ajudá-la a manter seu domínio. E o racismo já havia demonstrado sua potência como força para dividir, perturbar e desorientar classes oprimidas em uma sociedade exploradora”8.
Tomemos a cena bíblica que abre o presente tópico, a qual Marx usa para tratar das alienações do Capital. Parafraseando-o, pensemos um elmo de névoa do racismo em volta dos nossos olhos, permitindo a “aceitação” relativa, mas cotidiana, de uma realidade em que jovens negros - com nomes e sobrenomes, mães, pais e filhos - são assassinados diariamente. A maior mentira do mundo (orquestrada pela classe dominante, ainda que saibamos de suas nuances e divisões), no país da burguesia chula e servil ao imperialismo, vira uma torre de opressão de pura realidade, a ponto do assassinato de negros virar “campanha eleitoral”9. As escolas não são poupadas pelos helicópteros, crianças nas favelas são assassinadas dentro de casa ou vestindo uniforme10.
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A violência extrema se amplifica na proporção inversa ao êxito burguês de impor um consenso suficiente para conseguir manter seus lucros e o pagamento em dia das dívidas estatais com bancos nacionais e internacionais. Uma violência a serviço de evitar o questionamento, a fúria, a revolta, a organização, a confluência entre negros, brancos, indígenas. Em relação a essa necessária repressão Estatal ao domínio capitalista, a polícia sempre cumpriu seu papel histórico: produzir uma imensa coleção de mortes negras, assim como de povos originários. Criada inclusive à época da escravidão, a polícia segue servindo a controlar a população negra e pobre para proteger o lucro e as regalias de muitos poucos. A polícia extermina negros sem nenhum tipo de distinção de humanidade11 entre os seres que mata como em um abate12. Algumas dessas violências aparecem na televisão, nos jornais. A maioria segue invisível, inescutada, sem justiça. E mesmo quando mulheres e homens se erguem pela luta por justiça por seus filhos e pais, permanece sobre nosso rosto o elmo de névoa que faz com que essas vozes não ecoem. São pessoas que contam arduamente suas histórias. Arduamente não por terem qualquer dificuldade intrínseca a si mesmas em contar. Mas por pouco serem ouvidas. Parece-me uma reflexão crucial para nós artistas hoje, pensar a função social da arte ligada ao racismo e a realidade do nosso país. No livro “Arte e Política na América Latina”13, Maria Angelica Melendi, retoma Paulo Herkenhoff para dizer como a ruptura com “os modelos metropolitanos” pelo neoconcretismo no Brasil se deu avançando numa produção ligada à experiência de autonomia da arte. E continua: “A arte no Brasil, porém, tem uma longa tradição em matéria de se esquivar do confronto com o contexto histórico e político do país”. Para ilustrar essa afirmação, a autora lembra as pinturas de gênero do século XIX, consumidas pelas oligarquias rurais enquanto a República assassinava milhares de camponeses em Canudos, ou toda uma arte servil a expressar um esplendor do Império, escondendo os horrores da guerra. No âmbito acadêmico da produção artística, é possível que se permaneça resquícios mais estruturais dessa tradição,
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11. “O promotor estava preocupado em não ser injusto com os policiais. Mas e comigo? E com minha filha?” – Jackeline Oliveira, mãe de Kathlen Romeu, assassinada quando estava grávida. Jackeline ouviu “Não adianta ficar chorando, porque eu não sou psicólogo” do promotor Alexandre Graça. 12. “Eu ouvi os policiais dizerem que 20 mães chorando era pouco, que tinha que se fuder e chorar mais mães ainda (…) Não foi uma operação, foi uma chacina” – Adriana Santana de Araújo Rodrigues, mãe de Marlon Santana, de 23 anos, um dos pelo menos 29 assassinados na chacina do Jacarezinho em 6 de maio de 2021. 13. MELENDI, Maria Angelica, 2021.
que de certa forma possa manter esse deficit ético-social na arte institucional. Ao menos a partir da minha breve experiência nos últimos anos como estudante da Escola de Belas Artes, acredito que é um tema a se debruçar se o fato de que “durante muitos anos, a maioria das escolas de arte no Brasil, apoiada pela teoria crítica vigente, postul[ou] uma arte acrônica, alheia aos acontecimentos locais ou internacionais; eterna, universal, formalista”, não acabou criando um ambiente pouco intenso para a exploração da ligação entre arte e transformações políticas. Não pretendo esgotar o tema aqui, além de que é claro que encontramos exceções. Tanto do século passado quanto hoje, também vemos artistas contemporâneos que buscam romper com essa tradição de nossas escolas e trazer esses temas, tanto históricos quanto relacionados com os acontecimentos presentes. Além de que esse confronto histórico-político através da arte e do artista sempre se dá, como é do próprio meio artístico, por múltiplos meios e formas, combinando o implícito com o explícito e o interpretativo. No mesmo artigo, Melendi cita a série Imemorial (1994) de Rosangela Rennó, dentre obras de outros artistas, a qual gostaria de trazer especialmente por alguns pontos de contato com o presente trabalho. A artista apresenta uma instalação de dezenas de retratos escurecidos de trabalhadores e crianças que foram parte da construção da cidade de Brasília, que como lembra Charles Merewether, é “a capital cujo desenho arquitetônico foi pioneiro por sua visão utópica”14, e cuja construção significou o massacre de trabalhadores que eram enterrados pelas próprias fundações dos edifícios que construíam com suas próprias mãos, além de um verdadeiro apartheid levado a cabo pelo então governador de Brasília, Hélio Prates, em que milhares de famílias foram removidas à força de suas ocupações. No catálogo da exposição, Rennó nos conta que nos arquivos da companhia de construção do governo Novacap, os trabalhadores que morreram soterrados foram classificados como “dispensados por motivo de morte”.
14. MEREWETHER, Charles, 2006.
“A exemplo do aviso de Walter Benjamin de que nem os mortos estão a salvo quando somente os vitoriosos contam a história, o trabalho de Rennó engaja a luta sobre a propriedade da memória. A experiência de ver é, por si própria, sujeita à força do esquecimento, e a tarefa de ler rastros é
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equivalente a apaziguar-se com o passado”15 .
