As cronicas vampirescas iv a historia do ladrao de corpos anne rice

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usar um pé-de-cabra! Ou um machado. Ou uma serra elétrica. Uma questão de técnica, como dizem nestes tempos. Eu preciso entrar. E então, o que vou fazer? Apanhar uma faca de cozinha — pois apartamentos têm dessas coisas, embora Deus saiba que eu não preciso de cozinha — e cortar minha garganta mortal? Não. Telefone para David. Você não tem mais ninguém no mundo para apelar e oh, pense nas coisas horríveis que David vai dizer! Quando eu parava de pensar nessas coisas, mergulhava outra vez no desespero esmagador. Eles me expulsaram. Marius. Louis. Na minha pior loucura, eles me recusaram ajuda. Oh, eu tinha zombado de Marius, é verdade. Recusei sua sabedoria, sua companhia, suas regras. Oh, sim, eu pedi tudo isso, como dizem os mortais. E tinha feito uma coisa desprezível, deixar aquele Ladrão de Corpos escapar com os meus poderes. Certo. Outra vez culpado de tolices e experiências espetaculares. Mas alguma vez cheguei a imaginar o que seria ser destituído dos meus poderes e passar para o lado de fora, olhando para dentro? Os outros sabiam, deviam saber. E deixaram que Marius viesse para me julgar e me fazer saber que eu estava expulso! Mas Louis, meu belo Louis, como pôde me rejeitar! Eu seria capaz de desafiar o céu para ajudar Louis! Eu estava contando com ele, certo de que naquela mesma noite o velho e poderoso sangue estaria correndo nas minhas veias. Oh, Senhor Deus — eu não era mais um deles. Eu não era nada, apenas um homem mortal, sentado no calor úmido de um bar, tomando café — ah, sim, café saboroso, é claro — e mastigando umas rosquinhas açucaradas, sem nenhuma esperança de recuperar meu glorioso lugar no tenebroso Elohim. Ah, como eu os odiava. Como desejava lhes fazer mal! Mas quem era o culpado de tudo? Lestat — agora com um metro e noventa de altura, olhos castanhos, pele morena, belos cabelos castanhos e ondulados. Lestat, com braços musculosos e pernas fortes, e outro grave resfriado mortal enfraquecendo-o e atormentando. Lestat com seu cão fiel, Mojo, procurando descobrir um meio de apanhar o demônio que tinha fugido, não com sua alma, como de hábito, mas com seu corpo, um corpo que talvez eles já tivessem — nem pensar — destruído. A razão me dizia que era cedo demais para fazer um plano definitivo. Além disso, nunca me interessei muito por vinganças. A vingança é uma preocupação dos derrotados. Eu não estou derrotado, tentei me convencer. Não, não estou derrotado. E é muito mais interessante imaginar a vitória do que a vingança. Ah, é melhor pensar em coisas menores que podem ser mudadas. David tem de me ouvir, pelo menos me aconselhar! Porém, o que mais ele pode fazer, mesmo que não me dê as costas? Como dois homens mortais poderiam perseguir aquela criatura desprezível? Ahhh. . E Mojo estava com fome, olhando para mim com aqueles olhos grandes e escuros. Ah, como todos no bar olhavam para ele, procurando manter distância daquela criatura ameaçadora e peluda, com focinho negro, orelhas macias e rosadas e patas enormes. Sim, eu precisava alimentar Mojo. Afinal, o chavão era verdade. Aquele monte de carne canina era meu único e fiel amigo! Satã teria um cão quando foi atirado para o inferno? Bem, se o tivesse, tenho certeza de que o cão o seguiria. — O que devo fazer, Mojo? — perguntei. — Como é que um mero mortal pode apanhar o vampiro Lestat? Ou será que os anciãos reduziram a cinzas meu belo corpo? Seria esse o significado da visita de Marius? Comunicar que já estava tudo acabado? Ooooh, Deus. O que é mesmo que a bruxa diz naquele filme horrível? Como você pode fazer isso com a minha bela malignidade. Aaah, estou com febre outra vez, Mojo. As coisas vão se resolver sem nossa intervenção. EU VOU MORRER! Mas Deus do céu, veja o sol batendo silenciosamente nas calçadas sujas, veja a minha pobre e encantadora Nova Orleans acordando para a bela luz do Caribe. — Vamos, Mojo. Hora de arrombar e entrar. Então podemos nos aquecer e descansar. Parei no restaurante na frente do velho French Market e comprei ossos e carne para Mojo.


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