JUP ABRIL / MAIO 2010

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JUP || ABRIL ANTEVISÃO QUEIMA

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JUP || ABRIL ANTEVISÃO QUEIMA

PEDRO FERREIRA

acredita que “se a praxe fosse mais suave nos primeiros dias se calhar tinha ficado mais gente, mas não sei até que ponto é que isso era bom, porque é importante ver até onde as pessoas podem ir”. E Margarida não duvida de que um dos objectivos da praxe “é conseguir pessoas que realmente consigam aguentar” e por isso, “há uma selecção de forma natural na primeira semana. As pessoas mais frágeis não conseguem mas a partir do momento em que aguentas as primeiras semanas, ficas até ao fim”. Assim, no próximo ano, quer praxar os novos caloiros e partilhar com eles aquilo que este ano partilharam com ela. “Para mim seria estúpido não praxar porque acho que estaria a ser egoísta. Se eu tive a oportunidade de viver coisas, quero proporcioná-lo a outras pessoas”. Considera ainda que “é importante praxar. Mas é importante praxar tendo sido um bom caloiro, porque depois há os maus praxistas que se calhar praxam com um intuito muito diferente do que aqueles que já passaram por isto”. E na opinião da caloira, um bom praxista “é aquele que tem os horizontes suficientemente abertos para aceitar as pessoas que não são de praxe e que (…) consegue fazer com que no dia anterior ao dia de praxe apeteça aos caloiros ir. É aquele que vem ter connosco e nos diz uma palavrinha ou faz um gesto de apoio que pode marcar os caloiros para o resto do percurso académico, e que faz pensar que os doutores até se preocupam connosco”, finaliza. Pedro Costa, aluno do 1º ano de Bioengenharia da Faculdade de Engenharia. Experimentou a praxe durante dois meses, e ainda que tenha saído, não foi por não ter gostado. Aliás, ainda que viesse do secundário com “expectativas diferentes” e esperasse algo mais “dinâmico”, vê a praxe como “uma experiência diferente” da qual “gostou imenso”. Tal como Margarida, Pedro acredita que a praxe “era uma maneira de me integrar no espírito universitário, era uma maneira de conhecer as pessoas do meu curso”, ainda assim, “não era uma prioridade”. Como o próprio justificou, “a partir do momento em que não me deixaram conciliar a praxe com os estudos e o desporto (Pedro pratica natação de competição) á minha maneira, optei por não continuar. Conta ainda que eles [os doutores de praxe] “não eram más pessoas mas não nos deixavam fazer o que nós queríamos. Quando saíamos das aulas íamos logo ser praxados, nem nos deixavam conhecer a faculdade

e estar com os nossos amigos (…) porque dizem que é para conhecer os outros e às vezes nem podemos falar com eles. Mas sei de algumas pessoas do meu curso que vão à praxe até se tornaram grandes amigas”, assegura. Pedro acredita ainda que a praxe é importante na ajuda à integração, na interacção com alunos mais velhos do mesmo curso e como ele próprio refere, “para perceber como tudo funciona”. Mas na sua opinião, “os alunos não podem fazer da praxe o expoente máximo da sua vida universitária”. Ele acredita que “uma praxe mais liberal” até o motivaria mais, porque o que menos apreciou foi “que o pusessem entre a espada e a parede”, porque “desta maneira, quem quer ter boas notas, acaba sempre por deixar de ir. A praxe exige muito tempo”. Em relação às polémicas de violência e abusos em praxe, Pedro não concorda. “Nunca sofri violência nenhuma. Somos um bocadinho gozados, mas basta entrarmos no jogo e pode ser muito engraçado”. Ainda assim, sente a discriminação na pele, por parte de alguns colegas. “Houve pessoas que deixaram de falar para mim quando deixei a praxe, mas isso não são os alunos mais velhos, são mesmo colegas meus que não entendem o porquê de não termos a mesma visão que eles [da praxe] ”. Ainda que a praxe seja evocada como ritual de integração, Pedro sente-se “totalmente integrado (…), e nunca me senti excluído de nada por não ir [à praxe].” O aluno universitário não deixa de referir que considera “as tradições académicas mesmo importantes”, e ainda que tenha pena de não ter conseguido conciliar, afirma: “não vou deixar de viver a vida académica por causa disso. Aliás, espero participar no cortejo, vou trajar e vou continuar a sentir-me um aluno da Universidade do Porto, tanto ou mais que os meus colegas que andam na praxe”. Dinis Oliveira, colega de Pedro Costa enquanto aluno do 1º ano de Bioengenharia, foi mais radical. Nunca experimentou a praxe, e continua a não ter curiosidade em fazê-lo. No secundário, tinha a ideia de que “a praxe era uma perda de tempo e que existiam outras formas de conhecer pessoas sem perder horas naquelas actividades [de praxe] menos interessantes”. Agora, afirma que a ideia se mantém, embora tenha ficado mais elaborada. Não aprecia as hierarquias e a rigidez de toda a actividade praxista. Quanto à praxe enquanto

