Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes

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Avaliação, prevenção e tratamento do pé diabético Introdução

O

Grupo de Trabalho Internacional sobre Pé Diabético (International Working Group on the Diabetic Foot, IWGDF) conceitua pé diabético como “infecção, ulceração e/ou destruição de tecidos moles associadas a alterações neurológicas e vários graus de doença arterial periférica (DAP) nos membros inferiores”. 1 Os dados epidemiológicos são múltiplos, em razão da diversidade regional dos desfechos dessa complicação: em países desenvolvidos, a DAP é o fator complicador mais frequente, enquanto nos países em desenvolvimento, a infecção é, ainda, uma complicação comum das úlceras de pés diabéticos (UPDs), resultando em amputações. 1,2 A frequência e a gravidade também se devem a diferenças socioeconômicas, tipos de calçados usados e falta de padronização dos cuidados, em escala nacional, nesses países.1,2 A incidência anual de UPDs em pacientes com diabetes mellitus (DM) é de 2 a 4%, já a prevalência, de 4 a 10%, ambas mais altas em países com situação socioeconômica ruim.3 A incidência de UPDs cumulativas ao longo da vida é de 25%, e essas lesões precedem 85% das amputações.4,5 Apenas 2/3 das UPDs cicatrizarão6,7 e até 28% resultarão em algum tipo de amputação.8 Anualmente, 1 milhão de indivíduos com DM perde uma parte da perna em todo o mundo, traduzindo-se em três amputações por minuto.3 O pé diabético é a causa mais comum de internações prolongadas, compreendendo 25% das admissões hospitalares nos Estados Unidos da América, o que acarreta custos elevados: 28 mil dólares a cada admissão por ulceração; na Suécia, são 18 mil dólares em casos sem amputação e 34 mil dólares naqueles com amputação.9,10 Sabe-se que grande proporção dos leitos hospitalares em emergências e enfermarias, nos países em desenvolvimento, é ocupada por pacientes com UPDs.1,2 Além disso, os dados são escassos ou inexistem, os sistemas de saúde não são organizados, o conhecimento dos profissionais de saúde sobre pé diabético é crítico e a resolução é muito baixa, sobretudo quanto à revascularização.2,11 No Brasil, são estimadas, em um modelo hipotético para uma população de 7,12 milhões de indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 (DM2), 484.500 úlceras, 169.600 admissões hospitalares e 80.900 amputações, das quais 21.700 teriam como desfecho a morte.12

Fisiopatogênese e vias de ulceração Neuropatia, limitação de mobilidade articular e pressão plantar Embora os dados variem nas diferentes regiões do mundo, as vias de ulceração são semelhantes: a UPD resulta de dois ou mais fatores de risco, atuando em consonância com a polineuropatia diabética (PND) no papel permissivo principal.1 A PND está presente em 50% dos pacientes com DM2 acima de 60 anos,13 em 30% dos pacientes em atendimento clínico hospitalar e em 20 a 25% dos pacientes em atenção primária.14 A insensibilidade resulta do agravo às fibras nervosas finas (tipos C e delta [δ]) pela exposição prolongada à hiperglicemia associada a fatores cardiovasculares. Há comprometimento das fibras grossas (β e A-α), com perda da propriocepção, do movimento articular e do feedback da percepção de posição pelos receptores nas pernas e nos pés; em estágios avançados, também há fraqueza muscular e alterações estruturais dos pés pelo comprometimento motor, favorecendo quedas.15 Clinicamente, observam-se deformidades neuropáticas: dedos em garra ou em martelo, proeminências de metatarsos e acentuação do arco. Traumas (por calçados inapropriados, por caminhar descalço, por objetos dentro dos sapatos etc.) precipitam a UPD; a insensibilidade associada à limitação de mobilidade articular (LMA) resulta em alterações biomecânicas, com aumento da pressão plantar (metatarsos) e nas regiões dorsais (dedos). A pressão plantar (PP) anormal é um fator importante para UPDs somente se houver insensibilidade. A PP está relacionada com a LMA, sobretudo nas articulações de tornozelo, subtalar e metatarsofalangianas, por comprometimento do colágeno tipo IV e por deposição de produtos finais de glicação avançada (advanced glycation end-products, AGEs), causando hiperqueratose e calosidades, que são lesões pré-ulcerativas.16,17 A anidrose (pele seca), resultante da disautonomia periférica, e os calos favorecem o aumento da carga, ocorrendo hemorragia subcutânea e ulceração pelo trauma repetitivo.1 A Figura 1 mostra áreas com PP anormal no calcâneo, acentuação do arco, proeminência de metatarsos, arco desabado (Charcot), região dorsal dos dedos, valgismo (que não é específico do DM) e, por fim, regiões plantares mais vulneráveis à ulceração, no antepé.1,18 Verifiquem-se, nas Figuras 1 e 2, deformidades e áreas de maior pressão (dorsal e plantar).1,18 273


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