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SÃO LUIS É(RA) ASSIM
HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO
Tem gente que faz de conta que não gosta, alguns não gostam, são uns chatos, outros comem escondidos e muitos se lambuzam e não negam as raízes, riquezas e benquerenças do Maranhão. Imagine uma pescada frita? Se for cozida tem que ter ovo cozido e uma “nesga” de pimenta malagueta, se passou do ponto, ficar ardida, tira o sabor da pescada. Uritinga, gurijuba, tainha e bandeirada se estiverem gordos, ficam ainda melhor. Um detalhe, bandeirada tem quer assado no fogareiro. Tainha só pode ser moqueada na folha de bananeira. Peixe serra frito é a companhia imprescindível e preferida para o arroz com cuxá. O peixe pedra é um caso à parte, o melhor de todos, come-se de todo jeito, inventaram até uma versão sem espinha. Tudo é de encher os olhos, o coração de orgulho e o estomago de gostosura. Camarão frito, cozido, seco, de qualquer forma ou de qualquer jeito, como a imaginação determina, e se for de Tutóia, Santo Amaro, Primeira Cruz ou Humberto de Campos leva selo e grife de qualidade, o melhor do mundo! Caranguejo, sururu no leite de coco e sarnambi come-se em qualquer lugar, em casa ou na praia, o que vale é o prazer de tê-los e de comê-los sempre temperado com pimenta de cheiro. Assino e comprovo que é o melhor antídoto para ressaca. Piaba, traíra, mandi, mandubé, muçum e bagrinho são delícias da água doce, dos campos da baixada ou dos perenes Mearim e Pindaré. A ceia de bagrinho é patrimônio cultural, gastronômico e histórico da cidade de Pinheiro. Não esqueça que a farinha d’água é o acompanhamento principal do maranhense e tanto faz ser de Carema, Biriba ou de qualquer região do estado, com coco ou sem coco, come-se com tudo e a toda hora, come-se até com café, misturada com açúcar, com banana ou ovo frito. O maranhense adora ter indigestão e refluxo por farinha d’água. Galinha de parida com pirão escaldado, bode no leite de coco, capão recheado, arroz de Maria Isabel com banana e paçoca feita no pilão, sarapatel, buchada de bode e linguiça, tem que ter a grife do sertão, Caxias, Buriti Bravo, Mirador ou qualquer cidade da região, são delícias da culinária e refeições para os fortes de estômago e de espírito, os fracos que me perdoe, devem limitar-se aos peixes e camarões. Pato ao molho pardo, se possível o de Anajatuba, o famoso pato Paissandu, grande e gordo, do tamanho da fome e do desejo. Invejado pelos paraenses e na nossa culinária não acrescentamos o tucupi, ficamos na sua forma mais original, o pato ao molho pardo. Maranhense não faz dieta, dificilmente será um vegetariano ou vegano. As verduras, nos limitamos ao jongome, vinagreira, quiabo e maxixe. As frutas fazem parte da riquíssima gastronomia maranhense e delas, saboreia-se o canapu, pitomba, cajazinho, caju, seriguela, bacuri, juçara, abricó, abacaxi só se for o de Turiaçu, melancia de Arari, jaca de bago duro ou mole, murici, sapoti e manga em todas as suas versões, manga de fiapo, rosa, espada, constantina e manguita. Queijo tem que ser o legítimo queijo de São Bento, e não existe outro igual, nem a França com sua tradição em queijos conseguiu fazer algo parecido. Combina com qualquer sobremesa maranhense. Escolha uma e não se preocupe com a harmonia e com a balança, tudo lhe é permitido: doce de leite, goiaba em caldas, cajui e caju em caldas, doce de buriti, mamão verde, casca de laranja da terra ou línguas de bacuri. Se você quiser um café não se esqueça do beiju, bolo frito, cuscuz ou manuê. Até um quebra-queixo é recomendado. Para beber escolha cachaça de Santo Antônio dos Lopes, Ibipira de Mirador, Jatobá de Penalva ou a Buriti de Buriti Bravo. Se quiser uma tiquira tome cuidado, em não se banhar ou molhar os pés. E para adocicar mais ainda a vida do maranhense, temos o Guaraná Jesus, o sorvete de coco na casquinha e não se arrenda em ser maranhense, sinta-se maranhense e viva a maranhensidade!
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AYMORÉ ALVIM
A chegada da família real portuguesa ao Brasil, em janeiro de 1808, dentre as muitas expectativas que criou, na população local, a melhoria das condições sanitárias deve ter sido uma delas. A situação que vigia, no Maranhão, a partir do seu processo de colonização iniciado, em 1615, como assim considerou Carlos de Lima, até meado do século seguinte, era de extrema miséria conforme relatou, em 1751, o governador recém chegado, Mendonça Furtado, ao seu irmão, o Marquês de Pombal, à época, o primeiro ministro do governo de D.José I. Além da falta do que comer e do que vestir, segundo o padre Antônio Vieira, o ambiente insalubre que dominava o Estado e, em especial, a cidade de São Luís, com suas ruas estreitas, sujas e mal cheirosas, com seus mangues e os muitos charcos e pântanos, criava as condições ecológicas favoráveis à proliferação de diferentes tipos de patógenos. Para citar apenas as enfermidades mais freqüentes, conforme relata César Marques no seu Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, as febres paludosas (malária) se destacavam pelo número de vítimas que faziam. Registram-se, ainda, a sarna, a sífilis, a câmara de sangue (disenteria hemorrágica), as dermatites causadas por piolhos, as hepatites crônicas, o maculo, a tísica (tuberculose), a morféia (hanseníase) dentre muitas outras que compunham o quadro nosológico do Maranhão colônia. Além dessas patologias, foram registradas freqüentes epidemias que causavam grande mortandade. A primeira de que se tem notícia foi a de varíola, em 1621. Logo, a seguir, ocorreu a de sarampão também com muitas vítimas, principalmente, entre os índios civilizados. A partir de então, essas epidemias e mais a de bexiga se sucederam ao longo do tempo. Tantos males e a falta de profissionais qualificados abriram espaços para um grande número de curiosos e oportunistas que além dos físicos e cirurgiões de formação duvidosa se adestravam nos mistérios e na magia da arte de curar. Segundo Bela Herson, a esses agentes de saúde, oriundos de famílias humildes e dotados de conhecimentos precários, juntavam-se os cristãos novos “proibidos de ser o que eram por não conseguirem ser o que a Igreja queria que fossem”. Para escapar do alcance do Santo Ofício, fugiam para a Colônia onde se dedicavam ao