Livro 29

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AlĂŠxia Karollayne

Editora Brisa 2017


Título do Livro: 28 Autora: Alexia Karollayne Capa: Letícia Bombonati Tiragem: 50 exemplares Impressão e acabamento: Editora Brisa Data de impressão: Março de 2017 Depósito legal nº XXXXXX ISBN XX-XXXXX www.editorabrisa.com.br leticia@editorabrisa.com.br


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Até o céu corou. Enquanto minhas mãos comprimiram-se na lembrança do seu toque, meus olhos fitaram o céu. Coramos. Enquanto meus lábios sorriram perdidos na infinidade do teu olhar, o céu percebeu e, advinha só, foi inevitável. Coramos. Enquanto seus lábios relaxaram, assim como meu peito que pareceu querer eternizar aquele momento, batimentos mais lentos, o céu parou para admirar. Coramos. Enquanto minha pele aqueceu-se envolvida por teus braços, as nuvens constrangeram-se. Coramos. Coramos junto muitas vezes, o céu e eu. Coramos naquele fim de tarde quando estávamos o céu e eu. Corei mais vezes, o céu sorriu. Ele mandou lembranças quando eu estava sem poder vê-lo. Ele soprou o vento que me fez desejar teu abraço. Não o vi, mas algo me dizia que, naquela hora, mais uma vez, até o céu corou.

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Meus lábios foram encarados, sem graça, aqueci-me. Minha pele foi fitada, acariciada de longe. Meus olhos dançavam nos encontros e fugas dos seus. Meus lábios são encarados, sem graça, ardi-me. Um calor mais intenso serpenteava meu corpo. Um oceano de sensações desaguava em meu peito. Meus lábios continuavam na mira desses teus olhos, sem graça, queimei-me. Lentamente, chamas percorriam minhas veias. Meus lábios, ainda sem graça, renderam-se. Soei. Derreti. Minha alma gotejava, transbordei sorrisos.

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Fui beijada. Fui beijada naquela noite como nunca tinha sido antes. O céu estava negro, com poucas luzes acesas. O vento acariciava-me da cabeça aos pés, tocando-me e fazendo-me esquecer do que havia depois dali. Estávamos a sós: o vento, meu eu, o céu. Então o vento e as carícias fizeram parte do eu que ali me tornei, dissolveram em mim. Então, cá estávamos. Sozinhos, o céu me fitava, eu o fitava. Estávamos imóveis. Ele surpreendeu-me. Prendeu-me. Continuou me fitando, mas então aconteceu. Sutil, rápido, mas único. Primeira vez que fui beijada pelo céu como fui. Uaaau! Brilhou rápido, mas aquela estrela cadente, de fato, caiu. Para além dos lábios do meu rosto, tocou os lábios da minha alma. Depois do primeiro beijo, a tendência é mudarmos. Mudei. Não virei cadente, ascendi.

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Quero afogar-me. Beber tuas manias. Cada gole. Quero mergulhar incansáveis vezes no teu olhar. Banhar-me dos teus sorrisos. Fazer mortais todas despedidas e submergir em cada reencontro. Afundar em teus abraços me parece uma boa maneira de sair de terra firme. Embriagar-me com teu cheiro. Ingerir teus detalhes. Quero perder minha atenção nas tuas correntezas. O toque na minha pele, enquanto me irrigo dos teus olhos, aquece-me. Quero achar meu porto em ti. Quero ir ao encontro das tuas ondas. Misturar nossas marés. Quero afogar-me. Mergulhar em tuas manias. Beber incansáveis vezes do teu olhar.

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O frio adentrava pela brecha da janela que, em outros tempos, costumava deixar passar a luz do sol que banhava aquela cama de manhã cedo. Mas já era quase inverno e, ainda assim, eu não via o sol há tempos. Não havia promessas de quando ele voltaria a me acordar com um beijo de bom dia. O frio estava ficando tão intenso que retratos na parede pareciam acumular gelo, formando uma leve camada branca sobre minhas lembranças. Então fui me cobrindo e me cobrindo, cada vez mais naquele lençol imenso que me fazia afogar como num sorriso gélido e programado a estar sempre ali. E, de sorrisos gélidos, eu construí uma cabana com aquele lençol e, ali, passei a sobreviver. Então, o frio vindo do outro lado da janela não me incomodava mais. Na verdade, deixei de senti-lo. Ao passar do tempo, coloquei mais paredes na minha cabana, no meu novo mundo. Então, ali, selecionei companhias criadas de acordo com minhas expectativas e, quando eu errava, congelava-as como mais um sorriso gélido, mais um objeto de decoração para me lembrar do quanto eu era forte e excepcional em colecionar histórias inacabadas, porém felizes. Talvez nem tão felizes, mas com cicatrizes pequenas o suficiente para contar apenas boas histórias. Contar para outras novas companhias feitas num molde. E sobrevivi bem. Sobrevivi tão bem que estava começando a achar que estava vivendo. E estava. Então passei as folhas do tempo. Não poderia estar errada em como passá-las. Não poderia estar mais errada. Deixei passar um detalhe importante. Na minha cabana, na parte de trás, havia uma brecha. Uma brecha em que o lençol não cobriu, ainda não sei o porquê. Mas ela existia e eu quis ignorá-la esse tempo inteiro. E eu a ignorei. E, ainda assim, ela estava lá. Então, em um dia de outubro, ao virar-me para pegar um dos meus sorrisos fixos na estante, percebi-a. Uma mancha na parede dos quadros. Contornando-os. O gelo havia derretido, só podia. Melhor, não podia! Pela minha passagem do tempo, ainda era outubro. Então temi. Temi sair e conferir. Talvez fosse impressão minha. Talvez não houvesse mancha alguma e, assim que eu saísse da minha cabana de lençol ainda maior que antes, eu congelasse e me quebrasse em pedaços, 24


Porque não? Eu temi. Temi ainda mais em descobrir de que passei o tempo errado. De que as folhas que eu virei todo esse tempo e eu não estávamos em harmonia com a realidade. Não poderia ter errado, tudo parecia tão bem... Eu não... Mas eu estava. A mancha era real. E, depois que cogitei a possibilidade dela ser real, o calor que emanava daquela brecha me fez ter certeza de que meus sorrisos gélidos armazenados nas estantes poderiam descongelar a qualquer momento. Temi. E novamente. Se isso acontecesse, se todos se descongelassem, suas pequenas cicatrizes estariam expostas e minhas histórias não seriam tão boas. Eu estaria com todas partes de mim expostas. Temi. Temi a ponto de sentir o frio percorrer dentro de mim, uma rajada forte e lenta de vento muito gelado. Mas, mesmo sentindo-o, sabia que o frio não vinha de fora da cabana, não vinha de fora de mim. Eu já estava ali para a exposição, só não estava pronta. Então, fechei os olhos e coloquei um dos meus pés para fora daquele emaranhado de camadas. O calor entrou em choque com o frio que insistia em percorrer nas minhas veias. Senti o calor finalmente emanar na minha pele. Arrastei meu corpo para mais perto da brecha, de modo que fiquei encolhida de frente para ela. Mas recuei meu pé. Recuei minha coragem. Temi. Uma pontada de frio resistiu ao calor e comemorou uma pequena vitória antes da hora. Recuei porque a vi. Vi uma luz banhando os quadros soados. Vi uma lembrança dançando nos meus olhos. Vi um sonho sendo interrompido pela luz do sol. Agora estou aqui, olhando para a luz do sol dançando com as sombras das folhas que cantam uma melodia própria para elas, para nós. Agora estou eu aqui, olhando, imóvel. A questão é: Sempre consegui acordar de sonhos, mas a luz do dia, dessa vez, me fará acordar de uma ilusão? 25


