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A ENGORDA DE PRAIA JÁ FUNCIONOU EM ALGUM LUGAR DO BRASIL?

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ARAUCARIÁCEAS

ARAUCARIÁCEAS

Crédito: AEN Um exemplo com intenções bastante duvidosas, que vem do Paraná, nos motivou a fazer a investigação e também contar nesta reportagem as incoerências que envolvem esta possibilidade. De modo bastante inconsistente, ela vem sendo apoiada pelo Governo do Estado

Em um contexto de mudanças climáticas globais, sabe-se que as regiões costeiras serão as primeiras a serem afetadas com o aumento no nível dos oceanos. O Jornal JustiçaECO pesquisou experiências semelhantes para entender como funciona esse tipo de obra e o que foi obtido de resultados. Ampliar a faixa de areia em áreas afetadas pelo avanço do mar é um tema recorrente em épocas de eleição e, em sua maioria, tem efeitos temporários.

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Um exemplo com intenções bastante duvidosas, que vem do Paraná, nos motivou a fazer a investigação e também contar nesta reportagem as incoerências que envolvem esta possibilidade. De modo bastante inconsistente, ela vem sendo apoiada pelo Governo do Estado.

Engorda da Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro

1893 1923

1956 2007

Crédito: Coleção Estudos Cariocas - O Rio de Janeiro e a sua orla: história, projetos e identidade carioca (2009)

Uma das primeiras experiências com alargamento de praia feita no Brasil foi no Rio de Janeiro, na praia de Copacabana. Cartão postal nacional, a praia possuía uma faixa com uma areia fina e branca que ficou conhecida mundo afora pela sua delicadeza e beleza.

As obras começaram na década de 1970 e trouxeram areia da Enseada de Botafogo. A granulação, segundo antigos moradores, é semelhante à areia original, mas muito mais escura. O aterro gigantesco afastou o mar oitenta metros da zona de arrebentação original, o que faz com que, em alguns pontos, seja a causa de infestações de fungos e parasitas.

Além da engorda, o projeto contou com alargamento da Avenida Atlântica, estacionamento e calçadas em pedra portuguesa, com desenho de ondas em preto e branco, projetadas pelo paisagista Roberto Burle-Marx. A praia perdeu sua característica original da areia fina e clara, mas por muitos anos ficou livre de grandes inundações.

O custo da obra estava previsto na época em NCr$ 20.000.000,00, o que representava 5% do orçamento do Estado do Rio de Janeiro, mas no final foi bem maior, com números que são um verdadeiro mistério contábil.

Por muitos anos, Copacabana teve uma tranquilidade com as ressacas e marés altas. Mesmo com o serviço de manutenção, a faixa de areia foi reduzida em 10% na última década. Já houve sérios episódios climáticos que ameaçaram este projeto, expondo, inclusive, as pedras colocadas no século passado como barreira de contenção e que ficaram por muito tempo encobertas pelo aterro.

Mesmo com as obras, as ressacas voltaram encobrir a faixa de areia e a ameaçar construções. Crédito: O Globo

Mesmo após a “engorda”, Piçarras ainda convive com as inundações

Em Piçarras, litoral norte de Santa Catarina, foi feito o engordamento da faixa de areia e o aterro já passou por várias obras de manutenção. Desde a década de 1980, o balneário era destruído pelo avanço do Oceano Atlântico. As ressacas, de forma cíclica, removiam a areia da orla central. As ondas também comprometiam a infraestrutura urbana, redes de drenagem, esgotos domiciliares e o calçadão da avenida Beira Mar.

Nos anos 1990, a cidade viu a orla ser engolida pelas ressacas, que levaram o município a uma grande crise no setor turístico, fundamental para a economia local. A primeira recuperação foi executada em 1999, quando uma draga de origem belga realizou um aterro hidráulico e recuperou a faixa de areia.

Doze anos depois, a prefeitura empregou tecnologia parecida para refazer o que a força do mar destruiu. Também foi instalada uma tubulação para fazer o escoamento da avenida Beira Mar em águas mais profundas. A areia para o aterramento da praia foi retirada a 12 km da costa, porque a areia fina, nativa, é a primeira a ser levada pelas marés.

