História em Revista

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História em Revista As vilas de Fortaleza e seus personagens revelam um lado diferente do cotidiano

EDIÇÃO EXPERIMENTAL

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Edi to rial


Histórias para contar nas vilas de Fortaleza Moradora há 80 anos, ela vive as mudanças no Centro de Fortaleza e ainda mantém o brilho no olhar

Em nossa história, a proximidade com aglomerados de casas vem desde tempos

em que a povoação do Forte Nossa Senhora da Assunção recebeu o nome de vila. Seguindo os padrões da construção moderna, a cidade de Fortaleza foi se distanciando cada vez mais de suas origens e crescendo verticalmente. Hoje, vilas são quase inexistentes para os menos observadores, o que claramente se caracteriza como uma total desatenção, pois a cidade possui dezenas de vilas belas e com histórias a serem contadas. Prezando a qualidade de vida e o bem-estar, cidadãos e cidadãs de Fortaleza vão, em contraponto ao crescimento moderno, e não trocam suas casas em vilas por nenhum arranha céu. O prazer de sentar-se à calçada no fim da tarde e conhecer de perto seus vizinhos, é contado com orgulho e emoção por cada um de nossos entrevistados. Nenhum apartamento para eles lhe proporcionaria o cultivo de suas amizades que estão ali há anos. Essencialmente alguns dos principais pontos retratados pelos entrevistados são segurança e tranquilidade, motivos esses que os fazem criar raízes onde moram. Com isso, nós, alunos da disciplina de Técnicas de Produção Jornalística, coordenada pelo professor Miguel Macedo, fomos a diferentes vilas da cidade, em busca de personagens que tenham relatos para contar sobre a relação com a vila onde residem, compondo assim, nossa publicação História em Revista. Esperamos que desbravem com a mesma alegria que nos foi transmitida ao adentrar à casa de cada um de nossos entrevistados. Boa leitura!

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Su mรก rio


Vila Diogo, 3...........................................................7 Beco do Chafariz, 28B.........................................11 Vila Amorim, 23....................................................15 Vila Abílio, 1..........................................................19 Vila São José, 21..................................................23 Vila Pirineus, 138.................................................27 Vila Santa Cecília, 22...........................................31 Vila Romcy, 39.....................................................35 Vila Gonçalves dos Santos, 8.............................39 Vila Irmã Sheila, 6................................................43 Vila da Prata, 25...................................................47 Vila Ceará, 28.......................................................51 Vila Dolores, 52....................................................55 Vila Vicentina, 2045..............................................59 Vila Augusto Sampaio, 20...................................63

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VILA DIOGO, 3

Recordações de uma Moreninha, em tempos de alegria Moradora há 80 anos, ela vive as mudanças no Centro de Fortaleza e ainda mantém o brilho no olhar

Entre recordações do passado, com olhos e ouvidos bem atentos a cada pergunta

e confortavelmente sentada em sua cadeira de balanço, Maria Augusta de Souza, a “Moreninha”, como gosta de ser chamada, é moradora da Vila Diogo há 80 anos. Nascida e criada nesta vila, no Centro, Moreninha, a irmã de uma família de cinco filhos, presenciou de pertinho as mudanças ocorridas nos arredores da vila. Foi assim com a primeira fábrica, a faculdade, e a tranquilidade de uma boa prosa na calçada a portas trancadas e um breve “olá” na janela de casa. Mesmo com o receio da violência da cidade, ela gosta muito de sair pelo Centro de Fortaleza. Um hábito ela repete até hoje: fazer suas compras no mercado São Sebastião. Segundo a filha, se deixar, “ela sai para todo lugar sozinha”. Em resposta à filha, deixa bem claro que é para deixá-la sair: “Enquanto tiver a cabeça boa, ando por todo lugar”. Recorda que, na juventude, trabalhou em casas de famílias enquanto a tia na fabricação de rede. Era com a renda adquirida no trabalho, que ajudava nas despesas de casa. Após a morte da mãe, Moreninha ficou cuidando de sua família incluindo o pai, a tia, avó e seus irmãos. E lembra com muito orgulho do seu pai e o quanto ele era esforçado. “Meu pai trabalhava toda semana e ganhava um conto de réis, era muito dinheiro”. Tanta alegria ao relembrar o passado, era perceptível o brilho em seu olhar. Criou as filhas na tranquilidade de uma boa vizinhança. Privilégio que não pode desfrutar nos tempos atuais. Entrevista feita por Lisandra Sousa e Talita Chaves:

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História em Revista Dona Augusta, a senhora tem algum apelido? Algum que seja conhecido? Moreninha – Tenho. A minha mãe era branca e meu pai era moreno, minha vó, tudo paraibano, de famílias brancas. Quando mamãe casou com papai, minha tia tinha raiva, porque dizia que ela ‘sujou’ a família dela, preconceituosa. Primeiro nasceu o Pedro [irmão de dona Augusta] bem claro; Fernando também não é muito moreno, aí, quando eu nasci, minha cor era mais escura e ela [tia] foi e disse assim: “Vou chamá-la, então, de Moreninha”! O nome de minha mãe é Augusta, e depois colocaram o meu de Maria Augusta, mas pegou o apelido de “Moreninha”. Todo mundo só me conhecia como Moreninha. HR – Percebe-se que a estrutura da casa é meio antiga. Houve alguma modificação/reforma durante os anos vividos aqui? M – Já, do início da casa

até o fim. A sala de jantar era menor e mandamos empurrar um pouco e tampamos tudo. Não tem perigo de ninguém pular (referindo-se ao muro da casa). Na frente, não houve modificação, apenas pintar e trocar as portas.

HR - A senhora herdou a casa do seu pai? M - Não, pago aluguel. Só que quando foram vender, eu não tinha os dez mil reais. Não era nada [ela refere-se ao real hoje], mas naquele tempo, 20 anos atrás, era muito dinheiro. Um amigo comprou e

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e pago bem baratinho. HR - Quantas gerações a senhora viu crescer aqui? M - Eu, minhas duas filhas e netos criados na vila, minha família (filhos e netos). Hoje a vizinhança é nova, não é do meu tempo de mocinha. Muitas pessoas saíram daqui. Havia uma senhora que morava aqui vizinho muitos anos atrás e foi embora. Só tinha minha comadre aqui vizinha, que morreu. HR - A senhora lembra algo que marcou na memória? M - Brincávamos muito quando éramos pequenos. Havia festas e a vila era muito animada. Hoje, se uma pessoa entrar às sete da noite aqui, olha e pensa que não mora ninguém, porque só tem os carros que é dos alunos da Faculdade Evolução e o povo desaparece, fecha suas portas. A Sarah, a menina dela botou um negócio para vender aí, melhorou um pouquinho. Antigamente colocávamos a cadeira na calçada, sentávamos


e ficávamos conversando até quase meia noite. HR - Já existiam esses comércios nesta rua ao lado da casa, quando a senhora nasceu? M - Não, aqui não tinha nada, só areia. Quando colocaram calçamento, era de pedra tosca, não tinha pista. No meio do quarteirão havia uma cacimba bem grande, a água era ligada a essa cacimba, a faculdade foi a última a ser feita. HR - Como as mudanças da vila afetaram a senhora? M - Nem tanto assim. Ainda bem que tem a televisão e ficamos assistindo novela, é uma atrás da outra e vai até umas horas e logo a pouco vamos dormir. Ando tão cansada que a última novela é nove e pouco, aí pronto quando passa um filme os meninos ficam assistindo e eu armo uma rede aqui, fica em frente à televisão. Depois, fecho e vou dormir. Meu tempo é cuidar da casa. Vou para o mercado São Sebastião, para o Centro, ando para tudo que é canto. Ela [referindo-se à filha Ana Paula, que estava na sala durante a entrevista] tenta me segurar e digo não me segure não, que enquanto estiver com a cabeça boa, sei por onde ando.

No dia que não estiver mais, nem saio. Acontece que, a gente saindo, é muito melhor do que ficar parada dentro de casa. HR - Como foi criar seus filhos aqui?

Aqui era muito bom, maravilhoso, tínhamos uma vila boa. Todos M - Foi bem.

foram criados dentro de casa. Não saíam para brincar na rua como eu, porque já estava na época em que as coisas estavam complicadas. Agora, o colégio era perto, elas estudavam no Tiradentes. Tem uma neta minha que, com 16 anos, até para ir ao colégio, fico prestando atenção. E sempre digo, ‘liga quando estiver voltando’. Temos, afinal, que prestar atenção em tudo.

Lisandra Sousa Texto

Talita Chaves Texto e Fotografia

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BECO DO CHAFARIZ, 28B

Vencer dificuldades e ganhar alegrias da vida Com propriedade naquilo que fala Clemilda mostra que sua história tem um valor sem igual

Dona de uma pequena mercearia na Vila Beco do Chafariz, no Bom Jardim onde

vive há trinta anos, Clemilda Maria de Oliveira tem muito mais a ensinar do que se pensa e que se possa aprender. No rosto, carrega uma expressão séria de uma mulher que viveu muito do que a vida tem a oferecer. Ao mesmo tempo, transmite um olhar de esperança, de que a vida guarda muito mais do que se pode esperar. Quem conversa com ela, se tiver atenção em seu jeito, logo percebe que por mais simples e comum que essa mulher possa parecer, muita história tem a contar a quem estiver disposto a ouvir. Isso se confirma quando, no ato da entrevista, antes mesmo de algumas das perguntas lhes serem feitas, tais perguntas já eram esclarecidas enquanto falava. Ela transmite um jeito calmo, bem como é firme e segura naquilo que fala, sem timidez em quaisquer que sejam suas afirmações. Seu semblante é de alguém que já lutou muito ao longo de sua jornada, de quem muito ganhou, mas que, em contrapartida, de quem nas mesmas proporções, perdeu. Sua expressão corporal mostra que energia nela não falta, já que mesmo que houvesse cadeiras ao seu redor, não se deixaria abater em momento algum, por qualquer fadiga ou cansaço. Em qualquer momento acomodou-se durante a entrevista e quis sentar-se. Entrevista feira por Jessyca Sales e Matheus Bernardo:

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História em Revista - A senhora mora há 30 anos nesta vila, quando chegou, qual a visão que se tinha do local? Clemilda Maria - Assim, aqui tinha muito mato, não tinha calçamento, não tinha água e nem tinha luz. A linha de ônibus que existia só ia até metade do bairro e o resto era só mato e canavial. Mas, com um tempo, o Bom Jardim foi se expandindo. E como a água não tinha em quase lugar algum p o r aqui, íamos buscar muito longe, andávamos demais e tínhamos que passar por dentro dos matos, era muito complicado. HR - O que fez a senhora vir morar nesta vila? CM - Vim morar aqui porque eu casei, separei do marido e, depois de dois anos separada, fui morar com outra pessoa. Ele não queria ficar perto da minha mãe, aí viemos para cá e compramos essa casa.

