Cadernos kinoruss 5

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No entanto, a economia é uma coisa não unívoca, e esse caráter não unívoco está contido na própria palavra, constituída por duas palavras gregas antigas: oikos e nomos. A “oikonomia” grega está muito longe do conceito contemporâneo de economia no qual, o significado de oikos (casa, lar) praticamente se perdeu, enquanto que a prioridade é para o nomos (lei). Ainda por cima, o nomos funciona, justamente, como a “lei de perda” ou de carência, só que, no lugar da retenção do perdido (a catexia que pode ser entendida não apenas por meio da psicanálise, mas também da execução de práticas arcaicas, tais como o ritual), introduz a troca (a busca de um equivalente substitutivo). Dessa forma, contamos não com uma, mas com pelo menos duas economias diferentes. Uma, a economia doméstica e a segunda, a típica economia de troca (comércio, aquisição e acumulação). No mundo de hoje, a primeira forma de economia não está perdida, mas é interpretada em termos da segunda. Como mostra Jean Pierre Vernant, em seu estudo clássico, na época dos gregos, era diferente4. Cada uma dessas economias tinha seu deus, que era responsável por ela, e essas economias não eram, de modo algum, um todo unitário. Pela casa e o lar, era responsável a deusa Héstia, enquanto que pela peregrinação, viagens e comércio era responsável Hermes. Nos dias de hoje, podemos chamar a economia contemporânea, economia de Hermes ou até economia “masculina”. Dela fazem parte tanto a cultura como as descobertas científicas, a arte, os negócios, a guerra e o dinheiro... Quase tudo ao nosso redor tem sido formado por Hermes, e é significativo que a lembrança da deusa Héstia seja extremamente fraca. Entretanto Héstia é a responsável pela infância, virgindade e maternidade; graças a ela, existe a casa onde se dá a luz, para onde é possível voltar, ficar e morrer com tranquilidade, sem heroísmo trágico. Em certo sentido, essa economia pode ser chamada “feminina” ou “infantil”. Não vamos aumentar aqui a oposição de uma economia diante da outra. Entre elas não existe contradição. Simplesmente, a imagem histórica de apenas uma economia (Hermes) tornou-se, para nós, o conceito de economia, a sua lei. Enquanto isso, Héstia ficou fora dessa lei e é, por isso, que tudo o que está ligado ao “feminino, infantil”, “materno”, está dotado de debilidade, fragilidade e instabilidade. A casa está sempre sob ameaça de ser tomada e devastada. Tão logo Ulisses deixa sua casa em busca de dinheiro e de glória,

4. Vide Vernant J.-P. My thand Thought Among the Greeks. ZoneBook, N.Y., 2006. Ch. VI.

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