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Era noite aqui dentro. E, quando se misturava com sol alheio, continuava noite. Escura e silenciosamente gritante dentro de mim. O frio acariciava meus pensamentos e as lembranças dançavam melancolicamente, girando e girando por todo o meu corpo. Cada giro trazia consigo uma nova rajada de vento gélido, fazendo com que os pelos da minha pele se alarmassem, lembrando-me de que não estava só. Recheada de passado, só dava-me conta do presente quando ele estava lá atrás. Mais um giro, mais um arrepio. Então, deitei-me num escuro externo para ver se conseguia ser mais clara por dentro, mas o breu pareceu tomar conta de tudo. Uma mecha do meu cabelo libertou-se do bagunçado coque que a aprisionara antes e delineou sua alforria percorrendo meu pescoço e meu seio. Assim que aquela mecha se contentou em conter sua liberdade, algo em mim pareceu aquecer. Tum; Tum. A melodia ganhou uma nova nota. A dança fez acender uma pequena luz dentro de mim naquele instante. E, “voilà”, senti o presente percorrer minhas veias. Senti o agora pulsando em mim. E a luz aumentou. E, assim como a mecha aprisionada numa bagunça que ela fazia parte se libertou, libertei-me da bagunça que fazia parte de mim. Eu não era só ela, só tinha esquecido em qual gaveta de mim guardei o resto do meu eu. Que boba fui, eu não cabia em uma gaveta, nem num armário inteiro, eu estava o tempo todo ali, por baixo daquele frio, entre o frio e meus pensamentos. Como não pensei nisso, teria congelado se não fosse o melhor de mim aquecendo-me do pior. Quando me dei conta, meu clarão crescia ainda mais que antes e, pelo o que percebi, era só o começo. O que importa mesmo sou eu não pensar que o melhor de mim pode morrer, nem o pior. O que importa é saber que eu sou meu presente. E que tenho um calor que não só é suficiente para aquecer-me, mas para aquecer, também, quem ainda sente frio. Amanheci.

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Meu coração estava acelerado. A adrenalina corria pelo meu corpo como uma criança correndo, que só se importa com o vento contra o rosto e que não quer que isso acabe. Conseguia sentir um sorriso surgindo involuntariamente nos meus lábios, transformando-me em uma nova pintura. Minha pele, aquecida. Meu peito, fervendo. Dentro de mim, um furacão, um reboliço, uma dança. Uma dança desconcertantemente linda. Meu sorriso enlanguesceu. Como poderia eu ser uma confusão maior? Como pode alguém se alegrar com o desconfortável? Meu sorriso se intensificou, saiu dos lábios. Minha alma sorria. Minha alma estava aquecida, estava fervendo. Já estava e eu não me permitia sentir esse calor. Meu coração estava acelerado. A adrenalina corria pelo meu corpo. Dos meus olhos, se manifestou uma lágrima solitária. Sozinha, contra as outras. Ela era feliz. Ela manifestava a mais profunda gratidão. Solitária, escorreu. De um coração acelerado, ela nasceu. Meus olhos enfim se abriram. O mundo agora, mesmo nesse completo caos, parece ser pintado com uma aquarela mais bonita, mais leve. Agora, a nova pintura reencontra seu pintor.

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Eu vi você. Na curva em que o arco-íris deu depois daquela chuva que lavou t oda rua, deixando-me nua de pesos desnecessários, eu te vi. Na tempestade de sol que banhou-me da cabeça aos pés, aquecendo minha alma, eu vi você.

Vi você se derretendo nos olhos alheios. Vi você se dissolvendo nas lembranças de páginas escritas com tintas eternas. Vi você em cada céu que eu olhava. Vi você no mar, na praia, na concha, minha pérola. Vi você em um dia qualquer e noutros também. Vi você nas luzes que brincavam nos olhos da criança que assistia aquele filme do peixinho. Vi você nas constelações sendo lidas nos meus olhos que o ama. Vi você em vários tamanhos e cores nas telas daquelas lojas do centro que filmam e expõe as embalagens de poesias disfarçadas de homens iguais. Vi você faz tempo, faz séculos, foi hoje. Vi você agora. Nessa tela que te reflete ao pensar em ti. Sou você, sorriso. 36





Batom vermelho, olhos esfumados, cabelo alinhado. À sua volta, sorrisos gelados e olhares vazios. Tudo estava em ordem. Ela colocou o vestido que mais a favorecia para juntar-se a pessoas que favoreciam unicamente ao oco em seu peito. O vermelho dos lábios moveu-se, mas desistiu de emitir som. Ninguém a ouviria. Ninguém notaria nada além do perfeito desenho vermelho. O mesmo vermelho que percorria dentro dela deixando-a cada vez mais inquieta. Sua pele foi corando, aquecendo. Seu corpo protestava, sua alma o apoiava, mas a razão os fez inertes. Seus olhos voltaram-se para a janela ao seu lado. As árvores da praça cantarolavam e dançavam com o vento, atraindo-a. As pessoas lá fora pareciam nuas de atuação. A vontade de despir-se tomou conta de si. Luzes vindas de todos os lugares a convidavam para dar uma volta. Com o coração acelerando, olhou para o céu. Decepcionada, abaixou os olhos. Nenhuma estrela sequer estava desejando boa noite. Mas a canção lá fora continuava convidando-a. Dessa vez, seus olhos voltaram para o salão onde estava, a estagnação emocional causou-lhe repulsa. Seu corpo falou mais alto que a razão, sua alma gritou. Seus pés caminharam sem contestar até o outro lado da janela. Agora, o vestido parecia favorecê-la ainda mais. Seu branco movimenta-se, ao ritmo do vento, desenhando as suas curvas, mas a mais bela era vermelha. Seus olhos esfumados, gargalharam. Um passo a frente, depois outros e mais alguns. A ausência das estrelas fazia sentindo agora. Chuviscos caiam sobre ela, desalinhando seu cabelo, alinhando seu interior. Mais um integrante na música da noite. Ao som das árvores, do vento e da chuva, ela tirou a si mesma para dançar. Girava com os braços abertos, vestido rodado e sorriso vermelho. Amontoaram-se pessoas ao seu redor, mas a plateia não era nada perto do espetáculo que acontecia naquela moça.