HR - Quais os pontos positivos e negativos de morar em uma vila? CM - De positivo tem muito porque já ganhei muito dinheiro aqui e ainda ganho. Tenho disposição para trabalhar e, enquanto tiver garra, vou continuar lutando pelas minhas coisas. Aqui todo mundo se conhece e isso também é muito positivo para a gente. De negativo não tenho

nada a dizer, aqui é ótimo. HR - A senhora pensa em sair da vila? Se sim, por quê? CM - Jamais! Só se for para o cemitério quando morrer. HR - Qual a situação mais inusitada que a senhora já presenciou na vila? CM - De ruim nunca aconteceu nada, mas o que foi

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oi muito marcante para nós foi a chegada da água e da luz. A água nós mesmos tivemos que cavar os poços, cada um cavando o seu, mas foi a prefeitura que trouxe água para os moradores aqui. HR - O Bom Jardim é visto como um bairro perigoso por muitas pessoas. A senhora se sente ou já se sentiu prejudicada por conta da viol ê n c- i a do bairro? E o que a senhora tem a dizer sobre isso? CM Antigamente aqui era m a i s p e rigoso, você sentia medo mesmo. Mas, hoje em dia, é muito tranquilo. De madrugada o pessoal vem aqui, me acorda para comprar merenda, remédio e não tenho problema nenhum em atender e é por isso que sou muito conhecida pelos moradores. HR - A senhora sempre trabalhou com a venda? E se tinha outra atividade


antes, o que a fez deixar o antigo trabalho? CM - Desde menina trabalhei com venda, vendendo as coisas na cabeça pela cidade. Criei meus oito filhos lavando e passando roupa nas casas dos outros. Deixei de fazer isso porque já estou muito cansada. Comecei muito nova a trabalhar para ajudar o meu pai e minha mãe e, quando casei, continuei trabalhando. Aqui perto da Vila, tinha o “Forró do Pandeirinho” e eu ganhava muito dinheiro. Passava a noite lá, trabalhando, vendendo pipoca, bolo, café, de tudo. Aí, hoje, mantenho só a minha mercearia mesmo. HR - Para a senhora, a vida era mais difícil há vinte/trinta anos, ou é agora com toda a crise que se fala? CM - Antes era muito mais difícil. As pessoas dizem assim “no tempo das vacas gordas…” que vaca gorda? Antigamente um pobre não podia ter uma televisão, não conseguia nem comer carne no domingo, passava a semana toda sem comer carne e quando chegava o domingo, não tinha dinheiro também; não tinha lazer, não tinha nada. Hoje, uma pessoa pobre pode ter todas essas coisas. As pessoas falam que hoje está

difícil, mas não viveram antes e não conhecem. Cansei de ver e na minha casa mesmo aconteciam essas coisas. A gente tinha que dividir três ovos para dez pessoas e olha que eu trabalhava. Agora dizer que essa ajuda do governo foi muito boa, foi sim. O ‘bolsa família’ e o ‘bolsa escola’ foi que deram poder aos pobres. HR - Hoje, o que mais lhe desanima, e o que menos gosta de ver? CM - A violência, com certeza. Imagina, a pessoa está em casa, mas não pode ficar na rua, não tem confiança de ficar na porta da própria casa. O povo trabalha tanto e não poder viver, é um absurdo. HR - Como é sua relação com os moradores? Já teve algum problema com algum? Se sim, o que fizeram para resolver? CM - Aqui quase todos os moradores são antigos. Até os filhos dos mais antigos moram aqui ainda. Sou amiga de todos e todo mundo aqui me conhece, nunca tive problema com

Jessyca Sales Texto e Fotografia

Matheus Bernardo Texto e Fotografia

Vi o Bom Jardim crescer e se tornar o que é hoje! ninguém.

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VILA AMORIM, 23

Há sete décadas, gerações crescem em boa convivência

A história do bairro Castelo Encantado e da família Amorim que se encontram e resultam na construção da vila

A

vivência com parentes pode ser julgada em algumas situações como desagradável. Vila Amorim onde primos, tios, avós convivem juntos, lado a lado, a história da família e da vila se misturam. A Vila Amorim foi construída por Raimundo Amorim, que ainda hoje mora em umas das casas e atualmente está com 90 anos. O local foi construído com os recursos e trabalho de Raimundo. Situada na Avenida dos Jangadeiros, no bairro Castelo Encantado, a vila é constituída por parentes e inquilinos e faz parte do legado da família Amorim há mais de 70 anos. De toda a família, apenas três membros não residem hoje na vila. Edilene Alves da Silva é casada com um filho do fundador da Vila Amorim. Entre os assuntos comentados, ela falou que se sente tranquila por residir numa vila, e ainda mais, por ser uma vila onde grande parte da família do seu marido mora. Na entrevista a seguir, Edilene mostra grande afeição pelo lugar e relata que, apesar das mudanças que ocorreram nos últimos anos, não sente o desejo de sair dali. Amor, segurança e família foram os principais temas abordados na entrevista a seguir. Entrevista feita por Iara Costa e Weider Gabriel:

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História em Revista Como a senhora veio parar nessa vila? Edilene Alves - Meu marido mora desde que nasceu aqui. Meu sogro, seu Raimundo, é dono da vila. Foi aqui que ele foi criado e logo que nos juntamos eu vim morar aqui. Quando eu vim pra cá, a vila já era dividida entre os filhos dele como é hoje. HR - O pai dele é dono da vila? Como funciona a relação d e l e com os filhos? EA Sim, ele é dono desse terreno, c o m o e r a d o n o t a m bém de terrenos da redondeza, e dividiu esse com os filhos. Há familiares, filhos, netos, mas há também casas alugadas por aqui. Ele tira um meio de sustento dos aluguéis, e os familiares também, e vai crescendo. Meus filhos também estão construindo para alugar. HR – A senhora disse que foram divididos os terrenos entre os filhos. Quantos receberam e como

isso funciona? EA - Meu sogro, seu Raimundo, tem 13 filhos. Há dois que não foram criados aqui, mas eles têm direito ao terreno. Foi tudo dividido com os 13. Faz muito tempo que ele vive aqui. Já tem netos, bisnetos sendo criados aqui. Vai passando de geração em geração. HR - Morar em vila é diferente, mas em relação a conforto e segurança,

você se sente mais segura do que de porta pra rua? EA - É um lugar mais reservado, mais particular. Temos duas entradas, mas a secundária é fechada, só quem mora aqui tem a chave. A entrada principal é aberta, mas sempre tem alguém por aqui, é mais seguro. HR - Como avalia a convivência com os vizinhos por ter essa mescla entre

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pessoas da família e seus inquilinos? EA - Nem todos são da família. Nem todos nós conhecemos por serem inquilinos, mas é muito boa a convivência por ser um ambiente familiar. Isso vai passando de geração em geração. HR – Na senhora elogia a convivência do local, mas já chegou a pensar em não morar mais aqui? EA - Já cheguei a não morar aqui, mas já voltei. Eu me s i n t o melhor a q u i ; aquele sentimento de que aqui é a minha casa, né?! Faz parte da família. Aqui é tranquilo o tempo todo. Há sempre silêncio, quando tem som é nesse volume alternado e sempre é alguém da família então não incomoda. De noite não fica quase ninguém. É todo mundo muito isolado, muito dentro de suas casas. HR - Por todo esse convívio social tão aproximado que é na vila, já teve algum problema?


EA - Já tivemos problemas, sempre há, principalmente em vila, mas tem suas vantagens e desvantagens. A gente tem inquilino e não sabemos se é de confiança, mas também tem mulheres que são briguentas. É tipo coisa de vila: briga por um varal, ou reclamações do tipo ‘sujou na frente da minha casa, foi você’, essas coisas, mas são coisas pequenas. Nunca tivemos grandes problemas por isso. HR - Com a modernização dos ambientes de morada, acha que as vilas tendem a sumir ou a ficarem esquecidas? EA - Eu acho que será esquecida, viu? Aqui pouco existe vilas, né? Já indenizaram as casas, mas eu acho bonito morar em vila. HR - A construção do VLT, logo atrás do terreno da vila, afetou as casas. Algumas foram removidas e todas estão sendo indenizadas. Isso interferiu de algum modo aqui? EA - Interferiu. Essa pista que há ao lado, era tudo do seu Raimundo. Hoje em dia há essa pista, o calçamento com a pracinha do outro lado, mas esse terreno até a esquina era todo dele. Hoje não tem mais nada lá, apenas entulho da construção aí ele foi indenizado.

Aqui era muito grande. Era lindo aqui, no terreno ao lado ele criava gado, porco, cavalo. HR - Há construções de casas ao lado independente da construção do VLT. Alguém já tentou comprar o terreno de vocês? EA - Não, até agora não. Ninguém nunca tentou comprar, nem pra construir. Mas, nem se viesse, ele não venderia. Ele morre por isso aqui, mas nunca tentaram. Só essa indenização que houve mesmo no outro terreno. Ele já foi indenizado do lado do terreno onde há a pracinha e a rua aqui ao lado.

Iara Costa Texto e Fotografia

HR - Percebe-se que há um apego emocional com o local por ser familiar e por toda a história. Gostaria que seus filhos também tivessem esse apego e essa ideia de sempre morar aqui? EA - Tenho três filhos e

É só o futuro que diz, mas eu gostaria que eles continuassem aqui. Por-

os três moram aqui.

Weider Gabriel Texto e Fotografia

que todos os três nasceram aqui, e é bom.

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VILA ABÍLIO, 1

Arte de comer... Ou de cozinhar para os vizinhos

Morador e proprietário de uma lanchonete, Tay revela a sensação de morar e trabalhar no mesmo lugar

Sempre sentado à frente de sua Lanchonete “A Arte de Comer”, Francieudo Fabrí-

cio de Sousa, conhecido como Tay, 53 anos, está geralmente acompanhado e conversando com amigos. Sua simpatia e irreverência faz a diferença ao servir seus clientes. Por ter uma rotina diária cansativa a maneira de vestir o deixa bem à vontade, Tay deixa mostrar seu corpo maduro, porém trabalhado em seus exercícios diários, muitos deles entre as várias idas e vindas ao mercado para abastecer seu pequeno estabelecimento, na Vila Abílio, no bairro Joaquim Távora. Os olhos azuis deixam transparecer a jovialidade no olhar e no sorriso aberto. Mesmo sendo solitário na casa em que mora há 12 anos, ele não deixa passar, para quem atende, a sua solidão, isolada nas lembranças de quando tinha mais alguém na casa. A lanchonete, sempre bem arrumada, mostra a garra de vencer na vida de uma pessoa que, em meio a tantas dificuldades, consegue erguer a cabeça todo dia e superar os obstáculos que tem pela frente. Cada coisa no seu devido lugar: copos, talheres, pratos, alimentos e bebidas. Tudo organizado, mostra a beleza e simplicidade de uma lanchonete que se iniciou de uma decisão que até hoje mostra resultados positivos. Os certificados de melhor cozinheiro que ganhou em um concurso de nível Norte e Nordeste estão bem estampados e disputam lugar com a decoração do ambiente, que quebra a monotonia das cores claras e escuras. O bom gosto se revela nas delícias que ele serve de terça à sexta-feira, tudo feito com amor e com a fé de dias sempre melhores. Este é o convite principal para a entrevista a seguir. Bom apetite! Entrevista feita por Bianca Kethulen e Bruno Silva:

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História em Revista - Você nasceu na Vila Abílio? Tay - Não! Nasci no [bairro] Pio XII, me criei lá e então surgiu o interesse em morar nesse bairro. HR - Então, quando e como veio morar na Vila Abílio? T - Em 1º de outubro de 2005 e, desde então, já vai fazer 12 anos. HR - Como é a sua relação com os moradores? T - Ah! Aqui é assim, não sou muito individualista, até porque não tem como a gente ser individual com as pessoas que moram na Vila, sempre precisamos um do outro. Então, aqui tudo é uma parceria. Gosto daqui por causa disso. Aqui, se faço algo pra alguém, alguém faz pra mim. E assim a gente vai levando a vida. HR - Quando e como surgiu a ideia da lanchonete? T - Trabalhei em padarias durante minha vida toda, pra ser mais específico em duas, 11 anos, na primeira e mais 14 em outra. Quando trabalhei nesta

nesta segunda, participei de um concurso chamado FestPan. Eram 50 candidatos, em nível Norte e Nordeste e fiquei com o título de 1º lugar. Ganhar esse concurso foi uma vitória pra mim porque estava saindo das drogas e tinha perdido a minha mãe.

vel e queria crescer. Foi então que, em uma segunda-feira, cheguei ao escritório da padaria e decidi pedir demissão. Avisei à dona Cíntia, a proprietária: ‘não quero mais ficar aqui; quero por meu próprio negócio’. Em setembro de 2009 abri minha lanchonete. HR - Depois de sua mudança para cá, já cogitou a possibilidade de morar em outro local? T - Não! Só se for para minha casa própria, pois aqui é alugado. [Respondia enquanto se levantava para atender a um cliente da lanchonete]

Nessa época, ainda morava no bairro Pio XII. Como a minha renda era pouca, acontecia que não dava pra suprir minhas necessidades. Então, logo que vim morar na vila, comecei a vender salgadinho na porta da minha casa, mas tinha uma ambição saudá-

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HR - Você reparou alguma mudança extrema desde sua chegada? T - Mudou assim, em termos de pessoas que saíram, compraram suas próprias casas - porque muitas são alugadas -, e foram embora. A estrutura continua do mesmo jeito. HR - Durante os 12 anos como morador, se envolveu em alguma desavença?


