Artigo sobre o escritório de Arquitetura VAZIO S/A

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Trajetória de Arquitetos Latinoamericanos: Carlos M. Teixeira – Vazio S/A

Kamila Bhering dos Santos1

“O inacabado passa a ser absolutamente belo quando assumido.” Carlos M Teixeira

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INTRODUÇÃO

O escritório nomeado Vazio S/A Arquitetura e Urbanismo tem 2001 como seu ano de fundação e os arquitetos envolvidos – Carlos M Teixeira, Daila Araújo, Leonardo Rodrigues e colaboradores/co-autores – possuem uma postura propositiva e ativa em questões próprias dos problemas da arquitetura, desde o urbanismo efêmero e não efêmero propostos para espaços públicos até construções perduráveis e residenciais, passando por obras ligadas à arte e análises concretizadas em publicações. Para o estúdio, a interdisciplinaridade deve prevalecer, tornando-se uma estratégia ao enfrentar desafios impostos pelas questões ecológicas e ao mesmo tempo a complexidade das cidades. Segundo sua descrição em website próprio, seus princípios são baseados em: Uma visão da informalidade, dos vazios e do mercado como algo que possa nos indicar novos projetos e oportunidades. À visão de uma prática de escritório convencional (casas, edifícios comerciais, desenho urbano, etc) está associada a experimentação através de concursos de arquitetura, publicações, parcerias com grupos sociais e artísticos, e intervenções urbanas efêmeras que discutem novas relações entre a cultura contemporânea e a arquitetura (VAZIO S/A, 2015).

O escritório já recebeu vários prêmios nacionais e internacionais e tem projetos construídos no Brasil, Canadá e Inglaterra; além de importantes _____________________________________________ 1

Aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. kamila.bhering@gmail.com; (31) 98850-8642


participações em mostras de arte e arquitetura, como a Bienal de Arquitetura de Veneza (2008) e a Bienal de Arte de São Paulo (2010). Dentre as últimas obras de arquitetura concluídas está o residencial VDA (edifício de apartamentos projetado e parcialmente incorporado pelo estúdio), CABH (projeto para a sede da prefeitura de BH premiado em concurso nacional), H3O (um parque de esportes e lazer conjugado com um grande centro comunitário na favela da Serra), a Casa no Cerrado e a instalação temporária Arqueologia Estrutural. Mais do que projetos arquitetônicos, com grandes produções bibliográficas, como “Em Obras: História do Vazio em Belo Horizonte” (TEIXEIRA, 1999), “Espaços Colaterais” (TEIXEIRA, 2008), “Entre” (TEIXEIRA, 2012), Vazio S/A mostra que é um escritório diferenciado e destaca-se ao misturar prática com pesquisa.

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DESENVOLVIMENTO

Carlos Teixeira é arquiteto, designer, autor e crítico e, após projetos realizados em parceria com a irmã no início de carreira, fundou o escritório Vazio S/A Arquitetura e Urbanismo. Em suas publicações, faz uma leitura de Belo Horizonte, Minas Gerais – onde vive e trabalha – partindo de uma análise bastante peculiar: da ausência; do que não foi feito, isto é, dos vazios da cidade. O arquiteto é um dos poucos que consegue organizar múltiplos campos de ação com um raro rigor,

como

ressalta

Helm

(2012),

e

trabalhar

combinando

tradições

e

deslocamentos, condição que o coloca à frente de inúmeros profissionais da área. Segundo Teixeira (2000), fazer uso de toda a vivência e cultura urbana, que revele melhor os movimentos espontâneos da cidade é um desafio para os profissionais atuantes, no entanto, é nesse desafio que podemos enquadrar seu trabalho, que foge aos velhos conceitos do período pós-moderno no que diz respeito ao espaço. Pode-se dizer que essa postura advém de uma insatisfação com as imposições geométricas racionais ou de uma mera combinação simulada e, dessa maneira, o arquiteto é categórico em colocar sua visão: Partindo das pistas implícitas nas nossas atuais cidades fotográficas, a estratégia para um novo modo de intervenção urbana talvez passasse pela criação de um espaço levemente "fora-de-foco" em relação ao que já existe,


uma intervenção entre a tabula rasa moderna e o contextualismo pósmoderno: a ecologia urbana da cidade dominada por imagens (TEIXEIRA, 2000).

