ESTRUTURA DA LÍNGUA PORTUGUESA

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sofrem a redução, que já conhecemos, a um débil alofone de /i/, que a escrita representa pela letra -e. Este /i/, escrito -e, é um alomorfe, condicionado pela posição átona final da vogal, tanto do morfema lê/ (da 2” conjugação), como do morfema /i/ (da 3” conj ugação ) . Finalmente, pode-se dar a neutralização no plano mórfico, semelhante à que já conhecemos no plano fonológico entre fonemas. A neutralização torna indistinta a diferença, ou melhor dito, anula a oposição entre dois morfemas pelo aparecimento de um morfema único. Isto pode-se dar apenas dentro do plano formal, como numa forma verbal falaram, que no plural da 3” pessoa tanto se refere ao singular falou, de um dos três pretéritos portugueses, como ao singular falara, correspondente a outro desses pretéritos. Mas também pode ser uma conseqüência de uma neutralização fonológica, previamente operada na segunda articulação, com a eliminação da oposição entre dois fonemas. Assim, a neutralização mórfica, que torna indistintas entre si a 2” e a 3” conjugação em teme e parte, por exemplo, resulta da circunstância de que há neutralização entre os fonemas lê/ e /i/ em posição átona final.

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A neutralização morfológica é compensada de duas maneiras na estrutura gramatical da língua. Por outro lado, ela entra em regra num «paradigma», isto é, num conjunto de formas concatenadas entre si, como são as formas de cada verbo português. Se a oposição com outra forma se anula para uma dada forma, como em falaram, ela se recria alhures, como entre falou e falara. Por outro lado, o contexto da comunicação faz compreender a distinção que a neutralização tornou latente. Só se emprega em português falaram como contraparte de falara em certos tipos de frase, enquanto é em outros tipos que se emprega falaram como contraparte de falou. A alomorfia pode-se verificar, evidentemente, entre elementos’ fonológicos de natureza diversa. É o que acontece, para certos verbos portugueses ditos «irregulares», entre um fonema ou conjunto de fonemas, acrescentado ao radical do verbo, e uma alternância vocálica dentro do radical. Por exemplo fiz, do verbo fazer, corresponde ao -i final de temi, do verbo temer. Ambas as formas indicam a 1” pessQ~ gramatical de um determinado tempo passado português. Mas em temi houve o acréscimo de um itônico ao radical, ao passo que em fiz houve no radical a mudança da sua vogal -a- (faz+er) para -i-. Assim, em fiz temos um tipo de morfema que não é o do -i final de temi. Neste, houve o acréscimo de um segmento fônico .ao radical. Naquele houve uma alternância da vogal do radical. 74 Essa alternância, que em português é esporádica e só aparece num grupo mínimo de verbos, é em outras línguas um moderna geral e «regular», ou ainda, em outras, como o inglês, uma alomorfia

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bastante generalizada (cf. ing. sit «sentar») I sat «sentei», drive /draiv / «dirigir»: O drove /drouv / «digirigir», e assim por diante. 3

34.

Convém resumirmos agora as noç@es gramaticais novas, em face da gramática

tradicional, que re~ultam das considerações do presente capítulo. Temos, em primeiro lugar, o conceito de vocábulo formal, ou mórfico, e a maneira de identificálo. Em seguida, a técnica geral da sua análise para a depreensão dos morfemas. E nestes a possibilidade do morfema zero (~) e o fenômeno geral da alomorfia, que não é senão um aspecto particular da existência das variações da invariante gramatical, que já vimos noutro capítulo ser uma característica geral da linguagem. A oposição entre morfemas pode-se anular pelo fenômeno da neutralização, fonologicamente . condicionada ou não. Finalmente, há várias modalidades de mo rfema gramatical. Em português predominam os «segmentais», isto é, os que se constituem de um fonema ou um grupo de fonemas. Mas a seu lado temos esporadicamente a alternância, sempre entre vogais, que é um conceito mais abstrato. Não a identifica um fonema ou um grupo de fonemas; mas a circunstância de se tratar, dentro do radical ou morfema lexical, de um segmento fonêmico (em


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