As cronicas vampirescas iv a historia do ladrao de corpos anne rice

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visualizar uma imagem do meu corpo. — Tenho de visualizar uma imagem deste corpo? — Não, não é necessário. O importante é que você se mantenha ligado — você, sua mente, sua alma, sua consciência do próprio eu — à forma que criar na sua imaginação. Agora, imagine essa forma como sendo do seu corpo e que você quer se elevar e sair de dentro dele — que você quer subir. Durante trinta minutos David continuou a aula calma e vagarosamente, reiterando a seu modo o que os sacerdotes haviam ensinado a seus iniciados durante milhares de anos. Eu conhecia a fórmula antiga. Mas conhecia também a completa vulnerabilidade mortal e a noção desanimadora das minhas limitações, além do medo sufocante e debilitante. Depois de uns quarenta e cinco minutos eu finalmente mergulhei no estado vibratório exigido, muito perto das fronteiras do sono. Meu corpo era agora apenas uma sensação vibratória deliciosa, nada mais! E quando percebi isso e pensei em fazer uma observação a respeito, subitamente senti que me soltava e começava a subir. Abri os olhos, ou pelo menos pensei que os abri. Eu flutuava bem acima do meu corpo. Podia ver claramente o corpo de carne e osso na cama. “Suba”, eu disse. Imediatamente subi para o teto com a deliciosa leveza e a velocidade de um balão de gás! Com facilidade girei o corpo e olhei para o quarto. Eu havia passado através das lâminas do ventilador! Na verdade, ele estava bem no meio do meu corpo, embora eu não sentisse coisa alguma. E lá embaixo estava o corpo mortal adormecido, o corpo que eu havia ocupado tão sofridamente nesses últimos e estranhos dias. Ele estava com os olhos e a boca fechados. Vi David na cadeira de vime, o tornozelo direito apoiado no joelho esquerdo, as mãos relaxadas sobre as coxas, olhando para o corpo adormecido. Será que sabia que eu tinha conseguido? Eu não ouvia nem uma palavra do que ele dizia. Era como estar numa esfera diferente da que ocupavam aqueles dois corpos sólidos, mas me sentia completo e real. Oh, que sensação deliciosa! Tão parecida com a minha liberdade de vampiro que eu quase chorei. Tive pena dos dois seres sólidos e sozinhos lá embaixo. Minha vontade era atravessar o teto e sair para a noite. Lentamente eu subi, atravessei o telhado do hotel e finalmente pairei sobre a areia branca da praia. Mas já é o bastante, pensei. O medo me dominava, como sempre me dominara todas as vezes em que eu experimentei esse pequeno truque antes. O que, em nome de Deus, me mantinha vivo naquele estado!? Eu precisava do meu corpo! Despenquei cegamente para dentro do corpo na cama. Acordei, com um formigamento em todo o corpo e vi David olhando fixamente para mim. — Eu consegui — anunciei, chocado com a sensação de sentir outra vez os tubos de pele e de osso fechando-se em volta de mim, de ver meus dedos movendo a um comando do meu cérebro, sentir os pés vivos dentro dos sapatos. Deus do céu, que experiência! E tantos, tantos mortais já haviam tentado descrevê-la. E muitos outros, na sua ignorância, não acreditavam que fosse possível. — Lembre-se de fechar seus pensamentos — David disse, de repente. — Por maior que seja seu entusiasmo. Feche sua mente por completo! — Sim, senhor. — Assim está melhor. Agora, vamos fazer outra vez. À meia-noite — umas duas horas depois de termos começado — eu já podia sair daquele corpo facilmente. Na verdade, era como um vício — a sensação de leveza, a fantástica e rápida ascensão! A deliciosa facilidade com que atravessava as paredes e o teto, e depois a volta repentina e impactante. Era um prazer profundo e pulsante, puro e cheio de luz, como uma excitação erótica da mente. — Por que o homem não pode morrer assim, David? Quero dizer, simplesmente subir para o céu, deixando a terra?


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