O projeto de engordamento da faixa de areia precisa de manutenção para ser eficiente, mas nem sempre é o suficiente. Em Piçarras, o mar não deu trégua e, no ano passado, a maré alta voltou a destruir com violência parte da orla.

Outro aspecto é a aparência dos “espigões”, como são chamadas as estruturas para desviar as correntes marítimas. O impacto visual na paisagem é terrível. São imensos muros de pedra e teias de metal que seguem mar adentro.

A praia de Copacabana possuía uma larga faixa de areia fina e branca. Crédito: oriodeantigamente.blogspot.com Em Piçarras, litoral norte de Santa Catarina, foi feito o processo de “engorda” para recuperar a faixa de areia que incluiu a construção de imensos “espigões” para desviar e segurar as correntes marinhas. Crédito: Governo de Santa Catarina/divulgação

A areia foi retirada a 12 quilômetros da costa e é um pouco mais grossa do que a areia nativa da praia. Crédito: Governo de Santa Catarina.

Mesmo com a “engorda da praia” Piçarras sofreu novamente a ação das marés e das ressacas que destroem a orla. Crédito: Prefeitura de Piçarras.

Impacto visual

A imagem dos “espigões” reais em Piçarras é bem diferente do projeto apresentado pelo Paraná para divulgar a obra. Na imagem, a simulação da barreira de contenção possui uma aparência bem agradável e conta ainda com uma extensa faixa de areia branca e uma significativa faixa de restinga que harmonizam perfeitamente com a água azul.

Para execução de um projeto assim, seria necessária uma obra do porte de Copacabana, com 80 metros de aterro para manter a estrutura imobiliária existente.

Água empoça e forma lago com lodo na praia de Jaboatão após aterramento

Em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, a obra foi realizada em 2013, com a colocação de um volume de areia de 850 mil metros cúbicos e um custo de R$ 41,5 milhões, dinheiro do Ministério de Integração Nacional e do município. Até a engorda acontecer, o mar havia destruído completamente a faixa de areia e ameaçado a estrutura dos edifícios.

O município tinha apenas 300 metros de praia, passou a ter 5,8 quilômetros após a engorda. Mas cinco anos após a obra, alguns trechos voltaram a ser engolidos pela água. Em alguns pontos, a areia foi totalmente levada pelo mar, em outros, a água ficou empoçada, criando um banhado na frente das construções.

Jaboatão com água empoçada. Crédito: G1 /Globo

Em 2017, começaram novas obras para instalação de estruturas de quebra-mar para conter a ação de ondas canalizadas e evitar a erosão da praia. Também foi feita a reposição de areia em três trechos, entre Candeias e Piedade. O custo das intervenções foi de cerca de R$ 1,2 milhão.

Após execução da obra, a praia passa por um longo período de retrabalhamento de sedimentos, ficando mole e instável, até atingir a sua forma de equilíbrio, o que significa que a praia passará por mudanças contínuas em sua dinâmica sedimentar durante muitos anos.

O monitoramento da praia pós-obra fica a cargo do município que deve prever recursos para as obras de manutenção que não são baratas.

Espigão de Piçarras. Crédito: Felipe Bieging/ADJORISC

Projeto Matinhos. Crédito: AEN

Por que as ressacas acontecem?

As ressacas são consequência da elevação do nível do mar durante eventos repentinos que ocorrem nos oceanos. Costumam ser mais comuns durante o inverno e a primavera, quando frentes frias e ciclones extratropicais se formam com maior frequência, mas podem acontecer em qualquer época do ano. Quanto mais forte o vento, maior será a altura das ondas que chegam à costa.

A destruição é maior quando as praias são abertas e há construções irregulares perto da areia. O formato do fundo marinho e a direção em que a praia aponta, também são fatores que influenciam.

Apesar de a ressaca ser um processo natural, a ação humana aumentou a intensidade desses eventos globalmente com as mudanças climáticas e localmente com ocupação imobiliária nas orlas. As construções irregulares no litoral não só destroem a paisagem, como contribuem para uma destruição de proporções ainda maiores.