Vazio S/A propõe-se a uma prática de arquitetura que diríamos peculiar, quase própria – de casas ao desenho urbano, passando por projetos cenográficos, edifícios de apartamentos e obras instaladas em contextos de arte contemporânea – associada à continuação de premissas do livro “História do Vazio em Belo Horizonte” (TEIXEIRA, 1999), no qual o arquiteto parte do propósito de aceitar a cidade. Esse desígnio se revela em um ensaio sobre a informalidade urbana, delineando novas possibilidades de atuação na cidade sempre em mudanças, provocando uma leitura estética invertida do cartão postal e atentando para seus vazios latentes, àquilo que poucos dão atenção. Seguindo esse raciocínio, vinculado a uma estratégia para enfrentar a cidade da forma em que ela existe atualmente, História do Vazio: é uma celebração do vazio como uma reserva de possibilidades; da paisagem urbana vista como algo necessariamente em mutação; e das possibilidades abertas pela informalidade e pelo desplanejamento das cidades em desenvolvimento (VAZIO S/A, 2015).

A busca pela investigação e a multidisciplinaridade do escritório estão ligadas aos conceitos estabelecidos por Sarah Whiting e Robert Somol (2002), que defendem a existência de “práticas projetivas”, visando uma articulação com realidades encontradas em contextos locais específicos, sendo o projeto arquitetônico capaz de funcionar interativamente. Para eles: os arquitetos projetivos afirmam que, ao pesquisar sistematicamente a realidade com a ajuda de diagramas e outros meios analíticos, os mais variados tipos de beleza, força e possibilidades latentes podem vir à tona (VAN TOORN, 2004, p. 224).

O ponto principal dessa prática é o que a arquitetura é capaz de exprimir como realidade material, mas também promove um retorno à disciplina, por meio de uma abordagem técnica e pragmática que leva em conta as influências interdisciplinares que desempenham um papel na realização de projetos, como objetiva Vazio S/A. Ou seja, permite-se que a arquitetura seja bela, sem nenhuma preocupação torturante com os perigos colaterais da superficialidade e do brilho fácil (VAN TOORN, 2004, p. 228).


Dessa maneira, as práticas projetivas analisam os fatos e, no decurso do processo de criação, tomam microdecisões capazes de transformar o projeto de modo surpreendente e concreto, realidades que, na medida do possível, também são idealizadas (VAN TOORN, 2004, p. 227). Além disso, respeitam e reorganizam as diversas economias, ecologias e sistemas de informação, bem como grupos sociais presentes durante o processo de criação (VAN TOORN, 2004, p. 228). Do ponto de vista de Van Toorn (2004), existem três tipos básicos de práticas projetivas na atualidade encontradas em muitos projetos recém-concluídos na Holanda: “autonomia projetiva”, “mise-en-scène projetiva” e “naturalização projetiva”. Para ele: a autonomia projetiva se limita principalmente aos modelos geométricos, enquanto a mise-en-scène projetiva e a naturalização projetiva fazem experiências com a arquitetura como infraestrutura. A autonomia projetiva procura recuperar o contato com o usuário e o observador através da experiência passiva, por outro lado, a mise-en-scène projetiva e a naturalização projetiva buscam a interação. A autonomia projetiva, por sua vez, se interessa pela forma – o que a estética por si só é capaz de comunicar –, ao passo que a mise-en-scène projetiva busca criar situações teatrais, e a naturalização projetiva busca sistemas puramente instrumentais e operacionais (VAN TOORN, 2004, p. 228).

Na mise-en-scène projetiva, que é o contexto em que identificamos mais se aproximar do trabalho do escritório em estudo, marcante em Amnésias Topográficas, o usuário se torna um ator convidado a participar do teatro coreografado pelos arquitetos. Sendo assim, os projetos não são criados para serem contemplados; antes, eles adiantam a realidade através da ajuda de cenários inspirados nos programas teatrais compostos pelos arquitetos, baseados nos dados que encontram dentro da “realidade extrema” contemporânea (VAN TOORN, 2004, p. 230). Como ressalta Van Toorn (2004): Nessa prática projetiva, a cidade é um enorme panorama de dados e a experiência com o mundo real se mantém como principal objetivo na qual esses arquitetos esperam realçar realidades não classificadas, colocandoas simultaneamente de cabeça para baixo através de performances teatrais. Contudo, nesse teatro, depois de observar e mapear nossa sociedade dinâmica, auxiliados por programas inventivos e uma estética nova, os arquitetos se lançam em busca de formas inovadoras que satisfaçam as demandas habituais de uso cotidiano. Fazem da vida um jogo alegre e otimista que cria novas soluções, enquanto brincam com nossa realidade em constante mudança (VAN TOORN, 2004, p. 231).


