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SÃO BONIFÁCIO: RELÍQUIA DE UM SANTO MEDIEVAL NA MISSÃO DOS JESUÍTAS EM TERRAS

Maranhenses

Flaviomiro Silva Mendonça (Historiador)

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Antes de iniciarmos nosso objeto de estudo, devemos: 1) resaltar a importância das imagens (e relíquias, também) para a propagação do cristianismo dentro da metodologia da Igreja Católica, e; 2) a significação das relíquias dentro da cultura religiosa medieval. Durante muitos séculos, dentro do cristianismo, foi discutida a utilização ou não das imagens no seu ritual litúrgico. De um lado existiam defensores de ícones e do outro, os contrários assim denominados iconoclastas. Somente com o II Concílio de Nicéia, no ano de 787, foi justificado “o culto dos ícones tanto de Cristo, quanto de Maria, dos anjos e dos santos”(CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1997: 560). O Catecismo esclarece que: “A honra prestada às santas imagens é uma veneração respeitosa, e não uma adoração, que só compete a Deus” (Id ibid: 561). E acrescenta que: “A iconografia cristã transcreve pela imagem a mensagem evangélica que a Sagrada Escritura transmite pela palavra (Id ibid: 326).

De uma forma sensata foram condenados tantos aqueles que recusavam quanto aqueles que exageravam a utilização das mesmas em seu culto, conforme relata Duby: “Foram condenados tanto o iconoclasmo, quer dizer, a destruição e a recusa das imagens, como a indulia, adoração de imagens (DUBY, 1994: 45).

Mas como ao longo dos anos, personagens excepcionais dentro do cenário cristão foram ganhando destaque? Para entendermos melhor o assunto em discussão Duby afirma que os heróis da antiguidade pagã foram substituídos pelos novos heróis, que são os mártires, que “nos primeiros séculos da cristianização, consiste em dar sua vida para o Deus dos cristãos” (id ibid: 41).

Assim, a veneração aos santos tornou-se muito popular e com medo de sua banalização, o papa Inocêncio III, no ano 1199, determinou algumas condições para que o cristão fosse canonizado. Deveria ser provada “obras de piedade em vida e manifestação de milagres após a morte” (FRANCO JÚNIOR, 2001: 103).

Paralelamente à veneração dessas pessoas santificadas, foram também veneradas suas relíquias, que podem ser partes do corpo ou objeto que estiveram em sua posse. Franco Júnior (2001) aponta que no imaginário das pessoas, as relíquias representam a principal espécie de amuleto cristão e “Sendo fragmentos materiais do mundo divino, as relíquias protegem seus possuidores, sacralizam o local em que se encontram, atraem conforme sua importância multidões que vão venerá-las (peregrinação)” (p. 258).

Esse ato de veneração de relíquias também foi algo de discussão durante o Concílio de Latrão, em 1215, que determina que a veneração tem que ter autorização do papa “fosse elas conhecidas há muito ou descobertas recentemente” (Id ibid: 104).

Também devemos considerar que: “O culto das relíquias levou a promoção de lugares de relíquias célebres. Foi no caso de São Martinho de Tours e, sobretudo, o dos apóstolos Pedro e Paulo em Roma. O culto das relíquias gerou peregrinações e ligou as populações do extremo ocidente entre elas, mas sobretudo, foram organizadas em etapas e em redes” (LEGOFF, 2007: 44).

As relíquias também faziam parte da cerimônia dos laços feudo-vassálicos que eram estabelecido em três atos: “O primeiro era a homenagem, o ato de um indivíduo tornar-se ‘homem’ de outro. O segundo era a fidelidade, juramento feito sobre a bíblia ou relíquias de santos e muitas vezes selado por um beijo entre as partes. O terceiro era a investidura pela qual o indivíduo que se tornava senhor feudal entregava ao outro, agora vassalo, um objeto (punhado de terra, folhas, ramo de árvore etc.) simbolizar do feudo que lhe concedia” (FRANCO JÚNIOR, 2001: 125).

Ainda no final do século X, a igreja promoveu a Paz de Deus, onde os guerreiros faziam juramentos diante de relíquias que respeitassem as igrejas e o clero, assim como os bens das pessoas humildes (Id ibid: 99).

A crença a relíquias de santos, alguma vezes chegava aos extremos como no caso de São Romualdo e Santa Isabel da Hungria:

“Por volta no ano 1000, os camponeses da Itália Central pensaram e matar São Romualdo para se apoderar de seus ossos santos. No começo do século XIII, enquanto Santa Isabel da Hungria não era enterrada, a multidão cortou seu cabelo, unhas e partes do corpo e da roupa, para obter assim as sempre desejadas relíquias” (Id ibid: 212).

BONIFÁCIO, SANTO E MÁRTIR

Filho de uma família abastada, Winfrid nasceu em 672, Credition, Inglaterra. Entrou na vida clerical contra a vontade do pai. Recebeu o nome de Bonifácio (aquele que faz o bem) e foi enviado à Germânia, uma parte da Europa até então considerada bárbara, com a missão de evangelizar e organizar a Igreja Católica.