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A noite passara depressa, a madrugada estava a entrar. Não consigo dormir, o sono que outrora me devorara, abandonou-me. Cenas que deveriam estar em papéis criam vida e passam em minha mente. E meu mundo ganha cor, vira arte. E os sonhos tomam coragem e viram planos. E a esperança bate na porta novamente. E aí já era! A madrugada vira uma brincadeira, um brinquedo na mão de uma criança que antes estava escondida com medo das maiores. Até a lua entra na brincadeira e ajuda a embelezar meu quarto. Os papéis já não davam conta de todos os sonhos que, agora, estão sendo planejados. E a caneta, pobrezinha, nunca trabalhou tanto, mas no seu rebolado percebia que ela estava se divertindo. E aquela criança que antes vivia escondida com medo? Ah, ela achou uma luzinha branca no meio do escuro e fez sua própria festa!

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Puramente energético, encantava-me. Traços definidos com precisão. A luz tirava, constantemente, seus detalhes para dançar. A sua cor, digna de nota, por sinal, brincava com o negro do fundo e com a luz dançante. Seu corpo prendia-me. Silêncio. Um pouco mais. Soltei o ar. Mesmo de longe, era notório o conflito entre a malícia e o celeste no seu sorriso. Conflito harmônico, se é que é possível. Antes estático, agora movimento. Aproximava-se. Seu sorriso enlanguescia em charme, malícia e sublimidade. Não contive os meus próprios lábios que sorriram timidamente. Agora, mais perto que outrora, senti seus olhos. Nem o céu, lá em cima, era tão estrelado. Permiti me prender ainda mais tempo no teu corpo. Percorri os teus céus mais estrelados, teu nariz, teu lábios. Escorreguei no teu pescoço, relaxei na tua nuca, contornei, detalhadamente, a tua silhueta e saltei para tuas mãos. Imaginei tocá-las. Teu toque. Minha pele concordou com meus pensamentos.

Queríamos. Ainda que esticasse meus braços, não conseguiria satisfazer-nos. Decidi, então, voltar o caminho. Saltei de volta à silhueta e subi, mas não me dei ao luxo de novamente repousar em tua nuca. Corri depressa para os olhos. Que céu! Desprendi-me do apenas corpo. Inconscientemente, decolei em busca da astronomia dos teus olhos. E me distanciava da minha terra em busca das histórias que àquelas estrelas já tinham presenciado. Em busca da história dessas estrelas e de quem essa galáxia pertencia. Desprendi-me do apenas corpo, libertei-me nos detalhes que ainda dançam e nas histórias que as tuas estrelas me contam. Puramente energia, do corpo à alma.

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O vento soprava minha pele molhada e, dentro de mim, as ondas quebravam. O mar estava calmo, permitindo que eu saboreasse a forma como o sol e as nuvens dançavam sobre ele. Duas músicas distintas, duas danças que dançavam juntas. Fora do mar, uma cabeça, o céu, o vento. Dentro dele, um corpo, a imensidão debaixo dos meus pés, as pequenas ondas. Compondo-me, duas danças que dançavam juntas. O beijo do céu e do mar, bem lá no fundo, acalmava-me. A distância disso atormentava-me. O sopro da natureza nos meus cabelos dava-me liberdade para correr e voar. Mas a incerteza de para qual lado prendia-me às correntes. Então fugi dos extremos, deitei-me sobre a água. Senti as pequenas ondas percorrendo todo o meu corpo. Senti as luzes e o calor beijando-me da cabeça aos pés. Senti que fazia parte da tela, tendo o céu pintado em mim e no mar. Senti que era parte de um todo. Pequena parte de uma imensidão. Pequena parte com sua própria imensidão. Como o mar, tinha lá meus mistérios. Nem eu os conhecia por completo. Senti-me como o mar. Eu era o mar. E, agora tão perto, o mar e o céu se beijavam. A paz percorria pelas minhas veias. Quente e acelerada. Enfim, beijei meu próprio céu. Estava em paz, com a pele molhada e com ondas quebrando em mim. Eu-mar estava agitada, com ondas quebrando e quebrando, mas lá no fundo, que paz! Eu-mar sorria. Sorriso nenhum merece calmaria, merece lábios contraídos. Eu-mar vivia com meus mistérios. Eu-mar sorria com cada mistério a ser desvendado. Que venham as ondas.

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Abri os olhos e tudo continuava escuro. Minha vista estava embaçada e minha cabeça doía. Senti a terra gelada sob meu corpo exposto àquela azulada negritude. Sem estrelas no céu, a chuva dava sinal da sua chegada próxima. O vento, ainda mais gélido que a terra, cobriame e enlaçava-me de uma forma que eu não conseguia escapar. Levantei-me, sacudi meus cabelos para retirar a terra de quando estava com o corpo completamente deitado, pisquei algumas vezes para tentar adaptar minha visão à luz quase escassa. Sem muito êxito. Não havia nada ali que pudesse me ajudar, nada nem ninguém. Eu estava completamente só, com frio, com fome, com sede. Só. Precisando de ajuda. Meu coração apertou. Onde estariam os sorrisos que volta e meia ecoavam dentro de mim? Aonde será que foram seus donos? E esses “flashes” que insistem em confundir ainda mais minha cabeça? Quem eu era? Melhor, quem eu sou? Eu não conseguia entender absolutamente nada! Onde estava minha vida cheia de prazeres? Onde estava que eu não podia senti-la como minha? Um peso sobre meus ombros caíram. Não sabia se eu era capaz de suportar aquele peso. Percebi que meus antigos prazeres não estavam mais ali porque uma hora eles teriam de acabar. Ou eles, ou eu. Mas, e então, quem sou? Estou só. Precisando de ajuda. O silêncio é gritante e apavora-me a cada segundo que se passa. Meu coração apertou mais uma vez. -- Para onde irei? Olhei ao redor, ainda com a vista levemente embaçada, tudo continuava escuro, porém, conseguia ver a imensidão vazia por todos os lados. Ela estava me engolindo. Não conseguia respirar bem. Ajoelhei-me. Meus cabelos se encontraram novamente com a terra gélida. Escuridão completa. Quase padeci. Q-u-a-s-e p-a-d-e-c-i. Quase. Meus olhos voltaram a abrir, uma sombra em minha frente. Voltaram a se fechar. Um toque. Aparentemente sutil, porém mais profundo não poderia ter sido. Olhos ainda fechados. Um abraço.

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Mas, eu não estava só? O abraço ficou mais forte. Mal sentia a terra gelada sob mim. Quente e profundo aqueceu meu peito. Senti um sorriso escapar no canto dos meus lábios. Que sentimento! O que será? Nenhum outro sorriso parecia trazer consigo uma sensação de... começo. Meus olhos se abriram novamente, não pude ver seu rosto, mas, nos seus pulsos, haviam cicatrizes e suas mãos eram calejadas. Ainda assim, seu toque era macio.

Agora podia ver as estrelas aparecendo e a Lua distante. E eu senti, novamente. Começo. O sorriso, dessa vez, foi mais largo. Olhei adiante, a sombra de uma cruz era aparente. Não só a da cruz, mas de todo meu passado. Ajoelhei-me e abracei-o. No meu peito, flores nasceram. Agora eu entendi quem eu sou: Entregador de flores.