T – Não. Geralmente, quando acontece, não me envolvo, sabe. Eu não sou muito de bater boca. Até mesmo porque tive uma educação pobre, mas uma educação como manda o figurino. [Respondia enquanto se levantava para atender a mais um cliente] HR - Qual foi o momento que mais marcou sua vida na Vila? T - Ah, foi minha separação! Aí foi triste. Tá com 4 anos e nove meses. [Cabisbaixo, esperou a próxima pergunta] HR - Você sempre gostou de morar em uma vila? Era a sua intenção? T - Antes de morar aqui, já havia morado em vila, na Vila da Idelfonso Albano. Saindo de lá me mudei para cá. Meu sonho era morar aqui, por causa da localização. Um exemplo: saio daqui e vou pro Mercado São Sebastião a pé, não porque não tenha dinheiro pra pagar ônibus, mas sim porque gosto. HR - Como é a sua rotina na Vila Abílio? T - Às seis horas da manhã, tô na academia malhando; depois da academia, vou para o mercado, mas isso uma vez na semana, faço as compras e venho pra casa. Ajudo uma amiga na Marmitaria dela, mas tudo que faço por ela é ajuda,

só ganho o almoço. Ela já me ajudou uma vez quando estava mal e agora retribuo. Após tudo isso, meio-dia vou ao supermercado Cometa comprar o que está em falta. Volto pra casa, tomo banho, ponho toca e começo a preparar os meus lanches. Ligo para a distribuidora de refrigerante pra entregarem o que eu estiver precisando. Quando dá tempo, repouso; quando não, fico direto até dez da noite, de terça a domingo. [Responde já um pouco apressado, pois o horário de maior movimentação iria começar na lanchonete]

Bianca Kethulen Texto

H.R - Qual a pior e melhor característica de ser morador de vila? T - A melhor parte, como havia falado antes, é que todo mundo se ajuda. Comigo principalmente, pois não sofro nenhum preconceito por ser gay. Todo mundo me aceita muito bem, isso pra mim

Então aqui tudo é uma parceria. Gosto daqui por causa disso. E a é tudo.

Bruno Silva Texto e Fotografia

parte ruim pra mim, é morar só. Dormir só é que eu acho ruim, a solidão.

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VILA SÃO JOSÉ, 21

Boa vizinhança e agradável de morar

Em meio a tantas mudanças, o lugar resiste ao tempo preservando velhos hábitos, tradição e histórias

Com 88 anos de fundação, a Vila São José continua sendo um lugar tranquilo e

agradável de morar. Localizada no bairro Jacarecanga, foi estabelecida em 1928 pelo empresário Pedro Philomeno Ferreira Gomes, dono da Fábrica de Tecidos São José que, durante muitos anos, foi a maior fabricante de redes do Brasil, dando nome também à vila. Na época, o principal objetivo era acomodar os operários que moravam longe e tinham dificuldades de deslocamento, criando assim uma das primeiras vilas operárias de Fortaleza. Ao todo, foram construídas 180 casas para as famílias dos operários. Residentes na vila há mais de 40 anos, Liduína Brandão, 60, e o marido, o paraibano João Jeremias de Abreu, lembram que boa parte dos moradores migrou do interior cearense, inclusive Liduína e a família. Eles vieram de Sobral para trabalhar na fábrica, que teve o fechamento na década de 1980. O que os motivou a permanecer na Vila São José foi a calmaria e segurança do local, apesar dos altos índices de violência da Capital. Uma questão que preocupa não somente ao casal, mas, a outros moradores, são as mudanças que vem ocorrendo. No espaço onde era localizada a fábrica da família Philomeno, atualmente está sendo construído o Centro Fashion Fortaleza, um shopping popular, privado – parceria do Grupo Marquise e Construtora Preferencial -, o que provavelmente aumentará o fluxo de pessoas no entorno da vila. Na entrevista a seguir, concedida na casa de dona Liduina e seu João, eles revelam alguns de seus sentimentos pelo lugar e quais são as expectativas sobre o futuro da Vila São José. Entrevista feita por Jonathan Firmino e Luciana Silva:

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Revista em História Como foi sua chegada à vila? Liduina Brandão - Vim morar na vila ainda muito criança. Meus pais nunca trabalharam na fábrica só as minhas irmãs, e sou a caçula da família. Meu marido morava no interior da Paraíba, trabalhava na roça e graças a um tio, que já faleceu, foi trabalhar no comercio. Morou em outras cidades da Paraíba e também em Caicó, no Rio Grande Norte. Depois foi para o interior do Ceará, até vir p a r a Fortaleza e ser tornar morador da vila. A gente se conheceu aqui. RH - No decorrer dos anos muitas modificações ocorreram na vila. Como era quando vocês chegaram aqui?

A vila sempre foi essa tranquilidade. LB -

As casas eram todas normais, padronizadas, só não as que foram tombadas como patrimônio público [A vila não consta, porém na lista de bens tombados em Fortaleza]. Aquelas sempre foram dois andares. Mas, o resto eram todas iguaiszinhas, o mesmo tipo de pintura e cor. RH - Por falar nisso, boa parte das construções na

vila tem um crescimento vertical, inclusive a sua. O que leva a esse tipo de reforma aqui? LB - Na verdade, aqui não tem como alargar ou se dá lei de recuo por falta de espaço. As casas antigamente eram todas conjugadas. Hoje, com as reformas que foram feitas, é que se faz a sua casa individual.

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Já veio engenheiro, representante da prefeitura, mas não em jeito. Eles falaram que pra mudar, só se botar a vila abaixo, então se quiser aumentar é pra cima. É como dá. RH - No local onde funcionava a antiga fabrica São José está sendo construído um shopping popular, acredita que isso afetará a rotina dos moradores? LB - A obra em si não incomoda, eles t ê m muito cuidado pra não ter sujeira, barulho... O que preoc u p a são os futuros inquilinos, depois que terminarem a obra, a paz da vila pode acabar. Estão alargando a rua que passa aqui por trás da vila, o que vai aumentar o movimento de carro e pessoas. Veja bem, a maioria das casas não tem garagem e fica muito carro na rua. Esse shopping vai ficar muito visado e a gente teme pela segurança, pois vai atrair todo tipo de gente.


RH - A família Philomeno ainda possui algum tipo de influência aqui na vila? LB - Veja bem, há dois edifícios aqui na entrada, que antes era um campo de futebol e uma quadra, tudo da família Philomeno, mas eles venderam. Ainda tem casas na vila que estão alugadas, que pertencem a eles, inclusive o supermercado aqui vizinho, é deles. Os filhos do seu Philomeno tentam preservar as propriedades em memória do pai, mas às vezes têm que vender, embora ainda continuem tendo muita participação por aqui. RH - Quais os desafios na vila que você enxerga hoje? LB - Manter a harmonia e a paz. Muitas pessoas compraram casas aqui, reformaram e alugaram pra outras pessoas. Vem morador de todo lugar, não se conhece mais ninguém, são pouquíssimas as famílias de antigamente. Acho que é manter essa tranquilidade que existe.

Os dois já casaram e têm suas moradias. Sei que eles não têm interesse de morar aqui, mas não queria que vendessem, que a casa ficasse como patrimônio pra família. RH - O que significa na vida de vocês serem moradores da vila São José, um lugar de tanto valor histórico para a cidade? LB - Tranquilidade. Mesmo com toda violência que existe por ai, a gente ainda pode ficar na rua até onze horas da noite conversando, sem se preocupar. Aqui é seguro, por ser pequeno, por ser uma vila, aqui a gente ainda pode ter essa sensação de segurança.

Jonathan Firmino Texto

Luciana Silva Texto e Fotografia

RH - Os seus filhos pensam em dar continuidade à casa de vocês aqui no bairro? LB - Não sei te informar, mas acho que não. Meus filhos não moram mais aqui.

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VILA PIRINEUS, 138

Novo bairro, novos vizinhos e esperanças renovadas

A mudança no estilo de vida de uma jovem que, mesmo sem querer, conseguiu ver o lado bom de um recomeço

Silvany Silva tem 20 anos. Morava no bairro Arvoredo e, mesmo contra sua vonta-

de, teve que se mudar, por necessidade dos pais. Agora reside na Vila Pirineus, que fica próximo ao Delícias do Sertão, na Avenida Godofrego Maciel, e que, sem dúvida, apresenta características peculiares de uma vila. Possui casas com formatos e tamanhos iguais, juntas umas das outras e que, apesar de serem pequenas e simples, conseguem transmitir uma sensação de aconchego. Levando uma vida agitada e ainda com cara de sono, a mais nova moradora da comunidade, tirou um tempo para conversar sobre como está nessa nova fase da sua vida. Uma experiência que, certamente, ela nunca esquecerá. Não deve ser fácil, afinal, ter que de repente se acostumar a um diferente convívio social, distante das amizades de infância, ainda mais sendo jovem. A porta da pequena casa estava aberta e permaneceu assim. Com isso, o vai e vem de pessoas era constante. Sentada no sofá ao lado da irmã Eveline Silva, Silvany estava pronta para falar sobre o momento atual. E foi muitas vezes interrompida por sua sobrinha de três anos que tentava pegar o gravador, ao mesmo tempo em que mostrava os brinquedos. A mãe, Lúcia Silva, embora ocupada na cozinha, ficou atenta ao que a filha respondia e de vez em quando até palpitava. Já a irmã discordava de quase tudo que era respondido. Para saber e conhecer como é a convivência dela com a Vila e com os vizinhos, leia mais detalhes desta interessante história na entrevista a seguir. Entrevista feita por Alexia Marinho e Gutemberg Fonseca:

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História em Revista - Como foi a adaptação ao chegar para morar em uma vila, vindo do Arvoredo? Silvany Silva - Foi bastante ruim. No outro bairro em que morávamos, já tinha todas as minhas amizades que foram construídas lá. Tive de me afastar de tudo e tentar a adaptação em um novo bairro, com pessoas diferentes do meu convívio social. Foi bem estranho. HR P a r a você, o que é morar em vila? SS É um pouco difícil, princip a l mente p o rq u e as casas são praticamente umas em cima das outras, diferente de como era, quando morava lá no Arvoredo. É que lá havia espaço, as casas não eram tão pequenas e não tão próximas. Aqui é muito apertado. O que um vizinho faz, nós sabemos. O que eles falam, ouvimos. Aqui não se tem privacidade para conversar sobre determinados assuntos.

Principalmente se estivermos falando sobre os vizinhos, eles mesmos vão ouvir. Morar em vila é como morar com uma família bem grande em quartos separados. HR - Por ser vila e ter toda essa aproximação da vizinhança, se sente mais acolhida? SS - De certa forma. Como

as casas são muito próximas, acaba que criamos amizades rápido e se por alguma circunstância precisarmos de ajuda, corremos para o vizinho mais próximo e lá somos amparados. Então, sim. HR - Como é o convívio comunitário? SS - Aqui as pessoas são bem prestativas, nós nos ajudamos muito.