Assim pode-se perceber o projeto Sub-Arrudas, que dá um novo sentido à recente obra no Ribeirão Arrudas, que foi tampado com concreto em praticamente toda a sua extensão para alargamento de vias de tráfego. Se no momento, infelizmente ainda não faz parte da realidade do nosso país pensar em uma mudança radical (que seria extrema e ideal), como destampá-lo e reconstituir suas margens e a qualidade de suas águas, formando um parque linear em meio ao centro urbano, à exemplo da grande obra realizada do rio Cheonggyecheon, em Seul, na Coréia do Sul; o escritório Vazioa S/A brinca com essa realidade e propõe um uso inteligente e interessante no universo “underground” que ele proporciona. Um belo exemplo holandês desse conceito utilizado por Van Toorn (2004, p. 231) é o BasketBar em Utrecht, no qual os arquitetos do NL Architects, ao colocar uma quadra de basquete em sua cobertura, não apenas deram uma função adicional ou um uso inteligente do espaço, mas também conseguiram uma deliciosa e absurda justaposição de dois mundos bastante diferentes. Nas mise-en-scène projetivas, Van Toorn (2004, p. 232) acrescenta ainda que a vida cotidiana é ampliada pelo cenário espetacular que o arquiteto monta a partir de dados que reproduzem a lógica oculta da sociedade contemporânea. O cotidiano é tão rico em fantasias que sonhar com um mundo diferente, além daquele que existe, não é mais necessário e é essa a tentativa que Carlos Teixeira faz ao conceber “Espaços Públicos Invisíveis”, um projeto ousado para um uso – ao mesmo tempo que fantasioso, bem realista – dos vitrais da Grand Central Station, a principal estação de trem e metrô de Nova York, que foi pensado pelo arquiteto, onde a Cia de Dança Suspensa poderia se apresentar, de forma inusitada. Assim como Steven Spielberg, renomado diretor de cinema, os arquitetos precisam criar novas representações que possam ser apreciadas por todos. A diversão primeiro nos mostra distopias, depois garante um final feliz ao evitá-las por intermédio de “soluções pragmáticas” que asseguram a normalidade (VAN TOORN, 2004, p. 232). No embalo desses conceitos de Whiting e Somol (2002), podemos falar da presença das chamadas palafitas de concreto que sustentam edifícios residenciais na cidade de Belo Horizonte – enormes vazios arquitetônicos – vista como um problema causado por edifícios monstruosamente projetados, que transformaram-se de vazios à espetáculo quando a artista Louise Ganz e o arquiteto Carlos Teixeira fizeram a primeira intervenção como colaboradores do grupo de teatro de rua


Armatrux, resultando em Amnésias Topográficas I (2001), seguido mais tarde de Amnésias Topográficas II (2004-2005) e Amnésias Topográficas III (2007). Em termos conceituais, esse foi um projeto pioneiro de uma série, onde um vazio encontrado e subutilizado foi reativado por meio de um programa, assim como o projeto Sub-Arrudas e Espaços Públicos Invisíveis há pouco citados, dentre outros do escritório nessa direção. Para seus idealizadores: Ao transformar a desordem encontrada nas palafitas em artifício de projetos arquitetônicos, o conjunto busca ofuscar a distinção entre o planejado e o não-planejado, entre o encontrado e o designado, entre a antiarquitetura das palafitas e a arquitetura proposta nestes projetos (VAZIO S/A, 2015).

Em 2010, o escritório foi convidado para participar de duas exposições que consolidaram sua pesquisa entre artes cênicas e arquitetura, iniciada com Amnésias Topográficas I e o grupo de teatro Armatrux. Outros projetos nessa mesma convergência entre teatro, artes cênicas e espaço urbano surgiram posteriormente.