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A tranquilidade fazia daquela tarde uma boa fornada de boas lembranças. O perfume de liberdade adentrava-me e me preenchia. Meus olhos bailavam de um lado ao outro, uma dança solitária, mas reconfortante. Com a felicidade quietinha nos meus braços, sorri à toa durante uma pequena infinidade de tempo. Mas, a felicidade estava atenta aos teus gestos, aos teus movimentos. Decidi olhar na mesma direção que ela e vi o porquê dessa atenção em ti. Vi uma das mais belas danças que vi nessas últimas passagens de dias. Que fantasia. Que fantástico ballet. Que fascínio. Você, o vento, suas roupas, a liberdade, meus olhos vidrados, uma só dança. Ah, a forma que seus olhos encontraram os meus. E, enquanto as rodas abaixo dos seus pés corriam em minha direção, vi nossos olhares ainda parados. Então, percebi os músculos do seu rosto se contraindo. Seu sorriso relaxado. Meu olhar percorreu toda aquela poesia em movimento. Li você, seu olhar sorridente. Uau. Li seus lábios recitando gentileza. Poesia de rua. Poesia viva. Sorriso poético.

Uau. Amei lê-lo, moço poesia.

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Era chuva. Dia último será amanhã. O frio ainda abraça minha pele e hoje... Ah, hoje foi um bom dia. Daqueles, sem compromisso, que eu só deixei as horas passarem suavemente. Amanhã será dia último do mês. Hoje foi mais um dia de sobrevida. Mas, talvez, só talvez, a página do calendário não vire, o céu não chore num céu de um novo dia, o sol não me acaricie de manhã logo cedo, a vida me dê bom dia. Talvez, só talvez, eu devesse abraçar o frio de volta e aquecê-lo. Talvez, só por prevenção, eu deveria fazer de hoje mais que um bom dia. Um lindo dia, talvez. Penso eu que, só por um "vai que ..., né?", eu deveria sair das cobertas e dançar, mesmo que sem música. Pegar o frio e os medos e dançar. Deveria aumentar o volume dos meus risos e estremecer por dentro em cada giro e gargalhada. Penso, aqui, sem compromisso, que amanhã não é dia último. Hoje é dia último para ser feliz hoje. Amanhã talvez seja um dia primeiro para várias coisas, como talvez, só talvez, seja dia primeiro para nada. Mas hoje, hoje é dia de viver. Então me despeço aqui, lá fora faz um frio de 24º+temores. E, caramba, posso tremer na base, mas minha dança de hoje não precisa de plateia. Bem, esperemos um pouco. Só mais uma coisa: Você já fez sua dança hoje? Ou espera um aviso de qual será seu dia último?

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Sinto-me fortemente atraída por você. O jeito como você olha em meus olhos ou como toca minha pele me deixa louca.

Sinto-me fortemente atraída por você. A forma como te sinto em todos os lugares, como sinto o teu cheiro e teu abraço me faz perder o chão.

Sinto-me fortemente atraída por você. A forma que eu sinto teus beijos e o carinho que você você faz na minha nuca me tira a razão. De fato, sinto-me fortemente atraída por você. Que droga de atração! Desejaria te esquecer por um minuto, esquecer do frio na espinha que você me traz. Queria não sentir você em mim quando tantos outros sorriem a minha volta é eu apenas não consigo relaxar os lábios. Queria, só por um momento, lembrar como é não ter você me tocando e me beijando, e me invadindo. Ah, que grande merda! Você poderia procurar qualquer outra companhia e me deixar a sós com a vida. Você poderia ir embora com o vento que sopra cada vez mais forte.

Mas eu me sinto fortemente atraída por você. No meu peito, as batidas vem seguindo teu ritmo. Na minha pele, graças a você, só sinto frio. E quando, num belo dia, tudo parece brilhar mais e ser mais colorido, você chega num finzinho da noite, me dá um beijinho e me impede de dormir. É uma pena, quando eu durmo, quando eu sonho, tantos sonhos bons que eu tenho pra mim. Que mania minha de só atrair solidão.

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Daqui de dentro eu conseguia ouvir a cantoria das árvores. A dança que elas faziam, numa perfeita harmonia com a melodia, seduzia os meus olhos. Mas, ainda assim, a noite não conseguiu me mimar como ela esperava. Ela não conseguiu me ninar com aquela canção suave. Em mim, o silêncio gritava mais alto. Gritava a ponto de agitar o sangue que corria em minhas veias e fazer um nó em meu peito. Gritava a ponto de fazer saltar a veia em minha testa. Gritava a ponto de ter com esse silêncio uma longa conversa sobre o que havia dentro de mim. Gritamos um com o outro. A calmaria externa era invejável, enquanto, dentro da minha cabecinha, uma tempestade se agitava. Não, eu não sabia se aquele era o tipo de chuva que eu me exponho e decido me molhar ou se era aquele que me escondo debaixo de um confortável cobertor e torço para tudo passar. Talvez, perguntava para mim, se não podia correr debaixo das nuvens e depois fugir para o cobertor. Ou se não o levava comigo para sermos abençoados juntos pelo céu. Continuamos a gritar. Não achamos calmaria por um bom tempo. Então, a tempestade se intensificou e o silêncio já não mais gritava. Sussurros. Tudo o que sobrou foram sussurros. Então, começamos a sussurrar juntos. E começamos a conversar em sussurros.

E, juntos, começamos a olhar as ondas e como elas dançavam. Era ainda mais belo que as árvores. Minha alma foi seduzida por aquela dança inconstante. Era espontâneo. Era bonito.

Na sua natureza bravia, havia paz. Gritaria tola dentro de mim não me fazia ver. Havia paz em cada onda quebrada perto da praia.

Um descanso.

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Libertação. Havia paz em cada onda quebrada contra as pedras. Uma luta. Libertação. Havia paz naquela tempestade. Havia paz em mim.

Dentro da cabeça, uma tempestade. Pulsando no peito, um coração. Um coração que carregava dentro de si um banquinho. Um banquinho agora iluminado pela paz finalmente percebida. Ah, pequena criança que sou, deixei o coração tanto tempo no escuro, agora sim sentarei no banquinho e sentirei tudo ali se encher de luz. Mas antes de sentar, uma música toca e estou louquinha para dançar, dançar na chuva. Eu os sentia derretendo sobre mim. Tinham sabor de mel. Eu os sentia banhando a pele nua da minha nuca. Sentia aqueles olhos envolvendo os meus num beijo harmônico e lento naquela noite de inverno. E foi no frio que, lentamente, nosso primeiro beijo sem toques aconteceu, banhando minha nuca e derretendo-me por dentro. Eu sentia seu cheiro acalmar minha alma e despertar em mim as mais devastadoras ondas de êxtase. Mergulhava no teu suave perfume que de suave não tinha nem as lembranças. Dançava levemente na tua fragrância, no cheiro das tuas roupas, na essência da tua pele. Mergulhava na tua pele, dançava com tuas roupas, sentia tua alma nas ondas do nosso mar bravio. Via-me brincando com o que pertencia só a ti, mas era tão meu, tão eu. Voava pela memória vestindo o teu melhor beijo guardado pra mim. Eu sentia o seu toque massageando-me e tirando-me dali, daqui, desse quartinho tão pequeno que não cabia nós dois. E de tão pequeno, no quartinho não cabia teu melhor beijo e ele se perdeu nas memórias que nunca acharam o caminho. Mais uma vez eu estava ali, brincando solitária com os lábios que te pertencem, mas que você não achou por causa das memórias tão distantes que se perderam com o teu melhor beijo deixando o que era tão eu e tão teu brincarem sozinhos com uma moça que não sabia mais brincar porque seu melhor parceiro ainda não a viu. 73



