Um teto todo seu virginia woolf

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preciso dizer que o que estou prestes a descrever não tem existência: Oxbridge é uma invenção, assim como Fernham; "eu" é apenas um termo conveniente para alguém desprovido de existência real. Mentiras fluirão de meus lábios, mas talvez possa haver alguma verdade no meio delas; cabe a vocês buscar essa verdade e decidir se vale a pena conservar algo dela. Caso contrário, naturalmente jogarão tudo na cesta de papéis e esquecerão o assunto. Assim, ali estava eu (chamem-me Mary Beton, Mary Seton, Mary Carmichael ou o nome que lhes aprouver — isso não tem a menor importância), sentada à margem de um rio há uma ou duas semanas, gozando a amena temperatura de outubro, perdida em cogitações. Aquela canga de que falei — as mulheres e a ficção, a necessidade de se chegar a alguma conclusão sobre um tema que suscita toda sorte de preconceitos e paixões — vergava-me a cabeça até o solo. Para a direita e para a esquerda, tufos de plantas, dourados e rubros, resplandeciam, ígneos; parecia mesmo que tinham sido queimados pelo calor. Na margem oposta, os salgueiros choravam o lamento eterno, com os cabelos a envolver-lhes os ombros. O rio refletia o que bem quisesse de céu e ponte e árvore flamejante, e, quando o universitário atravessou, remando, os reflexos, eles se extinguiram novamente, como se ele jamais tivesse existido. Qualquer um podia sentar-se ali horas a fio, imerso em pensamentos. O pensamento — para chamá-lo por um nome mais imponente que o merecido — havia lançado sua linha na correnteza. Minuto após minuto, ela oscilou aqui e ali entre os reflexos e as ervas silvestres, ao sabor da água, que a erguia e a afundava, até (vocês conhecem aquele puxãozinho) sentir a súbita consolidação de uma idéia na ponta da linha: então, foi só puxá-la com cautela e expô-la cuidadosamente. Mas, ai de mim! Estendida na grama, 9


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