Golpe de 64 e Ditadura Militar

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O Golpe de 1964 e a Ditadura Militar em Perspectiva

Sabemos que, descontadas suas importantes variações, inclusive a que se acabou de resumir, o núcleo dessa posição tem se tornado, nos anos recentes, bastante persuasivo para uma parcela (talvez não desprezível) da esquerda brasileira, embora nem um pouco popular entre os cientistas políticos. Estes, ao contrário, buscam valorizar as conquistas democráticas do Brasil contemporâneo. Mas não é preciso nutrir qualquer simpatia pela tese continuísta para resgatar um significado mais amplo da questão que, agora sim, nos fará remeter diretamente ao que se discutiu antes. O próprio Arantes parece não ter se dado conta disso no momento em que escreveu o ensaio sobre o golpe de 1964 e a ditadura. Mas depois, em outro lugar9, ele se permitirá ligar o debate sobre o assunto com o diagnóstico de época que expõe no primeiro ensaio do livro. A ligação é feita por uma espécie de “metatese” à sua própria tese da continuidade da ditadura em nossa vigente democracia. Eis então, diz ele, que o debate acalorado sobre esse capítulo da história brasileira revela um mal-estar coletivo, que contamina todos os polos da discussão: é como se o golpe de 1964 tivesse acontecido agora pouco, “anteontem”, e não há cinquenta anos. Mas essa percepção nada mais seria do que um sintoma da própria época em que vivemos. Vale ter em mente esses dois registros em que se move o autor. Ele parece deslocar-se com facilidade entre um e outro, mas, a rigor, sua combinação é questionável. Assim, no primeiro, ele se faz partícipe de um processo político, ajuizando-o, e flerta com o discurso de que a ditadura – formalmente encerrada há três décadas – de fato ainda continua entre nós, “exceto pelo nome”. No outro, o mesmo autor (mas poderia ser outro) toma distância daquele processo, e procura explicar, graças a um diagnóstico de época, por que ele e tantas outras pessoas estariam hoje dispostas a assumir um juízo tão drástico. Mas isso se faz ao preço de relativizar a posição inicial, como se agora dissesse: de fato, as coisas podem não ter sido bem assim, mas os tempos instigam as pessoas a pensar desse jeito. De modo que o movimento entre os dois níveis não é tão suave como se poderia supor. É tentador, aliás, jogar um registro contra o outro. Vejamos. Quando contemplamos as várias rememorações e manifestações públicas contra ou a favor do golpe de 1964 dos últimos anos, inclusive o atual, em que o evento completa cinquenta anos, é possível sentir exatamente o que está indi9

Ver o debate que se promoveu sobre o livro, com a participação do autor, e publicado no YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=6Hq6VPYQ_-0).


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