A Universidade Federal do Paraná (UFPR) fez uma pesquisa e ouviu 115 moradores do litoral do Paraná, que estão no local há mais de 70 anos. A grande maioria percebeu alterações evidentes no clima, com ressacas mais fortes e frequentes.

Nada pode, ou deve, ser construído em cima da areia da praia, de dunas e restinga. Os nativos da costa sabem disso e constroem suas casas no interior. Em Matinhos, moradores permanentes, em sua maioria (mais de 80%), ocupam residências afastadas da orla. As construções à beira mar são, fundamentalmente, imóveis de temporada.

Engorda da praia de Matinhos: especialistas contestam projeto apresentado pelo Governo do Paraná como solução para as ressacas no litoral

O anúncio das obras de revitalização em Matinhos, praia do litoral do Paraná, foi feito com grande alarde. Imagens e vídeos simulam o resultado para convencer a população pela estética do projeto. Mas sobre os detalhes técnicos e como será a execução, pouco foi apresentado. A reação da comunidade científica foi imediata. O impacto ambiental, social e paisagístico da proposta será imenso e não há licenciamento ambiental para as intervenções propostas. O que existe é um licenciamento para outro projeto, de 2009, totalmente diferente e com impactos bem menores que o desenho atual.

A obra tem um custo estimado de R$ 513 milhões, o que significa também um maior endividamento do Estado. O empréstimo será feito junto ao Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, conta que será paga com dinheiro público e que ficará a cargo dos próximos governos. Já a manutenção do empreendimento deverá ficar sob responsabilidade do município e não é barata, pelo contrário.

A engorda de praia, na prática, é o alargamento da faixa de areia com obras de aterramento e colocação de areia dragada de outro local. O projeto do Estado prevê a colocação de blocos de rocha compactados em uma faixa de oito quilômetros, na Avenida Atlântica e Avenida Beira Mar.

As imensas barreiras da costa até o mar mudam a dinâmica do oceano e causam um grande impacto visual e ambiental. O projeto atual prevê um par de guias-correntes no canal da Avenida Paraná, outro par na foz do Rio Matinhos e um terceiro par na foz de um canal artificial a ser escavado no Balneário Saint Etienne.

A obra prevê, ainda, um espigão ao Norte da Praia Brava, e dois headlands (espigões com alargamento na extremidade voltada para o mar) localizados nos balneários Riviera e Saint Etienne. Também estão previstas a reposição de areia com engordamento artificial, obras de macrodrenagem e microdrenagem, revitalização urbanística e pavimentação. Mas não existe qualquer projeto de manutenção associado ao real dimensionamento do custo para manter os anteparos artificiais.

A pedido do Ministério Público do Paraná, um grupo formado por 17 pesquisadores da UFPR, com ampla experiência em pesquisa e atuação no litoral do Paraná, elaborou uma segunda nota técnica sobre a proposta de revitalização e engordamento da orla de Matinhos. Entre eles, há quatro geólogos, três oceanógrafos, dois geógrafos, quatro biólogos, além de um engenheiro cartógrafo, um advogado, um químico e uma socióloga, todos referência em suas áreas de pesquisa.

Uma primeira nota técnica já havia trazido uma série de questionamentos e críticas à proposta. A segunda, tornada pública dia 1º de dezembro – depois de a equipe ter tido acesso a mais documentos e contatos com o próprio governo – teve as críticas acentuadas e feitas com ainda mais propriedade. Recomendações técnicas alternativas ao projeto, mais baratas e com maior eficiência, também foram feitas na nota.

Foi esse grupo que analisou os estudos apresentados pelo Governo para confirmar que as guias-correntes, ou “espigões” instalados na foz de rios e canais, não servem para controle de erosão, pelo contrário, alteram a dinâmica costeira com impactos negativos irreversíveis e permanentes. Para os pesquisadores, os “espigões” em formato de headlands (com uma praça e mirante na ponta) foram adotados apenas por critérios paisagísticos e trazem grandes prejuízos ambientais, além de serem incompatíveis com a paisagem natural de uma região tombada pelo Patrimônio Histórico.