exercício dessas profissões buscando assegurar a sua sobrevivência e da família. O estado de necessidade permanente, o fascínio pelo sobrenatural e a superstição forçavam a população a recorrer a esses tipos de curandeiros ou à medicina indígena onde o pajé, misto de feiticeiro e sacerdote, tentava resolver os problemas de quem o procurava com benzimentos, sangrias, beberagens, massagens, fricções e infusões. Outra opção era a medicina negra trazida pelos africanos. A sua terapêutica constava de uma mistura de magia e feitiçaria exercida por curadores ou feiticeiros. Mas o tipo de medicina que mais prosperou, àquela época, não só no Estado como em toda a Colônia, foi a jesuítica, praticada pelos padres e irmãos leigos que possuíam alguns conhecimentos da arte de curar trazidos da Europa ou aprendidos, no exercício diário a que se dedicavam. Conheceram com os índios o valor terapêutico de muitos espécimes da nossa flora e com eles organizaram sua imensa e rica farmacopéia que se espalhou por toda Colônia. Foram físicos, parteiros, barbeiros e cirurgiões além de implantarem, em seus colégios e hospitais, as famosas boticas com medicamentos da terra e trazidos da Europa. A presença de médicos ou cirurgiões com formação em cursos regulares, na Europa, era ocorrência rara. É, ainda, César Marques quem faz referências aos poucos que aqui exerceram a profissão, ao longo dos séculos 17 e 18. No início do século 17, chegou na expedição de La Ravardière o Dr. Thomas de Lastre. Sua
permanência foi curta pois teve que se retirar daqui após a expulsão dos franceses. Por volta de 1693, aportou em São Luís o Cirurgião-Mór Manuel Diniz. Este, possivelmente, foi o primeiro que por aqui esteve enviado pela Coroa, mas o período da sua permanência é incerto. A grave situação de saúde porque passava o povo justificou as inúmeras e insistentes solicitações da Câmara de São Luís à Corte para que enviasse médicos, cirurgiões e boticários com remédios. Nenhum documento pesquisado confirma se tais pedidos foram atendidos. Mas, há referências sobre o trabalho aqui exercido, em 1752, pelo doutor em medicina João Domingos Alberty. No ano de 1788, o governador Fernando Pereira Leite de Foios informou à Câmara a chegada do Dr. José Gomes dos Santos. No entanto, os maus tratos e desrespeitos dispensados a este médico desestimularam outros profissionais de fixar residência, no Maranhão. Por essa e outras razões, possivelmente, é bastante reduzido o número de profissionais que aqui exerceram a medicina até 1808, ano da chegada ao Brasil do príncipe-regente D. João e sua corte. Ainda, nessa época, a situação sanitária e a instrução, no Brasil, segundo Oliveira Lima, eram muito precárias. No Maranhão, não podia ser diferente, principalmente, após a expulsão dos jesuítas que, praticamente, detinham o monopólio da educação. A melhoria desse binômio talvez fosse a grande oportunidade para alavancar o desenvolvimento por todos esperado. Os resultados aguardados após a vinda da família real para o Brasil não se fizeram esperar. Durante o curto período que passou, na Bahia, D. João, em 18 de fevereiro de 1808, autorizou a fundação de uma escola de cirurgia, em Salvador, para formar cirurgiões práticos que atendessem não somente as necessidades das cidades do litoral como as do interior. Com igual propósito, criou por decreto, em 2 de abril desse mesmo ano, uma cadeira de anatomia, no Hospital Real Militar da Corte, embrião da futura Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro. O plano organizado, por ordem do Príncipe Regente, pelo médico Manuel Luiz Álvares de Carvalho, Diretor dos Estudos de Medicina e Cirurgia da Corte, propôs a criação das Academias de Salvador e do Rio de Janeiro, como ainda, de uma terceira Academia, no Maranhão. Conforme os relatos de Lycurgo Santos Filho e Oliveira Lima, uma Carta Régia de 29 de dezembro de 1815 reafirmava essa intenção. A longa distância da sede do poder e a falta de profissionais qualificados para tal mister talvez foram as causas que inviabilizaram tal propósito. Mas o Maranhão continuou alimentando a esperança de possuir também a sua Academia Médico-Cirúrgica. Nos primeiros anos do Império, em 1827, o Dr. Lino Coutinho, deputado e professor da Academia MédicoCirúrgica da Bahia, apresentou à Câmara um projeto de reforma do Ensino Médico e nele incluiu a instalação da terceira Academia de Medicina, em São Luís do Maranhão. Eram representantes da Província os deputados João Bráulio Muniz, Manoel Odorico Mendes, Francisco Gonçalves Martins e Manoel Teles da Silva Lôbo. O projeto recebeu parecer favorável, foi aprovado e enviado para o Senado. A bancada do Maranhão estava constituída pelos senadores João Inácio da Cunha, Visconde de Alcântara, e Patrício José de Almeida e Silva Seixas. Por lá o projeto parou e ficou. E, assim, feneceram as esperanças do Maranhão possuir a sua Escola de Medicina. Foi preciso aguardar por mais de um século para que a promessa de D. João VI se tornasse uma realidade sob a égide da Igreja de São Luís
CARTA AO CONFRADE AYMORÉ – OU A ARTE DE CURAR NO MARANHÃO
LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ3
Caro Confrade sei de seu interesse em relatar uma história da arte de curar no Maranhão; ou uma História da Medicina no Maranhão. Sei que temos o cirurgião de Daniel de La Touche como o primeiro ‘médico’ a atuar por aqui. Mas me pergunto se em Miganville não havia um físico-mor também. Afinal, a feitoria de Jacques Riffault contava com cerca de 400 homens brancos ali vivendo, onde é hoje a nossa Vila Velha de Vinhais, desde 1594. Ainda não temos registros, mas já li que havia um padre jesuíta (?) entre eles... Vamos ao que interessa; não sei se o Confrade já localizou o
P. ANTONIO PEREIRA4, natural de São Luis do Maranhão, onde nasceu em 1638. Entrou para a Companhia de Jesus nesta mesma cidade pelo ano de 1655. Estudou parte em Portugal, parte na Bahia
e entre os seus estudos se incluem algumas noções de Medicina. Voltou ao Maranhão, onde ficou Mestre de Noviços: E como quer que pelo Brasil, onde tinha estudado curso de Teologia, havia também concorrido com os enfermos, e dando-se por entendido em matéria de curá-los, era buscado dos doentes aos quais acudia assim para a saúde do corpo como a da alma com muita caridade. (BETTENDORF, 1990) 5 .