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Logo de manhã cedo aparece vizinho com xícara pedindo café. Na hora do almoço aparece pedindo arroz, acredita? Os mais íntimos até chegam para comer nas casas uns dos outros. HR - Com a porta aberta todo tempo, não tem receio que algo possa acontecer? SS - Sim, tenho muito receio, mas por a casa ser muito quente, deixamos a porta aberta pela necessidade de ar. A porta fica aberta mais no período da noite, pois os vizinhos colocam as cadeiras nas calçadas e ficamos jogando conversa fora. Já no período da manhã, como alguns estudam, e outros trabalham, a porta não fica aberta o tempo todo. HR - Pode-se perceber que esse bairro tem bastante vilas. Mas, e os grandes comércios, escolas, postos de saúde têm aqui próximos das vilas ou é preciso se deslocar para


outros bairros? SS - Aqui não tem escola próxima. As escolas de ensino fundamental são do município e as do ensino médio do governo. Mas, sendo de um ou de outro, não existe escola próxima. Não temos frigorífico, supermercado grande, e tudo é longe. De comércio o que temos são essas lojas pequenas, mercadinhos, nada de grandioso.

Lá ela mora sozinha, tem todos os filhos grandes e o esposo faleceu há um tempo. Essa minha tia deu um terreno para minha mãe e ela é doida para construir uma casa e mudar para lá. Confesso que não acharia ruim, pelo contrário, acho até muito mais calmo do que morar na cidade grande, como sou dependente dela, irei sem problema algum.

HR - Quando vai fazer algum cadastro, por exemplo, qual o endereço que você informa? Como é conhecido popularmente o local onde mora? SS - Nosso bairro não tem um nome específico. No papel da água vem escrito Mondubim, outros vêm escrito Novo Mondubim. Até as próprias pessoas que aqui moram não sabem exatamente o nome do bairro. Tem gente que chama até de Planalto Ayrton Sena. Mas, fica nesses três. Quando vamos em uma loja qualquer para fazer compras ou fazer cartão, o bairro que informamos é o Mondubim.

HR - Estamos em uma época comemorativa, perto do Natal e do Reveillon. Vocês costumam se reunir, fazem algum tipo de confraternização? SS - Não moro aqui há muito tempo, mas sempre fazem esse tipo de comemoração, não só nessa época, como também em outras. Por exemplo, mudei para cá em junho e, logo depois, houve uma comemoração de São João, em que todos cantaram, dançaram, se reuniram, fizeram fogueiras, ficaram até tarde conversando, foi super legal. No Natal que é algo mais família, juntamos quem quer participar, fazemos um jantar, em que cada um leva um prato diferente e depois da ceia, nos descontraímos com o amigo secreto.

HR - Na parte externa da casa está escrito no muro: “Vende-se”. Você disse que gosta de morar em vila, então porque o “Vende-se”? SS - Sim, gosto de morar aqui. Tenho uma tia que mora no interior (Pacajus).

Alexia Marinho Texto

Gutemberg Fonseca Texto e Fotografia

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Vila Pirineus

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VILA SANTA CECÍLIA, 22

Um espírito jovem e cultural no coração do Benfica Em meio aos movimentos sociais, à diversidade cultural do bairro, mora uma personagem que tem muito que contar

O

último dia de novembro reservou um calor escaldante na capital cearense. E na Vila Santa Cecília não estaria diferente. Depois de subirmos lance de escadas de azulejos brancos que já revelavam discretamente o espírito empreendedor de Dona Eloia, ela já iniciou a conversa com “um calor, né? Vou ligar o ventilador”. O segundo andar, construído após a chegada da potiguara na vila, reflete a personalidade da dona. Uma sala de estar reduzida para dar espaço a escada, um corredor que abarca cozinha e lavanderia e dois quartos. Um desses é o refúgio onde confecciona seus bordados. Vaidosa, antes mesmo de responder a primeira pergunta ela diz “não tem foto, né?”. Sentados à mesa da cozinha e cercados de um silêncio incomum para um bairro universitário, a conversa era como a de dois vizinhos que acabaram de se conhecer. É uma situação típica de vila. A única distração é o barulho dos pássaros que cantam na janela dos fundos, que enquadra um dos prédios da Universidade Federal do Ceará (UFC), no bairro Benfica. A timidez inicial se perde quando ela responde a primeira pergunta. Dona Eloia relembra sua infância no Rio Grande do Norte, a chegada em Fortaleza e sua vida atual. No final, ela pergunta “Vocês querem uma foto? Vou só pentear o cabelo e passar um batom. Eu adoro batom!”. Tudo entre sorrisos de uma eterna jovem. Entrevista feita por Larissa Teixeira e Léo Costa da Silva:

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História em Revista - Por que decidiu morar em uma vila? Eloia Pinheiro - Porque a gente estava atrás de comprar uma casa e o que deu para comprar foi esta casa aqui, na época. HR - E onde a senhora morava antes? EP - Vixe Maria, morei em vários lugares, nem sou daqui, né? Sou do Rio Grande do Norte. Até chegar, já morei em vários cantos.

HR - Como é a vida aqui? Calma, agitada? EP - Até que ela era calma, mas aí começaram a morar uns estudantes estrangeiros e bagunçou. (Risos) HR - Mas, antes, quando ela era calma, isso refletia no seu modo de pensar e

HR - Teve algum acontecimento ou fato curioso que marcou durante os anos que a senhora mora aqui? EP - Não, só os assaltos ao Banco do Brasil aí. (Risos) Durante esses anos já foi bem umas três vezes. HR - Quando chegou à vila, essa casa já existia? EP - Sim, já existia. O primeiro andar pelo menos. Construí o segundo andar com o dinheiro que o Lula liberou da época do Collor. Meu marido tinha algum dinheiro guardado. Decidi investir.

HR - Já havia morado em uma vila antes? EP - Não, foi a primeira. HR - A senhora sabe o ano de fundação da vila? EP - Não sei não, sei que eu moro aqui há 22 anos e o pessoal conta que essa vila era dos funcionários do pessoal do Gentil, que é a reitoria hoje. [o prédio da reitoria da Universidade Federal do Ceará já foi um antigo casarão pertencente à família Gentil (homenageados com o nome da praça Gentilândia]. O ano da fundação não sei, não.

EP - É, porque é nossa, né? Vou sair não.

viver? EP - Gostava mais da época que ela era calma, não que eu seja tão calma, mas... (risos) Lugar de morar é de morar. HR - Pretende ficar aqui por mais muito tempo?

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HR - E o que a senhora imagina que aconteceu nessa casa antes de você morar nela? Conhecia os moradores de antes? EP - Não, conhecia não. As casas eram todas iguais, desse lado da minha e o outro lado era um terreno baldio. Porque essas casas aqui desse lado eram justamente do pessoal do Gentil. Eram todas iguais,


só que agora não tem mais nenhuma do jeito que era. Tem cara de vila porque não tem saída, mas nenhuma está como antes. HR - Como é sua relação com a vizinhança? EP - É boa. Tirando os estudantes... Mas, até que acalmaram mais! A única casa que não conheço é a 14, o resto já entrei em todas. HR - Como é o seu dia a dia? EP - Todo dia tenho uma coisa para fazer, pra sair. Tem médico, tem dentista, tem supermercado e à tarde, eu trabalho. HR - A senhora trabalha em que? EP - Sou atendente de médico. E o dia a dia aqui é assalto. Já fui assaltada duas vezes chegando à minha casa. Fora os outros moradores e os estudantes que não tenho intimidade. Esses dias mesmo teve um assalto bem no meio da vila, mesmo na hora que chego do trabalho, 21h30. HR - Os moradores pensam em colocar um portão na vila? EP - Há muitos anos a gente vem tentando colocar isso, mas tem gente que não quer porque teria que ir abrir, mas se fosse interfone, tudo automático...

Só que ia sair muita despesa e nem todo mundo que mora aqui tem condições. Querer até a gente quer, mas não tem condição financeira para eles. A UFC [Universidade Federal do Ceará] é aqui, a reitoria, e lá tem vigilantes, mas são de lá, né? Não vão vigiar a vila. A gente pensava até que ia inibir, mas pelo jeito não inibe não. HR - A senhora gosta de estar sempre em contato com a vida dos estudantes que moram no bairro Benfica, por meio de shows, eventos? EP - Sempre que tem coisa aí na praça [Gentilândia], eu gosto. Naquele dia que teve a votação do Impeachment da Dilma, essa Avenida da Universidade aqui, o palco era mesmo ali, de frente para cá (vila). Aí tem carnaval

Eu gosto daqui, tirando os assaltos. Tem muito movimento. É um bairro cultural.

Larissa Teixeira Texto e Fotografia

na praça.

Léo Costa Silva Texto e Fotografia

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VILA ROMCY, 39

Simplicidade e calmaria são, de longe, a essência Dentre as seis casas da pequena rua sem saída, a da dona Edna chama a atenção por ter muitas plantas e completamente verde

Com tantos prédios, condomínios e casas luxuosas espalhadas por Fortaleza, a cidade acaba perdendo alguns encantos, como, por exemplo, a beleza de construir laços de relacionamentos com vizinhos e vizinhanças. A sociedade pouco dialoga e se importa cada vez menos com o outro. Apartamentos estão servindo cada vez mais como uma bolha: pessoas não querem ser incomodadas, se desligando de tudo e de todos. No bairro Joaquim Távora, porém, esses padrões são modificados pelas vilas. E são muitas. O bairro liga o presente ao passado. Às vezes, toda a família nasceu e cresceu conhecendo as pessoas. Para eles, esse convívio é muito importante, e não pode ser trocado por indenizações ou moradias luxuosas. O tema se torna incessante principalmente pela especulação imobiliária que está acontecendo na Vila Vicentina, em que empresários querem aproveitar a área, devido sua localização privilegiada. A essência da Vila Romcy é, de longe, a simplicidade. Pacatas e silenciosas, as casas da vila seguem o mesmo padrão: possuem grade vazada, pequena varanda de entrada e porta principal de madeira. A pequena rua sem saída é composta por seis casas e cinco árvores. O que chama a atenção, logo de início, é a singela casa de número 39, cheia de plantas e completamente verde. Edna Ferreira, 72 anos, uma das moradoras mais antigas da Vila, estava fazendo seus afazeres domésticos quando convidou a equipe para entrar e se dispôs a conversar. No início, estava um pouco tímida e insegura em relação às respostas. Retraía o sorriso sempre que podia, mas, em seguida, após ‘um dedo de prosa’, o sorriso começou a surgir e ela narrou a sua experiência na Vila Romcy. Entrevista feita por Marcela Benevides e Paulo Victor:

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História em Revista – Dona Edna, quanto tempo mora na Vila? Edna Ferreira - Em junho de 2017 vai fazer 15 anos. HR – É a moradora mais antiga? EF – Eu e essa senhora aqui [vizinha]. Chegamos aqui juntas... A Conceição. Estamos esse tempo todinho aqui, os outros sempre vão chegando e saindo... [risos] HR – Chegou a conhecer os donos da vila? A família Romcy? EF – Os donos não... Família Romcy não, deixa eu lembrar, é a família Camargo, não, Carvalho, mas Romcy mesmo não, quando chegamos aqui já era Carvalho. É até uma imobiliária. Quando cheguei aqui, Romcy mesmo era só o nome. Não sei se são eles, se esses são os antepassados deles... Agora foi que mudou, parece que separaram as heranças, as casas... Agora, Romcy não me lembro. Devem ser os antigos donos. HR – E recorda de algum

fato marcante aqui na vila, que gerou repercussão? EF – Não. Foi só coisinha boba, aqui e acolá, mas não marcante... Coisinha assim do dia a dia, marcante, não. Aqui é muito pacato.