A disposição das fotografias pela artista lembra placas mortuárias. E o fato de estarem escurecidas traz também a reflexão do esquecimento desses sujeitos. São exemplos como estes que busco dialogar como meu trabalho. E no sentido de convite à reflexão aos artistas, um dos objetivos já citados do presente trabalho, acho que talvez seja pertinente ao menos deixar como indagação hipotética, se não há resquícios dessa formação artística histórica no país que Melendi retoma, permeada ideologicamente por interesses mais ou menos ocultados da classe dominante, que levam a uma certa produção artística dentro da universidade com um conteúdo que expresse pouco essa crítica em relação ao contexto histórico político. Algo que acredito ser ainda mais chamativo visto o cenário atual da realidade do país. Defendendo até o fim a completa liberdade temática e formal da arte, faço esse convite para que nesta elaboração ao menos larguemos as regras implícitas de um texto acadêmico ou institucional. Gritemos junto a essas pessoas que hoje lutam por justiça em nosso país, um conjunto formado majoritariamente por mulheres negras. Usemos o que temos ao serviço de erguer seus corpos enormes sobre nossos físicos e abstratos ombros. Usemos nossa sensibilidade para atingir em cheio alguma alienação anestésica que um sujeito possa estar carregando para ser mais fácil viver em tempos de ilusão. Sejamos um incômodo para romper com miragens e promessas. E apostemos no que os familiares desses mortos aprenderam com a vida16.
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15. Idem. 16. “(...) não tem jeito, não tem como a gente fazer outra coisa, parece que o negro vai viver para isso sabe, para lutar, tá ligado? Só dessa forma a gente pode conseguir alguma coisa nessa vida” – Vitória Guimarães, 19 anos, filha de Marcelo Guimarães, assassinado pela polícia carioca em 04 de janeiro de 2021.
RENNÓ, Rosângela. Série Imemoral, 1994. Instalação para a exposição “Revendo Brasília”.
1.3 HOMENAGEM
“A vocês ladrões das horas autênticas da morte, dos últimos suspiros e do adormecimento das pálpebras, estejam seguros de uma coisa: o anjo recolhe o que vocês descartaram” Nelly Sachs, Teu corpo em fumaça pelo ar.
O primeiro movimento deste trabalho, a sua primeira intenção foi dar algo para essas pessoas que “ficam”, que são sobretudo mulheres - mães e filhas. Nesse intuito, passei a recolher esses nomes, inúmeros, em um trabalho que desde seu início, afetado pela situação, já declarava que iria se prolongar no tempo. Eu acordo todos os dias com novos tristes “materiais de trabalho”, de pessoas que são julgadas como vagabundos, bandidos, comunistas, sem direito à vida, à memória, ao luto. E o trabalho da homenagem me trouxe o desafio de, sem representar a violência, sem narrar a violência, falar da violência. Como diz Doris Salcedo, na entrevista “Nomear o inominável”1, busca-se, com o trabalho artístico, “articular o desejo de esquecer e a necessidade de recordar” - estado no qual parecem permear os familiares e sobreviventes das experiências donde sai o substrato do trabalho. No trabalho Palimpsesto, Dóris faz surgir no chão, com água, nomes de pessoas que morreram atravessando o mediterrâneo buscando imigrar para a Europa em busca de uma vida mais digna, fugindo da guerra e da perseguição. O trabalho lida com a questão do racismo e da xenofobia, com o fato de que essas vidas socialmente valem menos2.
1. Doris Salcedo: Nombrar lo innombrable. COMISIÓN DE LA VERDAD, 2020. 2. Doris Salcedo. “Exhibition. Palimpsesto”, MUSEOREINASOFIA, 2017. 43
Na minha pesquisa atual, percebi certas semelhanças nestas experiências que Salcedo promove com suas obras, em particular esse trabalho “equilibrista” da homenagem que tem que caminhar no fio da navalha para não expor em demasia as vidas e não machucar ainda mais, pela lembrança da violência. Nos seus depoimentos, nas ações e nas atividades que conformam grupos de atuação comum, essas pessoas que tiveram suas vidas cortadas pela violência estatal muitas vezes reforçam essa dualidade da necessidade de impedir o esquecimento dos nomes dos seus familiares que foram assassinados, ao mesmo tempo em que sofrem o cotidiano com toda a dor e repulsa em lembrar de tamanha violência à qual seus parentes, amigos, colegas, vizinhos foram submetidos2. Em recente atividade organizada pelas “Mães de Manguinhos” no Colégio Estadual Clovis Monteiro do Rio de Janeiro, Ana Paula, mãe de Johnatha de Oliveira Lima, uma das lideranças desse coletivo de mães, expressou a importância de estar ali próximo dos jovens moradores de favelas dos complexos da Maré, Jacarezinho, Manguinhos, Alemão. A atividade se tratava do 8º Levante3, organizado ano a ano, desde a morte de seu filho, que estudava neste colégio. E era a primeira vez que esse levante era feito nesta escola. As mães organizaram tudo por elas mesmas. E estavam ali para ouvir os jovens, que expressaram uma subjetividade muito antenada com a realidade atual, seu ódio contra a violência policial e o Estado que não quer que essa juventude tenha futuro. Particularmente uma fala chama minha atenção: uma jovem expressa sua visão de que eles, jovens, filhos de trabalhadores, pobres, têm que, por eles mesmos, se organizar para lutar por seus direitos. Dentro do colégio, foi feito um grafite do Johnatha. “Trazer [com o grafite] um pouco da história que a história não conta. É importante ter ele aqui, que os alunos possam passar e querer saber: ‘Quem é esse cara? Quem é esse moleque que tá aí?’. E aí assim, saber a história do Johnatha, saber o que aconteceu com o Johnatha, saber que o Johnatha era um jovem como eles. Cheio de vida, cheio de sonhos. E que teve a sua vida interrompida pela violência do Estado”4.
Grafite realizado por Rodri Oliveira Lima, assassinado co na favela d
2. Hugo Leonardo dos Santos Silva ia na creche buscar o sobrinho quando foi morto pela polícia. Maria de Fátima, sua mãe, nunca mais passou em frente à creche. “Não consigo”. Em entrevista para BBC, 2014. 3.LOBO, Pedro Vinícius, 2022. 4. MÍDIA1508, 2022.