No ano de 723 derrubou um carvalho considerado sagrado a Thor, filho de Odin, deus da mitologia nórdica, e da extração de sua madeira construiu uma capela. Esse ato foi considerado como o início formal da cristianização na Germânia.

Morreu no dia 05 de junho de 754, aos 84 anos, por pagãos. Ele é tanto venerado pela Igreja Católica Romana quanto pela Ortodoxa.

FlaviomiroSilvaMendonça(Historiador)

Os jesuítas fizeram várias tentativas malsucedidas de se fixar na região amazônica durante a primeira metade do século XVII. ARENZ e SILVA(2011) nos mostra que:

“O primeiro grupo de religiosos, que aportou em São Luís, no dia 23 de novembro de 1652, contou com onze missionários, entre os quais os padres Francisco Velloso e João Souto Maior. Mas somente a partir do dia 16 de janeiro de 1653 – data da chegada do padre Antonio Vieira -, a Missão do Maranhão começou a ser efetivamente reativada” (p. 21)

Meireles (2001), relata o episódio da chegada dos jesuítas em 1652, quando Baltazar de Sousa Pereira, governador da Capitania de São Luís em:

“ (...) mais de 15 dias de governo (...) teve que emprestar o prestígio de sua autoridade à magnífica solenidade da transladação, de bordo para a igreja dos jesuítas, dos ossos dos mártires santo Alexandre e são Bonifácio trazidos de Lisboa pelo padre Sottomayor, e os quais haviam sido mandados de Roma, pelo papa Urbano VII, para que fossem enviados, como relíquias, a cada uma das capitanias do Grão-Pará e Maranhão, respectivamente. Os restos de são Bonifácio ficaram com os jesuítas até 30 de julho de 1699, quando foram transferidos para a Igreja de N. Sra. Da Luz, não sabendo ao certo o seu paradeiro atual” (p. 99)

A relíquia, que é um fragmento de um osso de São Bonifácio está no peito de uma imagem relicário do mesmo santo, de madeira policromada e do tamanho de 66 cm. A sua veste é de soldado, apesar do santo nunca ter exercido tal função. Provavelmente, uma alusão ao combate espiritual, onde o paganismo é o inimigo.

Pelas mãos dos próprios padres Jesuítas, esta imagem chegou até a Baixada Maranhense para contribuir na difusão do cristianismo na Missão de Nossa Senhora da Conceição do Maracu (que mais tarde seria elevada a categoria de Vila de Viana em 1757). ARENZ e SILVA (2011) deixam evidente que: “Ao fundar um aldeamento, os jesuítas optaram geralmente por um lugar estratégico na região de várzea, às margens de um rio navegável e próximo à floresta, condições ideais para a coleta de drogas do serão, a produção extensiva e a troca de produto” (p. 34).

Durante cinquenta anos, a imagem ficou exposta no altar mor da capela da Fazenda de São Bonifácio, de propriedade desses religiosos, às margens do Igarapé do Engenho (Viana). Essa fazenda, de criação de gado, em 1730 foi a principal fonte de receita do Colégio de São Luís.

Já no final do século XIX, a imagem do santo já se encontrava em Penalva, e permaneceu até 2007, sob a guarda carinhosa do monsenhor Wilson Cordeiro. Ao saber dos misteriosos desaparecimentos de obras sacras da Diocese de Viana, o padre se dispôs a proteger a peça dentro de um caixote, debaixo de sua cama, durante 33 anos. Algumas pessoas afirmam que o próprio bispo da década de 1970, Dom Adalberto estaria envolvido em tráfico de obras sacras raras.

No dia 05 de junho de 2007, no seminário de Viana de mesmo nome do santo, localizado a Praça da Bíblia, em São Luís foi celebrada uma homenagem a São Bonifácio. Na oportunidade desta celebração, a Diocese de Viana (titular da imagem), o Comitê de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural, Paisagístico e do Meio Ambiente de Viana, a Academia Vianense de Letras, a Secretaria de Estado da Cultura e o Museu Histórico assinaram um termo de comodato para a guarda da imagem, que ficou sob a responsabilidade do Museu, em período determinado no contrato. Hoje está completamente restaurada e se encontra no Museu de Arte Sacra do Maranhão.

BIBLIOGRAFIA

ARENZ, Karl Heinz; SILVA, Diogo Costa. “Levar a luz de nossa santa fé aos sertões de muita gentilidade”: fundação e consolidação da Missão Jesuita na Amazônia Portuguesa (século XVII). Belém: Editora Açaí, 2012.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 9ª ed. Edições Loyola Petrópolis, RJ: Edições Loyola: 1998.

CAZUMBÁ, São Luís, nº 51, jul./2008, p. 11.

DUBY, Georges. As três ordens ou o Imaginário do Feudalismo. 2ª edição. Lisboa: Editora Estampa: 1994.

LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. 2ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

MEIRELES, Mário M. História do Maranhão. 3ª edição atualizada. São Paulo: Editora Siciliano, 2001.

SILVA F., Olavo Pereira da. Arquitetura Luso-brasileira no Maranhão. 2 ed. Belo Horizonte: 1998.