HR - Teve alguma motivação para a senhora vir morar aqui? EF - Não, estava procurando mesmo, e encontrei aqui, gostei, não teve um motivo. Achei calmo, gostoso.

HR – A senhora acha que

HR - O que mais lhe agrada em morar na Romcy? EF - Essa calma, o sossego, é isso que me agrada. Aqui não falta nada: água, luz, paz e sossego mesmo, a gente vive tranquilo aqui.

as vilas, de um modo geral, têm importância histórica? A Vila Romcy tem alguma história significativa para Fortaleza? EF – Não sei lhe dizer se tem importância histórica... Só se for da família deles, mas para nós não...

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HR - Alguma coisa lhe desagrada? EF - Só tem uma coisa que acho que desagrada a todos aqui: a falta de um portão lá na frente (na entrada da Vila), que hoje está tão difícil, muito violento, e a gente tem medo. De vez em quando aparece alguém querendo entrar, mas tem os cachorros que avisam quando chega alguém desconhecido. Só isso que desagrada, a gente já tentou colocar um portão aqui, mas não teve jeito. HR - Morando em casa ou


ou apartamento, sempre é mais agitado. Acha que morando aqui na vila tem mais tranquilidade? EF - Tenho um quintal, apartamento não tem... Sempre morei em vila, não é porque ia procurar uma, mas quando procurava e gostava da casa, era em vila. HR – Normalmente nas vilas, como os vizinhos se conhecem mais e possuem uma intimidade maior, costumam deixar seus filhos, netos, uns com os outros quando precisam sair para resolver alguma coisa. Aqui também acontece isso? EF – Quando viajo, quem fica cuidando das minhas plantas é a minha vizinha! [Risos]. Ainda tem as filhas, que moram com ela, mas eu não. Meus filhos são todos grandes, só moramos eu e meu marido. Quando tenho que viajar é ela quem cuida das minhas plantas, fica com minha chave e tudo. Todo mundo deixa, na verdade. Sempre que precisa, deixamos a chave com o vizinho...Vai receber uma encomenda e não vai estar em casa, pede para o vizinho receber, todo mundo se ajuda.

contar com eles, todo mundo se gosta aqui.

Temos uma intimidade gostosa, como uma família; por

isso que digo que aqui é bom. Todo mundo ajuda um ao outro, todo mundo confia plenamente em todo mundo. HR - Rua sem saída, nas vilas, de um modo geral, as pessoas têm costume de fazer festas comemorativas, como o São João. Vocês fazem isso? EF - É difícil a gente fazer aqui... Uma vez, me lembro que fizemos festa de São João, e fim de ano sempre vou para a casa do meu sogro. Os vizinhos também vão. Nunca fizemos esse tipo de festa, só o São João mesmo, mas não é frequente. A gente fica até pensando ‘nunca fizemos essas festas’, mas é por causa disso, um vai para um lado, outro vai pro outro, ninguém fica na vila.

Paulo Victor Texto

Marcela Benevides Texto e Fotografia

HR - A senhora sente aqui na vila um ambiente harmonioso, em que possa confiar nos seus vizinhos? EF - Aqui se você precisar de alguma coisa, corre aqui no vizinho que ele acolhe, aqui é bom por isso. Todos os vizinhos se ajudam, na hora da necessidade pode

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VILA GONÇALVES DOS SANTOS, 8

Uma sensação de paz que decidiu fazer morada

As pessoas que vivem nos grandes condomínios vertificais não conhecem, por certo, o gostinho doce de morar em uma vila

De fala mansa, voz baixa e palavras bem medidas, os olhos da professora Maria

Neila Gomes Barroso brilham quando fala da Vila Gonçalves dos Santos. Residente no local há 34 anos, passou ali os melhores anos de sua vida. Das brincadeiras de rua, das tertúlias na adolescência, do namoro na calçada, dos muitos amigos – alguns dos quais mantém até hoje –, tudo é motivo de boas recordações, apenas interrompidas com a chegada do seu inseparável poodle toy Flash, que deitou ali perto, só saindo quando a entrevista foi concluída. Com 43 anos de idade não aparentes, atenta a tudo o que ocorre ao seu redor, demonstrando ser o esteio da família, Maria Neila reside com a mãe dona Joselita, de 95 anos, e a sua cuidadora, mas a casa está sempre cheia com os outros filhos e netos, além de amigos que sempre chegam para conversar. A localização privilegiada da vila, que tem como vizinhos próximos o Colégio Militar de Fortaleza, o Mercado dos Pinhões, a Paróquia Cristo Rei e uma estação de metrô em construção, constitui-se numa pausa no meio da agitação da cidade grande; um oásis de paz no deserto caótico da metrópole. Para compreender melhor os motivos dessa tranquilidade que contagia, a equipe do Quinto Andar foi conhecer a vida de Maria Neila, que discorreu sobre fatos e casos da vila. Após uma tarde privando de sua hospitalidade e de sua família, em sua linda casa, é correto supor que a sua jovialidade decorre em muito do que ela tem vividonessas três décadas de vila. Os detalhes estão na entrevista a seguir. Entrevista feita por Ana Cláudia Lemos e Khelvya Danya:

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História em Revista: Há quanto tempo reside na vila e que motivos a levaram a esta opção residencial? Maria Neila: Vim morar aqui há 34 anos. Tinha 9 anos de idade, quando minha família mudou-se para cá. A casa é de minha irmã, que casou com um Gonçalves, o Mozart. O avô dele – Manoel Gonçalves-, foi quem construiu esta vila e algumas das casas da travessa Russas e da Rua Rodrigues J ú n i o r, aqui no entorno. HR: A vila é composta por 31 casas, havendo placas para venda ou aluguel. Como se dá a ocupação residencial na vila? Faz tempo que as casas estão disponíveis? MN: Só temos duas casas com placas. Nem sei porque elas ainda estão desocupadas. Uma está para alugar, há pouco mais de uma semana, pois foi de uma vizinha que faleceu recentemente. Mas, as casas aqui têm grande procura, elas não ficam muito tempo vazias. Acredito que isto seja por conta da

localização. Fica próximo do centro da cidade, do Dragão do Mar, da praia ... O acesso é fácil para tudo, tem ônibus para todo lugar. HR: Todos se conhecem na vila? Como as pessoas se relacionam? MN: Aqui todos se conhecem. Quando chega alguém que não mora aqui, logo se percebe, até pelo jeito de estacionar o carro. Todos se cumprimen-

tam, ninguém nega um bom dia, boa tarde ou boa noite. É claro que com alguns a gente tem maior proximidade. Nós temos uma casa no Mondubim, mas fizemos a opção de permanecer aqui por tudo o que as amizades oferecem. A minha mãe é deficiente visual. Ela ficou cega aqui. Mas, consegue se deslocar com alguma facilidade pelo que conhece do espaço. Além do mais, eu trabalho e, mes-

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mesmo com a cuidadora, sei que em alguma necessidade, tenho com quem contar. Posso telefonar e pedir para uma vizinha vir aqui em casa ver “mãinha” e me tranquilizar. E eles sabem que podem contar com a gente. Minha irmã, por exemplo, teve um problema no joelho outro dia e a vizinha vinha aqui fazer massagem. A vizinha que perdemos recentemente, a Dona Francisquinha, tinha um hábito muito especial. Ela gostava de cozinhar. Mas não cozinhava só para ela. Quando ela fazia canjica, só para citar um p r a t o , distribuía com os vizinhos. E, de vez em quando, chega um dizendo: “fiz isto aqui, lembrei-me de você”. Quando viajam, veem alguma coisa, lembram e trazem. É como se fosse uma grande família. Somos também um povo muito festeiro. Antigamente as festas daqui eram famosas. Tinha a quadrilha da Vila. Mas, ainda fazemos eventos. Conversamos com todos, fechamos a rua e realizamos missas, assistimos jogos da copa


do mundo, fazemos festa para as crianças – com pula-pula, aniversários. O pessoal gosta dessa movimentação de vez em quando. HR: O que diz sobre a questão segurança na vila? MN: Nós não temos problema de segurança na vila. Nunca tivemos. Acredito que por ser uma vila fechada, sem saída e por não ter um ponto de fuga com facilidade, não somos visados. As pessoas ainda conseguem colocar suas cadeiras na calçada no final do dia e ficar ali proseando, enquanto as crianças brincam. Alguns moradores da Rodrigues Júnior, da Dona Leopoldina e da travessa já reclamaram que tiveram assalto quando ficam nas calçadas, mas aqui não. O que já tivemos foi carro roubado, abandonado; situação de bandido fugindo da polícia e não encontrar saída; gente querendo aplicar golpe, dizendo que veio buscar coisas, sem que o dono tenha autorizado. A maioria das casas não tem garagem. Os carros dormem na rua e já aconteceu de mexerem durante a noite. Aqui em casa, por exemplo, tenho quintal, que é muito tranquilo. Ele é correspondente ao quintal da outra casa e nunca deu problema.

Nesse pequeno espaço ainda não perdermos o sossego por causa de segurança. HR: Nesse seu tempo de residente na vila, teve algum vizinho famoso ou que tenha se destacado em algum aspecto na cidade de Fortaleza? MN: Muita gente boa já saiu daqui. Não consigo lembrar o nome de todos, mas me veio à mente a ex-Prefeita de Fortaleza, Maria Luíza. Ela morou aqui muito tempo. Hoje mora ainda a Vânia Ramos, que é escritora e blogueira. Sua família é das primeiras da vila e hoje ela é uma das moradoras mais antigas. HR: Qual é hoje a sua maior preocupação com relação à vila? MN: O que muito preocupa é a estrutura das casas. Por serem muito antigas, algumas carecem de reforma. Temos problemas com cupins. Outro dia o teto de uma desabou. Mas, não adianta um só reformar. Temos também vontade de colocar um portão na entrada. Não por segurança, mas privacidade.

Ana Cláudia Lemos Texto e Fotografia

Khelvya Danya Texto e Fotografia

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Vila CecĂ­lia VilaSanta Pirineus

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VILA IRMÃ SHEILA, 6

Uma gentileza incomum e outras histórias

Dona Brisa é querida por todos e guarda no olhar o pesar e alegria pelas duras vivências passadas

Maria Neuma Fernandes é conhecida como “dona Brisa”, no lugar onde mora, a

Vila Irmã Sheila, no Monte Castelo. Piauiense, veio para Fortaleza tentar uma vida melhor para ela e seis irmãos, órfãos. A mãe morreu de parto e um ano depois, o pai se foi, por conta da depressão. Os tios em Fortaleza eram os únicos parentes. Eles, então, se mudaram para uma casa onde viviam 16 pessoas. “Foi um período muito difícil. Naquela época faltava emprego, mas apesar das dificuldades, minha infância foi feliz, eram muitas crianças na casa. Tinha muita árvore e a gente brincava muito”, pontua. Devido às condições, começou a trabalhar muito cedo. Aos 12 anos era empregada em casas luxuosas. Dormia na residência dos patrões. Hoje, aos 50 anos, trabalha como costureira e tem um ateliê na própria casa, um duplex, habitando a casa de cima e na debaixo, a família do marido. As filhas, Hanna e Talita, são contadoras e trabalham num escritório com o pai. Enquanto entrevistada, foi possível perceber alguns traços tocantes no ambiente e na personalidade de dona Brisa. As cores eram praticamente neutras nas paredes (amarelo e branco), mas o ateliê era organizado e cheio de linhas e tecidos, avivando o lugar. Hoje, dona Maria Neuma se sente muito satisfeita com a vida. “A Vila Irmã Sheila é um lugar muito especial para mim. Toda a família do meu marido é daqui e nós costumamos dar bom dia, nos visitar e conversar sempre, somos como uma família”, diz. Entrevista feita por Alice Guilherme e Gerliane Viana:

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HISTÓRIA EM REVISTA – A senhora já morou em outros lugares? MARIA NEUMA – Sim. Nasci e cresci no Piauí. Vim para Fortaleza, comecei a trabalhar com 12 anos e, enquanto ainda era doméstica, morei muito tempo na elite como Aldeota e o Parque Rio Branco, cuidando de cozinha, crianças entre outros fazeres. Somente aos 19 anos de idade conheci meu atual esposo, que sempre morou na Vila Irmã Sheila, no mesmo terreno que está essa casa hoje com a sua família. HR – Qual a maior diferença entre morar na rua e numa vila? MN – Na época que trabalhei como doméstica, morei em prédios altos e não sentia segurança de morar no alto com muitas pessoas estranhas, me sentia “engaiolada”. Quando vim para Irmã Sheila além da proximidade com as pessoas, que era o oposto de lá, percebi a diferença, pois aqui somos como uma família e conheço todos os moradores dessa rua há 30 anos.