2.1

Amnésias Topográficas I (2001)

Amnésias Topográficas é um dos primeiros projetos realizados pelo escritório Vazio S/A, instalado no bairro Buritis, em Belo Horizonte - Minas Gerais, e revela parte da atitude artística do arquiteto, buscando mostrar tanto os limites das intervenções convencionais quanto as possibilidades de intervenções efêmeras. Enormes palafitas de concreto, produtos de calculistas que jamais imaginaram o espaço que projetaram, foram convertidas em material para investigações urbanas. Diante desses espaços, o escritório trabalha extraordinariamente de forma a inserir apresentações teatrais em vazios até então desperdiçados, tudo isso em um tempo em que é absolutamente disputada e dificultada a aquisição/locação de áreas em grandes centros. Além da questão espacial, o teatro é uma atividade cultural em constante tentativa de divulgação para abraçar um público maior, principalmente jovem, que está inserido em contexto de enorme fluxo informacional e digital, tão grande que, por vezes vem se afastando de atividades dessa categoria. Com a instalação dos espetáculos sob os apartamentos, a proximidade da vizinhança pode


agregar novos espectadores e difundir essa arte em famílias que talvez não sairiam de suas casas para assisti-los.

Figura 1: Apresentação de teatro realizada em estrutura projetada por Vazio S/A em palafitas de prédios Foto: Carlos M Teixeira, Louise Ganz, 2001.

Todavia, o que os criadores desse projeto queriam era ainda maior: tornar possível o acesso aos dois principais elementos do bairro, que são as matas e as já citadas palafitas, as quais, segundo os próprios, “ambos de uma beleza espetacular (ainda que um espetáculo despercebido)” e ao mesmo tempo “ironicamente não são acessíveis nem para moradores e nem para a comunidade em geral”. Assim, o escritório se revela meticulosamente um grande observador, antes de passar ao estágio da prática, fazendo-a de maneira graciosa quando se trata de aplicar todos os estudos que foram realizados à priori.


Figura 2: Palafitas e vegetação no bairro Buritis Foto: Carlos M Teixeira, Louise Ganz, 2001.

Invento para Leonardo (2001) foi a peça do grupo de teatro pré-meditada para ser apresentada nas palafitas, partindo-se da estrutura arquitetônica ordinária e agressiva já existente, que se transformou em matéria plástica espacial, organizada da seguinte forma pelos precursores: No palco do espetáculo, passarelas de madeira, escadas, rampas e plataformas possibilitaram o uso extensivo das palafitas em diversos níveis pelos atores. O público ficou acomodado em uma arquibancada tubular desmontável, que transformou o lote vago nos fundos das palafitas em platéia do espetáculo. A situação da platéia nesse lote vago com dois prédios de apartamentos vizinhos (um à direita e outro à esquerda), além das palafitas no fundo, criou uma outra relação entre espectadores, palco e cidade. Simultaneamente à apresentação da peça, os prédios vizinhos apresentavam cenas cotidianas que se tornaram públicas: famílias jantando, tomando banho, conversando, dormindo e, eventualmente, assistindo à peça de suas janelas (GANZ; TEIXEIRA, 2012).

Bem organizada espacial e funcionalmente, o projeto possibilitou uma real utilização do público e um conforto necessário aos artistas. Logo, o escritório não somente pensou no programa, mas também na escala humana, no bem-estar dos agentes e usuários dessa instalação. Assim, como observa Ganz e Teixeira (2012), as passarelas foram uma necessidade de circulação dos atores da peça, além da acomodação flexível da platéia, portanto, a peça diferenciou a intervenção do que comumente poderia ser classificado como “arte urbana”, isto é, o grupo de teatro era


um cliente e trouxe um problema funcional para o projeto, caracterizando um programa arquitetônico (palco, platéia, camarins, etc.) e seus condicionantes funcionais. Podemos falar de efeitos espetaculares, “espaços roteirizados” que conduzem à experiência, especialmente através do olhar, numa certa direção (VAN TOORN, 2004, p. 231) e de alguma forma esse projeto trouxe ao seu universo um pouco mais de alegria e beleza, onde parecemos, por vezes, estar vagando sem sentido. “Pessoas em busca de um lugar. De alguém. De uma condição ideal. São peças submersas de um jogo cotidiano marcado pela solidão e boas doses de prazer. O tempo é uma questão de ponto de vista. E em cada ponto do caminho uma história diferente. O concreto é falso e a realidade é dura como um papel. O seu. E o deles.” (GANZ; TEIXEIRA, 2012).

