Morar só - Lauriana Vinha

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Morar s贸 Retratos de moradas solit谩rias Lauriana Vinha

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Morar s贸 Retratos de moradas solit谩rias

Lauriana Vinha


Morar só - Um retrato de moradias solitárias 1ª Edição - 2013

Texto e fotos: Lauriana Martins Vinha Programação visual: Lauriana Martins Vinha e Nayla Cunha Gomes Revisão: Ivany Neiva Contato: laurianavinha@gmail.com Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida sem autorização, por escrito, da autora. Todos os direitos reservados. ©

Vinha, Lauriana Martins. Morar só - Um retrato de moradias solitárias. Lauriana Martins Vinha – Águas Claras: Universidade Católica de Brasília, 2013. 45 p.: 27 x 20 cm 1. Fotografia; 2. Casa - Moradia; 3. Unipessoal - Sozinho.


Dedico este livro a todos os solitários pelo mundo. Agradeço a todos que, de alguma forma, participaram deste projeto e àqueles que abriram suas casas para mim.


Resumo Este trabalho consiste em realizar uma observação poética da condição de morar sozinho (moradia unipessoal). A narrativa principal é a fotográfica – trata-se de um ensaio fotográfico acompanhado, ainda, por depoimentos dos personagens. O foco é personagens que vivem nessa condição, ou por escolha ou por falta dela. Tem como objetivo registrar características da morada das pessoas visando explicitar – por meio de fotografia – as relações que há entre cada morada e seu morador. Palavras chave: Fotografia. Casa. Moradia. Unipessoal. Sozinho.

Abstract This work consists in bringing an poetic observation of the condition of living alone (housing proprietorship). The main narrative is the photographic - it is a photo essay also accompanied by statements of the characters. The focus is on characters living in this condition either by choice or lack of it. Aims to register the characteristics of the dwelling of the people seeking to explain - through photography the relationship that exists between each dwelling and its occupant. Keywords: Photography. House. dwelling. Proprietorship. Alone.


Introdução

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Antecedentes

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Personagens

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Lauriana Vinha

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Thaís Melo

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Lizandra Bassoli

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Bruno Speltri

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Pedro Tavares

Índice

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necessariamente de algo espontâneo ou do lar como “realmente” é, pois devemos considerar que pode haver essa construção de cenário referente à imagem que a pessoa deseja transmitir. Uso como base os dados do Censo Demográfico do IBGE, que tem constatado por meio de pesquisa quantitativa que vem crescendo o número de pessoas que estão preferindo viver sozinhas a dividir o lar com alguém. Utilizo também o livro “A poética do espaço”, de Gaston Bachelard. Ele busca, como fenomenólogo, pesquisar a imagem poética em sua origem, busca traçar uma filosofia da poesia, com base nas relações existentes entre o universo poético e imaginário, a partir das imagens do espaço. Para ele os apartamentos onde moramos são “caixas sobrepostas” umas sobre as outras, onde faltam valores em relação às moradias. As relações da moradia com o espaço tornam-se artificiais, diz Bachelard citando Max Picard. O livro é composto de fotos dos ambientes de moradia das pessoas selecionadas e de comentários dessas pessoas sobre sua condição de morar só. As fotos foram tiradas e editadas por mim, assim como a seleção dos textos e a coleta de depoimentos das pessoas. O projeto gráfico foi realizado por mim em parceria com Nayla Cunha Gomes, aluna de Publicidade e Propaganda. Os personagens são todos pessoas que moram sozinhas, com idade entre 20 e 25 anos, sendo dois homens e duas mulheres.

Introdução Nossa alma é uma morada. E lembrando-nos das “casas”, dos “aposentos”, aprendemos a “morar” em nós mesmos. Já podemos ver que as imagens da casa caminham nos dois sentidos: estão em nós tanto quanto estamos nela. Gaston Bachelard

Este é um livro digital que tem como tema pessoas que moram sozinhas e a relação existente entre elas e suas casas. Tem como objetivo registrar características da morada das pessoas visando explicitar – por meio de fotografia – as relações que há entre morada e morador. Mostro como o espaço e seus objetos têm relação com o que a pessoa é. Por exemplo, uma casa colorida pode demonstrar que a pessoa que a habita é uma pessoa alegre, ou que a pessoa quer que quem chegue em sua casa pense que ela é alegre. Pensando assim, entramos agora na questão de que o lar pode ser também um cenário montado para o próprio morador ou para quem visitar sua casa. Assim, as fotografias que irei registrar não tratam

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e então percebo que não é um trabalho sobre mim. É uma forma de pensar e perceber esse universo de forma poética, de estar em contato com pessoas que também vivem sozinhas e uma oportunidade de tornar pública uma questão que não é só minha. Buscando dados do IBGE (Censo Demográfico de 2000 e 2010) e textos poéticos, torno público algo que é maior que minha experiência pessoal.