É uma vila curta, pequena, com poucas casas, mas nos reunimos à noite para conversar na calçada, também em datas festivas como 13 de Maio, Natal e final de ano comemoramos todos juntos. HR – Quais os benefícios de se morar numa vila? MN – A convivência e a segurança. Aqui a gente costuma fazer festas de fim de ano, rezar missas e no geral somos muito uni-

dos. Além disso, essa vila é muito segura, é muito raro ver crianças brincando na rua livremente como aqui. Então, isso é gratificante. HR – Pensa em se mudar? MN – Não, esse lugar é muito confortável e muito tranquilo. HR – E a senhora sabe de alguma coisa da história desse lugar?

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MN – Sim. No início, aqui tinha muitas árvores e um açude, João Lopes. As pessoas tinham uma relutância grande em vir morar, porque o açude passava perto e era um lugar muito úmido. Depois que o açude se acabou, muitas foram se interessando. HR – Quais as maiores mudanças que ocorreram desde que chegou aqui? MN – Quando cheguei, havia muitas árvores. Meu esposo costumava falar que aqui era até um rio na época, havia mais árvores do que casa. A i n d a cheguei a ver algumas, mas, hoje em dia, não tem muitas como antes. Na entrada da Vila tinha um pé de sapoti enorme. Na casa que moro hoje, era uma casa no fundo do quintal, que residia minha sogra e na frente era a casa da minha cunhada, que foi feito um duplex para ela morar na parte de baixo e eu na de cima. Também surgiram muitas casas novas. O bairro em si ficou mais urbano e colocaram um portão na vila.


HR – E de alguma lenda ou boato, a senhora tem conhecimento? MN – Vi várias lendas. Uma delas é sobre a casa em que uma mulher morreu em um terreno atrás da nossa. Ela se levanta todos os dias às 5 horas da manhã e varre a calçada. Por muito tempo nos assustamos até nos acostumarmos, pois eu e meu esposo ouvíamos o barulho da vassoura na calçada. E a outra sobre a última casa da vila, uma casa bonita, grande, mas nenhuma das famílias que morou lá tinha uma vida boa, passava por dificuldades e problemas constantes. Na primeira família, a mãe morreu e o pai suicidou-se no período que eles moravam lá. A segunda, o filho enlouqueceu e pintou todas as paredes do quarto de preto. A terceira, era uma família rica, mas enquanto morava lá, o casal quase se separou, o marido ficou desempregado e perderam muita coisa, até que chegou uma família que acabou com o carma. Derrubou toda a casa e a reconstruiu completamente, deixando todas energias negativas irem com os tijolos e entulhos da antiga casa jogada fora. A família está lá há 2 ou 3 anos e tudo corre bem.

MN – É como toda convivência, nem tudo são flores. Tanta intimidade faz com que a gente se conheça muito, então sempre há pessoas com pensamentos muito diferentes uns dos outros. HR – Qual a coisa mais interessante que vocês já fizeram/ou fazem em grupo? MN – Costumamos fazer “sopão” para pessoas carentes. Antes fazíamos aqui na vila mesmo. Hoje, fazemos na Praça do Ferreira, uma vez por mês.

Alice Guilherme Texto e Fotografia

HR – Já tentaram comprar a sua casa? MN – Não, ela também nunca foi posta à venda, mas quando vêm me visitar, as pessoas sempre a acham o duplex muito bonito.

Não abro mão da Irmã Sheila por nenhuma outra moradia.

Gerliane Viana Texto e Fotografia

HR – Algum ponto negativo em morar aqui?

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VILA DA PRATA, 25

Os hábitos e a harmonia de viver entre amigos

O envolvimento entre os moradores e os costumes que ainda prevalecem são encantadores e saudáveis

As vilas de Fortaleza ainda conservam características especiais como a estética

e a proximidade com a vizinhança. O estilo bucólico, o espaço, a venerabilidade, a segurança e a convivência social continuam sendo fatores preservados pelas vilas e seus moradores. Apesar da urbanização, o conjunto de casas favorece e propicia as relações interpessoais. Localizada no bairro Antônio Bezerra, a Vila da Prata possui uma característica elementar que é sua simplicidade. O lugar harmônico possui um portão principal, com desenhos decorativos. Apresenta, além disso, variação no padrão das casas, algumas mais modernas e estilizadas com revestimento e porta de alumínio. Já as outras têm um estilo padrão com a porta principal e a janela de madeira protegidas por uma grade vazada. Ivonice Araujo Souza, 72 anos, é a moradora mais antiga do lugar. Ela falou sobre os costumes que os moradores possuem e também relembrou saudosamente, como se deu o início da vila e os bons momentos que lá passou com o marido, os três filhos e os quatro netos. De modo simples e encantador, Ivonice respondeu algumas perguntas com muita simpatia, paciência e disposição. Na hora de tirar as fotos, pediu um tempo para se arrumar e brincou: “não posso deixar tirar uma foto minha que eu não esteja, no mínimo, maravilhosa”. Entrevista feita por Lya Cardoso e Virna Aquino:

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História em Revista – O que recorda do início da construção da Vila? Ivonice Araujo – Aqui era um terreno enorme, meio que era desperdiçado por ter tanto espaço só para colocar os animais que, naquela época, davam mais prejuízo do que lucro. Era cheio de gado, tinha muita mangueira e muito pé de planta que pertencia ao meu sogro. Depois, os filhos deram a ideia para ele construir essa vila para cada um ganhar uma casa. Aqui tinha cavalo, gado, burro, jumento, tinha tudo isso. Ele disse: “ah, quer saber de uma coisa?! Eu vou é vender esses bichos e construir casa para os meus filhos”. Depois disso, ele começou a construir as casas de lá para cá, é tanto que tem uma cacimba lá no fim da vila. Cada filho foi ganhando sua casa e, hoje, eles colocaram as casas para alugar e estão morando em outro lugar. Essa daqui foi construída na época em que meu marido trabalhava na pre-

prefeitura. Daí, ele nos deu essa casa. Morava em um quartinho dentro do terreno com meu marido e a nossa primeira filha. Minha vida, aqui, começou assim. HR – Quais costumes a senhora e os moradores

quando precisávamos fazer um serviço, ela cuidava dos meus filhos para eu poder fazer e, às vezes eu cuidava dos filhos dela também. Hoje em dia ela não mora mais aqui, mas eu ainda continuo costurando. Costuro crochês e biquínis também. A minha filha ajuda a vender pelo bairro. HR – Quais as vantagens que vê em morar aqui? IA – A segurança é uma delas, me sinto mais segura aqui. É tranquilo e mais calmo, né?! Outra coisa, a relação com meus vizinhos que são meus amigos, talvez se eu morasse em um prédio de luxo ou em uma casa não conheceria ninguém nem mesmo o porteiro ou o vizinho da casa do lado.

possuem no lugar? IA – Gostamos muito de sentar na calçada... Como não da para sentar aqui dentro da vila, pegamos nossas cadeirinhas e vamos sentar lá fora. Antigamente, eu e a vizinha costurávamos, então sempre

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HR – Como é a convivência com a vizinhança? IA – É ótima. Somos todos amigos, no que o outro precisar nós sempre ajudamos. Se faltar café, açúcar, gás e até se precisar ficar com os filhos para o pai ou mãe precisar ir re-


solver alguma coisa, nós nos ajudamos. HR – Aqui ocorre algum evento que relacione todos os moradores da Vila? IA – Sim. Fazemos nosso São João, ás vezes o Natal e a virada de ano. Fora os aniversários que reúne todos nós e sempre termina em festa, brincadeira e diversão. HR – Há quanto tempo a vila existe e por quais mudanças ela passou? IA – Já faz tanto tempo que nem sei ao certo, mas acho que já faz uns 50 anos ou mais. A mudança que teve aqui foi o asfalto, porque antes era de barro. Também colocamos o portão na entrada da vila. Que eu me lembre, as únicas mudanças foram essas HR – A vila é um lugar onde escolheria morar? IA – Gosto do lugar onde moro, mas se eu pudesse escolher não escolheria aqui. Moro, porque foi um presente do meu sogro. A casa é própria, é minha e eu agradeço e sou muito grata. HR – O que acha da localização? IA – Acho ótimo. Aqui no bairro tem muita variedade de lanchonetes e restaurantes. Na esquina tem uma sorveteria, ao lado da minha casa uma pastelaria

e no outro lado uma igreja. Tem até estádio, o Antony Costa. No carnaval, sempre tem uma brincadeira de rua, com blocos e desfiles. Sempre muito animado. No réveillon também tem uma comemoração com música e queima de fogos. E tem também a comemoração do dia das crianças com brinquedos, pula-pula e diversão para os pequenos. Este e o réveillon são eventos realizados pelo vereador do bairro. HR – Se fosse para mudar algo, o que mudaria? IA – Deixaria as casas coloridas, cada casa de uma cor. Mudaria o portão, reforçaria o asfalto e colocaria portas mais seguras nas casas.

Lya Cardoso Texto e Fotografia

HR – Como foi para seus filhos crescerem aqui?

Foi ótimo criar meus filhos em um lugar onde eles puderam brincar livremente. IA

Virna Aquino Texto e Fotografia

Eles cresceram em um ambiente onde se divertiram e criaram amizades que duram até hoje.

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VILA CEARÁ, 19

Afilhada do fundador é a moradora mais antiga Aos 67 anos de idade, a moradora mais antiga é Dona Tereza, conhecida por todos como a matriarca

Construída em 1951, por Edelberto Góes Ferreira, a Vila Ceará localiza-se nas pro-

ximidades da Avenida Antônio Sales com Rua Dona Leopoldina, 1600, bairro Joaquim Távora. É composta por cinco casas de números 10, 12, 14, 16, e a última de número 18: É nela que mora Maria Tereza Carlos de Paula, 67 anos, a residente mais antiga da vila. Dona Tereza, como é conhecida por todos, mudou-se para este endereço com o pai e a mãe, no ano em que a Vila Ceará começou a ser erguida. Ela tinha apenas dois anos de idade. A casa em que foi morar foi construída por seu pai, no terreno que lhe foi dado pelo próprio fundador e também padrinho de dona Tereza. Moradora há 65 anos, ela possui muitas histórias, momentos e curiosidades para compartilhar sobre o lugar. Conforme o tempo foi passando, ela conheceu toda a vizinhança que já residiu ou reside, e é tida como matriarca da vila. Mãe de três filhos, dois homens e uma mulher, avó de um casal de crianças, ela mora com a filha e um de seus netos. Aposentada e solteira, dona Tereza tem orgulho de contar sobre sua vida. Trabalhou desde muito cedo. O primeiro emprego assalariado foi aos 12 anos. Venceu um câncer de mama maligno e fez a retirada de um seio. Hoje, o tratamento requer fazer drenagem três vezes por semana, e, mesmo com todas as dificuldades encontradas durante a caminhada, nunca se deixou abalar. Entrevista feita por Maria Laura Borges e Rebeca Nisse:

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História em Revista Como surgiu o nome Vila Ceará? Maria Tereza - Esse nome foi dado por Edelberto Góes Ferreira, o fundador da Vila, o dono daqui. Foi ele quem construiu a vila e colocou o nome de Vila Ceará porque ele também foi um dos fundadores do time Ceará Sporting Club. Uma curiosidade é que o time do Ceará é conhecido por ‘Vovô’, porque parece que ele era o mais velho da turma. HR - Os moradores possuem um bom relacionamento? MT - Aqui a gente se dá muito bem. Por exemplo, o seu Milton, que mora na casa 10, é um dos moradores mais antigos: mora aqui há 22 anos e eu há 65. Quando chegou, eu já estava por aqui, naturalmente. Então, os mais antigos somos nós, e os outros inquilinos são pessoas novatas, mas a gente se dá muito bem, graças a Deus. Tem a moradora da casa 12, que conheço desde mocinha, quando ela era solteira. Todo mundo é uma amizade só. Aqui em casa como são três, comigo quatro, e minha irmã que mora ali dentro, cinco, a qualquer momento que um precisar do outro, a gente está atento.