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Ana Paula conquistou na justiça o direito de que algum colégio poderia ter o nome do filho dela. Ela quer muito que seja nesse colégio, mas sabe que pra isso, vai ter que lutar e vai demorar. Mas esperançosa diz: “A próxima coisa que vai me deixar feliz é quando o Clóvis virar o nome do meu filho”. O nome do filho, da filha, o nome do pai, deixado registrado em um colégio, em uma rua, em uma placa, em um monumento. Algo tão simples e tão crucial para a luta dessas mães contra o esquecimento, pela memória de seus filhos Nem isso o Estado permite ter. O Estado como forma de inibir, desarticular, amedrontar, enfraquecer, tenta matar a própria memória das comunidades pobres, negras e trabalhadoras. Em relação ao grafite, não à toa a mãe se mostrava aliviada pelo local: “Aqui [dentro do colégio] vai estar protegido”. A atividade que reuniu as mães e apoiadores se deu na mesma semana em que a Polícia Civil, em 11 de maio de 2022, havia posto abaixo, com pés de cabra e camburão, o memorial de Jacarezinho. Foram mais de 10 policiais para arrancar o memorial que consistia de uma parede pintada de azul, com placas com os nomes dos 28 assassinados na chacina de Jacarezinho. Amarraram uma corda na parede azul e o blindado puxou até quebrar.
igo Maisalto em homenagem a Johnatha de om um tiro nas costas aos 19 anos de idade, de Manguinhos no Rio de Janeiro em 2014 . Foto: Rafael Daguerre/1508
Nas chacinas, desde o primeiro momento há uma completa desindividualização da morte. Nem os nomes aparecem no jornal, são desde o primeiro momento números. Não só números de mortos, mas números de mães, e, desde a morte, já começa a operar a ação de impor o esquecimento. O fato da Polícia Civil ter derrubado tão rapidamente o monumento evidencia como levantar esses nomes incomoda. Incomoda porque erguer a memória resgata uma moral5 pujante negra, trabalhadora, histórica. Que incomoda, porque reforça os laços do presente com as resistências e lições de lutas e derrotas do passado. Por isso a polícia “tem que” ir lá destruir. Para matar, agora simbolicamente, mais uma vez.
5. Moral no sentido clausewitziano de “moral das tropas”. 6. BENJAMIN, Walter, 1994.
As memórias desse “tipo” de mortos não podem existir na sociedade atual, pois, como dizia Walter Benjamin, “o dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer”6.
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Pegar os nomes e colocar nas placas de rua. Dar nova materialidade memorial a essas pessoas Tentar olhar o mundo com o olhar dessas mulheres. Ousar pensar mudar o nome de nossas ruas. Tirar policiais, militares, políticos liberais e juízes de classe. 7. “Espero que esse caso não caia no esquecimento, como tudo cai. Quando meu povo, no Congo, soube, eles fizeram um protesto. Eles gritaram contra isso. A todo tempo recebo mensagens de lá. A todo instante, revivo essa dor terrível que foi a partida do meu filho. Se eu saio lá fora, eu vejo o Moïse. Tudo no Brasil me lembra ele”. (...) “Eu vi na televisão que aqui no Brasil, se um cachorro morrer, há várias manifestações. Então, eu quero que todo o mundo me ajude com justiça”. Lotsove Lolo Ivana Lay, mãe de Moïse Kabamgabe, espancado até a morte em janeiro de 2022 por ir cobrar o salário que lhe deviam. Depoimento a Rafael Nascimento de Souza, 2022. 8. Doris Salcedo: Nombrar lo innombrable. COMISIÓN DE LA VERDAD, 2020. 9. MELENDI, Maria Angelica, op. cit.
Colocar o nome de pessoas, cujas vidas perdidas, ressoam nas vidas de toda uma comunidade7. Falar de pessoas que não estão hoje nas placas de ruas. Pegar o valor de cada vida tirada e colocar à vista. Usar o meu lugar para fazer ecoar essas vozes, para ser quem ajuda a tirá-las do silêncio. Tentar “conceder algum sentido”, a partir de uma apropriação do sensível, “à perda sofrida” e “dar algum tipo de inteligibilidade” ao sofrimento social 8. Contribuir para se construir uma memória que vá de encontro com a memória dominante. Preencher as ruas de nomes e cores, trazendo a memória de seu sangue derramado. Trazer à luz o que é apagado, rasurado ou omitido. A memória está aí. Conservada por essas mães e filhos. Tomemos ela e a apresentemos à sociedade. Sejamos testemunhas. Busquemos dar um “testemunho visual ali onde as narrativas são constantemente apagadas”9. Fomos ensinados a aceitar essa violência. Não manter a memória dessas pessoas é colocá-las novamente submetidas à violência. São verdadeiras feridas abertas do passado recente. 47
Filhos do golpe que surgem a cada nova notícia brutal. Vemos noticiários, manifestações, silêncios. Essas mortes são, em sua totalidade, de trabalhadores ou filhos de trabalhadores, que parecem carregar um terrível “destino compartilhado”, cujo caminho queremos mudar a rota. Nesse sentido, encontro a imagem do artista, como cita Doris Salcedo, que em seus trabalhos busca recompor simbolicamente, com a arte, os fragmentos que o anjo da história, de Benjamin, não pode juntar, impelido de costas para o futuro. Assim como o anjo de Nelly Sachs.
KLEE, Paul. Angelus Novus, 1920. Nanquim e tinta à óleo sobre papel, 31,8 x 24,2 cm, Museu de Israel. Citado por Walter Benjamin em sua reflexão sobre a história.
