Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes

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Esquemas de insulina no tratamento do diabetes mellitus tipo 1 Introdução

O

diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença crônica caracterizada pela destruição parcial ou total das células β das ilhotas de Langerhans pancreáticas, resultando na incapacidade progressiva de produção de insulina. Esse processo pode levar meses ou anos, mas aparece clinicamente apenas após a destruição de pelo menos 80% da massa de ilhotas. Inúmeros fatores genéticos e ambientais contribuem para a ativação do curso imunológico que desencadeia esse processo de autodestruição. Como demonstram alguns estudos, pacientes que apresentam o alelo de risco (antígenos leucocitários humanos [human leukocyte antigen, HLA]; HLA-DRw3 e DRw4) e pelo menos dois anticorpos específicos (autoanticorpos antidescarboxilase do ácido glutâmico [anti-glutamic acid decarboxylase, anti-GAD], autoanticorpos anti-insulina [anti-islet cell antibody, anti-ICA] e autoanticorpos antitirosina fosfatase [anti-IA2]) têm chances consideráveis de desenvolver a doença. No período clínico, os sinais e os sintomas mais frequentes são poliúria, polidipsia, polifagia, astenia e perda de peso. O diagnóstico de diabetes ocorre entre 1 e 6 semanas após o início das manifestações clínicas. A confirmação diagnóstica é realizada por meio de glicemia plasmática de jejum ≥ 126 mg/dL ou glicemia casual, em qualquer hora do dia, ≥ 200 mg/dL.

Tratamento insulínico O uso de insulina é imprescindível no tratamento do DM1 e deve ser instituído assim que o diagnóstico for feito. O estudo prospectivo Diabetes Control and Complications Trial (DCCT)1 demonstrou que o tratamento intensivo do DM1, com três ou mais doses diárias de insulina (de diferentes tipos de ação) ou com sistema de infusão contínua de insulina (SICI; bomba de insulina), é eficaz na redução das complicações crônicas advindas do mau controle. Nessa coorte, houve diminuição de 76% dos casos de retinopatia, de 60% dos casos de neuropatia e de 39% dos casos de nefropatia nos pacientes tratados intensivamente em relação aos tratados de forma convencional (A).1 O valor da hemoglobina glicada (HbA1c) nos pacientes em tratamento intensivo foi responsável pela redução do surgimento de complicações crônicas microangiopáticas (8,05% versus 9,76%) (A).1 No estudo de continuidade do DCCT, o Epidemiology of Diabetes Interventions and Complications (EDIC),2 todos os pa-

cientes foram tratados de maneira intensiva. No subgrupo de adolescentes (13 a 17 anos), o controle metabólico não evidenciou diferenças significativas entre aqueles que já haviam sido tratados de forma intensiva no DCCT e aqueles com tratamento convencional (8,38% versus 8,45%). O grupo tratado intensivamente por um período mais prolongado (desde o início do DCCT), contudo, apresentou frequência menor da progressão de retinopatia e de nefropatia, sugerindo que a manutenção do bom controle metabólico deve começar precocemente no curso do DM1 (A).2 Os dois estudos sugerem nível de evidência 1, com grau de recomendação A, para o tratamento intensivo com insulina no DM1 (A,2 B).3,4

Administração e dose de insulina O objetivo do tratamento do DM1 é manter as metas glicêmicas nos limites da normalidade. Diferentes esquemas terapêuticos podem ser utilizados no tratamento de indivíduos com DM1. Na prática, a reposição insulínica é feita com uma insulina basal (cuja função é evitar a lipólise e a liberação hepática de glicose no período interalimentar), uma insulina durante as refeições (bolus de refeição) e doses de insulina necessárias para corrigir hiperglicemias pré-prandiais ou de período interalimentar (bolus de correção). A insulinoterapia em esquema intensivo (basal-bolus), seja com múltiplas aplicações de insulina ao dia, seja com SICI, constitui a terapêutica fundamental e deve ser aliada à terapia nutricional com contagem de carboidratos, automonitorização e prática regular e planejada de atividade física, a fim de complementar o tratamento, cujo objetivo principal é o bom controle metabólico, postergando-se complicações crônicas advindas de mau controle e evitando-se hipoglicemias, principalmente as mais graves, noturnas e despercebidas. De qualquer modo, o esquema terapêutico deve ser individualizado, além de exigir conhecimentos básicos sobre fator de sensibilidade, razão insulina/carboidrato, contagem de carboidratos, automonitorização e manejo de insulina durante a atividade física e em situações de estresse (dias de doença, infecções etc.). O tratamento intensivo pode envolver a aplicação de múltiplas doses de insulina, com diferentes tipos de ação, por meio de seringa, caneta ou SICI. O tratamento com múltiplas doses de insulina tornou-se bastante prático após o surgimento das canetas (descartáveis ou permanentes), atualmente dis147


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