Retalhos Coloridos

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- Está indisposto? perguntou a mulher. É bom deitar-se, descansar. Vamos dormir. Dormir, que lembrança! - Não, adeus. Está aqui. Não lhe dou mais por que não tenho, ouviu? Desculpe. A criatura recusou os dez mil-réis que Ihe apresentei: - Pode guardar. Nós não fizemos nada. Além disso pagou a ceia. Eu estava com fome. - Não senhora. Receba. E o que tenho. - Muito obrigada. Já não lhe disse que não aceito. Eu estava com fome. Encolerizei-me de verdade e despropositei: - Não me faça cometer um desatino. A senhora é relógio para trabalhar de graça? A senhora tem obrigação de andar nua diante de mim? Duas horas chateação, de conversa mole! A senhora é relógio? A senhora não é relógio. A mulher recebeu o dinheiro, espantada. Julgou-me doido, suponho. Realmente as últimas palavras me haviam tornado furioso. *** Marina me explicou muito direitinho que eu não tinha razão. O que tinha era falta de confiança nela. Chorou, e fiquei meio lá, meio cá, propenso a acreditar que me havia enganado. - Posso obrigar uma pessoa a não olhar para mim? Posso furar os olhos do povo? Não senhora. A coisa era diferente. Eles tinham sido pegados com a boca na botija, grelando, esquecidos do mundo. Tinham ou não tinham? Sim senhor, mas sem malícia. - Posso furar os olhos do povo?


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