Com base na experiência técnico-científica da equipe, o bloqueio físico dessas estruturas vai provocar acúmulo de areia do lado sul das construções e, consequentemente, erosão costeira do lado norte, ou seja, transferir o problema de Matinhos para Pontal do Paraná.

Outro problema grave é que não há comprovação de que exista areia para esse empreendimento: “Para a alimentação artificial da praia de Matinhos está previsto um volume de areia de 3.222.250 m3. Porém, não existe comprovação da ocorrência de jazida de areia em volume e características adequadas para realizar o aterramento proposto. Ou seja: o volume da jazida não foi adequadamente determinado, o que é grave, já que recursos públicos serão destinados a uma obra sem viabilidade técnica demonstrada”, aponta o texto da nota técnica.

O Grupo de Trabalho também reforça que, tanto as empresas envolvidas na proposta quanto o Estado, não se preocuparam em fazer um estudo específico para saber de que modo a engorda da praia vai alterar a arrebentação das ondas e a prática de surf, tradicional em Matinhos. De acordo com a nota, todo o projeto é passível de questionamentos na Justiça. Além de inconsistências envolvendo o licenciamento ambiental, o projeto não tem embasamento técnico, não houve participação pública, nem aderência ao plano diretor municipal e ao Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral, o PDS.

...o volume da jazida não foi adequadamente determinado, o que é grave, já que recursos públicos serão destinados a uma obra sem viabilidade técnica demonstrada.

“Este grupo de trabalho ratifica seu alerta para as consequências ambientais, paisagísticas e financeiras do empreendimento, assim como para a qualidade de vida da população afetada, especialmente a longo prazo. A insistência em se manter este empreendimento, mesmo frente às inconsistências técnicas apontadas, significará, de fato, protelar a solução dos problemas ou até mesmo intensificá-los ou transferi-los para outras localidades do litoral paranaense. Assim, recomenda-se fortemente a reformulação da proposta conceitual e do projeto, alinhando-as com as melhores práticas recomendadas por documentos orientadores do assunto, tanto na literatura especializada como em nível federal.”

Um dos pesquisadores envolvidos no grupo de trabalho é Daniel Telles, coordenador do Laboratório de Geografia Marinha e Gestão Costeira do Centro de Estudos do Mar (CEM/UFPR). Para ele, o projeto foi trazido em uma perspectiva de monólogo por parte do governo e merece ser analisado em sua essência e não só na aparência, pelas maquetes apresentadas.

Para Telles, a solução não é simples. “A engorda de praia é um assunto de alta complexidade dentro da Ciência do Mar, e que toca diferentes países costeiros mundo afora. Esse recurso inicial é só um primeiro investimento. O projeto exige, dentro das experiências já conhecidas, a manutenção das obras e monitoramento. Quanto mais você interfere em uma paisagem natural, maior o custo de manutenção exigido dos cofres públicos”.

O litoral brasileiro tem sofrido com ressacas cada vez mais fortes, erosões seríssimas e enchentes. As ondas avançam sobre ruas, casas e comércios. É o caso do município de Matinhos, no Paraná, que passou, ao longo da história, por um processo indevido de urbanização que ocupou e destruiu toda a faixa de restinga, ecossistema associado ao bioma Mata Atlântica que tem, entre suas funções, o controle das inundações. A vegetação da Restinga serve como uma barreira e é capaz de absorver ou segurar grande parte da água após a alta das marés.

Para pessoas desatentas ou com pouco conhecimento, pode parecer apenas “mato”, mas seus arbustos, flores, plantas rasteiras e árvores de diversos tamanhos formam uma rica floresta. É a barreira mais eficaz para proteger a cidade do aumento do nível do mar. Sem a restinga, nada impede a água de avançar cada vez mais. Nem uma milionária obra de aterramento da praia.

Para o professor Eduardo Vedor, coordenador do Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (LAGEAMB) da UFPR, que também participou do estudo, existe uma pressão e um lobby do setor imobiliário, que busca valorizar os empreendimentos que já existem com esse tipo de revitalização proposta. Mas, para ele, é muito mais barato desapropriar os imóveis e ressarcir os moradores e comerciantes do que investir em um processo de engorda de praia. O professor esclarece que a desapropriação envolveria de 15 a 20 imóveis na Praia Central, local onde a linha de costa já está comprometida.

