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PADRE VIEIRA: O IMPERADOR DA LÍNGUA PORTUGUESA E O BRASIL.

A Terra de Santa Cruz

Antônio Vieira (1607-1697) é a maior fonte qualificada para a história e literatura do Brasil e de Portugal durante o século XVII. O epíteto de imperador da língua portuguesa foi-lhe atribuído por um dos grandes poetas da língua portuguesa: Fernando Pessoa. Deve ser lido com olhar crítico, a luz da perspectiva histórica e das ideias dominantes em sua época. Há um ditado corrente entre seus estudiosos que “Vieira é para a vida inteira”. Tal a extensão e complexidade de seu legado. Ninguém menos do que o historiador inglês Charles Boxer, autor de livros fundamentais sobre a história do Brasil e de Portugal, refere-se a Antônio Vieira como um dos maiores nomes da história ocidental e não apenas do Brasil e de Portugal.

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Antonio Vieira nasceu em Lisboa, em 6 de fevereiro de 1608. Chegou em Salvador, com a família, em 1614, onde seu pai fora nomeado escrivão.

Entrou para o Colégio dos Jesuítas na Bahia aos 15 anos, formou-se noviço em 1625, e ordenou-se sacerdote, em 1634, em Salvador.

Em 1640, pela segunda vez, os holandeses tentaram penetrar na Bahia. Foi em meio a grande alvoroço, e a uma iminente invasão dos ‘‘hereges’’ que o Padre Antônio Vieira pregou, na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda.

Motivado pelo firme propósito de tentar impedir o jugo holandês, o Padre Antônio Vieira constrói seu sermão intitulado "Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda" e dirige-o ao povo que fomentou o projeto expansionista, povo católico, impregnado de religiosidade, fiéis dominados pelas virtudes da fé, em nome da qual ampliavam suas conquistas e, conseqüentemente, suas riquezas.

Vieira elabora um confronto entre o texto bíblico e os grandes feitos ou às proezas e conquistas dos portugueses, das quais o Brasil é uma conseqüência. Ele atribui a Deus todas as vitórias de Portugal, o que remete a uma comparação com as conquistas que os antigos israelitas empreenderam para se estabelecerem na Terra Prometida: ‘‘Vossa mão foi a que venceu e sujeitou tantas nações bárbaras, belicosas e indômitas, e as despojou do domínio de suas próprias terras... e estendeu em todas as partes do mundo, na África, na Ásia, na América’’.

Desta forma, é possível deduzir que, na visão de Vieira, foi Deus quem colaborou o tempo todo com os portugueses e, por conseguinte, foi Ele quem auxiliou Portugal a expulsarem os mouros da Península Ibérica; foi Ele quem contribuiu para que Portugal conquistasse Ceuta, a Ilha de Madeira, Açores, Cabo Bojador, Guiné, Calicute... e o Brasil ‘‘a miserável província do Brasil’’. É a idéia de que Deus ofereceu Portugal ao mundo, para que esse concedesse ao mundo o próprio Deus.

Em síntese, o Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, é uma espécie de incitação, um convite para que o povo combata os infiéis holandeses, discorrendo sobre os horrores e depredações que os protestantes fariam caso invadissem a Bahia. Avalia-se, portanto, que o efeito moral deste Sermão produziu efeitos muito positivos nos ânimos de seus ouvintes.

Na casa dos 20 anos dá início à produção de seus sermões, que marcaram a literatura Portuguesa e que até hoje são estudados e reinterpretados. Um dos primeiros e mais importantes é o denominado da XIV do Rosário.

Vieira o prega em um engenho próximo a Salvador, exortando os escravos a suportar os infortúnios da escravidão, em benefício da salvação eterna:

"Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz e em toda a sua paixão. A sua cruz foi composta de dois madeiros, e a vossa em um engenho é de três. Também ali não faltaram as canas, porque duas vezes entraram na Paixão: uma vez servindo para o cetro de escárnio, e outra vez para a esponja em que lhe deram o fel.

A Paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido, e vós despidos; Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo.

Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isto se compõe a vossa imitação, que, se for acompanhada de paciência, também terá merecimento de martírio.”

Vieira era sobretudo um agente da coroa, da cruz e da espada, embora em muitas circunstâncias tenha exposto sua própria vida na defesa dos indígenas e em outros enfrentamentos com autoridades e colonos. Referia-se por exemplo aos bandeirantes, como “aquela canalha de São Paulo”.

Em 1640, com arestauraçãoportuguesa, Vieira foi paraPortugal ondedesempenhouimportantepapel nacorte do Rei D. João IV. Em suas novas funções, Vieira se ocupou de missões diplomáticas e políticas com o intuito de obter um acordo vantajoso à coroa na questão da ocupação dos holandeses de grande parte do Nordeste brasileiro, bem como outras de caráter comercial e sucessório.

A morte de D. João IV determinou a saída de Vieira de suas funções na administração do reino. Retornou ao Brasil e foi compor a recém-criada missão jesuítica do Maranhão. Desenvolveu intenso trabalho missionário, em conflito permanente com os colonos adeptos da escravização do indígena. Depois de quase 10 anos sua presença passou a representar risco de vida. Assim se pronunciou em seu famoso Sermão de Santo Antônio aos Peixes, três dias antes de partir:

"Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal!”.

Após nove anos no Maranhão Vieira retorna a Portugal. É então alvo da inquisição em função de seus escritos, especialmente um denominado “Esperanças de Portugal”, onde previa um futuro redentor para a nação portuguesa, baseado nos escritos de velho testamento e nas profecias de Bandarra, um sapateiro português que viveu um século antes. Dois de seus livros mais importantes, História do Futuro e a Chave dos Profetas são impregnados de um messianismo fortemente enraizado na cultura lusitana.

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Vieira combatia a crueldade da escravidão africana, mas concordava sob o argumento de que ela era indispensável para à colonização. Defendia os índios, mais assentia que aqueles aprisionados em “guerras justas” eufemismo para justificar o aprisionamento, se tornassem escravos. Da mesma forma que combatia o papel genocida das bandeiras paulistas e das “guerras justas” aos índios, defendeu a destruição do Quilombo dos Palmares, sob o argumento que se isso não ocorresse a escravidão se extinguiria.

Indiscutivelmente, António Vieira pode ser apontado como ponto de partida e de reencontro do país que fez mundos novos para o Mundo, de acordo com a dialética camoniana, núcleo de uma comunhão intercontinental e sem quaisquer ressentimentos colonialistas, porque não os havia no tempo do que chamamos “Profeta do Novo Mundo”. O historiador João Lúcio de Azevedo, um dos seus principais biógrafos, declarou que António Vieira foi “um filho genial da raça lusa, singular em tudo e, pelo que de sua vida pertence ao Brasil, quase mais lá que da pátria nativa”, enquanto o ensaísta Hernani Cidade o retratou como ” homem de acção por imperativo da própria natureza e por orientação educativa como orador ou epistológrafo, havia necessariamente de utilizar a palavra falada ou escrita como instrumento de acção. ‘,