Até onde consigo entender, este seria nosso primeiro médico! Pois nascido em São Luis e aqui exercido a Medicina... Salvo melhor juízo...
A chegada dos Jesuítas e a Fundação do Colégio - 1618 6
A presença de ordens religiosas na colônia prendia-se, teoricamente, aos interesses pela conversão e educação dos nativos, instrumento de dominação da política colonial europeia (CAVALCANTI FILHO, 1990, p. 30) 7 . Em 1618, os jesuítas instalam-se em Maranhão, na antiga Aldeia da Doutrina (hoje, Vila do Vinhais Velho). Além dessa primeira, duas outras missões situavam-se na Ilha: a aldeia de São Gonçalo ou Tuaiaçu Coarati –que se destacou pela produção de sal; e a de São José, onde os padres da Companhia mais exercitaram suas funções, e foi aldeia de serviço de El-Rei. (CAVALCANTI FILHO, 1990, p. 31) 8 .
3 Publicado no Blog do Leopoldo Vaz, em 20/03/2015, disponível em http://www.blogsoestado.com/leopoldovaz/2015/03/22/carta-ao-confrade-aymore-ou-a-arte-de-curar-no-maranhao/
Publicado no Blog do Leopoldo Vaz, em 31 de agosto de 2015, disponível em http://www.blogsoestado.com/leopoldovaz/2015/08/31/11487/ 4 LEITE, Serafim. ARTES E OFÍCIOS DOS JESUÍTAS NO BRASIL – 1549-1760. Natal/RN: Sebo Vermelho, 2008. Edição fac-similar da de 1953: Lisboa – Rio de Janeiro, Edições Brotéria e Livros de Portugal, p. 234 5 BETTENDORF, João Felipe. CRONICA DOS PADRES DA COMPANHIA DE JESUS NO ESTADO DO MARANHÃO. 2ª Ed. Belém:
FCPTN/SECULT, 1990, p. 304 6 VAZ, Leopoldo Gil Dulcio; VAZ, Delzuite Dants Brito; VAZ, Loreta Brito. INDÍCIOS DE ENSINO TECNICO/PROFISSIONAL EM
MARANHÃO: 1612 – 1916. São Luís: CEFET-MA, Novembro de 2003 7 CAVALCANTI FILHO, Sebastião Barbosa. A QUESTÃO JESUÍTICA NO MARANHÃO COLONIAL – 1622 – 1759. São Luís: SIOGE, 1990. 8 CAVALCANTI FILHO, Sebastião Barbosa. A QUESTÃO JESUÍTICA NO MARANHÃO COLONIAL – 1622 – 1759. São Luís: SIOGE, 1990.
Em 1622, fundam o Colégio 9 e a Igreja Nossa Senhora da Luz (atual Igreja da Sé). O “Colégio de Nossa Senhora da Luz” era a "cabeça" da missão jesuítica no Maranhão (CAVALCANTI FILHO, 199010; VAZ e VAZ, 199411; PELLEGRINI, 2000)12 . De acordo com o Pe. José Coelho de Souza, em “Os jesuítas no Maranhão” 13, os jesuítas fundaram diversas estabelecimentos de ensino em São Luís, Alcântara, Parnaíba, Guanaré e Aldeias Altas, Vigia e Belém: colégios, seminários, escolas: Nesses estabelecimentos existiram escolas rudimentares de aprendizagem mecânica, o que hoje chamaríamos Escolas de Artes e Ofícios. Houve aí também as primeiras oficinas de pinturas e escultura, sendo essas oficinas postulado e conseqüência da construção dos colégios. No Colégio Nossa Senhora da Luz notava-se a Pinturia, vocábulo que não anda nos dicionários, mas é admiravelmente bem formado: era uma sala grande no corredor de cima, quase junto à portaria. Nela se ataviavam e pintavam as imagens que se esculpiam noutra oficina, a de escultor e entalhador, anexa à carpintaria. Era frequente o pedido a Portugal de se mandarem irmãos peritos em diversas artes, entre as quais a de pintor, para serem mestres. (p. 27).
São Luís foi a primeira cidade do Estado onde os jesuítas exerceram o ensino. O Colégio de Nossa Senhora da Luz, em curto espaço de tempo, tornou-se excepcional centro de estudos filosóficos e teológicos da ordem no Estado (universitate de artes liberais). Era o que melhores condições de estudos oferecia. Já em 1709, o Colégio do Maranhão era Colégio Máximo, nomenclatura usada pelos discípulos de Loyola para seus estabelecimentos normais de estudos superiores. Nesse colégio funcionavam as faculdades próprias dos antigos colégios da Companhia: Humanidades, Filosofia e Teologia, e, mais tarde, com graus acadêmicos, no chamado curso de Artes. Os estudos filosóficos compreendiam: no 1º ano, Lógica; no 2º, Física; no 3º, Matemática. O Colégio Máximo do Maranhão14 outorgava graus de Bacharel, Licenciado, Mestre e Doutor, como se praticava em Portugal e na Sicília, segundo os privilégios de Pio IV e Gregório XIII. Dentre os estabelecimentos de ensino dos jesuítas, as Escolas Gerais ocuparam um lugar de destaque, pelo fato de terem tornado o ensino popular ao alcance de todos. (CAVALCANTI FILHO, 1990, p. 36) 15 . Ao se estudar a origem das Corporações de Ofícios 16 – Guilda, Grêmio – verifica-se que antes do século XII, tem-se notícia de uma “scholae” de pescadores e açougueiros em Ravena. O uso do termo “scholae” (associação de ofício) indica, provavelmente, que já não havia somente a preocupação coletiva com a formação de seus continuadores, mas ostentavam também um patrimônio cultural e pedagógico dotado de técnicas particulares de transmissão. Artesãos de vários gêneros formavam-se nas oficinas dos mosteiros que faziam às vezes de escolas de Arte no sentido lato, e cuidavam especialmente do treinamento de jovens, em laboratórios artesanais destinados a instruir a mão-de-obra necessária. Essas “oficinas” deram origem às “universitates”. As universitates (associações) de artesãos são progressivamente institucionalizadas e conquistam proteção dos poderes públicos. Tal ascensão se iniciou no século XII e culminou no século XIV. É acompanhada da difusão das “universitates magistrorum” ou “universitates scholorum”, isto é, aquelas que hoje chamamos universidades, associações particulares dedicadas à produção de bens intelectuais típicos das Artes Liberais (trívio e quadrívio e depois também Teologia e Direito, e mais tarde ainda, Medicina), não ainda, porém, no