Independente de serem os que moram aqui há mais tempo ou os mais novos, todo mundo se ajuda. HR - A vila é um local seguro para se morar? MT - Aqui é bom demais, tranquilo. De vez em quando me sento ali fora, mas aí, devido à televisão a gente abandona. Fico mais tempo aqui dentro mesmo

sentada na poltrona e assistindo TV. HR - Como é morar em um local considerado tão calmo mesmo sendo em meio ao conturbado da cidade? MT - Acho assim, que aqui a gente já está tão acostu-

mado com o barulho dos ônibus, né? Porque moro há mais tempo e quando cheguei, não existia essa Avenida Antônio Sales. Vizinho à minha casa, ao meu quintal, era uma vila de outro proprietário. E quando abriram a Avenida Aguanambi, no início da Avenida Antônio Sales - porque antes, a Avenida Domingos Olímpio, vinha só até ali a igreja, onde funcionou o Colégio Dorotéias - foi aí que começou o movimento, o barulho, e tudo isso eu presenciei. Tinha ônibus para todos os lados, depois modificaram e deixaram só uma mão, mas aqui é barulho demais. E quem mais escuta o barulho somos nós que moramos aqui na ponta. HR - Como se sente morando na Vila Ceará? MT - Como me criei aqui sou totalmente acostumada com ela. O meu espaço tento manter sempre limpo. Quando tem entulho, a gente paga alguém para tirar, porque, às vezes aparece um entulho no quintal. Aqui cada um cuida dos seus entulhos.


Quando precisa fazer uma reforma, cada qual paga alguém para fazer. E a gente assim vai levando. HR - Vocês costumam se reunir em datas comemorativas? Fazem confraternização? MT - Aqui é o seguinte, geralmente faço a ceia no Natal. E tem o seu Milton, aquele senhor da casa 10. No ano novo a gente não vai nem à praia. A gente corre ali para a pista e vê de lá os fogos. Corro eu, a filha dele, ele, corre todo mundo, porque eu mesma não vou à praia. HR - A senhora gosta da localização? MT - Claro que gosto! Gosto sim. Afinal, me criei aqui nesse endereço. É como eu lhe disse. Tenho transporte de todos os lados. Aqui é centro, né? Não tenho do que reclamar do local não, de jeito nenhum. HR – E do que mais gosta? MT - O que gosto mais da Vila é minha casa, onde eu moro! Porque é aqui que moro; é a minha casa, é o meu banheiro, é a minha cozinha.

mudar nada. Do jeito que ela está, tá bom demais! O que quero é que, no futuro - porque tenho três filhos -, e se Deus quiser, que eles pudessem construir em cima da minha casa... Uma casa para cada um deles. Mas, até o momento

tudo está muito bom, está tudo ótimo! HR - Já aconteceu algo aqui que a fez pensar em ir morar em algum outro lugar? MT - Não, nunca pensei não, de jeito nenhum. Nunca pensei em me mudar daqui de nenhuma maneira. É tudo muito bom por

Maria Laura Borges Texto

aqui. HR - Quando tem algo para ajeitar, como tirar mato ou dedetizar, algo que não seja para melhorar ou modificar uma casa específica, como funciona? MT – Ninguém se organiza não. Cada qual limpa seu quintal, cada qual bota veneno pra matar os ratos, ninguém se reúne não. Cada qual faz a sua parte.

Rebeca Nisse Texto e Fotografia

HR – E se fosse para mudar algo na Vila, que melhorasse o lugar, o que gostaria que fosse mudado? MT - Não gostaria de mu-

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VILA DOLORES, 52

Da angústia da doença para o recanto de tranquilidade A procura da família de dona Marli por um lugar calmo, veio a partir da descoberta de que o marido tem Alzheimer

Dona Marliene Barbosa de Souza, mais conhecida como Marli, tem 72 anos e há

mais de quinze é moradora da Vila Dolores, no bairro Joaquim Távora. Simpática e prestativa aceitou com naturalidade ser entrevistada. Após fazer o convite para sentar e servir um cafezinho, dona Marli relatou um pouco de sua vida. A mudança para a vila foi em busca de mais tranquilidade e segurança, pois o marido dela tem Alzheimer e já havia saído e se perdido algumas vezes da outra casa em que moravam e que ficava numa avenida. Agora, como na vila há um portão que está sempre trancado, ela fica mais tranquila com relação a isso. O ambiente é bem arborizado, calmo e todas as casas são iguais, mudando apenas a cor da fachada. É um clima bem familiar e até rede armada entre as árvores tem. Dona Marli não poupou nos elogios à vila. Garantiu que tem uma relação de amizade muito grande com os vizinhos, exceto com uma – revela, dando bastante risada. Sempre que podem, estão se reunindo para confraternizar. São João e Natal são datas certas de festejos no local. Ela tem quatro filhos, mas apenas dois ainda moram com ela e outro no andar de cima da casa, com a esposa. Pensionista em razão da doença do marido, a única ocupação é cuidar dele e da casa. Durante a conversa, ele ficou sentado ao lado dela o tempo todo e, mesmo se mostrando introspectivo, deu alguns sorrisos enquanto a esposa dava a entrevista que você pode ler a seguir. Entrevista feita por Pedro Saraiva e Ludmila Freire:

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História em Revista - Há quanto tempo a senhora e sua família moram aqui? Marliene Barbosa - Moro há quinze anos e não quero ir embora. Agora a gente não muda mais. HR - Antes de morar na vila, morava onde? MB - Morei em tantas ruas... Mas quando moro em algum canto, passo muito tempo. Na outra casa em que morei, passei dez anos. Ainda tenho alguns amigos de lá, uns vizinhos. HR - E como veio morar aqui? MB - Foi quando a gente descobriu que meu marido tinha Alzheimer e a casa de antes era numa avenida movimentada. Já aconteceu dele sair e se perder e a gente fica preocupada até de acontecer coisa pior. E aqui é tranquilo, foi muito bom vir pra cá porque ele é um bebê, não pode sair e a comunidade sabe que ele se perde. Aí ninguém deixa o portão aberto por causa dele. Mas, aqui ele fica na calçada, se balançando (na rede) e fico despreocupada. HR - E a relação com a comunidade?

MB - Somos todos vizinhos, bem amigos e fazemos caminhada juntos. A gente fica aqui na calçada conversando até tarde. E tem também as nossas festas, Natal, São João. A gente sempre se reúne pra conversar, é bom porque meu marido tem essa doença e fico meio só, sabe? E aqui tem os amigos pra ficarem conversando. São

os moradores mais antigos, os mais velhos. HR - Como é seu dia a dia, as atividades que a senhora faz? MB - Cuido do meu marido e da casa, né? De resto, é ficar aqui na comunidade mesmo com o pessoal, fazer as atividades da gente também, a caminhada, organizar as nossas festas. É só isso mesmo porque agora que estamos idosos a gente fica só em casa mesmo.

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HR - A vila tem mais moradores idosos ou jovens? MB - A maioria é jovem, mas aqui é tudo tranquilo porque eles sabem respeitar a gente e são todos muito família, muito de casa, não tem aquele negócio de carro de som até tarde, nem festa com bebida, aqui tem regra. Até as onze pode brincar, colocar um som, ficar na calçada, mas depois entra todo mundo. HR - As regras foram feitas também por segurança? MB - É sim, principalmente o portão, que colocamos para dar mais segurança, mesmo assim ainda teve problema. Só que tem violência em todo canto, mas ainda acho a vila muito tranquila, comparando com as ruas que morei. HR - Houve alguma grande mudança? MB - No começo não tinha calçamento quando a minha vizinha veio morar aqui, e isso já faz 40 anos, mas quando cheguei, já estava assim. As casas não mudaram muito, só algumas que mudaram de cor, mas nenhuma mudança grande. A gente gosta


dela assim mesmo, e tem muita árvore que dá pra colocar a rede, ficar sentado à sombra. HR - Tem algum ponto negativo em morar aqui? MB - Tem nada! A gente gosta muito daqui. Assim, às vezes temos uns problemas entre a gente né? Mas, é normal e depois fica tudo bem também. Você vê que aqui todo mundo é bem tranquilo e não tem nem barulho. HR - Já houve algum problema na vila ou com as pessoas? MB - Nunca tive problema com ninguém. Há uma vizinha mais chatinha, mas também a gente entende porque ela tem uns probleminhas de saúde.

controu nosso cantinho, tá ótimo assim. O que precisei mudar foi quando meu filho casou e a gente fez esse puxadinho em cima, porque ele gosta daqui e tem que ajudar com o pai, aí veio está reforma. A gente procurava um canto

Aqui, até o bairro é tranquilo, todo mundo se conhece e tem amizade. assim mesmo.

HR - A senhora tem filhos? Eles moram aqui também? MB - Tenho quatro e são todos grandes já, encaminhados e não tenho uma preocupação com eles, embora dois ainda morem aqui em casa. Tem dois casados. Um, mora na casa de cima, com a esposa dele. Eles, aliás, fazem cinco anos de casados. Ainda bem que ficam perto, porque tem que ajudar com o meu marido.