Mesmo com toda essa magia que o teatro representa, o prazer de se assistir a uma peça não era o único ponto que o escritório buscou; mais além, segundo texto explicativo de Amnésias Topográficas, O espetáculo possibilitou também uma inversão no quadro de privatização dos espaços da cidade. Em um país de cidades cada vez menos públicas e mais violentas – um país onde a cidade é vista cada vez mais como um inimigo ou ao menos como um obstáculo entre a casa e o trabalho –, o projeto funcionou como um urbanismo efêmero que mostra os desequilíbrios urbanos de uma forma sem precedentes (GANZ; TEIXEIRA,

2012).

2.2

Espaços Públicos Invisíveis (2008)

Seguindo uma mesma lógica e um raciocínio muito próximo ao trabalho anteriormente citado, Vazio S/A desenvolveu, em 2008 “Espaços Públicos Invisíveis”, um projeto ousado no sentido de ocupar espaços públicos que, apesar de assim chamados, não são utilizados – como em Amnésias Topográficas – porém, esse uso que não ocorre se dá por motivos diferentes. Desta vez, a intervenção seria nos vitrais da Grand Central Station, a principal estação de trem e metrô de Nova York, onde o fluxo de pessoas é diariamente enorme, em um processo colaborativo entre dança e arquitetura. A proposição era de haver apresentações de dança em vários palcos distribuídos pelos vitrais;


suspensos em um dos espaços públicos mais emblemáticos da cidade, como pode ser visto na imagem da Figura 3.

Figura 3: Possibilidade de apresentação de dança nos vitrais da Grand Central Station pensada por Vazio S/A em Nova York Fonte: Carlos M Teixeira, 2008.

Por motivos alheios o projeto não foi de fato implantado, contudo, o mesmo ressalta a postura do escritório e de suas ideias, voltadas para uma arquitetura verdadeira e crítica, sem perder sua identidade, além de propor beleza e encantamento a um público, tanto pré-determinado quanto espontâneo.

2.3

Sub-Arrudas (2014)

Mais um projeto do Vazio S/A que possui os princípios partindo de Amnésias Topográficas; todavia, o escritório mostra estar sempre amadurecendo e trabalhando as ideias para cada situação específica. Sub-Arrudas é uma proposta de intervenção pensada em 2014 e que, assim como as anteriores, possui um caráter crítico e ao mesmo tempo quer trazer novas experimentações para a sociedade. Mas nesse caso, acreditamos que a reflexão vai um pouco mais além.


A forma como estão sendo tratados nossos rios e canais é desmotivadora e ainda atrelada a um pensamento, por assim dizer: atrasado. Ainda vem sendo utilizada a lógica de mais espaço para o tráfego de veículos automotores particulares, e para isso, concreta-se cada vez mais as cidades com o alargamento das avenidas e construindo viadutos. Em Belo Horizonte, Minas Gerais, palco da maioria das experimentações dos arquitetos do Vazio S/A, infelizmente a realidade vista é essa. Recentemente, em 2007, foi concluída uma obra de grande porte para tapar a maior parte da extensão do Ribeirão Arrudas, que passa pela região central da capital mineira. Exatamente; o Arrudas foi completamente sufocado por concreto e suas águas continuam apresentando qualidade deplorável, mas fora das vistas de quase toda a população, sendo literalmente escondido. Diante desse quadro lastimável, o escritório propõe uma alternativa para que ao menos esse vazio criado entre as águas do rio e o boulevard não continue subutilizado. O que o projeto Sub-Arrudas representa é, portanto, uma intervenção que pretende instalar um jardim dentro da caixa do rio Arrudas, como uma forma de convidar a população a descer, de fato, para a caixa de concreto do rio que ali escoa. Com essa proposta, os arquitetos “brincam” seriamente e criticam indiretamente a condição repugnante atual do canal com a instalação de um jardim suspenso de capins, valendo-se de uma real experiência na qual os visitantes passeariam por espaços entre extremos: “esgoto e jardim superpostos no mesmo lugar, o rio cinzento embaixo e um mar de capins em cima” (VAZIO S/A, 2015), como representado na Figura 4.


Figura 4: Proposta de instalação de jardins e passarelas entre o rio Arrudas e o concreto que o esconde, atualmente. Fonte: Teixeira et. al, 2014.

Uma vez que a instalação do projeto ocorresse, esses espaços seriam abertos a ocupações e até mesmo poderiam abrigar eventos e espetáculos de artes cênicas, permitindo aos visitantes uma nova experiência em assistir a peças, filmes, danças,

ou

simplesmente

vivenciar

o

Arrudas

de

uma

maneira

nunca

experimentada, como extraordinariamente pensado pelos arquitetos idealizadores dessa grandiosa e reflexiva possibilidade de intervenção no espaço público.

