O Foco Narrativo

Page 11

O ROMANCE, a partir daí, começa a ser visto como um gênero enciclopédico que se alimenta dos outros anteriormente existentes. Nele o DRAMÁTICO e o ÉPICO convivem, e essa distinção, agora interiorizada, será, como veremos, o eixo de toda a teoria do FOCO NARRATIVO. Também o LÍRICO irá progressivamente invadindo o ROMANCE: e minando a objetividade épica, como veremos no capítulo 3.

11

Kayser: narração e convenção A sistematização que Hegel realiza dos filósofos do passado abre certas vias que se tornarão familiares a qualquer estudante de Letras, mesmo que não o tenha lido diretamente. Sua presença se faz sentir, por exemplo, nos manuais mais frequentados, como o de Wolfgang Kayser, Análise e interpretação da obra literária. Kayser começa a tratar do NARRADOR, lembrando justamente a situação primitiva, onde "um narrador conta a um auditório alguma coisa que aconteceu", colocando-se externamente em relação aos acontecimentos narrados. É a insistência na objetividade da ÉPICA, tal como vimos em Hegel. Para Kayser, o passado, tempo usual nessa narrativa, referenda a sua objetividade, fixando o acontecido. Mais livre que o DRAMA, nela os episódios são relativamente independentes e as digressões não comprometem a totalidade. O ROMANCE, mais tarde, se beneficiaria igualmente dessa liberdade maior de narrar. Mas Kayser chama a atenção para a mudança substancial do narrador de ROMANCE, em relação à poesia ÉPICA: não se trata mais de falar a um público reunido à sua volta — do qual o aproximam as mesmas experiências e os mesmos valores —; aqui, o narrador fala pessoalmente para um leitor também pessoal, individual, numa sociedade dividida (a sociedade de classes). É o fenômeno da particularização em PERSONAGENS dos antigos HERÓIS universais, coletivamente aceitos como representações de valores comunitários. do romance. Lisboa, Presença, s.d.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.