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Fiquei intrigada. Em meio a tantos passos, tantos olhares. Eles me intrigaram. Em meio a tantos outros lábios sorrindo e conversas alheias. Esses me intrigaram. Teus lábios me intrigaram. E, mesmo sem notar minha presença ali, quieta e sozinha, na mesa do canto, meus olhos ficaram maravilhados com o brilho que saia dos seus lábios. Que sorrisos! Não um, mas vários. Sorrisos que, com inocência, cativaram pouco a pouco a minha atenção. Você, caro desconhecido, parecia saber quais doses usar para acariciar minha alma. Você primeiro capturou meu olhar com uma gargalhada gostosa de se assistir. Então fixei em você. Não lembro da cor do seu cabelo nem os traços que percorriam seu corpo. Não lembro da cor da sua camisa nem do seu corte de cabelo. Mas, como esqueceria aquela gargalhada? Ela fez todos os outros sons silenciarem, todos os outros movimentos retardarem. Era só ela. Não me senti mais só naquela mesa escanteada, mas me senti acompanhada da sua gargalhada, só com alguns metros me impedindo de tocar os lábios que permitia que ela existisse, mas que não foi capaz de impedir que eu a saboreasse. Também não me impediu de saborear o riso discreto que saiu logo depois que se deu conta que tomara conta do lugar. Entre tantos risos e gargalhadas que se seguiram naquele intervalo de almoço, um me fez sentir como se meu interior estivesse girando num topo de uma montanha. Um friozinho percorreu sobre meu corpo, as borboletas começaram a dançar alegremente dentro do meu estômago e minha pele manifestou sua satisfação em conhecer tal sensação. 76


Seus lábios não foram capazes de se movimentar mais do que uma firme contração no primeiro instante. Mas seus olhos... Ah, meu Deus, seus olhos cor de infinidade sorriram em direção à pessoa que estava a sua frente e ali estava entregue. Estava despejado o mais puro prazer. Ali estava totalmente revelado o amor tímido que você sentia. Ali estava derramada toda a carga de sentimentos não revelados e planos mais escondidos. Então, seus lábios tornaram-se frouxos. O amor se escancarou entre vocês. Espero, com a maior sinceridade que você imaginar, que aquela garota tenha percebido o que eu percebi. E espero, ainda mais, que novos sorrisos surjam desses seus belos lábios. Que mais poesias não ditas sejam gritadas por seus sorrisos e que mais almas, como a minha, possam ver você sorrindo. E que da próxima vez, seu sorriso esteja dançando, amando e sendo amado pelo sorriso dela. E que, finalmente, três almas girem juntas em cima de uma montanha, com a névoa envolvendo-as, as nuvens beijando-as e a paz transbordando de cada uma. E que o amor seja espalhado por lábios sorridentes em um restaurante qualquer, mesmo que eles estejam a metros de distância um do outro.

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O céu se fechou, a janela permanecia aberta. O sol derretido no céu escoou para longe de mim, tudo havia se tornado noite e a lua, ah, a dona lua tomou conta daquele mar negro, toda espaçosa. Sendo banhada por ela, eu vi. Eu vi naquele quarto a minha frente, eu vi naqueles olhos que encaravam os meus. Eu vi. Eu vi uma história perdida nas letras, no tempo, esquecida numa gaveta da mesinha perdida no sótão das memórias. Mas não a li. Não conseguia. Percorri meus olhos sobre aquela figura que mais parecia uma caricatura de uma estória contente. Seus olhos delimitados por um rio preto que insistia em sair dos seus limites e fazia suas águas escorrerem pela minha pele indo ao encontro daqueles lábios de um vermelho forte. Seu sorriso banhado de sangue ou de tinto, permanecia constante e exalava um brilho malicioso e, ao mesmo tempo, inseguro de seu poder sobre quem o olhava.

Aquele sorriso reagiu em mim de uma forma inesperada. Um frio gélido percorreu minha espinha e fez crescer em mim uma vontade de encolherme no canto da cama e ficar debaixo das cobertas. Mas uma força me atraia a não sair de perto daquele sorriso, nem daquela cicatriz perto do queixo. Em formato de um "m" preguiçoso, ela me prendia em suas largas curvas. Mesmo debaixo de uma camada grossa de maquiagem, aquela cicatriz me fez ultrapassar qualquer tentativa de se manter oculta, em segredo. Mergulhei nela e quase me afoguei ao tentar desvendar qual história teria marcado aquela pele. Perdi-me uma vez em sua primeira curva, demorei a achar a saída para a segunda, mas preocupei-me no começo da terceira. Achando que estava perto de desvendar tudo, empolguei-me e me embebedei de seus mistérios sem perceber que quase cheguei no meu limite. Consegui, depois de certo tempo, voltar a superfície, olhar sobre a maquiagem. Então meus olhos escorregaram. Escorregaram em seu pescoço, dando quase uma volta e pararam entre sua nuca e seu ombro. 80


Lá havia uma blusa, branca e surrada. Havia manchas. Lembranças rabiscadas, gotas de café e rímel. Então olhei de relance para cima e o sorriso avermelhado permanecia ali, constante e intacto. Cobrindo parte da blusa e beijando seus pés descalços, um macacão com figuras coloridas estava confirmando que aquela na minha frente era uma caricatura de um cara contente. Suas cores fortes intencionavam trazer a ele um tom alegre e descontraído, mas, no conjunto, sob a luz da lua, nada poderia ser mais forçado. Fechei meus olhos por alguns segundos. A imagem daquele cara fazia minha pele protestar em um arrepio intenso. Contorcia-me por dentro. Bem lá dentro. Então uma lágrima escorreu até encontrar a cicatriz, pousou uns dois segundos e então seguiu seu caminho. Abri meu olhos. Lá estava a imagem mais uma vez, sozinha naquele quarto banhado só pela lua. Ela havia chorado junto comigo. Então, como se fôssemos um só, levamos nossas mãos para nossos rostos e enxugamos a lágrimas não contida. Olhei nos seus olhos, ele retribuiu. Sorri tristemente e seu sorriso grande e vermelho se abriu um pouco mais, sem muito entusiasmo. Nossos dedos se tocaram. O vidro tremeu. Meu peito apertou. Mais uma lágrima escorreu, dessa vez mais lenta. Aquela lágrima refletiu. Éramos um só. Mas, afinal, o que aquele espelho fazia no meu quarto? 81



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Sei que você sempre cresceu ouvindo que não se podia tomar banho de chuva. Disseram que você podia gripar, disseram que não era bonito ser pego andando, livremente, nas ruas em dia chuvoso. Sei que todos disseram que o ideal mesmo era um bom café ou chocolate quente, acompanhado de TV ou um grosso livro.

