Livro alimentos regionais brasileiros

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Alimentos Regionais Brasileiros pessoas que não têm condições materiais de acesso às fontes de suprimentos. Verifica-se também que a lentidão do processo de reforma agrária sugere ser esse um ponto crítico aos interesses do grande capital industrial, que encontra, na produção agrícola para a exportação, um modo de assegurar o modelo de economia adotado. Tal situação vem assinalar a subordinação do campo e, consequentemente, a falta de diversificação da produção de alimentos (WANDERLEY, 2009). O resultado é a degradação social; fenômeno visível do agravamento produzido por um modelo estrutural de economia que mantém a alta capitalização no campo para produtos de exportação e a industrialização, ambos com geração menor de empregos. Para minorar esta situação e garantir às camadas populares excluídas do processo produtivo um mínimo de acesso aos alimentos, o Estado cria projetos assistenciais, a exemplo do Bolsa Família. Esse programa tem, de fato, abrandado as condições de miséria para a população contemplada. Ainda que um número expressivo da população brasileira enfrente, por falta de condições econômicas, dificuldades em manter uma alimentação bioquimicamente saudável, há a necessidade de se conservar o regionalismo alimentar, o que lhes assegura identidade social e historicidade. É preciso considerar a existência os hábitos e os tabus alimentares regionais que promovem a classificação dos alimentos em frios e quentes, fortes e fracos, reimosos e descarregados, por exemplo (WOORTMAN, 1978). De maneira geral, também os que têm maior poder aquisitivo sustentam no hábito de comer valores regionais que se expressam na tradição de noções, sabores, mitos e crenças. Vale lembrar que sempre há constitutivos simbólico-culturais na comensalidade, independentemente da posição social dos indivíduos. Em geral, os modelos agrícolas têm seu arcabouço ideológico calcado no mercado do capital. O alimento não possui apenas uma imagem simbólica de expressão de comensalidade, mas representa também um objeto de consumo da vida cotidiana. Alia-se a isso a ideia de produzir itens alimentares com maior valor de mercado, com destaque para os produtos de exportação, como a soja, que reforça as grandes plantations (grandes propriedades de monoculturas), oprimindo a prática da agricultura familiar (milho, feijão, mandioca). Vale lembrar que a herança da ocidentalização levou a promoção de farinha de trigo industrializada para o pão e o arroz polido e branco. Com o refinamento de cereais, houve perdas de fibras alimentares. Sem dúvidas, algumas enfermidades no Ocidente estão relacionadas a essas mudanças na alimentação (HELMAN, 1994). Apesar do avanço tecnológico, as culturas alimentares de origem portuguesa produziram receituários dietéticos experimentados por pobres de todas as idades, que comiam tudo a que tinham acesso, como: carnes “dobradas” (restos e vísceras de boi e porco) e toucinho rançoso (CRESPO, 1990). Dessas tradições surgiram pratos readaptados, como os cozidos com verduras e carnes secas, a dobradinha, a feijoada, o sarapatel. Como dito anteriormente, o crescente processo de produção da sociedade brasileira está conformado com base em estruturas socialmente desiguais. Isso quer dizer que o desenvolvimento do capitalismo mundial inscreve e repercute no Brasil mudanças na produção, na estrutura política e na organização da vida cotidiana, mantendo como pressuposto a exclusão social para uma parcela considerável de trabalhadores e suas famílias. Nessas condições históricas, não há como negar o caráter endêmico da fome como uma produção no seio da pobreza. Na realidade, a situação nutricional do indivíduo é, principalmente, determinada pela posição social que este ocupa na sociedade. E numa sociedade plural, com contrastes sociais extremos, a carência de alimentos acumulada no mundo diário redefine as necessidades dos homens, fixando formas concretas de sobreviver na privação. Com isso, geram-se valores culturais e criam-se cardápios mais acessíveis com poucos provimentos econômicos, a exemplo do uso comum de farinhas de milho e mandioca na culinária das camadas populares.

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