9 Os primeiros conventos, fundados pelas ordens religiosas, que abriram escolas para meninos, foram denominados de colégio; os outros conservaram o nome de conventos In ALMEIDA, José Ricardo Pires de. HISTÓRIA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA NO BRASIL (1500 - 1889). São Paulo: EDUC; Brasília: INEP/MEC, 1989, p. 25 - nota de pé-de-página. 10 CAVALCANTI FILHO, Sebastião Barbosa. A QUESTÃO JESUÍTICA NO MARANHÃO COLONIAL – 1622 – 1759. São Luís: SIOGE, 1990. 11 VAZ, Leopoldo Gil Dulcio; e VAZ, Delzuite Dantas Brito. Vila do Vinhais: terceira ou Segunda povoação do Maranhão ?. in jornal "O ESTADO DO MARANHÃO", São Luís, 31 de julho de 1994, Domingo, Caderno Alternativo, p. 28. 12 PELLEGRINI, Paulo. A descoberta da Arte Sacra. IN O IMPARCIAL, São Luís, Domingo, 23 de julho de 2000, Caderno Impar, p. 45. 13 SOUSA, José Coelho de. OS JESUÍTAS NO MARANHÃO. São Luís: Fundação Cultural do Maranhão, 1977. 14 VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. O COLÉGIO MÁXIMO DO MARANHÃO. IHGM, palestra. 15 CAVALCANTI FILHO, Sebastião Barbosa. A QUESTÃO JESUÍTICA NO MARANHÃO COLONIAL – 1622 – 1759. São Luís: SIOGE, 1990. 16 RUGIU, Antonio Santoni. NOSTALGIA DO MESTRE ARTESÃO. Campinas: Autores Associados, 1998
vértice do prestígio cultural e social. Inicialmente, de fato, a distinção entre universitates de Artes “mecânicas” e universitates de Artes liberais eram pouco marcadas. As Artes Mecânicas compreendiam todas as atividades artesanais, inclusive aquelas dos médicos, desvalorizados pelo próprio nome de “mecânica” – derivado de mecor, aris (mechor, aris, no latim clássico = rebaixar, adulterar, depreciar). As Artes Liberais correspondiam a todas as atividades aplicadas no Trívio (gramática, retórica, lógica) e no Quadrívio (matemática, geometria, astronomia, música). (RUGIU, 1998, p. 25-26; 30). Nos aldeamentos, o comércio e o ensino de artes mecânicas deviam ser introduzidos entre os indígenas (ALENCASTRO, 2000, p. 87) 17. A "Aldeia da Doutrina" foi o primeiro aldeamento de índios implantado pelos jesuítas e estava localizada onde é, hoje, a Vila Velha do Vinhais (VAZ e VAZ, 1994) 18 . Os aldeamentos distinguiam-se das tabas, por serem sítios de moradia de indivíduos de uma ou de várias tribos, compulsoriamente deslocados, misturados, assentados e enquadrados por autoridades do governo metropolitano. Forros, os índios dos aldeamentos só podiam ser utilizados mediante salário, nos termos da lei (ALENCASTRO, 2000, p. 120) 19 . Os jesuítas Manoel Gomes e Diogo Nunes, que vieram junto com a armada de Alexandre de Moura (1615), principiaram a estabelecer residências - ou missões de índios -, sendo a primeira que fundaram foi a que deram o nome de Uçaguaba, onde com os da ilha da capital aldearam os índios, que tinham trazido de Pernambuco (VAZ e VAZ, 199420; MARQUES, 197021; CAVALCANTI FILHO, 1990) 22: "E como esta se houvesse de ser a norma das mais aldeias, nela estabelecessem todos os costumes, que pudessem servir de exemplo aos vizinhos e de edificações aos estranhos". Em 1664, ao lado da Igreja de Nossa Senhora das Mercês, é levantado o Convento de Nossa Senhora da Assunção - que o povo chamou sempre de Convento das Mercês -, e nesse convento funcionavam, primeiro uma escola de primeiras letras e de música e, depois, uma aula de latim, de gramática, de filosofia e de cantochão, para rapazes. Era servida de uma boa biblioteca (MEIRELES, 1995, p. 34-35) 23 . Serafim Leite24 não traz somente esse ‘médico’ como praticante da arte de curar. Seu livro trata das artes e ofícios praticados pelos padres da Companhia de Jesus, localizando-os e, sempre que possível, trazendo suas origens. Utilizou-se dos arquivos gerais e outras obras. Esclarece que da ação dos jesuítas é conhecida a obra pedagógica, o esforço na liberação dos naturais da terra e a defesa contra seu extermínio, a catequese religiosa, a moralidade cristã dos costumes, a cultura literária, linguística, e científica, como elementos políticos a serviço da expansão e unidade territorial da nova nação que se criava. Explicita seu processo e método, as fontes de que se valeu, a bibliografia impressa, e passa a tratar dos Ofícios e dos Irmãos, dos ofícios domésticos, dos que não são comuns, propriamente os ofícios mecânicos, ai localizando os barbeiros, enfermeiros, cirurgiões, farmacêuticos... Os que nos interessam, responsáveis pela Arte de Cura. Na segunda parte, em ordem alfabética, identifica-os:
ALBERTI, Domingos (1711 – 1751/ 1752...). Natural de Saluzzo, onde nasceu em 11 de abril de 1711. Entrou na Companhia em Roma a 9 de julho de 1736. Farmacêutico (pharmacopola). Chegou ao Maranhão em 1751, deixando de pertencer à Companhia no ano seguinte.