3

CONCLUSÃO

Diante do exposto e dos trabalhos analisados, pode-se dizer que o escritório possui uma atuação fiel aos objetivos descritos por seus idealizadores, desde seu modo de pensar até a instalação de um projeto. Mostra-se adepto a uma arquitetura verdadeira, não deixando-se à mercê da especulação imobiliária e suas formas acríticas, isto é, em meio à um mercado movido pelo lucro, onde muitos escritórios acabam por cumprir programas vazios de qualidade de vida oferecida ao usuário naquele meio construído, o Vazio S/A consegue manter-se ligado à uma arquitetura com seu real sentido, direcionada ao bem-estar da população e seus usuários, ao


mesmo tempo crítica, instigante e repleta de identidade. Além disso, trabalha muito bem a questão da multidisciplinaridade e mescla pesquisa com prática de uma forma fabulosa, possuindo incríveis exemplares já publicados, dotados de minuciosas e condizentes observações do espaço. Nesse sentido, não é difícil entender o motivo de ganharem destaque na cidade de Belo Horizonte e mais além, uma vez que trazem à tona, valendo-se do contexto da nossa contemporaneidade, fortes críticas ao urbanismo, à escolha dos materiais e às mais diversas possibilidades de usos e experimentações em áreas muitas vezes desprezadas pela sociedade em geral. Com projetos cheios de personalidade, não desfazendo-se do contexto em que estão inseridos, tudo isso é atrelado à uma arquitetura consciente, que explora o máximo de sensibilidade e características locais. E ainda, o fato de participarem de bienais e eventos artísticos, além de concursos com premiações, traz os holofotes para Vazio S/A e os permite receber o merecido reconhecimento; um belo exemplo da capital mineira para o mundo. Quando me refiro à um escritório exemplar, não se trata somente do reconhecimento no meio profissional, mas principalmente no acadêmico, no qual os estudantes estão ainda em formação de opiniões e em construção de um aprendizado que carregarão por todos os lugares, aonde quer que atuem. Destaco essa contribuição de Vazio S/A aos futuros profissionais por mostrar que é possível, sim, fazer a arquitetura valer à pena, usando-a de maneira construtiva, a nosso favor. De forma a não perder seus princípios em meio às especulações lucrativas, permanecendo em seu objetivo e tornando a vida mais agradável nos ambientes que habitamos, ou as mentes mais ativas para os problemas que enfrentamos. Uma das grandes lições de arquitetura que posso retirar dessas análises é a grande aprendizagem para o futuro exercício profissional.


REFERÊNCIAS MONEO, Rafael. Inquietação teórica e estratégia projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos. Tradução Flávio Coddou. São Paulo: Cosac Naify, 2008. 368p. SYKES, A. Krista (Org.). O Campo ampliado da Arquitetura: antologia teórica (1993-2009). São Paulo: Cosac Naify, 2013. 416p. VAAN TORN, Roemer. Acabaram-se os Sonhos? A Paixão pela Realidade na Nova Arquitetura Holandesa... E suas Limitações (2004). In: SYKES, Krista (org). O Campo ampliado da Arquitetura: antologia teórica (1993-2009). São Paulo: Cosac Naify, 2013. Pag. 221-241. GANZ, Louise Marie; TEIXEIRA, Carlos Moreira. Amnésias Topográficas. Vazio S/A, 2012. Disponível em: <http://www.vazio.com.br/ensaios/amnesiastopograficas/>. Acesso em: 12 nov. 2015. HELM, Joanna. Casa Vila Del Rey / Carlos M Teixeira (Vazio S/A). In: Archdaily Brasil, 03 fev. 2012. Disponível em: < http://www.archdaily.com.br/br/01-26860/casavila-del-rey-carlos-m-teixeira-vazio-s-a>. Acesso em 10 out. 2015. TEIXEIRA, Carlos Moreira. A Fotografia e a Periferia. In: Vitruvius 005.10, 01 out. 2000. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.005/976>. Acesso em 10 out. 2015. VAZIO S/A. Sobre Vazio S/A. Belo Horizonte, 2015. Disponível em: <http://www.vazio.com.br/vazio/>. Acesso em 10 out. 2015.


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