Mas, meu doce, uma coisa te garanto: a sensação de estar debaixo do céu enquanto ele chora não há melhor, molhar-se saboreando com a pele cada lágrima da imensidão azul acinzentada, torcendo para que todas elas sejam alegres, essa não tem preço.

Sentir escorrer pelo seu corpo não só gotinhas de água, mas pedacinhos do céu, das nuvens, pedacinhos de lá que levam também pedacinhos seus. Então, estou em contato com a natureza. Eu faço parte da natureza e ela de mim. Enquanto me perco na chuva, encontro meu alívio, encontro minha paz. E, enquanto eu me acho ali, com as roupas e cabelos encharcados, muitos não se encontram e ficam perdidos debaixo dos seus edredons quentinhos, com suas xícaras ainda mais quentes nas mãos.

Não, que eu não me envolva nas cobertas nem tome aquele velho e bom cafezinho, mas só depois de mergulhar onde quase ninguém se banha, na chuva.

Então, meu anjo, não seja mais uma das pessoas que não encontram seu alívio debaixo dos céus, mas seja aquela que dança suave ou loucamente com a chuva, na sua calçada ou em frente da livraria, a caminho de casa ou do trabalho.

Sinta o cheirinho de terra molhada, sinta a leveza brotar em você. Molhe-se e não seja como todos. Molhe-se nas pequenas gotas e encontre a grande pessoa que você é, pequena criança.

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Queria voar, mas achava que minhas asas eram pequenas, sem graciosidade, sem forças para aguentar uma tempestade. Achava as outras mais bonitas e os outros pássaros mais ousados. Compunham suas próprias canções e dançavam no seu próprio ritmo. Meu ninho sempre fora aquele mais embaixo da árvore mais periférica, mas aqueles pássaros das asas grandes e bonitos moravam no bosque inteiro. Seus repousos eram incertos, cada amanhecer era uma nova canção, um novo capítulo, enquanto os meus eram apenas uma nova linha.

E era sempre assim. Era.

Era até que um dia enquanto eu olhava o céu que prometia chover. Sua promessa estava perto de se realizar e eu tinha de me proteger. Mas era alto pra mim, arriscado, e minhas asas, pequenas. Era arriscado sair do ninho. Ventava cada vez mais forte, como um aviso dos céus. Enquanto eu olhava para o chão, o vento soprou mais forte e acabei tropeçando. Cambaleei que tentei me equilibrar, mas sempre fui desajeitado e não tive êxito.

Sentia medo do vento. Da vida. Estava caindo. Iria morrer assim que tocasse o chão.

Mas, então, ouvi algo dentro de mim. Para ser sincero, não sei se por instinto de sobrevivência ou o medo, ou ambos, mas a voz dizia "Voe". Contraí mais as asas contra o meu trêmulo corpinho. "Voe", ouvi novamente.

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O vento frio assoprava minhas penas e me incentivava a me expor. Olhei para as poucas luzes que atravessavam as nuvens e achei forças para descontrair minha liberdade e me dei a chance de viver. Não apenas sobreviver como antes, mas a chuva agora banhava meu corpo, o vento beijava avassaladoramente minhas penas e agora eu subia. Era a sensação mais prazerosa que já passei.

Prazer espiritual. Liberdade.

Bati as asas um e outra vez, mais algumas. Pensei que poderia compor minha música e dançar com os feixes luminosos. Fui ao encontro deles e voava cada vez mais rápido, mas livre. Nunca havia me sentido tão grande, tão livre, tão em paz. Enquanto ia atrás das luzes, percebi que a chuva estava ficando para trás. O Sol me dava as boas vindas e abaixo de mim, novos pássaros voavam e brincavam com o Sol. Era só uma nuvem. Era só meu medo. Quantas nuvens enfrentei desprotegido? Quantos dias ensolarados perdi por não voar? Quantos vezes deixei a chuva passar e não dancei com ela?

Pequeno passarinho, tão grande e se escondia na única nuvem que poderia machucá-lo:

o medo.

Mas depois de tanto se ferir, achou a cura. Uma nova música começou e ainda não foi escrito o seu final. 89



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Daí dá para ver a fumaça. De longe, geralmente, dá. Então se aproxima um pouco e vê o que causou. Porém não venha correndo com o extintor. Pode ser fogo, pode não ser. Talvez seja apenas uma chama que já está no fim ou talvez ela esteja tão ardente que devora tudo o que está ao seu alcance. Mas, sério, vem cá, sem medo de se queimar, afinal, algumas marcas valem a pena.

Só vem. Talvez seja um pedido de ajuda e talvez a ajuda seja para você.

Vem sem receio, sem preocupação. Vem sem achar que tem o direito de acabar com a razão daquela névoa no céu.

Continua vindo, continua andando, você está tão perto. Quase lá, só mais alguns batuques nesse teu peito.

Agora tira os olhos do céu e olha para a causa. Isso, meu bem, olha para mim! Estou dançando com o vento e o vento tá espalhando os rastros do que há dentro de mim. Uma combustão de sensações. Uma reação de sentimentos tão voláteis, tão sensíveis a qualquer alteração na temperatura entre nós dois.

Sentimentos sensíveis ao desequilíbrio do meio, principalmente quando a distância entre o meu olhar e o teu impede deles dançarem.

Reação de sentimentos sensíveis às alterações de pressão cada vez que penso em nós e viajo até as nuvens.

E sabe o porquê eu estou dançando com o vento? De fato, era um pedido de socorro! Mas eu pedi para deixar o extintor para trás. Você e esse medo de amar... 92



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O “backspace” é a tecla cujo nome foi o primeiro a desbotar do meu teclado. Nomes nunca foi o meu forte, mas as letras me fascinam de forma particular. As composições de cada nome, de como elas são quando estão privadas do contato alheio e de como elas se transformam quando não estão sozinhas. Tem horas que viajo com as letras. Viajo em como elas podem soar sensual e de como elas podem nos dá um arrepio na pele da pior forma possível ou ainda da maneira mais intrigante, viajo em como ela pode arrepiar das duas formas simultaneamente. E foi nessa viagem que as letras, de fato, me levaram para caminhos completamente desconhecidos. Infelizmente, temo em dizer que não foram os melhores. Mas, às vezes, a gente se confunde com as opiniões, assim como nos confundimos com o “x” ou “ch” em algumas palavrinhas. Era um fim de tarde tranquilo. O céu e o Sol brincavam de tela e tinta. Uma bela pintura se formava naquela imensidão que se cobria, majestosamente, de tons de rosa e de laranja, parecendo dançar em harmonia um com o outro. A janela do carro aberta permitia que o perfume das árvores e da terra, naturalmente úmida, entrasse e tomasse o carro por completo, circulando e levando-me para o passado. Dias atrás na verdade. A tarde estava nublada e a brisa soprava meus cabelos. Era um momento perfeito para deitar-se em uma rede na varanda com meu velho caderninho e brincar com as letras. Brincar com a maneira em que criam coisas novas só em mudarem de posição. Então, durante alguns poucos minutos fiquei pensando em quais coisas novas eu poderia fazer se trocasse de posição. Afinal, talvez seja apenas uma letra num alfabeto muito maior do que aquele apresentado na gramática. Talvez, se eu fosse fascinada por números, construísse máquinas, casas, ou jogos, vai saber. Ou ainda poderia ser fascinada por sangue e trabalhar com investigação. Poderia, talvez, ser uma profissional na área de saúde e fazer grandes descobertas sobre curas de doenças raras. Poderia ser qualquer coisa. Mas, sou apenas um “A”. Sou o ponto de partida da minha história. Entretanto, me indaguei, ainda naqueles poucos minutos, se eu não poderia me transformar em outra letra. Mudar de posição no grande alfabeto. Talvez uma pequena reviravolta. Porém, eu sou o que sou. Mas, então, como um fundo musical para os pensamentos, ouço a chuva batendo nas árvores. E o cheiro de terra úmida passa para terra demasiadamente molhada. O som ficava cada vez mais forte. O céu teria sido discreto a ponto de me enganar sobre o quanto de lágrimas despejaria naquela tarde? Não, eu havia misturado tudo. Essa trilha sonora era da minha realidade e não dos meus pensamentos. Passei mais que poucos minutos lembrando aquela tarde na rede. O céu já não estava pintado com o fim de tarde, mas, sim, com nuvens carregadas. 96