17 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O TRATO DOS VIVENTES: formação do Brasil no Atlântico sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000 18 VAZ, Leopoldo Gil Dulcio; e VAZ, Delzuite Dantas Brito. Vila do Vinhais: terceira ou Segunda povoação do Maranhão ?. in jornal "O ESTADO DO MARANHÃO", São Luís, 31 de julho de 1994, Domingo, Caderno Alternativo, p. 28. 19 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O TRATO DOS VIVENTES: formação do Brasil no Atlântico sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000 20 VAZ, Leopoldo Gil Dulcio; e VAZ, Delzuite Dantas Brito. Vila do Vinhais: terceira ou Segunda povoação do Maranhão ?. in jornal "O ESTADO DO MARANHÃO", São Luís, 31 de julho de 1994, Domingo, Caderno Alternativo, p. 28. 21 MARQUES, César Augusto. DICIONÁRIO HISTÓRICO-GEOGRÁFICO DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Maranhão: Tip. do Fria, 1870. (reedição de 1970). 22 CAVALCANTI FILHO, Sebastião Barbosa. A QUESTÃO JESUÍTICA NO MARANHÃO COLONIAL – 1622 – 1759. São Luís: SIOGE, 1990. 23 MEIRELES, Mário Martins. DEZ ESTUDOS HISTÓRICOS. São Luís: Alumar, 1995. 24 LEITE, Serafim. ARTES E OFÍCIOS DOS JESUÍTAS NO BRASIL – 1549-1760. Natal/RN: Sebo Vermelho, 2008. Edição fac-similar da de 1953: Lisboa – Rio de Janeiro, Edições Brotéria e Livros de Portugal, p. 234
COELHO, Domingos (1645 – 1678 – 1716). Natural de Castelo Rodrigo (Beira Baixa), onde nasceu em 1645. Entrou para a Companhia em Lisboa, a 1 de fevereiro de 1675. Chegou ao Maranhão em 1678. Conhecia bem a arte cirúrgica e farmacêutica. Faleceu no Colégio de São Paulo em 4 de maio de 1716.
FERREIRA, Clemente (1713 – 1734 – 1741). Natural da Diocese de Coimbra (os Catálogos têm Vila Boa; a Lembrança, S. Pedro de Espinho); Nasceu em 1713. Entrou na Companhia a 25 de abril de 1734, chegado esse mesmo ano ao Maranhão. Farmacêutico e enfermeiro (pharmacopola et infirmarius). Faleceu em 8 de janeiro de 1741, no Maranhão.
FONSECA, P. Manuel da (1734 – 1753 – 1782...). Natural de Vilar (Diocese de Braga), onde nasceu a 5 de abril de 1734. Entrou para a Companhia em 24 de março de 1753. Esteve no Maranhão e no Colégio do Pará. Conhecido como “Boticário do Maranhão ou Tapuitapera”.
GAIA, Francisco da (1675 – 1700 – 1747). Natural de Santa Marta (Braga), onde nasceu por 1676. Entrou na Companhia a 15 de março de 1700. Residia no Colégio do Pará como enfermeiro e farmacêutico (pharmacopola). Faleceu no Pará em 20 de janeiro de 1747.
JOSÉ, Romão (... – 1746 – 1750...). Entrou na Companhia no Maranhão em 1746. Farmacêutico do Colégio do Pará em, 1750.
ORLANDINI, P. João Carlos (1646 – 1679 – 1717). Natural de Sena (Toscana), onde nasceu em 1646. Entrou na Companhia em Genova em 1662. Chegou a Lisboa em 1678 e embarcou para as Missões do Maranhão e Pará no ano seguinte de 1679. Foi missionário de grandes recursos. Era entendido em coisas de medicina e sabia como se deve acudir aos doentes e achacosos com tudo o que lhe parecesse necessário e útil. Faleceu em Itacuruçá (Xingu) a 29 de agosto de 1717.
PEREIRA, João (1696 – 1718 – 1758). Natural de Açores (Diocese de Miranda do Douro) em Trás-osMontes, onde nasceu a 15 de agosto de 1696. Entrou na Companhia pelo Pará a 30 de setembro de 1696. Irmão de grande virtude e capacidade, que mostrou em vários ofícios incluindo o de enfermeiro no Colégio do Maranhão, em 1735. Faleceu com 62 anos de idade, no Maranhão a 13 de dezembro de 1758.
PEREIRA, José (1717 – 1732 – 1793). Natural de S. Eulália de Ferreira (Figueira da Foz), onde nasceu a 5 de setembro de 1732. Foi enfermeiro do Colégio do Maranhão. Faleceu em 19 de dezembro de 1795 em Pesaro.
PEREIRA, Manuel (1714 – 1732 – 1753). Natural de Poiares (uma das varias povoações deste nome, da Diocese de Braga). Nasceu em 10 de maio de 1714. Entrou na Companhia no Maranhão a 5 de julho de 1732. De ofício barbeiro (barbitonsor) e enfermeiro. Passou depois ao Pará, onde veio a falecer em 1 de setembro de 1753.
PINHEIRO, P. Luis (1698 – 1720 – 1733...). Natural de Celas (Coimbra), onde nasceu a 3 de março de 1698. Entrou na Companhia a 17 de fevereiro de 1720, seguindo neste mesmo ano para o Maranhão. Farmacêutico (pharmacopolas). Em 1730 chama-se-lhe “Padre Boticário”. RODRIGUES, Manuel (1630 – 1661 – 1724...). Natural de Ponta Delgada (Açores), onde nasceu em 1630. Entrou na Companhia em 1656 e embarcou de Lisboa para o Maranhão em 24 de novembro de 1660. Ocupou
VIEIRA, Antonio (1681 – 1723 – 1750). Natural da freguesia de Nossa Senhora da Graça (Diocese de Funchal), onde nasceu em 1681. Chegou ao Pará com 17 anos. Entrou para a Companhia de Jesus a 6 de outubro de 1723. Foi enfermeiro do Colégio do Maranhão algum tempo. Faleceu a 22 de junho de 1750.
