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Revista JMx Aurélia: O Sonho de uma Caneta
from Revista JMx 49
Aurélia: O Sonho de uma Caneta*
Quando o silêncio toma conta da gaveta, nascem os meus maiores sonhos. Eu sou Aurélia, a caneta. Vivo esquecida entre papéis rasurados, recibos vencidos e poeira esquecida pelo tempo. Você pode não ouvir nada, mas eu aprendi que até o esquecimento tem som.
Não reclamo. Cada objeto tem o seu propósito, e assim espero, quieta. Mas, enquanto descanso na sombra do seu cotidiano, eu sonho. Sim, até uma caneta sonha. Porque, mesmo sendo pequena e inerte, carrego uma alma. A alma dos traços que deixo no papel, das ideias que ajudo a dar à luz. E quando sonho, abro os olhos invisíveis da minha tinta para um mundo onde sou mais do que um simples instrumento: sou uma criadora de eternidades.
Nos meus sonhos, deslizo por páginas que flutuam como nuvens alvas, leves e convidativas. O vento que sopra não é vento de verdade — é o sopro suave das ideias ainda por nascer. Ao meu redor, árvores feitas de tinta vertem cores vibrantes, como se murmurassem baixinho para mim: “Escreva, crie, deixe as coisas lindas!”.
É lá que encontro meu lugar, querida e cuidada como quem sustenta algo precioso. Escrevo com
tempo: não o tempo da pressa, mas o tempo da paciência. Cada palavra é uma joia que lapido com delicadeza. E nos meus traços, vejo poesia, arte, vida ganhando forma.
Mas, assim como todos os sonhos, os meus também não escapam de contrastes. Às vezes, o pesadelo me invade: vejo irmãs como eu, canetas sem nome, arrancadas do destino nobre que lhes pertence. Transformadas em chaves improvisadas, desfiguradas por dentes nervosos, descartadas como se não contassem. É difícil existir sem propósito.
Por isso, eu também sonho com você. Sim, você, que me segura quando sabe que precisa escrever algo importante, uma ideia, um verso ou apenas uma parte da memória. No meu coração de tinta, desejo ser a ponte entre o seu mundo interno e o que você quer deixar no papel. Porque não sou apenas um objeto: sou a extensão da sua voz, o reflexo secreto das suas verdades. Cada palavra que nasce de mim, nasce de você.
Mas deixo um pedido: acorde-me. Tire-me da gaveta e deixe-me viver a minha razão de ser. Escreva, nem que sejam palavras simples. Derrame sobre o papel seus sentimentos, transforme pensamentos soltos em
registros, crie histórias que o tempo não pode apagar. Porque, no fundo, eu sou como você: só quero um lugar onde os sonhos e ideias ganhem vida.
E é sobre isso que eu e você temos algo em comum: o desejo de sermos necessários. Afinal, todos somos como canetas de alguma forma. Queremos viver, não só existir.
*Reflexão:* Quando foi a última vez que você despiu seus pensamentos diante de uma folha em branco? Quantas ideias, sonhos ou sentimentos você guarda esquecidos em gavetas escuras da sua mente? Talvez esteja na hora de acordá-los.
Lembre-se: cada traço, cada palavra, é uma forma de capturar a eternidade — antes que o tempo a leve embora.
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Autor: Wagner Lourenço, advogado e escritor