Talvez, eu voltei para a realidade nos últimos parágrafos do livro. Talvez, fosse tarde demais. O carro derrapou, a janela aberta permitiu que, além da chuva que já me molhava, lama entrasse e melasse-me. O carro continuou girando e girando e girando. Um estrondo e cacos de janela enlameados vindos a minha direção. De repente, não ouço nada, não vejo nada. Ao abrir os olhos novamente, percebo que há uma criança dormindo na cadeira ao lado da minha cama. Mas não a conheço. Tento falar, mas algo na minha garganta me impede. Traqueostomia. Nunca achei que usaria essa palavra me referindo à realidade, mas fiz questão de aprendê-la, achei-a pitoresca. Quanto à criança, ela notou meu esforço e minha falta de êxito e começou a apresentação sem que eu fizesse perguntas. “Ana Vitória”. Nome simples. E novamente as letras brincando com meus pensamentos. Ela tinha me salvo do acidente. Ela tinha ligado para a emergência. Ela me deu a possibilidade de mudar de lugar no alfabeto. Ela me deu a chance de perceber que, mesmo com perdas e com a vida colocada de cabeça para baixo, eu posso avançar.

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Uma pequena jorrada de vento soprou os cabelos dela, fazendo-a sentir que a vida gostava dela em particular. A vida, pensava ela, declarava-se para ela com pequenas ações. Naquele momento era o vento sussurrando em seus ouvidos e acariciando-a, mas não tinha sido a única vez. Noutro, lembrava, o céu chorava e suas lágrimas tocaram sua pele, e naquele dia, sua alma também chorava, e mais que a pele, as lágrimas do céu encontraram as dela. Encontro de lágrimas e de almas. Encontro da moça e de Deus. Ela se sentia mais do que apenas especial. Ela se sentia amada. Ela sabia que a vida se entristecia quando seu coração apertava. Então ela decidiu sorrir e o céu se abriu. Ainda chovia, mas, no seu peito, nunca foi tão ensolarado.

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Era uma vez uma criança. Seus olhos estavam acesos e assustados. Ela se escondia, já estava muito tarde e frio. A chuva estava ameaçando desabar, mas ela não se preocupava com a chuva, queria um refúgio. Um abrigo. Tentou em vários lugares, mas nada. Até que achou uma capelinha abandonada. Ela entrou vacilando entre uma pisada e outra nos degraus incertos. Verificou se não havia mais ninguém ali. Completamente só, pensou Inocência. Acomodou-se em um banco e tentou dormir. Sonhou com uma voz, algo sussurrava seu nome. Era uma voz atraentemente doce e suave, mas ela não via a fonte. Estava tudo muito escuro e o seu nome foi ficando cada vez mais distante, até que um grito a fez despertar. Era só um sonho, só um sonho. Já estava clareando, ela via luzes dançantes num canto de escombros. Ela procurou de onde vinha: era um vitral velho, mas que chamou a atenção da perdida Inocência. Era um homem rodeado de anjos enquanto estava pendurado numa cruz coberto de sangue. Era uma imagem dolorosa, mas que trouxe conforto. Lembrava uma história que ela ouvira antes de sentir o sabor dos frutos que experimentou pelo mundo. Só podia ser aquela história, a de um homem que se entregou à morte como prova de amor. Depois de abandonada, muito se desfez tornando escombros. Imagens, janelas, púlpito, muitos bancos. Mas aquela parte do vitral estava intacta. Inocência entendeu o recado. Aquela prova de amor era pra ela, o cara estava lá naquele momento e Ela se sentiu segura mesmo com tudo podendo desmoronar.

Começara a chover e aquela criança estava ficando com sua identidade cada vez mais longe. O sentimento de solidão estava enfraquecendo, mas a criança precisava seguir seu rumo, precisava crescer e viver. Mas não sabia como chegar a esse lugar. Mas uma vez, a dança dos escombros chamou a atenção da antiga Inocência. Ela viu uma gota d'água escorrendo pelo homem do vitral. 104


Jesus chorou. Ela começava a se lembrar. Jesus chorou por ela que estava perdida. Chorou por ela que foi abandonada, trocada, esquecida por muitos, até mesmo aqueles que diziam guardá-la. Jesus chorou para que ela pudesse sorrir hoje. Jesus chorou para que ela se achasse em cada mandamento que o Pai deixara para os filhos.

Inclusive para Inocência que se achou. Jesus chorou para que Inocência vivesse sempre junto do amor dEle. Seus olhos voltaram a sorrir quando Inocência entendeu. Ela tinha de voltar para que tudo fizesse sentido. Inocência não era apenas uma criança que precisava de cuidado, mas o fruto que Deus colocou entre nós para nos lembrarmos que sempre há esperança na luz divina, mesmo através de um velho vitral.

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Era engraçado. O Marco era uma graça. Era bom ouvi-lo porque ele era fora no normal. Já tive pássaros que assobiavam melodias com sua própria autoria, também tinha aquele que cantava o hino nacional ou a música preferida daquele vizinho que sempre toca ela para todos da rua ouvirem. Mas o Marco era diferente, de todas as melodias que ele ouvia, só cantava os choros que o vovô escutava antes de dormir e o papai também. Hoje em dia, só somos eu e o Marco e todas as minhas noites tem como trilha sonora os choros do Marco. Não pertencem mais ao Pixinguinha, nem ao tal de Paulinho da Viola, são exclusivamente do Marco.

Marco canta com a alma que eu acredito que ele leva dentro de si. Ele canta com aquele pequenino coração que bate ali no aprisionado peito do passarinho verde e amarelo. Era sempre o choro e eu nunca sabia o porquê. Então, em uma tardezinha, quando o sol já se despedia preguiçosamente da varanda onde Marco ficava em sua gaiola, reconheci um choro antigo que falava sobre liberdade. Ele cantava e cantava. E quando o sol virou-se e deixou Marco, ele se calou. Foi então que me veio no peito aquele aperto. Tentei aliviar, mas é como se alguma grade impedisse. Era sufocante.