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1.4 NOMES DE RUAS
“As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” Karl Marx e Friederich Engels, A ideologia alemã
Quem toma a decisão de atribuir um nome a uma rua? A câmara de vereadores da cidade e o lobbying? O autor do projeto de construção da cidade? Os nomes de vias são produto do poder instituído1 e refletem os interesses dominantes. Independente de ser uma atribuição passada por algumas dezenas de mãos (vereadores, conselheiros de bairro etc), a definição não deixa de ser uma decisão de administração Estatal, que está diretamente ligada à situação do momento em que se define em última instância por tal ou tal nome. A atribuição de nomes para ruas, avenidas, praças, edifícios etc, é, portanto, uma decisão política, ligada à contrução de memória e significados sociais. Está ligada com a construção simbólica que um nome pode carregar, por exemplo o de um policial, um militar, que expressa os ideais dessas instituições racistas. Ou então um político que representa os ideais burgueses, a defesa da liberdade de exploração capitalista, de uma justiça supostamente cega, da detenção dos meios de produção e de serviços em mãos privadas, pelo direito máximo da propriedade. Porém, em geral, no cotidiano, “aceitamos” os nomes tal como estão, quase com uma percepção ahistórica dos mesmos, como se sempre estivessem ali. Permeados estamos pelas ideias e símbolos dominantes, é muito difícil romper com essa visão e enxergar no dia a dia com o “óculos” da história da luta de classes. Nesse âmbito, podemos ver o ato de consolidação de um nome como um cabo de guerra entre setores que buscam, com a nomeação, manter a memória de toda sua simbologia ideológica por trás de tal nome, e setores que fazem uma apropriação coletiva do mesmo, dando a ele novos significados, diferentes da intenção original que lhes é frequentemente alheia.
1. La rue mémoire, écriture du politique, KNAEBEL, Georges, 2006.
Ou ainda, nesse cabo de guerra, pode haver turbulências e “desvios de rotas sociais” que às vezes colocam setores maiores ou menores a diretamente questionar as nomeações, as homenagens. E entre esses dois polos pode haver o artista e a arte, em
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seu ato de colocar em questão a construção desses significados, por vias do sensível, do poético, podendo ser um fator para pôr um pouco mais de brasa debaixo de um caldeirão em cozimento da luta por qual memória queremos construir. O ato de nomear ruas é um exercício de escolha do quê ou de quem ser lembrado. Sendo assim, são tentativas de impor uma memória, em geral por parte de quem está ditando a história em um momento particular para tentar estender no tempo e no espaço ideias representadas por esses nomes. A cidade de Belo Horizonte, onde nasci e resido, por exemplo, nasceu para expressar o orgulho republicano nacional, tendo sido planejada logo após a abolição da escravatura e a proclamação da República, e isso se projetou nos nomes de suas ruas. Em seu planejamento, para expressar o sentido de unidade republicana e criar uma ideia de sentimento nacional, de particularidades brasileiras, as ruas foram nomeadas com nomes indígenas, de rios e dos estados do país. Nem todos os nomes se mantiveram, acompanhando as mudanças da realidade e as intenções das diferentes frações da classe dominante. O gesto anti-ambiental e anti-social de tapar os nossos rios combinou com a troca de nome da Avenida Paraúna2 para o nome do bonapartista3 Getúlio Vargas; ou com a retirada do rio Paraíbuna4 para o nome de um antigo chefe de Polícia do Estado, Professor Moraes. Mas, como dito, às vezes o que muda é o significado de um nome, o que também determina o significado histórico dessas táticas políticas. Toda grande cidade hoje no Brasil deve ter alguma via nomeada Getúlio Vargas ou variantes deste nome. O objetivo de memorização dessa figura veio acompanhado de diversos recursos culturais e Estatais mobilizados para a construção de uma imagem de uma figura importante para “o povo brasileiro”, que teria sido o pai dos direitos trabalhistas, quando, na verdade, tais reconhecimentos parciais das reivindicações da classe trabalhadora, feitos pelo governo Vargas, foram parte crucial do boicote de toda possibilidade de organização independente da classe trabalhadora, mantendo um regime altamente repressivo contra os setores mais de esquerda da mesma.
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2. Rio localizado na região norte de Minas Gerais. 3. Conceito marxista para definir regimes políticos autoritários com debilidades de impor hegemonia social, um estágio transitório em relação ao fascismo e a democracia burguesa. 4. Nome de rio da Zona da Mata do estado.
Não é à toa que tenta-se fixar na história essa imagem de Vargas. Colabora com perpectivas políticas que procuram fazer crer que possam existir dentre a classe dominante setores progressistas e moralmente preocupados com a vida dos mais pobres, dos trabalhadores, dos negros, etc. O caso de Vargas é um exemplo exitoso dessa construção ideológica, da qual a nomeção das ruas cumpre um papel. Mas, como diz Georges Knaebel, na maioria dos casos, os nomes não significarão “nada além da rua mesma”. É o que acima busquei chamar de “apropriação coletiva do nome”, com a sociedade transformando um nome em rua. (Sempre conto o caso de sentir um estranho sentimento na cidade de Campo Grande ao ver uma avenida chamada Afonso Pena. Esse nome pra mim significa uma grande avenida, quase inteira reta, se não fosse uma péssima invenção de uma mão inglesa que alguém quis inventar para retirar sua retidão imponente. Uma avenida que liga a Rio Branco com a Bandeira. Que aos domingos tem feira e que dizem tinha muitas árvores gigantes. E que se torna mais nossa quando as massas a manifestar cobrem todas as suas pistas. Mas lá estava esse nome noutra avenida, cumprindo um significado totalmente diferente para os habitantes de Campo Grande). Ou seja, conseguir imprimir a memória de uma pessoa ou algo na história depende de todas as construções sociais necessárias para o desenvolvimento hegemônico de uma significação. E o significado de um nome de rua vai depender então de onde ela está, de quem mora ali, o que se faz por ali, qual caminho se percorre para chegar até ela, as transformações físicas do ambiente, as mudanças de valores sociais conjunturais ou estruturais. Memorizar uma pessoa ou um nome passa por todas as construções sociais necessárias para o desenvolvimento da significação deste na maioria da população ou no âmbito privado de uma família, por exemplo. Senão o nome deixa seu significado original e passa a ser “a rua”. Ou seja, o momento posterior à denominação de uma rua passa por um processo de absorção social deste nome que é transformado pelo sujeito coletivo que o ressignifica - e que pode significar o esquecimento da figura como tal, de sua história e “feitos”, ou também de um povo ou de uma cidade, fazendo as histórias dos nomes se entrelaçarem com o desenrolar do presente.
