Calendário de histórias de Natal da BE - 8 de dezembro de 2020

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Encontro de Natal Tsering Paldron


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Encontro de Natal O Juvenal é pastor, três semanas por ano, no presépio do Sr. Serra. É um emprego certo que já dura há dez anos, mas um pouco enfadonho. O Juvenal aborrece-se de passar tanto tempo embrulhado em papel de seda, arrumado sem jeito no fundo de uma caixa de cartão e de só ver o mundo durante três semanas. Mas que três semanas! São vinte e um dias que valem por um ano inteiro. Sim, são dias de glória, de brilho e de festa! Quando a D. Filomena, a mulher do senhor Serra, tira a caixa do armário, lá para dia 15 ou 16 de dezembro, o Juvenal estremece de excitação. A sua impaciência vai crescendo à medida que ela desenrola, uma a uma e com precaução, todas as personagens e as vai pondo em cima da mesa. O Juvenal olha à sua volta para ver se reconhece os seus amigos de longa data. Olha o Baltasar, o Melchior e o Gaspar! Viva Malaquias, já viste por aí as minhas ovelhas? D. Cesaltina, então como vai?" O Juvenal vai acenando aos seus amigos e 2


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eles respondem com um gesto discreto de cabeça. Mas todos estão radiantes por se reverem e poderem desenferrujar as pernas. De ano para ano, algumas personagens desaparecem, outras são novas. Há as tradicionais e imprescindíveis que permanecem e outras, mais fantasistas, que a D. Filomena vai introduzindo. O ano passado apareceu um limpachaminés com uma escada às costas, umas dez ovelhas que foram juntar-se ao rebanho do Malaquias e uma moçoila que não sabia bem o que fazia ali, pois nada na sua aparência deixava adivinhar a sua profissão. O Juvenal tem os olhos pregados num saquinho de plástico que está em cima da mesa. A sua intuição diz-lhe que contém novos companheiros e uma esperança secreta apodera-se dele: e se houvesse uma jovem pastora? É que a solidão é pesada para quem passa tanto tempo no fundo de uma caixa de cartão! Mas a D. Filomena não parece ter pressa de abrir o saco. O local reservado ao presépio já está preparado. Já lá estão as colinas cobertas de musgo artificial, as pequenas árvores de plástico, a cabana debaixo da qual está o berço do menino Jesus. Este ano há um grande lago de águas 3


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geladas, um riacho e uma ponte. A D. Filomena começa por colocar as personagens principais: deita o Menino nas palhinhas e põe, perto dele, a Nossa Senhora, o São José, o burro e a vaca. Os três reis magos vêm em seguida. Depois é a vez dos pastorinhos. A D. Filomena olha, pensativa, para o Juvenal, mas escolhe outros pastores para ficarem perto do Menino. Dantes o Juvenal teria ciúmes. Hoje até fica satisfeito, pois não quer ir para lado nenhum antes de ter visto o que está dentro do saco. Todos os seus amigos vão sendo colocados aqui e além. Até as suas ovelhas já estão a pastar no musgo. Só o Juvenal é que ainda está de fora. É então que a D. Filomena pega no saquinho de plástico. Com uma calma irritante, a D. Filomena tira do saco cinco embrulhinhos que pousa em cima da mesa. O primeiro é um cisne que ela coloca no lago. O segundo e o terceiro são patos que vão fazer companhia ao cisne. O quarto é um pescador com uma cana de pesca, um fio e um anzol na ponta. Depois de alguma hesitação, a D. Filomena pousa-o em cima da ponte. O coração do Juvenal bate mais depressa enquanto a 4


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D. Filomena abre o último pacotinho e quase para quando ela retira do papel de seda uma patinadora. Está numa pose artística em equilíbrio sobre um dos seus patins de gelo. Tem um fato azul e dourado e um diadema na cabeça. Com visível satisfação, a D. Fernanda pousa-a na superfície do lago e recua para admirar a obra. Pela sua expressão, percebe-se que gosta do resultado final. Cantarolando alegremente, dá uns retoques aqui e além até que, finalmente, pega no Juvenal e hesita um instante. O pobre do pastor fecha os olhos para não ver onde ela o põe e, assim que sente os pés no chão, abre-os a medo. Mesmo na sua frente está o lago e a patinadora. É verdade que ela está de costas, mas isso não o impede de meter conversa com ela. O Juvenal fica radiante. Ele sabe que não tem muito tempo, por isso tem de fazer alguma coisa depressa. Como estes vinte e um dias valem por um ano, cada dia vale por dezassete e cada minuto é mais de um quarto de hora. Embora ele tenha muito pouca experiência (pois passa o ano sozinho), atira-se de cabeça: "Olá! Eu sou o Juvenal e estou atrás de ti." "Eu sei, eu vejo-te no reflexo do lago." 5


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O Juvenal ficou um pouco embaraçado. "Como te chamas?" "Chamo-me Helena e sou ucraniana." "És muito bonita." "Obrigada." Os dias passam e os preparativos para o Natal continuam. A D. Filomena traz o pinheiro e põe-lhe os enfeites e as luzes e, pouco a pouco, começa a juntar os presentes. Entre as personagens do presépio, o ambiente também é de festa. Todas elas conversam, riem e contam anedotas, particularmente as que estão mais longe do berço (as outras não se atrevem tanto). O Juvenal e a sua patinadora namoram descaradamente. Finalmente, vem a noite de Natal. Os convidados chegam, a mesa está cheia de boa comida. Os copos enchem-se de espumante, ouvem-se os risos das crianças e dos adultos. É uma alegria. O Juvenal também está feliz. O seu coração está tão grande que parece não caber no peito. "Elena, o que eu queria era ficar contigo para sempre", suspira ele para deixar escapar alguma pressão. "Também eu!", responde ela, "Vamos fazer um voto. 6


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Estás a ver aquela estrela cadente no alto do pinheiro?" "Estou." "Então fechamos os olhos e fazemos um voto os dois ao mesmo tempo." A patinadora e o pastor fecham os olhos e pensam como seria bom ficarem para sempre nos braços um do outro. É nesse momento que, tomado de uma súbita e inexplicável urgência, o senhor Serra se levanta e vem ajeitar a estrela do alto do pinheiro. As tábuas do soalho rangem sobre o seu peso e a trepidação do seu passo faz estremecer toda a sala e, também, o presépio. Sob o efeito deste tremor de terra, todas as personagens vacilam e a patinadora - que como sabem está em cima do gelo desliza até à borda do lago. Aí, fica a balançar durante um certo tempo até que perde o equilíbrio e cai nos braços do Juvenal. Atarantados com o abalo, eles levam algum tempo a aperceberem-se de que o seu voto foi realizado: estão finalmente nos braços um do outro! Ao desfazer o presépio, no Dia de Reis, a D. Filomena acha-lhes graça. "Ora vejam-se estes dois pombinhos! Quem havia de 7


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dizer que a patinadora se ia apaixonar pelo pastor! Havia de ser na vida real!" E, com um suspiro, embrulha-os no mesmo pedaço de papel de seda e deita-os com cuidado na caixa de papelão.

In: "Presépios", Tsering Paldron e outros, Editora Caleidoscópio, Casal de Cambra.

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