Ludmila Freire Texto

Pedro Saraiva Texto e Fotografia

HR – Para terminar, mudaria algo na Vila? MB - Não. Mudaria não, porque aqui a gente en-

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VILA VICENTINA, 2045

A simplicidade que resiste na área nobre da cidade

Como os moradores convivem na esperança de continuarem morando na vila e o medo de serem despejados

O Dionísio Torres é um dos bairros de Fortaleza, na área nobre da cidade formada

por altos prédios e condomínios de luxo. Mas, ainda resiste nele, a simplicidade de uma vila, conhecida pelo nome de Vicentina, erguida num quarteirão, em que todas as residências têm o mesmo tamanho e a pintura característica acinzentada, entre as ruas Tibúrcio Cavalcante, Dom Expedito Lopes, José Vilar e a Avenida Antônio Sales. Nesse lugar, moram várias famílias. A maioria com a presença de pessoas idosas que vivem desde a sua construção, na década de 1960, ou herdaram de seus familiares. O conjunto de 40 casas abrange um grande quintal compartilhado com várias espécies de árvores, em que os próprios residentes, certas vezes, realizam algumas festas. Também é destaque uma simples capela onde, ocasionalmente, acontece celebração de missas nas datas especiais e alguns domingos. Este ano o local teve uma repercussão muito grande devido a uma suposta venda do vilarejo para uma construtora e infelizmente algumas casas já foram alvo da derrubada, só restando entulhos. A Vila Vicentina – que teve origem com a doação da então Estância Castelo, por parte do seu proprietário, o farmacêutico Dionísio Torres, que resultou na construção da Vila Estância Vicentina, conforme a pesquisadora Fátima Garcia, no blog Fortaleza em Fotos -, ainda resiste à especulação imobiliária, pois está localizada próximo de muitos bairros nobres de Fortaleza e por ficar perto de vários pontos importantes como faculdades, supermercados e grupos de comunicação. Leia a seguir, entrevista com Vicente Freitas, 32, que mora com a mãe e três irmãos. Ele é um dos moradores da Vicentina que deseja continuar vivendo no local. Entrevista feita por David Moura e Victoria Martha:

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História em revista – O senhor pode contar como vieram morar aqui? Vicente Freitas – Segundo os moradores mais idosos, esse terreno foi doado pelo Dionísio Torres para os moradores que trabalhavam próximo ao local de trabalho. Essa casa, a minha mãe herdou da minha avó, depois que ela faleceu e atualmente vive hoje com meus outros três irmãos. HR – Como era essa parte do bairro quando chegaram? VF – Não existiam esses prédios aqui vizinhos. Somente casas grandes, de pessoas ricas. Mas, as pessoas idosas relatam que por aqui era só areia e estradas carroçais. HR – O senhor e os demais moradores se acostumaram com as mudanças do bairro ao longo dos anos? VF – Sim, fomos nos acostumando. Antigamente, sabíamos quem morava nessas casas ao redor. Tinha uma família que conhecíamos, que vinha para as festas, jogava de futebol aqui. Hoje, com esses prédios, não conhecemos praticamente ninguém. Se conhecermos um é raro.

HR – Desde daquela época, essa região do Dionísio Torres passou por muitas mudanças como no trânsito. O que para o senhor mudou ao redor da vila além das modificações na mobilidade urbana? VF – Aqui sempre o deslocamento foi fácil. Ou seja, se quiser ir ao Centro é rápido, pode ir de ônibus, tem várias linhas ou vai de bicicleta pelas ciclovias. Para os idosos tem posto de saúde próximo, hospital, supermercados. Te-

mos essa facilidade. HR – Fortaleza, infelizmente, tornou-se uma cidade perigosa. O senhor acha que por morar em um bairro nobre, a situação é melhor do que nos outros bairros? VF – Aqui, dentro da vila, nunca houve registro de violência, arrombamento. Ao redor, porém, a gente vê muitos assaltos aos pedestres e a carros.

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Mas, morte, tiroteio nunca teve registro. Entretanto, na vila está um pouco perigoso pelo fato de que algumas casas terem sido derrubadas e por isso podem aparecer pessoas que nós não conhecemos e terem acesso ao quintal e aqui as casas ficam com a porta aberta. HR – Seus familiares ainda moram na vila? Houve algum membro que se mudou ou mora aqui? VF – Minha mãe ainda mora aqui com meus outros três irmãos. Meu pai se mudou e m o r a hoje na Caucaia, se separou da m i n h a mãe. Na época, foi ele que conseguiu essa casa e eu me mudei, pois estava morando em Redenção. Mas voltei para passar alguns dias por aqui por causa dos últimos acontecimentos. Minha mãe ficou com muito medo de ter sua casa derrubada e também ajudo os outros moradores. HR – Como descreve sua vida na vila desde quando chegou e o que mudou?


VF – Sempre aqui tem um clima de paz, missa na capela, os moradores são unidos. Mas, desde os últimos acontecimentos, muitas pessoas vão dormir e pensam se vão realmente precisar se mudar até dezembro, que foi um prazo que deram para nós. E muitos moradores daqui ficam com medo do que pode acontecer futuramente. Para conseguir emprego também é fácil, pois as pessoas moram perto dos locais de trabalho, que ficam aqui próximo da vila. HR – Qual o motivo que o senhor não trocaria a vila por outro lugar? VF – Por ficar perto de tudo. Supermercados, ônibus, ciclovias, igreja, posto de saúde, hospitais. Se mudarmos daqui vai ser difícil de nos acostumamos em outro lugar desconhecido, principalmente os mais idosos, que vão mudar radicalmente de vida. HR – Qual a esperança de vocês, para o desdobramento e final de todo esse drama da desocupação das casas? VF – Queremos vencer essa disputa e permanecer aqui. Porque se um idoso receber uma notícia que ele tem que sair da vila, não quero estar aqui para dar a notícia para ele.

Ainda sou jovem e consigo me virar. Por exemplo, tem uma senhora que quando ela morrer, ela quer ser velada aqui na capela, como as outras senhoras daqui que já morreram. HR – Depois da ação da retirada e início da derrubada das casas, como fica seu sentimento em relação à vila e a casa que vocês vivem há tanto tempo? VF – Tristeza. Muito dos moradores que ainda moram aqui cresceram aqui na vila. Eu convivo há mais de trinta anos, minha mãe vive aqui mais de cinquenta anos e todos os moradores se conhecem.

Estamos muito preocupados com essa situação e queremos permanecer aqui nesse lugar. É um direito nosso.

David Moura Texto

Victoria Martha Texto e Fotografia

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VILA GUSTAVO SAMPAIO, 20

Sonhos encaminhados do interior à cidade A correria de domingo a domingo, acelera os dias de um jovem com expectativas e em busca pela liberdade

Com planos, metas e objetivos, Vinicius Albuquerque, que estuda computação, tra-

balha em uma escola dando suporte em diferentes áreas. Ele é amante de fotografia, música e teatro. Veio de Uruburetama morar sozinho, em Fortaleza, em meados de 2013. O endereço escolhido: uma vila de casas sem nome, complemento da Rua Gustavo Sampaio, na Parquelândia. Desde 2009, porém, encara a vida na Capital, juntamente com seus familiares. Mas, há três anos a avó de Vinícius morreu e os pais dele resolveram voltar para o interior. O jovem, no entanto, com 18 anos de idade, optou por seguir em Fortaleza, sem a presença e convivência dos familiares por perto. Já cursava uma faculdade e estagiava na área. Com sonhos, priorizou seu futuro. Encarou o desafio de ser independente e encarregou-se de manter uma casa só. Ao mesmo tempo, outras práticas passaram a fazer parte do seu mundo: teatro, dança, skate, bicicleta, violão, violino, piano, baixo e o estudo de música compõem parte tanto do lazer, como do dia a dia. Sem medo de encarar os desafios, além de estudar e trabalhar dedica-se à Comunidade Católica Shalom, na qual cotidianamente fica à frente de ministérios e grupos de oração. Vinicius faz parte de espetáculos e dá aula de violão para jovens da comunidade. Mesmo com a rotina agitada, continua uma pessoa calma e tranquila. Após um dia longo e intenso de trabalho, ele dedicou alguns minutos para esta entrevista, sobre a cultura de morar em vila e ainda compartilhar suas histórias e experiências. Entrevista feita por Ana Maria dos Santos e Beatriz Mendes:

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História em Revista - O que a levou a morar em Fortaleza? Vinicius Albuquerque - Minha avó fazia um tratamento desde 1997, chamado hemodiálise. E, em 2009, ela se acidentou e quebrou o colo do fêmur. Então, como fazia a viagem de Uruburetama para cá, segunda, quarta e sexta-feira, a gente viu que ficaria muito cansativo depois do acidente. Por isso, optamos por vir morar em Fortaleza. Com o falecimento dela em 2013 e eu já cursando faculdade e estagiando na área, conversei com a minha mãe e a gente viu que realmente para a minha área, no interior, não teria muito recurso. Seria melhor, então continuar morando aqui e, ainda por outras realidades da minha vida, como a comunidade a que participo. HR - E seus pais costumam vir para Fortaleza? VA - Costumavam... Hoje não tanto porque houve um acidente com o carro. E o carro, meio que quebrou, estão um tempo sem vir. Eu que estou indo mais. Mas, antes eles vinham com muita frequência.

HR - E os vizinhos, como são para você? Uma segunda família? Como é o acolhimento deles? VA - Como levo uma rotina muito corrida, tenho contato com poucas pessoas. Então, não os tenho como uma segunda família, mas são conhecidas, pessoas educadas e boas de conviver. HR - E você, não se sente uma pessoa só? VA - Não, não me sinto.

Acho que até por parte da minha rotina e por conta dos meus amigos. HR - Em relação ao ambiente, existe alguma diferença? VA - É diferente morar em uma vila, do que morar em uma rua convencional. Acho que numa rua, pelo pouco que lembro a época em que morava em rua. Digamos que seja mais privado de certa forma,

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que tenho uma liberdade maior. No caso, sem ser na vila. Por exemplo, lá em casa, como é um ambiente mais fechado, diria similar a um condomínio, o barulho que gostaria de fazer, tenho que fazer até certo horário para não incomodar. HR - Vocês são livres para fazer algum tipo de reforma? Tem que falar com o dono ou pode fazer sem indagar ninguém? VA - Na questão de reforma, na parte de alvenaria realmente tem que falar com o dono, tem que pedir autorização. Mas questão de pintura, pintura é mais livre. A gente só comunica, não pede nenhuma permissão. Mas é daquela maneira, é pintar sabendo que quando você for entregar tem que está da maneira que você recebeu. Tem que pintar de novo para voltar pro “original”. HR - Tem algum receio de sair tarde? Ou tem hora certa para voltar, por medo de assalto, por exemplo? VA – Não. Penso que isso vai muito de pessoa para


pessoa. Sempre fui muito tranquilo com a questão de segurança. Principalmente, na vila. Mas, nunca tive nenhum problema com assalto. Moro na vila desde 2013 e não me lembro de nenhum assalto ou furto.

Por isso nunca tive medo ou receio. Na vila, tudo é muito tranquilo. HR – E costuma deixar sua casa sozinha? VA - Eu tenho receio, medo assim, de acontecer alguma coisa não. Mas, acho que como todo mundo tem, porque sair de casa e voltar à noite, não tenho. Mas se eu for passar uns dias fora, entende? Penso logo, vão notar que já há alguns dias não tem ninguém em casa... HR - Tem alguém que possa cuidar pra você, quando costuma passar alguns dias fora? VA - Tem mais ou menos, que no caso seria a mãe do meu padrasto. Ela mora em frente à minha casa. E é uma pessoa muito alarmante, e morre de medo de assalto. Fico tranquilo por conta dela também, porque sei que ela sempre vai tá olhando.

HR - E fora ela, quem já conhece? Há alguém que lhe ajuda de alguma forma ou que lhe dê um apoio? VA - Na vila? Não. Eu moro só, mas tem os pais do meu padrasto. Mas é como eu disse no início. Caso precise de alguma coisa, me reporto à minha família mesmo, minha mãe, que mora no interior. HR - Quais os seus planos para o futuro? Pretende ir para um lugar maior? Formar uma família? VA - Não pretendo ficar por muito tempo na vila. Quero fazer concurso, e, provavelmente, se passar, ir para outro lugar. Gosto muito da vila, porque conheço as pessoas, sei quem elas são, mas gosto também de ter o meu local, que possa me sentir mais livre, entendeu? Como disse, a questão do barulho, que eu não posso fazer até certo horário. Então é meio chato, às vezes.

Ana Maria dos Santos Texto

Beatriz Mendes Texto e Fotografia

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HISTÓRIA EM REVISTA é uma publicação experimental da disciplina de Técnicas de Produção Jornalística, semestre 2016.2, turmas Manhã e Noite Centro Universitário 7 de Setembro – UNI7 www.uni7setembro.edu.br Diretor Geral Ednilton Sárez Diretor Acadêmico Ednilo Soárez Vice-Diretor Adelmir Jucá Coordenador do curso de Jornalismo Dilson Alexandre Professor Orientador Miguel Macedo


Repórteres

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Editorial Lya Alves Projeto Gráfico e Edição de Arte Léo Costa da Silva

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