EUGES LIMA
Outro dia, andei pela Rua do Giz, localizada no bairro da Praia Grande. Desci sua escadaria, passei em frente à antiga sede do jornal “O Globo”, prédio construindo em 1800, canto com a antiga ladeira do Vira-Mundo (Rua Humberto de Campos), hoje, uma escadaria. Foi em frente esse prédio, que se deram os episódios do dia 17 de novembro de 1889, onde uma grande massa de libertos protestaram contra o jornalista republicano Paula Duarte e a Proclamação da República. Favoráveis à monarquia, terminaram sendo fuzilados pelas forças do 5.º Batalhão de Infantaria. Atualmente, lá funciona um Museu de História Natural e Arqueologia. Segui em frente e avistei um conjunto de sobradões, uns dos mais altos dessa área, de três e quatro andares. Em um deles, junto da atual sede do IPHAN (antigo Banco do Maranhão), no século XIX, foi a casa do Comendador Meireles, rico comerciante e político português, um dos maiores adversários de Ana Jansen, a poderosa matrona maranhense. Pois bem, em abril, a Revista “Casa Vogue”, especializada em decoração e arquitetura, elegeu a Rua do Giz a sexta rua mais bonita do Brasil, isso atraiu as atenções para esse histórico logradouro. De fato, essa rua é um dos mais impressionantes cartões postais do Centro Histórico e precisa ser preservada e cuidada. Segundo o historiador Mário Meireles, a visão dessa rua a partir da Praça Benedito Leite, próximo a Associação Comercial, tendo a Rua de Nazaré passando em baixo “é uma das mais saborosas perspectivas do estilo colonial que caracteriza a cidade”. A colonial Rua do Giz é um dos arruamentos mais antigos da Praia Grande, tem sua primitiva origem na então “ladeira do Giz”, parte do trecho hoje, onde existe sua escadaria, que foi uma solução urbanística topográfica adotada em São Luís a partir da segunda metade do século XIX para suavizar o trânsito das várias ladeiras íngremes dessa região. Originalmente, a Rua do Giz, se iniciava no antigo Largo de Palácio (AV. Pedro II) e seguia até o antigo Largo das Mercês (Rua Jacinto Maia), bairro do Desterro, onde está situado o Convento das Mercês. Na atualidade, ela tem início na Rua de Nazaré, pois o trecho que começava no então Largo de Palácio até a Rua de Nazaré foi aterrado, se ligando com o espaço da Praça Benedito Leite. Em 1865, o vereador e escritor Henriques Leal para homenagear a data histórica do “28 de julho de 1823”, aprovou a mudança do nome de Rua do Giz para Rua “28 de julho,” data que representa o momento em que a colônia portuguesa que comandava a província do Maranhão, reconhece oficialmente a sua integração ao Império do Brasil, episódio conhecido pela historiografia tradicional como “Adesão do Maranhão à Independência do Brasil”. Na segunda metade do século XX, o trecho final dessa rua, no bairro do Desterro, ficou famoso, por abrigar a zona do “baixo meretrício” com suas luxuosas e luxuriosas moradas, muito frequentada pela boemia ludovincense. Eram os tempos da “28 de julho.” Por fim, a pergunta que não poderia faltar: por que essa rua ficou conhecida por “Rua do Giz”? Nem Ruben Almeida, autor de um dos maiores estudos sobre os antigos arruamentos de São Luís, nem Domingos Vieira Filho, autor da “Breve História das Ruas e Praças de São Luís”, não escreveram a respeito, porém, o historiador Carlos de Lima, em “Caminhos de São Luís”, acreditava ser devido “provavelmente, à íngreme e escorregadia ladeira de argila”, que existia primitivamente no seu início e que possivelmente lembrava esse formato de giz; estreita, embranquecida e longa.
FERNANDO BRAGA ‘Conversas Vadias’, antologia de textos do autor, a ser brevemente publicado. Ilustração: Foto do sobradinho branco da Rua do Egito, marcado por uma seta, solar de Dr. Fernando Viana e sua família
Numa bela noite, no sobradinho de azulejos brancos, [o de mirante e à esquerda da foto, marcado por uma seta], residência do Doutor Fernando Viana, à Rua do Egito, quase defronte do Colégio Santa Teresa, em São Luis, ele, o poeta e médico dono da casa ditava para que sua filha Maria Zélia anotasse, aliás, com uma letra muita bonita, num simples papel pautado de carta, que tinha às mãos naquele momento, esta beleza de texto que à primeira vista nos dá a impressão de ser apenas uma bela prosa musical, mas que na verdade é um belíssimo soneto, fácil de ser achado nas suas quatorze linhas clássicas. Dentre os presentes naquele sarau, como de costume, estavam, o anfitrião, sua mulher, dona Lourdes, escritora der fina estirpe, o médico e sacerdote, João Mohana, o jornalista e ensaísta José Erasmo Dias, o jornalista e poeta Emilio Azevedo, sobrinho dos irmãos Artur e Aluísio Azevedo e pai dos brilhantes filhos Maria Thereza Azevedo Neves e Américo Azevedo Neto; e mais o jornalista e poeta Amaral Raposo, considerado ‘prata de casa’, vez que acompanhou Fernando Viana, à Bahia, quando este foi estudar medicina; foram seis anos de intenso labor; enquanto Fernando Viana se debruçava sobre os grossos volumes da ciência de Hipócrates, Amaral para ajudá-lo a superar a saudade da província distante, logo arranjou um lugar na redação do jornal ‘A Tarde’, como meio de sobrevivência e, nos momentos de folga, o Zeca, [era este o abrandamento de afeto do afiado jornalista], se abraçava ao velho violão, e a uma garrafa de pinga ‘da boa’... Ao invés de a saudade ser tangida, era reacendida.... Ainda, dentre os presentes, os filhos de Dr. Fernando Viana, Alfredo Luís, o belo poeta de ‘A Rosa’ e do ‘Canto a Inês’, funcionário do Banco do Brasil e estudante de medicina, que viria ser mais tarde um renomado psiquiatra e professor da Universidade Federal do Maranhão e seu irmão Waldemiro Viana, o “Nena”, como era carinhosamente chamado pelos íntimos, que nesse tempo já estudava Direito, mas que ainda não construíra sua linda e querida família, ao lado de sua amada Yara, mulher e companheira pela vida toda, como também, aos poucos, iria construir sua obra composta de ‘Graúna em roça de arroz’; ‘A questionável amoralidade de Apolônio Proeza; O Mau Samaritano’; ‘Passarela do Centenário, sonetos/perfis e ‘A tara e a toga’, romances estes do mesmo naipe dos de Josué Montello, José Sarney e Odylo Costa, filho, segundo o senso crítico do nosso Manoel Lopes, textos a caminhar ‘pari passu’ com o naturalismo de Aluísio Azevedo, e ainda, segundo Câmara Cascudo, “um grande e soberbo romancista [ ‘pedes in terra, ad sidera visus’] , com os pés na Terra e os olhos nas Estrelas!.”