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Colocada à prova da ação social, da intervenção “da rua”, da rejeição ou aceitação, da incorporação passiva ou ativa, das mudanças de direção, a memória é construída à medida do “cabo de guerra” das correlações de forças entre classes e atores sociais. A situação de determinado momento posterior à sua nomeação define as alterações do significado, sendo portanto, permeável às mudanças sociais5. A partir dessa reflexão, penso que tomar a atitude de dar nomes às ruas é tentar fazer parte da construção da maneira como a história vem sido expressa. Qual história recente vem sendo contada? Qual história gostaríamos de contar? Ideologicamente é funcional à dominação social uma história feita por personalidades, grandes figuras, ao invés de localizar a história tal como ela é: feita pelas massas de inúmeras pessoas em constante embate com as contradições da própria realidade. Uma grande lição do materialismo histórico é ver que sempre, mesmo quando aparecem personalidades históricas simbólicas, como, por exemplo, agora é Marielle Franco, essas personalidades estão ligadas a grandes processos sociais, processos de massas. Esses símbolos são condensações ou personificações de experiências, mais ou menos enviesadas ideologicamente, de processos muito mais amplos que extrapolam o indivíduo em si. “Filhos do golpe” acaba carregando essa contradição quando se coloca em alguns nomes o significado de todo um contingente de pessoas e histórias. Acaba entrando nesse ponto de tensão entre a tentativa ideológica consciente da classe dominante de particularizar o problema da violência e a sua denúncia como um aspecto ligado a todo o regime que vivemos.
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5. “Sendo assim, um nome não é apenas uma designação, ele expressa um atributo com o qual o elemento denominado passa a ser identificado, um valor atribuído que pode, inclusive, modificar a ideia que se faz do mesmo. Associa-se a ele uma imagem que, com o tempo, prevalece ou não, mas que irá marcá-lo. Atribuir um nome, portanto, é reconhecer a existência de algo, é adicionar em um universo cognitivo, no conjunto das coisas de conhecimento e de domínio, aquilo que se denomina e que se encontra na esfera de interesse do próprio denominador.” FIGUEIRAS, Zuleide Ferreira, 2011.
1.5 PINTURA E PLACA DE RUA
“E, dessa forma, haverá sempre uma funcionalidade por assim dizer extra-artística, social também para arte tão extraordinariamente vital quanto a pintura” Mário Pedrosa, O destino funcional da pintura
Da vontade de transformar em matéria memorial o nome de pessoas que fazem parte de um todo coletivo amplo, trouxe para o âmbito da pintura (que remete ao exemplar único ou de baixa reprodutibilidade, insubstituível, frágil, instável, cuja função é bastante questionável, de significado muitas vezes interpretativo, cujo acesso ainda remete a algo restrito a poucas pessoas) um objeto do espaço da cidade, a placa de rua, feito para ser altamente replicável, resistente, de material rígido, de comunicação precisa e rápida, direta, que não deixa dúvidas, feito para servir funcionalmente a uma quantidade incomensurável de pessoas cotidianamente. Mas a placa de rua também serve para identificar algo. Num emaranhado de possibilidades, a placa indica a única coisa que aquilo é. E isso retoma esse sentido do exemplar único, a partir desse aspecto de identificação. Também, ao produzir uma sequência de telas, exerço um metódico labor semelhante ao das origens da reprodutibilidade, ainda que a tela e a tinta tenham qualquer coisa de maleável que permite o artista a se aproximar do corpo vivo, experiência mais próxima da pintura.
1. “O processo crítico que acompanhou a arte americana de pós-guerra colaborou para com esse tipo de manipulação. Categorias como escultura e pintura foram moldadas, esticadas e torcidas por essa crítica, numa demonstração extraordinária de elasticidade, evidenciando como o significado de um termo cultural pode ser ampliado a ponto de incluir quase tudo.” KRAUSS, Rosalind, 1984.
Pensando os suportes artísticos em seu sentido ampliado, como explora Rosalind Krauss1 em sua reflexão sobre a escultura, podemos problematizar essas aproximações e afastamentos com a visão da pintura no seu sentido expandido. Ao pensar a pintura em suas definições negativas, podemos chegar a que o presente trabalho, num primeiro momento, seria uma pintura por encontrar-se no lugar de não tridimensional e não reprodutível. Porém, é preciso expandir a definição do trabalho tanto em seu aspecto meticuloso e serial. Mesmo que plasticamente possa se aproximar da pintura, guarda do desenho determinada transitoriedade que vem dos próprios desdobramentos do tempo e do ambiente sobre a matéria que, ao encontrar o chão como suporte, se aproximando do amplo e tridimensional conceito de instalação, tenta tocar naquilo que Mário de Andrade2 define sobre o desenho, como “uma arte intermediária entre as artes do espaço e do tempo”.
2. ANDRADE, Mário de, 1975. 57
PARTE 2 - Autonomia
“O pensamento dialético dá aos conceitos, por meio de aproximações sucessivas, correções e concretizações, uma riqueza de conteúdo e de flexibilidade; atraver-me-ia inclusive a dizer que lhes dá uma suculência que, em certa extensão, os aproxima muito dos fenômenos vivos.” Léon Trotski, Em defesa do marxismo.