Antecedentes Eu, Lauriana Vinha, autora desse livro, moro sozinha em Brasília há três anos. Este foi o principal motivo da escolha por este tema: trata-se de uma situação que vivencio e que pretendo entender melhor e tornar pública. Gostaria de pensar – em fotos e textos – como é essa realidade e como vivem as pessoas que se encontram na mesma situação que eu. Procuro saber o que o espaço onde elas vivem representa para elas, levando em conta que a organização da nossa casa é também uma forma de nos comunicarmos. Apesar de ser um tema que teve como impulso inicial uma experiência pessoal, não é um trabalho autobiográfico. O objetivo é mostrar pessoas que, como eu, vivem sozinhas, e a relação existente entre pessoa/espaço, ou seja, como a pessoa interfere no espaço onde vive e vice versa. Embora, por um lado, tenha receio de que o trabalho seja percebido como sendo sobre mim, penso também que, no momento, o que vejo que é um aspecto que ultrapassa a minha condição pessoal. Observo que várias pessoas moram sozinhas e muitas outras fotografam, escrevem, poetizam sobre o assunto,

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Personagens

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Começo este livro com o personagem que deu origem a ele: eu. Moro sozinha em Águas Claras há três anos, nasci em João Pinheiro, no interior de Minas Gerais, com quinze anos me mudei para Viçosa, MG. E em 2009 vim para Brasília para fazer faculdade de Publicidade e Propaganda. Vim para o DF por uma questão de escolha: além de fazer faculdade, acreditei que era uma oportunidade de dar uma nova chance para vida e pra pessoas, e para fazer tudo diferente do que tinha feito antes. Acredito que a experiência de morar sozinha confere muita maturidade e independência às pessoas, acredito que seja uma situação que todos devem viver em um momento da vida. Não há nada como aprender a viver com você mesma. Além de conviver consigo mesma, você vive em um ambiente que é só seu, seu lar. Vejo minha casa como uma extensão de mim mesma, penso que quando quero mudar algo em mim, a casa deve mudar também, os móveis, a decoração ou mesmo um simples arranjo de flores. Além disso, vejo a casa com um abrigo, quase como um forte de segurança, um universo particular, onde só entra quem você escolhe para entrar. Pesquisas vêm mostrando que as pessoas têm preferido cada vez mais morar sozinhas; existem varias explicações para isso, mas que não muito me convencem, por exemplo há pesquisas que conferem essa característica a longevidade dos idosos, que

Lauriana Vinha 22 anos. Concluindo o curso de Publicidade e Propaganda. Sozinha há 3 anos. De João Pinheiro, MG, para Águas Claras, DF.

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estão vivendo mais de forma mais saudavel, o que tem possibilitado a eles viverem sozinhos. Mas acredito que isso vem acontecendo por as pessoas estarem cada vez mais individualistas, mais resistentes a manterem relacionamentos e formarem famílias. Apesar dessa individualidade existente no ser humano moderno, não concordo que morar sozinho é ser/estar solitário. Quando digo que moro sozinha a pergunta mais frequente é “você não se sente só?” e digo que não, muitas vezes é mais fácil você se sentir sozinho no meio de 100 pessoas do que só com você mesmo. Muitas vezes é mais fácil você se sentir sozinho no meio de 100 pessoas do que só com você mesmo.

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Thaís veio da sua cidade Natal direto para Brasília. A principio morou 1 ano e meio com a irmã e sua família. Mas não foi possível continuar dividindo o lar e seus pais não aprovaram que ela dividisse o apartamento com algum amigo, então decidiu morar sozinha. Sobre morar sozinha, Thaís diz que “acrescenta muito na vida. Você cria responsabilidades, se torna independente, pois nunca tem ninguém para fazer as coisas para você.”. Ela percebe sua casa como “um lugar só meu. Um lugar de liberdade, onde eu posso ficar à vontade para fazer o que quiser, a hora que eu quiser. Como eu morei muito tempo com a minha irmã, acho que eu dou muito mais valor a minha privacidade agora. Um lugar de paz.” Ela também acredita que o nosso lar pode ser uma extensão de nós mesmo, por refletir o que está se passando na vida do morador. Para ela as pessoas estão preferindo morar sozinhas porque consideram que a convivência entre as pessoas está cada vez mais difícil. Thaís e Lizandra Bassoli são amigas de infância e moram no mesmo condomínio, o que para Thaís é um argumento contra a solidão, quando diz que não se sente solitária. Além disso os seus pais sempre vêm visitá-la com frequência, “então não tem muito tempo de se sentir só. Mas é claro que tem horas que dá uma saudade da família.”