Os que estavam ali naquela noite, os mesmos que se reuniam semanalmente no sobradinho, já estão com Deus... Até o nosso benjamim, Waldemiro Antônio Bacelar Viana, Deus o chamou há pouco... Maria Zélia, Maria Thereza, Américo e o autor destas linhas, todos na época, na casa dos vinte anos, naturalmente, como simples espartanos, mesmo nascidos em Atenas, no convívio intelectual de tantos Péricles, envelhecemos...Mas a produção intelectiva de todos, não, porque essa gama espiritual a juntar-se com a saudade, enquanto esta se aconchegar em um peito, não morrerá nunca, pela meiguice do enternecimento e pela magia do encanto, essências que ficam... Depois que Maria Zelia concluiu a redação ditada pelo seu pai, foi lida por ele aos presentes, em voz alta, mas embargada por aquela natural emoção que a nossa ‘Ilha do Amor’ é costumeira e viseira a nos deixar na alma... É este o texto de Fernando Viana que, depois de lido, me foi presentado: “São Luís velha catita, minha cidade bonita, que imita as irmãs de Portugal, foste a cidade marcada para ser um dia a sonhada capital ambicionada da França Equinocial. / Cidade que amo tanto, São Luís do meu encanto, eu derramo em cada canto minha ternura por ti, tu és meu filão sem ganga, minha cidade miçanga, que o rio Anil e o Bacanga te cingem como uma tanga de caboclinha tupi. / “São Luís de mil ladeiras, de lindas moças brejeiras e viridentes palmeiras, onde canta o sabiá, da procissão do bendito, meu “sinhô” São Bendito, do gostoso peixe frito e do arroz de cuxá. / São Luís das marés baixas que expõem cr’oas que são faixas onde habita o camarão, das belas e extensas praias, rendadas como cambraias em perene exposição, na graciosa cadeia que abrange Ponta da Areia, Olho d’Água e Araçagi, e, do outro lado, a da Guia, que é por onde principia a do porto do Itaqui. / Os teus ocasos grandiosos, portentosos, majestosos, têm tanto fulgor de luz que a gente fica pensando que o sol rubro, agonizando, parece mesmo ir tombando na baía de São Marcos, cheia de velas de barcos, brancas, vermelhas, azuis, de velas triangulares, elegantes, singulares, garbosas cortando os mares ao vento bom que as conduz! / São Luís velha catita, minha cidade bonita, debruçada sobre o Anil, podem julgar-te mendiga, desairosa rapariga, mas para mim, minha amiga não há ninguém que consiga conter-me ou impedir que eu diga que és a melhor do Brasil!” Este texto de Fernando Viana, o nosso queridíssimo ‘Feliciano Ventura’, exprime o nosso sentimento a São Luis ... Por que, segundo Jacques Prévert, “há momentos na vida em que se deveria calar e deixar que o silêncio falasse ao coração’, pois há emoções que as palavras não sabem traduzir’, o que vai de encontro ao velho axioma quando ratifica que “a vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade. A vida não é de se brincar porque um belo dia se morre.
ROBERTO FRANKLIN ALL, ALTO, AVLA, AMCL, SCLMA
Exatamente às 18 horas de uma quinta-feira, estava retornando para casa, estacionei o carro na garagem, ao entrar pela cozinha senti um aroma que me levou à recordação de uma época inesquecível, e tenho a certeza que será por mim guardado para sempre. Existem coisas que não sei explicar, aromas, sabores, lugares, sempre me levam a recordações que gostaria muito de manter vivas. Ao entrar presenciei minha esposa, descascando várias tanjas, o aroma desprendido das cascas era inconfundível. Fui transportado para São José de Ribamar, numa época cuja data realmente não me recordo, sei que eu ainda era um pré-adolescente ou quem sabe até criança, nossa família, sempre no mês de Julho ia passar as férias naquele lugar, que na época era uma cidade muito pequena, sem asfalto, sem luz. Lembro-me de que as luzes da cidade eram ligadas somente à tardinha, e acho que às vinte e duas eram desligadas, e para isso a empresa na época piscava três vezes as luzes, avisando que iria desligar, na época pela tarde fazíamos verdadeira procissão até um comércio, a fim de colocarmos querosene nos lampiões, petromax, candieiro, para acendermos na hora marcada pelo aviso de desligamento da luz. Era uma verdadeira festa, era tudo maravilhoso irmos passar nossas férias em São José, íamos, imaginem, de caminhão com direito a mudança, levávamos móveis, só não nossa geladeira, pois devido ao horário da energia, se tornava inviável. A casa onde íamos passar as férias era sempre alugada pelo meu pai, tenho vaga lembrança que na casa tinha uma geladeira a querosene. Lembro que era imprescindível a compra para nós, os filhos, dos famosos tamancos de madeira de cor amarela com uma tira de couro (o famoso Chamató). Lembro-me de que aos domingos quando meu pai não voltava para São Luís para trabalhar, descíamos a rua principal em direção à igreja, lá sempre aos domingos uma senhora na calçada de sua casa a vender um mingau de milho, numa panela de alumínio muito bem areada, que maravilha era o mingau, um sabor inesquecível! Depois, íamos em direção à praia do Vieira (porto) onde os barcos e lanchas procedente do município de Primeira Cruz e outros, chegavam em direção a São José com várias mercadorias, principalmente as nossas deliciosas tanjas. Esperávamos o descarregamento e comprávamos sempre os cofos com cem tanjas, era um momento memorável. São José de Ribamar traz, assim, para mim, várias recordações. Penso nos sabores, que ali se misturavam, quem de nós nunca provou um delicioso peixe-pedra, cozido ou frito, era quase sempre nosso almoço, e o famoso rolete de cana, que encontrávamos sempre à tarde na porta da igreja, quando às cinco horas descíamos para passear. Quem tinha idade para paquerar, quem se lembra nas tardes de domingo, o céu se transformava, eram empinados vários e vários papagaios que coloriam o céu de São José. Pela manhã, era imprescindível o banho de mar. Se a maré estivesse cheia, banhávamos perto da areia; se não, tínhamos que andar até o canal, lá uma “croa” (Banco de areia) nos esperava, na volta uma festa, encontrávamos uns toneis encravado na areia que, na vazante da maré, expulsava a água salgada que era substituída por água doce, imaginem água doce que saía da areia do mar, onde várias lavadeiras se encontravam lavando suas roupas, pedíamos permissão e lá mesmo tomávamos um belo e refrescante banho, a fim de retirar a água salgada do mar. O mês de julho me traz belas recordações, é um mês onde o céu fica mais azul, sem as nuvens da manhã, a brisa mais refrescante, e nós naquela cidade de São José de Ribamar, uma cidade cantada por vários escritores, o meu patrono o saudoso José Ribamar Sousa dos Reis escreveu o livro “São José de Ribamar: a cidade, o santo e sua gente”, um livro o qual todos que um dia conhecerem devem ler, O nome da cidade é em homenagem ao padroeiro do Maranhão. Na cidade de Ribamar encontra-se um dos santuários mais importantes do Norte - Nordeste. A cidade primitivamente era uma aldeia indígena. Seu nome atual decorre da seguinte lenda: um navio que vinha de Lisboa para São Luís desviou-se de sua rota e, na que hoje é conhecida como Baía de São José, esteve ameaçado de naufrágio por grandes tempestades e vagalhões. Os tripulantes invocaram a proteção de São José, prometendo erguer-lhe uma capela na povoação ao longe avistada. Tal foi a contrição das súplicas, que, imediatamente, o mar acalmou-se. E todos chegaram a terra são e salvos. Para cumprir a promessa, trouxeram de Lisboa uma imagem de São José, entronizando-a na modesta
igrejinha então erguida, de frente para o mar. Mas devotos residentes na antiga Anindiba dos indígenas, atual Paço do Lumiar, entenderam que a imagem deveria ser levada para a ermida daquela povoação. Sem que ninguém percebesse, realizaram seu intento. No dia seguinte, porém, viram que a imagem ali não mais se encontrava, pois voltara, misteriosamente, à capela de origem. Repetiram a transferência e colocaram pessoas a vigiar o santo, para que ele não voltasse a Ribamar, mas ele acabou voltando. Esta é a minha São José de Ribamar, vou me despedindo destas lembranças, porém antes devo, mesmo em minha mente, reviver e escutar o Bumba-meu-boi de São José, que aos domingos subia a rua principal com o seu batalhão a tocar suas maravilhosas matracas. Depois, juntamente com os familiares, sentarei à mesa para tomarmos nosso café com direito ao pão meia-lua, acompanhado de manteiga real ou até do saudoso queijo cuia (queijo do reino), que meu saudoso pai trazia de uma padaria que ficava no bairro do Anil.