2.1 INTRODUÇÃO
Ter os olhos abertos para o que pode surgir do material, do ambiente, do tempo e do outro, para o que pode e deve ser autônomo. Para o que deve ser pego no ar. Ter as mãos dispostas a alterar o caminho do traço, para se aproximar, se afastar, parar, modificar. Essa maneira de ver o mundo é preciso ser forjada, amadurecida, se constrói coletivamente, com o olhar do outro, o comentário de um camarada, o silêncio de uma mãe. Ela faz com que um trabalho artístico com uma intenção inicial se desdobre e se complexifique, tal qual a maneira dialética de analisar o mundo. E nesse sentido, é uma das formas de se ver o produto de um trabalho deixar de ser de um autor e passar a ser feito daquilo que os sujeitos individuais e coletivos e o ambiente também trazem. Aqui busco pensar como as próprias contradições do material, do ato de homenagear, da sociedade, das respostas que essas mortes desencadeiam, e do momento particular que estamos vivendo agudizaram e amplificaram as transformações de significações que o projeto desenvolveu, refletindo de maneira poética e, em certa medida, violenta, as contradições sociais que o tema do trabalho suscita. Sobre a dialética, Trotski dizia como essa maneira de pensar dá ao imaterial, ao teórico e reflexivo, “uma suculência” que pode os aproximar “muito dos fenômenos vivos”. Ao ler essa frase do revolucionário russo, refleti sobre uma possível característica dialética intrínseca à arte. As sucessivas aproximações e distanciamentos que um processo artístico promove me fazem refletir se o produto material da arte não acaba carregando essa suculência próxima dos fenômenos vivos. O trabalho “Filhos do Golpe” poderia ser uma comedida base para essa hipótese, na medida em que a reflexão que o próprio trabalha suscita se liga com essa definição da dialética. Por isso, após falar da intenção ideológica do trabalho, gostaria de introduzir a reflexão sobre os desdobramentos autônomos da obra a partir de contar sua ideia material inicial. 61
COSTA, Gladston. (Sic) Desde Freyre. Pintura de resina acrílica pigmentada sobre mdf. 300cm X 100cm. 2018
A ideia da técnica surgiu ao observar o trabalho do artista Gladston Costa em uma exposição coletiva chamada “Tempo Outro Mesmo Tempo”1. Em uma das obras, Gladston trazia trechos do livro “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freire em placas finas amarelas escritas com tinta preta. As letras saltavam vivas do suporte. Carregavam uma estranha característica intermediária entre o manual e o mecanizado. O artista estava presente e contou sobre o procedimento. Já tendo na cabeça o projeto que viria a ser a base de “Filhos do Golpe”, decidi me apropriar da técnica, com pequenas adaptações. Após a pesquisa, conhecer as histórias de algumas das pessoas que já pensava em incluir no trabalho e imprimir alguns de seus nomes, pintei de azul telas de tamanho e formato semelhante às placas de rua de Belo Horizonte. Após a secagem, dei início ao metódico processo baseado no que fora ensinado por Gladston, fazendo uma “impressão artesanal” dos nomes em cada uma das telas azuis. O processo constituía em passar fita crepe cobrindo toda a parte da frente da tela; transcrever para a superfície da fita crepe, com folhas de carbono azul, a borda das letras dos nomes que havia imprimido; cortar as letras com estilete, seguindo o traçado do carbono; retirar a parte da fita crepe que compunham as letras, evidenciando o nome em azul escuro; cobrir o nome com tinta branca; e, após a secagem, retirar a fita crepe, “revelando” novamente o nome. O decorrer do processo é onde encontro o material para relacionar a arte à dialética que aproxima aquilo que é abstrato dos fenômenos vivos. Vi tão profunda ligação que, no presente trabalho, o próprio material e o próprio método de produção, em certa autonomia, corta, machuca, enruga e chora, lembra o esquecimento e reforça as violências trazidas pela própria temática. 62
1. Centro Cultural UFMG, 2018.
O processo foi se preenchendo de múltiplias significações e decido, portanto, manter esses estágios e fazer mudanças no “método” ao longo da própria feitura, algo que eu chamo de uma maneira de “potencializar tensões e dissonâncias”. Há momentos do processo que evidenciam como o ato de produção, ligado ao tema do trabalho, vai criando esse símbolo violento, entrelaçando material físico, teórico, histórico e social de maneira autônoma.
Clique na imagem acima para acessar vídeo-registro do trabalho Filhos do Golpe ou acesse https://youtu.be/69r_rt7B8ts
2.2 POTENCIALIZAR TENSÕES E DISSONÂNCIAS
“Percebe-se a instância processual como ação deflagradora de suas potências artísticas, sempre fazendo do tempo a condição de suas materialidades.” Maria Elisa Mendes Miranda (Liliza), A condição processual e a plasticidade/materialidade nos procedimentos da modelagem e da moldagem, ou, sobre o que não é preciso.
Ao transferir os nomes com papel carbono, estes surgiam pálidos, fracos, esboçando desde “o início” um sinal de apagamento e esquecimento. Ao “abrir os nomes” com estilete, algumas vezes este ultrapassava o tecido, cortando-o [Penso que o metal que avança sobre a carne viva é do mesmo metal que corta as letras dos seus nomes]. Ao retirar pedaços da fita adesiva, é perceptível o vislumbre do nome completo, mas surgem aos olhos formas sem letra, novas proliferações que vão surgindo, desindividualizando aqueles nomes [Penso inúmeros nomes que gostaria de homenagear]. E logo que revela-se o nome por completo, em azul contrastando com o branco da fita crepe, sua grafia é recoberta, velada, com tinta. Neste ato de velar, é a cor branca que recobre os nomes [A cor branca tapa os nomes, a metê-los abaixo de matéria, parecem tapar suas bocas] Cobre-se mais um nome com tinta branca, que seca e endurece, áspera, em cima da fita adesiva também branca [Como nada branca é a cor de suas peles]. O “último” revelar exibe-se então branco sobre a tinta escura e azul. Seus nomes estão prontos para serem nossas ruas. A simultaneidade de contradições lateja enquanto as placas se erguem como lápides em formas de ruas.
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2.3 AS CONTRADIÇÕES DA COR
“Por sua indiferênca, impotência e passividade aguda que fere, [o azul] atinge o clima do inumano e do suprarreal”. Israel Pedrosa, Da cor à cor inexistente. “Apesar de toda a sua energia e intensidade, o vermelho dá prova de uma imensa e irresistível força, quase consciente de seu objetivo”.
A cor azul se faz leito para receber cada um dos nomes do trabalho. Ela vem porque as placas de rua também o são: azuis. São azuis, escuros, para contrastar com a letra branca, mas também para trazer o caráter mais neutro da cor azul, em comparação com a preta que também geraria tal contraste. Esse caráter de neutralidade talvez permita criar um momento de reflexão e luto, uma das intenções parciais do trabalho, na medida em que ameniza os conflitos. Como afirma Israel Pedrosa, “o azul é a mais imaterial das cores”1, está presente sempre nas superfícies transparentes, pela camada de ar que as recobre. Esse caráter imaterial do azul, no presente trabalho, acaba contribuindo para a expressão simbólica do esquecimento, uma das ideias suscitadas que mais ouvi daqueles que experienciaram a obra. Mas também é o azul frio, que lembra os “dedos frios, os lábios exangues, a fome, é o azul do desespero” [Helen Kay sobre o período azul de Picasso].
Kandinsky, Do espiritual na arte.