integração, Dinis reconhece que poderia ser diferente. “Parece-me que poderia estar mais bem integrado nalguns grupos de alunos se tivesse ido, mas por outro, estou satisfeito por não ter ido porque compensou a nível académico. Seguir matérias e assim…”, declara. “Não conheço os nomes de tantas pessoas como poderia conhecer (…) mas também estamos muito no início”, e acredita que isso também se pode dever ao facto de não ser muito extrovertido. “Como não fui, dou-me com pessoas que também não são da praxe”, reconhece. Ainda assim, e ao contrário de Pedro, afirma que não se sente discriminado, “de maneira nenhuma”. Apesar das boas experiências vividas pelos alunos ou da simples opção de se manter aparte do movimento, nem tudo parece ser favorável e simples. Uma estudante da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto descreve a sua experiência como “inútil” e “uma perda de tempo”. A aluna frequentou a praxe durante quase quatro meses. Afirma que não é propriamente anti-praxe mas é contra a maneira como ela é encarada. “Se é suposto a praxe servir para integrar um estudante na vida académica e incutir espírito de grupo, não foi esse o meu caso. Penso que devia haver uma mudança relativamente ao conceito de praxe”. Sublinha ainda que “não era contra a praxe se isso não prejudicasse o horário de estudo, se não obrigasse a estar tantas horas sem fazer nada e a ouvir pessoas a dizerem-me coisas sem sentido. (…) Ninguém me ajudou em nada nessa altura, e não me diverti minimamente com o que fazíamos”. Refere mesmo que, visto não ser do Porto, a mudança foi muito complicada e a praxe nem a conhecer a cidade ajudou. “Obrigavam-me a estar cedo na faculdade e a ir muito tarde para casa sozinha, não tendo tempo para mais nada”. Faz questão de referir que “No caso da minha faculdade, a praxe não é muito agressiva em termos de humilhações”, ainda assim, a estudante de Farmácia acredita que “Era perder tempo gratuitamente. Tempo importante para outras coisas, até porque os caloiros não podiam falar entre si. Só fiz amigos na faculdade durante as aulas, depois de sair da praxe”. Na sua opinião, “a praxe podia ser um espaço em que os estudantes partilhassem experiências e debatessem assuntos ou uma forma de se divertirem todos juntos sem

hierarquias e regras. O mote da praxe devia ser incluir ao máximo as pessoas e tratá-las com respeito e igualdade e não excluir quem não faz parte”. A estudante vai mais longe e diz que “Se os estudantes se juntassem para defender causas justas com o empenho com que se juntam para participar na praxe, o ensino superior e muita coisa no nosso país podia ser diferente. Só assim haveria uma verdadeira união de estudantes dentro da Universidade do Porto”. Mas não se fica por aqui. “Penso que este é um problema que os estudantes vão ter de resolver futuramente entre si, pois estarmos a perder o nosso espírito crítico e o poder que tínhamos para mudar e para revolucionar”, conclui.

OUTRAS FORMAS DE INTEGRAÇÃO ACADÉMICA Desde cedo que diversos manifestos anti-praxe foram já assinados, inclusivamente por personalidades.

O mais recente data de 2003 e foi assinado por personalidades como Pacman, Manuel Cruz, Eduardo Prado Coelho, Rosa Mota e Pedro Abrunhosa. A praxe é então uma tradição já inerente ao ensino Universitário do nosso País. Ainda assim, os alunos podem optar por fazer ou não parte desta tradição. As concepções sobre este assunto são diversas e envolvem todos os membros da comunidade académica. Mesmo os professores, que parecem por vezes distantes deste tipo de acções, têm uma palavra a dizer. Uma das posições mais demarcadas é a da Faculdades de Belas-Artes (FBAUP) da Universidade do Porto. Não é anti-praxe, apenas não a pratica. Após o Luto Académico de 1969, Belas Artes nunca retomou as praxes, sendo, na sua generalidade, anti-praxista. Arquitectura integrada na data na FBAUP, levou consigo, para o Campo Alegre, esse legado. Mas neste caso foi diferente. A Faculdade de

