A experiencia do do cinema

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dida como sistema simbólico) e tende a reduzir uma complexa heterogeneidade a uma mera combinação de diferentes materiais 29. E ainda, um filme não é uma simples justaposição de elementos sensoriais, mas um discurso, uma enunciação. Isto não implica que o isolamen:o e investigação de uma única matéria significante, tal como a voz, seja um esforço infrutífero, mas que o estabelecimento de uma conecção direta entre voz e política está cheio de dificuldades. Em terceiro lugar, a noção de uma erótica política da voz é particularmente problemática quando vista de uma perspectiva feminista. A partir e contra a teorização do olhar como fálico, como supórte de voyeurismo e fetichismo (um impulso e uma defesa, os quais em Freud estão ligados explicitamente ao macho) 00, a voz parece se prestar como alternativa frente à imagem, como um meio potencialmente viável onde a mulher "pode fazer-se ouvir". Luce lrigaray, por exemplo, alega que a cultura patriarcal investe mais em ver do que em ouvir ~ll. Bonitzer, no contexto de definir uma erótica política, fala de "devolver a voz à mulher" como um componente prioritário. Entretanto, é preciso lembrar que, enquanto a psicanálise delineia um enredo pré-edipiano no qual a voz da mãe predomina, a voz, em psicanálise, é também o instrumento de interdição próprio à ordem patriarcal. E marcar a voz como refúgio isolado dentro do patriarcado, ou como tendo uma relação essencial com a mulher, é invocar o espectro da especificidade feminina, sempre recuperável como uma outra forma de "alteridade". Uma erótica pólítica que pressupõe uma nova fantasmática que esteja baseada em imagens de um corpo sensorial "expandido" está inevitavelmente presa à ambigüidade que o feminismo sempre parece confrontar: de um lado, existe o perigo de fundar uma política em uma conceituação do corpo, uma vez que o corpo tem sido sempre O terreno de opressão da mulher, assumido como a última e inegável garantia de uma diferença e uma carência; mas, de outra forma, existe também um benefício em potencial - é precisamente porque terreno principal de opressão que o corpo talvez

precise ser o lugar onde a batalha deva ser travada. A suprema conquista da ideologia patriarcal é que ela não oferece saída. À luz das três dificuldades delineadas acima, pareceria imprudente basear qualquer política da voz unicamente em uma erótica. O valor da reflexão sobre o emprego da voz no cinema a partir de sua relação com o corpo (o do personagem, o do espectador) está em uma compreensão do cinema sob uma perspectiva topológica, como uma série de espaços incluindo o do espectador - espaços os quais são freqüentemente hierarquizados ou mascarados um pelo outro a serviço de uma ilusão representacional. Entretanto, qualquer que seja o arranjo ou interpenetração dos vários espaços, eles constituem um lugar onde a significação se intromete. As diversas técnicas e estratégias para o desenvolvimento da voz contribuem fortemente para a definição da forma que este "lugar" assume.

29 Paul WJ1lemen, "Cinema Thoughts" Conferência realizada no Mil· waukee Conference on Cinema and Language, março 1979, pp. 3, 12. 30 Ver Laura Mulvey, "Visual Pleasure and Narrative Cinema", Screen, 16 (Outono 1976), 6-18 e Stepben Heath, "Sexual Difference and Represen· tation", Screen, 19 (outono 1978), pp. 51-112. 31 Para uma mais ampla discussão que feministas estabelecem sobre a relação entre a voz e a mulher ver Heath, "Sexual Difference", pp. 83-84.

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