1. PEDROSA, Israel, 2014.
“Mãe e criança”, de Pablo Picasso. 1902 69
E, por outro lado, esse mesmo “amenizar do conflitos” faz com que a cor azul “não faça onda” 2, o que acaba se chocando com outra intenção parcial do trabalho, que quer impulsionar ao movimento.
FROMANGER, Gérard. Le Rouge. Serigrafia sobre bristol 320 g. 60 X 89 cm. 1968.
Em “Filhos do Golpe”, o caráter harmonizador do azul vai de encontro com o ódio que corre em nossas veias e que exige agressividade e dinamicidade. E esse ódio é vermelho. A cor vermelha costuma expressar, em contraste com o azul, essa indução à atividade, enquanto o azul induz mais à passividade. Não atoa vemos o vermelho surgir se chocando com o azul nas fotos da série Le Rouge, de Gérard Fromanger. Aos grevistas e manifestantes de 1968, na França, dá-se uma massa contínua de cor vermelha, onde não se distingue um indivíduo específico. São as massas em ação. Ao ambiente e sujeitos contra os quais a massa se enfrenta, Gérard traz o contrastante azul. Acho que o surgir do azul no trabalho “Filhos de Golpe” reforça as características de contradições que a obra suscita. A reflexão que o azul do trabalho promove me fez lembrar do vermelho, da força enclausurada de cada uma dessas pessoas que surgem nas placas e na nossa história. É como se o azul me dissesse para ter calma, e me preparar para quando o vermelho surgir. 70
2. PASTOUREAU, Michael, 2014.
Para pensar o vermelho, finalizo trazendo o trabalho de Mulambeta, artista contemporâneo carioca, que usa a cor em fotografias na série Xarpigrafia. É a cor dos negros, dos trabalhadores. A cor que reaviva as cenas, enfrentando a violência, que chama à inquietação e ao questionamento. Por dentro, sempre me senti vermelha. Na arte, o reino das contradições, Minha poesia sai hoje azul. Que o azul do trabalho chegue aonde sua intenção quis. E que a autonomia vermelha da arte Regue o sangue das veias que movem o mundo.
MULAMBETA “Limpeza”. Intervenção digital sobre foto do desmanhe do Morro do Castelo em 1958. Da série Xarpigrafia, sem data.
MULAMBETA “Ala coreografada”. Intervenção digital sobre foto de Victor Silva no Jacarezinho em 2012. Da série Xarpigrafia, sem data.
2.4 O FRACASSO
“Na arte não há grande acontecimento que não se dê sob perigo de vida”. André Breton, Manifestos do Surrealismo.
Resolvo manter registrados os diferentes momentos do processo e sair da linha do método inicial. Ao homenagear essas pessoas, sem expressar com um padrão estanque os seus nomes nas “placas de ruas”, é como se eu os recolocasse no anonimato que lhes havia sido tirado pela brutalidade de seus assassinatos. Se tornam inúmeros no conjunto de marcas e desdobramentos de acontecimentos em presente continuidade, ao mesmo tempo em que, através dos vislumbres das marcas de corte, do registro deixado com papel carbono, do sutil baixo relevo sob a massa de tinta branca, esses nomes seguem reconhecíveis em sua individualidade. Chego a um todo que me aparece como um registro (através de formas, massas, grafias, signos e nomes) de candentes contradições “que se aproximam muito dos fenômenos vivos”. Seus nomes se repetem ao mesmo tempo em que somem. Às vezes são puros espaços vazios. Outros permanecem marcas permanentes. Também, o tempo e o sol fazem os nomes deixados em carbono perderem contraste e se apagarem, lembram o esquecimento, que tenta-se impor, sem justiça. Assim, o espaço da ação humana e temporal sobre o trabalho, assim como o seu sentido político (de tirar do individual e trazer para o coletivo), podem ser vistos, contraditoriamente a qualquer pensamento original, como um ato de esquecer de apagar, de perder. Retiro da morte o nome dessas pessoas. Quase como um ato de tentar não matá-las. E nesse sentido, em contrapartida, surge uma ação dolorosa de torná-las não humanas, pois imortais. Expressar alguns nomes, sabendo que existe uma triste imensidão [que também tem cor, que também tem classe], é uma maneira de esquecer, ao personalizá-la em poucos “indivíduos”. Mas percebo como essa dualidade complementar da arte também universaliza a experiência da obra. Entre a individualidade de cada um dos nomes que aparecem no trabalho, percebe-se também que, ao colocar em forma, em pintura, em letras e nomes que surgem e desaparecem ao longo do processo de produção de cada placa, 73
o ato de expô-los sem contar suas histórias é também uma forma de retirar o nome do âmbito do sofrimento privado, dissolvendo-o em vários nomes, em múltiplas histórias. E que, pelo símbolo de alguns nomes, o conjunto acaba ganhando significado, com os nomes, os espaços vazios, e outros elementos estéticos conversando entre si e se ressignificando em conjunto. O trabalho traz, em resumo, essa retirada constante do individual para o coletivo e vice-e versa. Há um conjunto de ações de personalizar e coletivizar, sem um juízo moral único. Ambos tipos de ação podendo tanto violentar quanto fortalecer. Todos esses traços vão expressando as contradições latentes da intenção da homenagem e da própria arte, os aspectos autônomos da violência dentro delas. Sua impotência direta vem em par com sua capacidade de suscitar a interferência do sujeito sobre os fenômenos sociais. Gosto de pensar essa impotência da arte e da homenagem em relação às transformações sociais nesse sentido relativo. Pois se é verdade que por si não “movem montanhas”, conectadas com os sujeitos que as recebem, interpretam, se sensibilizam, etc, sua impotência se transforma e se complexifica, se aproximando da interpretação de Enzensberger quanto ao “fracasso” da arte, tomando-o como “grande acontecimento”, como Breton o via1. A arte, em seu lugar intermediário entre intelectual e manual, poderia, ao permitir ao indivíduo e ao coletivo se abrir para observar as contradições, para as contribuições do acaso (que tanto tema, quanto material e quanto sujeito suscitam, construindo a autonomia relativa2 da arte), ser um grande instrumento a favor de promover indagação e questionamento, promovendo o movimento ativo do sujeito coletivo que de fato pode tomar pra si a tarefa de promover as mudanças sociais. Assim chego no “fracasso” entre a intenção de denunciar e homenagear, ao não atingir o objetivo de chegar nas pessoas cujas vidas perpassam o tema do trabalho. Uma sensção de falta que se mistura à violência que corre por trás desses nomes, transbordando as intenções. 74