Thaís Melo 20 anos Cursando Farmácia. Sozinha há 7 meses. De Unaí, MG, para Águas Claras, DF.

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Lizandra, assim como Thaís, também veio de Unaí direto para Brasília, onde mora sozinha no mesmo condomínio da amiga. Ela mora sozinha por escolha. Teve a experiência de dividir apartamento com outra pessoa e diz que no começo foi tranquilo, mas depois a colega de apartamento começou a levar o namorado para casa com frequência e não ajudava muito na manutenção do lar, e por causa desses desentendimentos as duas dividiram a casa por 10 meses sem se falar. Depois dessa experiência desagradável, ela decidiu morar sozinha. Segundo ela “não tem ninguém pra encher o saco, faço tudo do jeito que eu quero”. Quanto à escolha da cidade, ela disse que foi por falta de opção mesmo: o pai estava resistente quanto ao fato dela mudar de cidade, mas por Brasília ser perto da Unaí ele acabou aceitando com mais facilidade. Sobre a experiência de morar sozinha, ela diz “Falo sempre que todo mundo tinha que morar sozinho pelo menos um ano, pra dar valor à casa dos pais. É muito bom morar sozinha; depois que mudei tenho muito mais responsabilidade - coisa que eu não tinha, porque era tudo na mão antes e hoje eu tenho que fazer tudo.” Liz também vê a casa como uma extensão de nós mesmos; a casa reflete o seu humor: quando está de bom humor tudo fica organizado e em seu devido lugar, mas quando está nervosa com algo, como em véspera de provas, a desorganização se faz visível. Para ela, as pessoas preferem morar sozinhas pela dificuldade em conviver e lidar com as diferenças

Lizandra Bassoli 20 anos Cursando Direito. Sozinha há 1 ano e meio. De Unaí, MG, para Águas Claras, DF.

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das outras pessoas. “Morar com outras pessoas é complicad; a pessoa pode ser sua amiga de anos, querendo ou não ela não é igual a você. E você só começa a conhecer a pessoa depois que passa a morar junto; tive essa experiência e não foi nada bom, não aconselho ninguém a morar com outra pessoa”. Diferente dos outros personagens, Liz parece se sentir um pouco solitária às vezes, e diz que a “solidão é a pior parte de morar sozinha”. Inclusive, por vezes já pensou em juntar suas coisinhas e voltar pra Unaí. Ela é muito apegada ao pais e sente muita falta deles, mas apesar disso não voltaria para sua cidade. Ela tem muitos amigos em Brasília que sempre frequentam sua casa, além da Thaís, sua amiga há dezessete anos, com quem pode contar sempre. Liz recebe muitos amigos em casa, então muitos dos seus objetos têm ótimas histórias de como foram parar lá. É o caso do manequim apelidado de “Zé Antôin”, que foi encontrado em um terreno por uma amiga que decidiu levá-lo para a casa dela.

“Minha casa é bem a minha cara mesmo, simples porém tudo do jeito que eu quero.”

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Bruno nasceu em Campinas, SP. Depois se mudou para Brasília com a família, onde morou por quatro anos até seu pai ser transferido e a família se mudar para o Rio de Janeiro, RJ. Por não se adaptar à vida na cidade carioca, decidiu que seria melhor voltar para Brasília e terminar seu curso aqui, onde havia começado. Uma das maiores dificuldades que encontrou foi lidar sozinho com a doença autoimune que possuiu. Antes contava com grande apoio da família, especialmente da mãe, que por esse motivo, foi resistente a sua mudança. Sobre a experiência de morar só ele diz que “é uma experiência muito boa, aprender a se cuidar e fazer a sua própria rotina, sem depender de outras pessoas.” Bruno diz que percebe a sua casa com um lugar que tem o seu jeito e, principalmente, todas as suas manias. Acredita que a casa pode ser sim uma extensão dele mesmo: “Quase tudo que tem na minha casa define a pessoa que eu sou. A casa diz sim algo sobre quem mora, um exemplo simples é a organização.” Para ele as pessoas estão preferindo morar sozinhas porque podem deixar tudo do jeito que querem, não tanto em relação a moveis e decoração, mas por terem um espaço seu onde tudo acontece da forma que você quer, um lugar onde você tem total controle. Sobre solidão ele diz: “Solidão é relativo, eu posso gostar de morar sozinho e não me sentir solitário. Companhia é sempre bom, mas morar sozinho também é muito bom. Não considero morar sozinho solitário.”

