Racismo Através da História

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referencial normatizador, o segmento julgado racialmente como “superior”. Uma ordem social baseada nas desigualdades se mantém, assim, sobre a base de incríveis atomizações do segmento subalternizado. Em uma sociedade pigmentocrática, a classe social, a “linhagem”, a “estirpe”, ou a raça - na sua definição sócio-histórica - se confundem com as diferenciações e gradações fenotípicas e de cor. Nesse modelo, a sexualidade tem uma importante função reguladora, porquanto é através do abuso sexual vertical/unilateral que são constituídos, de maneira deliberada, os novos segmentos raciais “intermediários”, capazes de garantir a estabilidade de um sistema que funciona sobre a base da desigualdade de fato entre os diferentes componente raciais da sociedade. Estes segmentos miscigenados, por sua vez, reforçam o conjunto do sistema ao se relacionar psicologicamente e socialmente com as elites dominantes da sociedade, e ao se recusarem a configurar alianças com os segmentos mais fragilizados. É nesse sentido que as políticas de miscigenação, em um contexto colonial e multirracial, se revestem de uma importante função reguladora nos planos social e racial. Na continente americano, especialmente na América do Sul, a miscigenação foi, historicamente,

um

eficaz

instrumento

de

atomização

dos

dois

segmentos

subalternizados pela conquista e pela escravatura – os indígenas pulverizados no seu próprio território, e os africanos arrancados brutalmente de seus países e trazidos a este continente pela força militar. Em ambos os casos, a submissão sexual do conjunto das mulheres do segmento conquistado e subalternizado foi imposta de modo vertical e unilateral, através do abuso irrestrito. Por esse motivo, a política de miscigenação latino-americana foi, sobretudo, um grande crime contra a mulher africana e indígena. O MODELO IBERO-AMERICANO Todos os países da chamada América Latina funcionam sob um modelo geral de relações raciais oriundo da Península Ibérica, mas surgido originalmente nos alvores do século VIII no Oriente Médio. A sua versão propriamente latino-americana é incompreensível sem a consideração de duas transmigrações cronologicamente sucessivas: em primeiro lugar, a expansão do imperialismo árabe omíada através do norte da África e da Península Ibérica, e, em segundo lugar, a expansão imperialista da Espanha e de Portugal, a partir do século XVI, para o chamado Novo Mundo.

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