Medicina, em parceria com Letras e Ciências, inicia na praxe cerca de 60 pessoas de Arquitectura, do 1º ao 5º ano. Neste momento, na Faculdade de Arquitectura já há um grupo de alunos que pratica a praxe, tal como nas outras instituições. Cristina Ferreira, docente na Faculdade de Belas Artes, refere que já nos seus anos de estudante nesta faculdade a praxe não existia. Simplesmente “não é uma opção”. Apesar de participar nas restantes actividades académicas, a praxe não chega a ser considerada. Cristina Ferreira atribui este factor ao facto de, no meio artístico, a praxe não ser vista com bons olhos. Há ideias pré-concebidas acerca da praxe na Faculdade. Em Belas-Artes, os alunos são “desencorajados” a participar em praxe e a não usar o traje académico, primando pela sua individualidade e singularidade, curiosamente o contrário do que acontece nas restantes instituições. Os alunos também não estão muito

interessados nisso. Cristina Ferreira diz que “a praxe é importante desde que não ultrapasse os limites. É um rito de iniciação que devia ser opção para todos.” A professora conta o caso de uma aluna de Belas-Artes que pediu autorização à direcção da faculdade para trajar, o que nem seria necessário. A aluna é que sentiu necessidade de o fazer tendo em conta a política da faculdade em relação à praxe”. Em outras Instituições da Academia do Porto, onde a praxe é praticada e aceite, a opinião dos professores não diverge muito da de Cristina Ferreira. Helena Lima, docente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, participou na praxe enquanto aluna, mas considera que “a praxe da altura era muito diferente da que se pratica agora, (…) não tinha esta conotação de regime militar”. Mas acredita que a praxe pode consistir num elemento de integração, mas dependendo muito da forma como é

praticada. Não deixa de reparar que a praxe pode prejudicar o percurso académico dos alunos. “Eles querem cumprir os próprios horários. Estão nas aulas e a pensar que o professor nunca mais se cala para irem para a praxe. É claro que não estão com atenção”. Tal como as docentes Helena Lima e Cristina Ferreira, Luís Mira Vieira, docente no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), frequentou a praxe enquanto caloiro da Faculdade de Farmácia. Achou a “experiência muito interessante”, ainda que não tenha continuado como doutor de praxe. “Eram brincadeiras muito engraçadas. Na altura ficava mesmo chateado, mas agora conto-as a toda a gente. (…) Uma vez obrigaram-me a medir a fachada toda do edifício com um palito”. Admite que actualmente já não está muito a par das tradições, mas considera que “a praxe pode ser uma óptima forma de integração, uma vez que é complicado para alunos que vêm de fora e não conhecem ninguém”. Na opinião de Luís Vieira, a praxe pode mesmo ser uma boa forma de incentivar os alunos a estudar, uma vez que influencia o ambiente entre os alunos. “Se os alunos se sentirem bem e integrados, sentemse incentivados. Se não, podem nem sequer ter vontade de estar ali”. Mas o docente refere que a praxe também constitui um foco de distracção. “Noto que às quintasfeiras, [dia de praxe de alguns cursos no ICBAS], os alunos estão na aula mas estão sempre muito agitados. Fisicamente estão lá, mas a cabeça já está na praxe”. Para contornar isto, sugere que “os alunos comecem a aprender a gerir os seus horários. Se amanhã têm um relatório importante para entregar, claro que hoje não vão à praxe”. Até porque “no final do curso não é a praxe que lhes vai arranjar emprego”, sublinha. Mas a praxe, para os estudantes, tem um carácter muito mais complexo do que parece e que exige uma grande disponibilidade e dedicação. Assim, existem alunos que fazem da praxe uma das ocupações mais importantes da sua vida académica e outros preferem simplesmente dar prioridade a outras actividades por eles mais valorizadas. Joana Borges chegou ao Curso de Ciências da Informação com a ideia de que a praxe “iria valer a pena”, o irmão sempre lhe tinha dito que “era uma óptima maneira de integração e que assim poderia conhecer muitas pessoas do seu curso”. E a verdade é que a praxe não a desiludiu. Neste momento, Joana Borges frequenta o primeiro ano de