Queria me libertar do sentimento e entendi o que se passava no pequeno coração do Marco. Depois disso, eu não podia dizer que era um coração pequeno, e, sim, um grande coração que estava aprisionado naquela pequena gaiola. Marco, o pequeno passarinho com um grande coração preso numa pequena gaiola só achava uma saída pra aliviar seu sufoco: sua grande voz e seu longo choro. A sombra da noite continuou amedrontando a liberdade de Marco enquanto o que se via livre para voar eram os meus pensamentos.

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Então, de longe, eu vi uma luzinha crescendo no escuro imenso. Aproximei-me da gaiola e percebi que Marco começara a se alegrar. Acho até que ele sentiu. Seria sua última vez em que veria o sol com sombras listradas. Ele levantou sua pequenina cabeça quando ouviu a portinha se abrir. Marco então cantou um samba alegre que eu não conhecia. A voz de Marco nunca voou tão alto como naquela manhã. E foi vendo Marco abraçar a liberdade que a ficha caiu. Marco daria jus ao seu nome. Marco realmente marcaria minha vida. E ele se despediu de mim a sua maneira, olhou para trás e cantou um último choro para mim, mas era um choro mais alegre. E mesmo com a partida de Marco, ele continua a cantar um choro toda vez que me deito. Um choro que não poderia pertencer a ninguém. Ninguém que não fosse nós dois.

Marco passou a me lembrar de que o sol sempre virá. Mesmo que já tenha passado vários “nascer do sol”, o meu amanhecer chegará e, como meu eterno Marco, poderei cantar um samba alegre.

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Eram cacos. Barulho de caixinha quebrando. Um espelho que não refletia muito bem, mas era tudo que ela tinha. Seus pedaços no chão. Seus olhos por toda parte. Olhos que viram aquele monte de cores caindo em sua pele fria no início da manhã em que o céu claro beijava a terra ardentemente com gotas tão limpas. Olhos que viram a pureza na troca de olhares entre a lua e o sol naquele fim de tarde com os cachorros fazendo companhia. Olhos que viram a beleza singela no lençol de areia pintado de céu. Olhos que viram em outro olhar uma paisagem mais atraente do que a vista do arranha céu. Eram seus olhos refletidos nos olhos de outro alguém como nos cacos de vidro. Pobre criança achou que aquilo era de cristal de tão bonito que era, mas agora estava ali. Barulho da caixinha quebrando. Espelhos que refletiam o bem. Cacos raríssimos. Grandes jóias. Ali, paradas. Era tudo o que ela tinha. Ela viu tudo de novo nos seus outros olhos. Ali, parada, ela tinha mais do que tinha. Então se virou. Ela não queria mais, ela queria o novo. Ela queria sentir outro beijo lhe tocar. Ela queria alcançar o prazer da troca de olhares. Ela queria deitar sobre o lençol de céu. Ela queria se olhar em outro olhar. 112



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Eu os sentia derretendo sobre mim. Tinham sabor de mel. Eu os sentia banhando a pele nua da minha nuca. Sentia os seus olhos envolvendo os meus num beijo harmônico e lento naquela noite de inverno. E foi no frio que, lentamente, nosso primeiro beijo sem toques aconteceu, banhando minha nuca e derretendo-me por dentro. Eu sentia seu cheiro acalmar minha alma e despertar em mim as mais devastadoras ondas de êxtase. Mergulhava no teu suave perfume que de suave não tinha nem as lembranças. Dançava levemente na tua fragrância, no cheiro das tuas roupas, na essência da tua pele. Mergulhava na tua pele, dançava com tuas roupas, sentia tua alma nas ondas do nosso mar bravio. Via-me brincando com o que pertencia só a ti, mas era tão meu, tão eu. Voava pela memória vestindo o teu melhor beijo guardado pra mim. Eu sentia o seu toque massageando-me e tirando-me dali, daqui, desse quartinho tão pequeno que não cabia nós dois. E de tão pequeno, no quartinho não cabia teu melhor beijo e ele se perdeu nas memórias que nunca acharam o caminho. E mais uma vez eu estava ali, brincando solitária com os lábios que te pertencem, mas que você não achou por causa das memórias tão distantes que se perderam com o teu melhor beijo deixando o que era tão eu e tão teu brincarem sozinhos com uma moça que não sabia mais brincar porque seu melhor parceiro ainda não a viu.

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O céu tinha sabor de paz. Azul de fim de tarde.

Tarde que soprava suavemente e fazia-me querer navegar numa rede, uma longa viagem com os pensamentos inéditos, com as memórias velhas e com as que podem vir, admirando-as e saboreando as notas que as conduziam em uma dança gostosa de ver.

Mas algo me fez querer ficar ali, a sós com o vento, com os passos acelerados e com as luzes se acendendo dentro de mim.

Que cenário! Mas digno de um filme? Desconheço.

A graciosidade em ver o vento beijando os cabelos loiros daquele menino e a maestria do amor cobrindo e envolvendo cada pedacinho do seu corpo com o olhar daquela mãe.

Pequeno Fábio! Tão pequeno em tamanho, tem tantos poucos anos, mas grande em simplicidade e rico em pureza. Sua bola verde corria mais rápido que os seus pés, fugia de seus olhos mais rápido do que o tempo que o pequenino levava para se equilibrar. Mas ele corria e cada mergulho cambaleante que o Fábio dava naquela pracinha mostrava quanta coragem carregava em seu forte coração.

Corre Fábio, corre.

Se afunda nessa inocência que de ti transborda, aproveita e se lambuza com as doces gargalhadas que a vida e você compartilham.

Lambuze-se e mele quem tá a sua volta.

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Corra com a bola, com o vento, com a vida, com você. Corra sem limites e sinta os fins de tarde te envolver sem melancolia pelo dia ir embora, mas sinta a Lua te chamando para trocas de segredos e confiando a ti a honra de viver durante o dia, durante a noite, durante a vida.

Ei, criança, sorria e gargalhe sem pensar nos porquês. Quando crescer, não gaste o tempo de ser feliz procurando razões para ser feliz, apenas seja.

Mas saiba chorar também, é fundamental para o grande livro da sua vida.

Capítulos sempre iguais e sempre perfeitos? Qual a graça? Saiba sorrir, chorar e sorrir das suas lágrimas depois. Saiba viver. Cresça e não olhe o mundo que te rodeia você talvez não goste da visão. Mas sinta. Sinta cada sorriso, cada flor, cada olhar e perfume. Sinta cada pessoa, cada canto, cada chuva. Sinta a lua e o sol. Sinta o inverno e o verão. Sinta o que há para ser sentido e viva os melhores sentimentos.

Agora, meu bem, não se esqueça daquele pequeno Fábio que sempre morou em você, que dançou com a vida e com a bola e que sorria, acima de tudo, com os olhos.

Pura poesia esse pequeno Fábio!

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Projeto Gráfico Letícia Bombonati Papel Polén Tipografia Minion Pro e Bonkers Impressão e Distribuição Editora Brisa Vitória de Santo Antão, Março 2017



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