As cronicas vampirescas iii a rainha dos condenados 2 anne rice

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seus corpos preternaturais. Ouviu seus gritos; ouviu seus avisos; viu seus rostos quando eles se afastavam da terra, ofuscantes, pois carregavam ainda consigo a forma humana embora sem a substância; sentiu quando passaram do sofrimento para o desconhecido; ouviu sua canção mal começando. E então a visão desvaneceu-se como uma música meio ouvida e meio recordada. Estava perto da morte; seu corpo desaparecera, toda a dor desaparecera, todo senso de permanência, toda angústia. Estava na clareira ao sol, olhos baixos para a mãe no altar. — Na carne — Maharet disse. — Na carne começa toda a sabedoria. Cuidado com a coisa que não tem carne. Cuidado com os deuses, cuidado com a idéia, cuidado com o demônio. Então veio o sangue, inundando cada fibra do seu corpo; ela era novamente pernas e braços, à medida que o sangue eletrizava seus membros, a pele ardendo com o calor; e a fome fazendo seu corpo contorcer-se enquanto o sangue agia para prender sua alma à substância para sempre. Ficaram deitadas abraçadas, ela e Maharet, e a pele rígida de Maharet aqueceu-se e suavizou-se tanto que elas se tornaram uma única coisa úmida e emaranhada, cabelos embaraçados. O rosto de Jesse enterrou-se no pescoço de Maharet quando ela enfiou os dentes na fonte, as ondas de êxtase a percorrer-lhe o corpo. De repente Maharet afastou-se e virou o rosto de Jesse para o travesseiro. Sua mão cobriu-lhe os olhos, e Jesse sentiu os dentinhos afiados perfurarem sua pele; sentiu tudo sendo retirado de volta. Como o vento a assobiar, a sensação de ser esvaziada, de ser devorada, de ser nada! — Beba novamente, minha querida. Abriu os olhos devagar, e viu a garganta branca, os seios brancos; estendeu a mão e pegou a garganta, e dessa vez foi ela quem rasgou a carne. E quando a primeira gota de sangue atingiu-lhe a língua ela puxou Maharet para debaixo de si. Maharet estava inteiramente obediente; era sua; os seios de Maharet contra os seus seios; os lábios de Maharet em seu rosto, enquanto ela sugava o sangue, sugava com força cada vez maior. Você é minha, total e completamente minha. Tinham desaparecido as imagens, vozes, visões. Dormiram, ou quase dormiram, abraçadas. Parecia que o prazer tinha deixado uma radiação; parecia que respirar era tornar a senti-lo; mexer-se de encontro aos lençóis de seda ou à pele de seda de Maharet era começar de novo. O vento fragrante movia-se pelo quarto. Um grande suspiro coletivo ergueu-se da floresta. Não mais Miriam, não mais os espíritos do reino do lusco-fusco, presos entre a vida e a morte. Ela tinha encontrado seu lugar — seu lugar eterno. Ao fechar os olhos, viu a coisa na floresta parar e olhar para ela. A coisa de cabelos vermelhos viu-a e viu Maharet em seus braços; viu os cabelos vermelhos; duas mulheres de cabelos vermelhos; e a coisa pôs-se em movimento em direção a elas. Khayman Um silêncio mortal, a paz do Vale do Carmel. Tão feliz estava a pequena comunidade da casa — Lestat, Louis, Gabrielle, felizes por estarem juntos. Lestat despira as roupas sujas e novamente resplandecia em "traje de vampiro", o casaco de veludo preto jogado displicentemente sobre um ombro. E os outros, como estavam animados! A mulher, Gabrielle, desmanchando sua trança loura distraidamente, enquanto falava em tom apaixonado. E Louis, o humano, silencioso, porém profundamente excitado pela presença dos outros dois; enfeitiçado, por assim dizer, por seus gestos simples. Em qualquer outra ocasião Khayman teria ficado muito comovido com tanta felicidade. Teria tido vontade de tocar a mão deles, olhar em seus olhos, dizer-lhes quem era e o que tinha visto; teria vontade de simplesmente ficar com eles. Mas ela estava por perto. E a noite não terminara. O céu empalideceu e um vaguíssimo calor matinal arrastou-se por cima dos campos. Coisas se mexiam à luz crescente. As árvores moviam-se, as folhas abrindo-se lentamente.


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