“Na praia central de Matinhos, não há mais nem vestígios da área de Restinga. Houve uma ocupação desordenada anterior à legislação vigente, feita por pessoas que compraram legalmente os terrenos e por isso teriam direito a indenizações em caso de desocupação. Mas também há ilegalidades, ocupações posteriores. Por ausência de fiscalização e pelo risco que esses proprietários assumiram, não caberia qualquer tipo de indenização”, argumenta Vedor.

Cabe lembrar que o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral (PDS), finalizado no ano passado, a um custo de aproximadamente R$ 5 milhões, foi o maior investimento que o Estado realizou até hoje no que se refere a planejamento para o litoral. Houve ampla participação da sociedade nas discussões que envolveram 76 projetos. A engorda de Matinhos sequer entrou na pauta das discussões.

Giem Guimarães, diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação (OJC), reforça que as notas técnicas são a prova de que o governo Ratinho Jr. não está nem um pouco preocupado com as prioridades no Estado do Paraná: “Esse projeto deveria se chamar ‘o Engodo da Praia’, e não ‘a Engorda da Praia’, porque não faz, nem devia fazer, parte das prioridades para o Estado. Trata-se, portanto, de uma obra desnecessária com cunho meramente eleitoreiro. Por que aplicar tanto dinheiro em uma obra de estética no litoral? Para simplesmente angariar votos”.

O Governo do Paraná também ignorou recomendações do Guia de Diretrizes de Prevenção e Proteção à Erosão Costeira (2018), resultado de quatro anos de trabalhos e articulações entre representantes de diversos órgãos e instituições. O documento foi planejado para dar subsídios à tomada de decisões dos responsáveis pelas obras costeiras. O Guia deixa claro que a intervenção em linhas de costa com colocação de “próteses”, ou obras rígidas, deve ser evitada, pois resultam em problemas futuros repassados a outras áreas. No caso de Matinhos, o impacto deve ocorrer com o Balneário de Saint Etienne, que não sofre erosão.

Matinhos possui 36 balneários. Na Praia Central e no balneário de Riviera, se construiu dentro da linha de faixa de areia, então, naturalmente, o mar retomará essas áreas. Crédito: Agência Estadual de Notícias

Toda a paisagem da orla marítima é tombada pelo Governo Estadual, por meio da Secretaria de Estado da Cultura e Coordenadoria do Patrimônio Cultural (CPC), sendo obrigatória por lei a preservação de bens de valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados. Qualquer intervenção exige aprovação do Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Cepha).

O oceanógrafo e biólogo Paulo Lana, foi conselheiro do Cepha na época em que houve debate da necessidade de obras em Matinhos. Mas Lana foi surpreendido com o novo projeto, totalmente diferente do que foi discutido no passado com o Projeto Orla (2000) e o Paraná Cidade (2009).

“Esse empreendimento, por maiores que possam ser suas justificativas, em face dos processos de erosão, vai gerar uma grande intervenção paisagística, além das questões ambientais, geológicas e marinhas. Então, deve ser objeto de uma reflexão técnica ainda maior de todos os órgãos responsáveis. É uma nova proposta. Ela não pode e não deve ser aprovada com base em análises de dez anos atrás, feitas para outro empreendimento”.

O geólogo Rodolfo José Angulo, do Laboratório de Estudos Costeiros da UFPR, foi o coordenador do Estudo de Impacto Ambiental feito em 2009, e conta sobre a preocupação quando surgiu o novo projeto do IAT, em 2019: “Vendo o material de divulgação na imprensa e na internet, percebi que era um projeto totalmente ampliado, com novas linhas correntes, canais artificiais e novos objetivos. Eu tentei acessar esse projeto, fui pessoalmente ao Instituto, para saber sobre o novo estudo de impacto ambiental, porque não achava adequado usar aquele antigo. Do ponto de vista técnico, sempre fui contra essas intervenções rígidas, chamadas como guias-correntes, headlanders ou espigões. Elas alteram toda a dinâmica costeira. Esse tipo de obra não se recomenda desde os anos 50, 60 do século passado. Ela pode causar problemas irreversíveis em Pontal do Paraná e outros municípios. Uma obra muito impactante e que está sendo proposta sem base técnico-científica”, reforça Angulo.