"Interior de uma casa do baixo povo" desenho do militar português Joaquim Cândido Guillobel em seu livro "Usos e costumes dos abitantes da cidade de S. Luiz do Maranhão" de 1820. o Desenho de Cândido Guillobel da validade ao relato de Luis dos Santos Vilhena escrito em 1787 sobre a moradia das familias mais pobres: "choupanas de paus toscos e palhas de pindoba, mobiliadas com duas ou três esteiras, mesa e três pedras servindo de fogão às vezes alguns potes de barro e andrajos, eis toda a mobília do lar de um casal negro”
Joaquim Cândido Guillobel - Data de nascimento de Joaquim Cândido Guillobel:1787 Local de nascimento:(Portugal / Distrito de Lisboa / Lisboa) | Data de morte13-02-1859 Local de morte:(Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro) Joaquim Cândido Guillobel | Enciclopédia Itaú Cultural (itaucultural.org.br)
Biografia
Joaquim Cândido Guillobel (Lisboa, Portugal 1787 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1859). Desenhista, aquarelista, arquiteto, topógrafo e cartógrafo. Muda-se com seu pai, Francisco Agostinho Guillobel, para o Rio de Janeiro em 1808. Em 1811 ocupa o posto de primeiro tenente do Imperial Corpo de Engenheiros e passa a exercer a função de desenhista do recém-fundado Arquivo Militar. No ano seguinte inicia a produção de uma série de desenhos representando tipos e cenas urbanas do Rio de Janeiro. Em 1819 é enviado à província do Maranhão, onde realiza alguns mapas, publicados no ano seguinte com o título de Usos e Costumes dos Abitantes (sic) da Cidade do Maranhão. Retorna ao Rio de Janeiro e realiza a carta topográfica da província, em 1825. Matricula-se, em 1827, no curso de arquitetura civil, ministrado por Grandjean de Montigny (1776-1850) na Academia Imperial de Belas Artes (Aiba). Em 1829, assume novamente o posto de desenhista do Arquivo Militar e projeta novo chafariz para o largo da Carioca. Três anos depois, desenha a planta topográfica do terreno onde seria construído o novo edifício da Casa de Correção. Em 1834, trabalha como professor assistente do curso de desenho da Academia Militar. Promovido a titular dessa cadeira em 1836, ocupa o posto até 1852. Entre 1845 e 1855, dedica-se às obras de construção do Palácio de Petrópolis,

realiza trabalhos para a Santa Casa de Misericórdia e responsabiliza-se, com José Maria Jacinto Rebelo e Domingos Monteiro, pela construção do Hospício D. Pedro II (Hospício dos Alienados). Em 1855 é nomeado professor honorário de ciências acessórias na cadeira de matemáticas aplicadas da Aiba.
Comentário crítico
Joaquim Cândido Guillobel vem para o Brasil em 1808. No Rio de Janeiro, ingressa na carreira militar por volta de 1811 e ocupa todos os postos até ser reformado como coronel de primeira linha do Imperial Corpo de Engenheiros. Ainda em 1811 é promovido a segundo-tenente para exercer a função de desenhista do Arquivo Militar. Começa a pintar, em 1812, pequenas figuras humanas, aquareladas, representando tipos e cenas de rua do Rio de Janeiro, como escravos trabalhando, vendedores ambulantes, damas portuguesas, cavaleiros, soldados, crianças tocando instrumentos musicais africanos, uma família saindo a passeio, um canto de mercado ou uma tropa. O estudioso Gilberto Ferrez compara os trabalhos do artista, que medem de oito a doze centímetros de altura, aos irresistíveis cartões-postais de então, que poderiam ser vendidos em álbuns ou separadamente. Para Ferrez, o artista revela nessas obras grande senso de observação. As figurinhas de Guillobel dão continuidade à tradição de ilustração de usos e costumes, já realizada no país, no século XVIII, por Carlos Julião (17401811). Sua produção serve de modelo para vários artistas viajantes que vêm ao Brasil nesse período, como Thomas Ender (1793-1875) e Henry Chamberlain (1796-1844). As aquarelas do artista têm grande importância também, como aponta o historiador da arte Rodrigo Naves, para a elaboração das aquarelas e litografias de Debret (1768-1848). Guillobel integra, a partir de 1819, uma comissão ativa na província do Maranhão, para a qual desenha mapas e cartas topográficas. Ao regressar, trabalha no comitê de levantamento da carta topográfica da província do Rio de Janeiro. Em 1827, matricula-se na Aiba, como aluno de arquitetura civil. Em 1834, passa a atuar como professor da cadeira de desenho descritivo e arquitetura militar, na Academia Militar. Trabalha como arquiteto em diversas obras públicas na cidade do Rio de Janeiro. Projeta o novo chafariz do Largo da Carioca e colabora em obras como a da Câmara dos Senadores, do Hospício dos Alienados e Santa Casa de Misericórdia. Seu maior projeto arquitetônico, do Palácio Imperial de Petropólis, inicia-se por volta do começo da década de 1850, quando passa a residir na cidade. Projeta também o Colégio de Petropólis. Em 1855, é nomeado professor honorário da seção de ciências acessórias na parte relativa às matemáticas aplicadas da Aiba. Guillobel, além da carreira militar e atividades de desenhista, topógrafo e arquiteto, é autor dos primeiros desenhos de cartas de brasão feitas no Brasil.