Ciências da Comunicação porque entretanto mudou de curso. Mas continua a frequentar a praxe de Ciências da Informação, onde já é semi-puto [doutor de praxe com duas matrículas]. È difícil conciliar, são ambos em pólos diferentes da faculdade, mas Joana é resoluta. “Tenho de fazer imensas viagens. Mas eu acho que vale a pena. (…) Foi com aquelas pessoas que passei os meus momentos de caloira, por isso não fazia sentido mudar.” Para Joana, a praxe é muito importante e, enquanto semi-puto sabe que tem muito a aprender mas está disposta a fazê-lo. “A praxe é para os caloiros, logo há uma grande organização por trás. Nós, semi-putos, temos a função de levar o maior número de caloiros e assistir à praxe, para que para o ano possamos ser bons praxistas.” Para a aluna, a praxe pode ser muito marcante. “Eu sou muito extrovertida e se calhar não tinha problema em falar com as pessoas, mas a verdade é que existem pessoas muito caladas e tímidas que, com a praxe, se integram mais facilmente num grupo”. Sublinha ainda que considera não existir qualquer tipo de humilhações em praxe. “Nós fazemos com que as pessoas se sintam no máximo à vontade e as pessoas de fora, que não têm conhecimento, dizem muitas vezes que na praxe se passam vergonhas e que as pessoas fazem coisas que jamais fariam noutro sítio, mas não é bem assim”. A sua função enquanto doutora de 2º ano, “é fazer com que ninguém do exterior veja a praxe. Os próprios caloiros estão impossibilitados de ver quando um está a ser praxado individualmente. Isso é mesmo opinião de quem não está presente”. “A praxe serviu mesmo para eu me sentir muito à vontade. Dia após dia sentes-te cada vez melhor de lá estar”, conclui. Margarida Pinto é aluna do 1º ano da Faculdade de Direito e no secundário, não sabia o que era a praxe e chegou ao Porto sem expectativas. Lembrava-se da irmã chegar a casa cheia de ovos na cabeça, mas como a própria refere, “agora sei que é muito mais que isso”. Para além de lhe proporcionar momentos muito bons, acredita que a praxe lhe é útil na vida e no percurso académico, enquanto aluna de Direito. “Mantenho-me na praxe porque já tive momentos muito bons e mesmo com os menos bons, aprendi muito com eles. Daqui para a frente, as coisas não vão correr sempre bem, muito pelo contrário. E acho que a praxe acaba por me preparar muito

para isso. E se calhar hoje quando alguém estiver a gritar comigo ou estiver numa oral de direito, terei uma postura completamente diferente da que teria há um tempo atrás”, afirma. A aluna de Direito acredita ainda que a praxe foi muito importante no processo de integração. “Eu não conhecia ninguém e foi na praxe que conheci. A verdade é que o meu grupo de amigos e as pessoas com quem partilho mais coisas são da praxe, não porque eu seja antisocial com as pessoas que não são da praxe ou queria seleccionar, porque não selecciono”, sublinha. Para Margarida, a praxe tem agora “muita importância”. “Se for preciso todos os dias tenho coisas da praxe”. Ainda que reconheça que por vezes o facto de ter estas actividades de praxe façam com que vá menos às aulas, a praxe tornou-se mesmo uma parte vital da vida académica que a aluna não dispensaria. “Se estamos na universidade, devemos aproveitar tudo aquilo que ela nos pode dar e nesse caso, acho que devo aproveitar a praxe”, refere. Relativamente à sua faculdade em particular, explica que se acredita que “a praxe em Direito é mais dura, há mais rigidez, mas a verdade é que praxar um médico não é a mesma coisa que praxar um juiz. Acredito que muitas das coisas que acontecem na praxe têm um porquê. Não sabemos é esses porquês logo no primeiro ano.” “Lembro-me que no primeiro dia éramos imensa gente nos degraus da faculdade à espera da primeira sessão de praxe e no final desse dia só restavam muito poucos”. Assim, acredita que “se a praxe fosse mais suave nos primeiros dias se calhar tinha ficado mais gente, mas não sei até que ponto é que isso era bom, porque é importante ver até onde as pessoas podem ir”. E Margarida não duvida de que um dos objectivos da praxe “é conseguir pessoas que realmente consigam aguentar” e por isso, “há uma selecção de forma natural na primeira semana. As pessoas mais frágeis não conseguem mas a partir do momento em que aguentas as primeiras semanas, ficas até ao fim”. Assim, no próximo ano, quer praxar os novos caloiros e partilhar com eles aquilo que este ano partilharam com ela. “Para mim seria estúpido não praxar porque acho que estaria a ser egoísta. Se eu tive a oportunidade de viver coisas, quero proporcioná-lo a outras pessoas”. Considera ainda que “é importante praxar. Mas é importante praxar tendo sido um bom caloiro, porque


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