1. ENZENSBERGER, Hans Magnus, 1985. 2. Relativa, pois socialmente condicionada.
Porém, complementar e contraditoriamente, o trabalho segue sendo um processo de lembrança, de trazer ao momento de luto. As fitas adesivas perdem a cola, se enrugam e amarelam em manchas [As telas parecem chorar]. O ato de deixar os nomes em diferentes estágios de reconhecimento de suas letras e composição, alguns mais nublados, outros em grande contraste, acaba trazendo a memória em sua forma coletiva, também instigando a lembrança de quem o Estado tenta fazer ser lembrado somente no âmbito privado, da família e da dor particular, já que é potencialmente turbulenta essa transformação em dor coletiva, em movimento. E em seu sentido processual, cabe também continuar percorrendo as potencialidades e os fracassos deste trabalho.
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CONCLUSÕES
“Às vezes fazer algo poético pode vir a ser político, e às vezes fazer algo político pode vir a ser poético”. Título de exposição de Francis Alÿs, Nova York, 2007.
Tanto em sua intenção, quanto na produção do trabalho “Filhos do golpe”, assim como em seu desdobramento reflexivo em minha análise e na experiência com o mesmo por diferentes sujeitos que puderam ter contato com ele, a dialética surge como elemento chave. Ao expor o trabalho pela primeira vez, dispus as placas no chão de madeira escura, enfileiradas como túmulos. Ao longo dos dias, fiz alterações nas placas expostas, retirando alguns pedaços de fita, evidenciando um pouco o processo de construção do trabalho e o constante estágio de instabilidade daqueles registros. Como busquei desenvolver ao longo do texto, tanto teórica quanto sensivelmente, quanto mais se fazia novas placas, mais o trabalho expressava as relações dialéticas entre o íntimo e o coletivo, a lembrança e o esquecimento, a memória e o apagamento, o reprodutível e o único, a ausência e o preenchimento, o nome e o anonimato, o testemunho e a ação, a preservação e o desgaste, a intenção e a autonomia. Partindo de ver a violência histórica do racismo e das escolhas do que deve ser lembrado ou marcado na sociedade, o trabalho busca expor as contradições sociais por trás daquilo que visa denunciar. Além disso, busca trazer a memória histórica e recente do Brasil, as marcas violentas por trás das transformações que ocorreram no país e lembrar das pessoas que são constantemente violentadas tanto fisicamente, quanto pelo esquecimento construído socialmente. Porém, a intenção nos move e nos escapa. Partindo dessa premissa que a autonomia na arte nos dá, a análise do trabalho se desenvolve evidenciando a violência por trás do próprio trabalho, a homenagem que pode provocar mais dor, a reflexão que pode induzir à passividade, a individualização que particulariza, a universalização que dissolve. Essa surpresa que o trabalho provocou me lembra o título da exposição de Francis Alÿs, artista que realiza obras efêmeras com grande potencial reflexivo. Acredito que o trabalho “Filhos do Golpe” marca uma etapa bastante política da minha construção como artista, reforçando essa combinação 77
potente entre poética e política, e o papel que a arte pode cumprir trazendo “verdades” de diferentes formas, instigando o olhar ao mundo com olhos mais abertos, ainda que expressando seus próprios limites. No trabalho “Quando a fé move montanhas”1, Alÿs movimenta centenas de pessoas, conversando por meses para convencê-los de participar da obra que dura algumas horas. No trabalho, formando uma linha de pessoas munidos cada um com uma pá, esse conjunto de pessoas move uma duna de lugar. Alÿs acaba trazendo, de maneira poética, a reflexão sobre a capacidade do coletivo de provocar mudanças sociais. Pensando isso, acredito que o presente trabalho pode ser visto como um esboço em que acredito que suas modestas intenções foram ultrapassadas pelo próprio tema e pelo conteúdo do trabalho que passaram a exigir uma nova intenção que supere sua forma atual. Se há um ausente nesse trabalho é a (ainda) falta do movimento de levar o próprio trabalho - material e reflexivo - às mães e aos filhos desses filhos do golpe. E que o próprio trabalho ganhe mais fortemente um caráter indutor de movimento, além de reflexivo. O que me parou nesse caminho? O próprio trabalho. As questões da homenagem e do racismo abriram um espaço de cuidado, pesquisa e reflexão, na medida em que percebe-se que a intenção não é suficiente para que algo que é
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1. ALYS, Francis Quando a fé move montanhas. Lima, Peru 2002
feito para homenagear, não se transforme em seu contrário, em um triste retomar da dor e da violência. Porém, o fato do trabalho ter invocado essa necessidade de reflexão, me faz pensar que cumpriu o papel de promover o momento de luto, além de que, com os retornos daqueles que puderam experienciar o trabalho, acredito que essa reflexão se mostra com potencial para se estender para mais pessoas. E cada retorno que tive, cada olhar, cada comentário, fortalecem essa certeza de que podemos ser sujeitos de tocar o outro, de movimentar alguma coisa de lugar dentro da cabeça de alguém. Esses alguéns que construíram e constroem os caminhos por quais percorremos, que forjaram e forjam as ruas nas quais caminhamos. E mesmo nas ruas pelas quais nunca estive, sempre ergueu o orgulho e a revolta que sempre tenta-se esconder. Mas o metal que avança sobre a carne viva é do mesmo metal que corta novos caminhos, que faz surgir novas formas, novos rebentos. De massa e cor. Um colega me conta que o trabalho “Filhos do Golpe” o lembrou das Pedras de Tropeço2. Penso no choque reflexivo que induz o movimento para a frente. É preciso tropeçar em nossas homenagens e ter os olhos e ouvidos abertos para o que pode surgir do outro, do material, do acaso.
2. Pedras de Tropeço. Trabalho de Gunter Demnig e Michael Friedrichs-Friedländer que confeccionam pedras de latão com nomes de pessoas que foram perseguidas e mortaspelo nazismo. As pedras são colocadas no chão à frente da última casa que habitaram.
REFERÊNCIAS
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