“Esse espigão é um ‘Frankenstein’ previsto também para o Balneário de Saint Etienne, que não tem problema de erosão, área que, sequer, passou pelo estudo de impacto ambiental. Depois vão dizer que o Ministério Público barrou o investimento, mas, infelizmente, o governo não cumpre o mínimo do que a lei exige para a obra”, sentencia Eduardo Vedor.

Quais são as alternativas?

O grupo de trabalho da UFPR propõe Soluções Baseadas na Natureza, mais baratas e eficientes. O ponto de partida é a desocupação das áreas em ambiente que deveria ser de restinga, e recuperação dessa vegetação para conter as ressacas.

Além disso, é possível recuperar a faixa dinâmica da praia, com a reconstrução das dunas frontais. Os “espigões” podem ser substituídos por recifes artificiais submersos. “Os recifes têm potencial de funcionar como atrativo turístico de mergulho e cumprem o papel de reduzir a energia das ondas. Com ondas mais fracas, o sedimento artificialmente depositado se mantém, com um custo menor e benefícios sociais e ambientais relevantes”, esclarece Eduardo Vedor.

Outra questão fundamental é o saneamento básico. Afinal, de que adianta ter uma orla revitalizada e o Rio Matinhos estar completamente poluído? A urgência está na despoluição, desobstrução e recuperação das margens e da navegabilidade.

A pesquisadora Camila Domit, do Laboratório de Ecologia e Conservação (UFPR), lembra que a maior colônia de pesca artesanal do estado está em Matinhos e a despoluição vai beneficiar toda a sociedade e a fauna marinha.

“Mesmo os animais que são capturados pela pesca, muitos deles já estão com doenças, com patologias fúngicas, bacterianas e virais, que são características de um animal imunossuprimido pela contaminação da água. Hoje em dia, com a Covid-19, as pessoas têm ouvido muito sobre comorbidades, e a fauna também tem. Existe um problema que não enxergamos na natureza, que é essa poluição química, por esgoto e pelo microplástico. Ela passa pela fauna muito rápido e reduz muito a população marinha. As consequências de médio e longo prazo devem estar no nosso radar em obras como essa”, alerta Domit.

Esse empreendimento, por maiores que possam ser suas justificativas, em face dos processos de erosão, vai gerar uma grande intervenção paisagística, além das questões ambientais, geológicas e marinhas. Então, deve ser objeto de uma reflexão técnica ainda maior de todos os órgãos responsáveis. É uma nova proposta. Ela não pode e não deve ser aprovada com base em análises de dez anos atrás, feitas para outro empreendimento.

Conflito de interesses

Um dos principais responsáveis técnicos pela nova proposta do IAT, professor Eduardo Felga Gobbi, é também conselheiro do Cepha, ou seja, uma das pessoas que vão avaliar a nova proposta diante da questão paisagística. Um evidente conflito de interesses, muito marcado, presente e significativo.

Outra suspeita recai sobre o engenheiro civil Eduardo Ratton, coordenador do Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI), que assina os atuais estudos da engorda da praia de Matinhos. Ratton foi denunciado pelo jornal Gazeta do Povo por usar dinheiro público de convênios com órgãos federais para bancar uma série de privilégios pessoais, como viagens internacionais em hotéis de luxo, refeições em restaurantes de renome e até festas de confraternização.

De acordo com a Gazeta do Povo, Ratton é professor aposentado da UFPR e criou o ITTI em 2009, não para promover as atividades fins da UFPR – como ensino, pesquisa e extensão –, mas para convênios com órgãos públicos. No ano passado, a UFPR já foi condenada a devolver R$ 16 milhões, em razão de convênios executados pelo ITTI, órgão que atua em estradas e gestão portuária sem nenhuma experiência em obras de engorda de praia.

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