Bruno Speltri 23 anos. Concluindo o curso de Publicidade e Propaganda. Sozinho há 2 anos. De Campinas, SP, para Águas Claras, DF.

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“Quase tudo que tem na minha casa define a pessoa que eu sou. A casa diz sim algo sobre quem mora, um exemplo simples é a organização.”

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Pedro veio de Goiânia para o Distrito Federal fazer faculdade. O curioso é que ele se inscreveu na Universidade Católica de Brasília por engano, sua matricula pelo ProUni deveria ter sido feita na Católica de Goiânia. Ou seja, ele veio parar em Brasília não por uma questão de escolha, mas por um engano. Antes de morar sozinho, Pedro morou com um amigo; segundo ele a experiência foi boa, o companheiro de apartamento era muito ausente e ele vivia como se morasse só, mas seu amigo se casou e ele se mudou para o apartamento da tia. Essa segunda experiência já não foi tão agradável; ele conta que é difícil se adaptar à rotina e às regras de uma outra família: “cada núcleo familiar tem uma organização pré-estabelecida”. Foi então que decidiu morar só, pelas experiências passadas e para ter mais liberdade. Além disso seus pais concordam com sua escolha de não dividir o lar com mais alguém. Pedro é uma pessoa muito curiosa, e um fato curioso é que ele não tem televisão em casa. Segundo ele a televisão aliena as pessoas, então ele usa a internet para se atualizar ou assistir a conteúdos de que gosta, como séries e filmes. Ele mesmo diz que pode se pressupor que é uma pessoa antissocial, pelo fato de não ter TV, “mas eu não sou antissocial”. Quando perguntei o que ele acha da experiência de morar sozinho, ele disse acreditar que “qualquer experiência é valida; sendo ela boa ou ruim, não devemos ser maniqueístas – tem momentos ótimos

Pedro Tavares 22 anos. Cursando Medicina. Sozinho há 4 meses. De Goiânia, GO para Areal, DF.

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e tem momentos ruins”. Dentre os momentos ruins ele cita a falta de ter com quem conversar. “Querendo ou não a gente vive em sociedade, mas somos muito individualistas. A gente tem que saber se virar, morar sozinho é a prática disso.” Sobre o que as pessoas pensam quando vão a sua casa, ele disse “não me importo com o que as pessoas pensam”, mas acredita que a casa pode dizer algo sobre o seu morador, embora não seja algo que se pode perceber em uma única visita, mas ao longo de um tempo frequentando o lar. “Eu não acho que a casa possa me definir, da mesma forma que eu acho que um carro não possa me definir, mas ela pode dizer um pouco sobre mim”.

aprendeu desde cedo, com a própria mãe que “tem que engrossar o couro, porque o mundo bate”. Diz ainda que não tem problema quanto a solidão: “é mais fácil você morar com um monte de gente e se sentir sozinho, do que estar sozinho e sentir solidão.” Quando entrei em sua casa, a primeira coisa que disse foi que era “um pouco pagão; me mostrou as plantas que possuiu, como alfazema e arruda. Também possuiu um instrumento musical chamando surdo, disse que aprendeu a tocar por causa do Intermed, mas que não pode praticar em casa, pois o barulho é alto e pode incomodar os vizinhos.

“Minha casa é o meu canto. [...] A casa da gente, pra quem mora sozinho, é o onde a gente pode ser a gente, nós escolhemos quem a gente traz aqui, enfim, é um lugar onde você pode se expressar de uma forma mais livre.” A respeito da preferência das pessoas por morarem sozinhas, ele diz que é influência da cultura ocidental: “a maioria das pessoas tende a esperar pelo utópico, pessoa perfeita, emprego perfeito, isso está fazendo com que a individualização prevaleça muito [...]. As pessoas são muito exigentes... e isso tem se fortalecido muito.” Ele vai com frequência para sua cidade natal, e fala muito com a mãe ao telefone, mas disse que

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